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Qualidade de vida relacionada à saúde de profissionais de enfermagem na Bahia na pandemia da COVID-19a a Artigo extraído da dissertação de mestrado "Qualidade de vida relacionada à saúde de profissionais de enfermagem na Bahia em tempos de pandemia pela COVID-19", de autoria Maria Adriana Mota Rocha. Orientador: Fernando Martins Carvalho, Programa de Pós-graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia. Ano de defesa 2021

Calidad de vida de los profesionales de enfermería en Bahía, Brasil, en la pandemia COVID-19

RESUMO

Objetivo

Identificar fatores associados à qualidade de vida relacionada à saúde de profissionais de enfermagem da Bahia durante a pandemia da COVID-19.

Método

Estudo transversal, amostragem tipo snowball com 113 enfermeiras(os) e técnicas(os) de enfermagem. De setembro/2020 a maio/2021, num formulário eletrônico, coletaram-se informações sociodemográficas, ocupacionais, epidemiológicas e de qualidade de vida, avaliada pelo questionário WHOQOL-BREF nos seus domínios Físico, Psicológico, Relações sociais e Meio ambiente. Utilizou-se regressão linear múltipla para identificar fatores associados à variação dos domínios do WHOQOL-BREF.

Resultados

Baixos escores de qualidade de vida associaram-se significantemente a várias características dos profissionais: ser caso suspeito de COVID-19, no domínio Físico; ficar sem exercer a profissão por causa da COVID-19, nos domínios Físico e Psicológico; trabalhar exclusivamente em instituições privadas, no domínio Relações sociais; ter mais idade, no domínio Relações sociais; e não receber apoio social de outras pessoas, nos domínios Físico, Psicológico, Relações sociais e Meio Ambiente.

Conclusão e implicações para a prática

Ter mais idade, vínculo exclusivo com instituição privada, ser caso suspeito de COVID-19, ficar sem exercer a profissão por causa da COVID-19 e não receber apoio social associaram-se à baixa qualidade de vida de profissionais de enfermagem durante a pandemia.

Palavras-chave:
Apoio social; COVID-19; pandemias; profissionais de enfermagem; qualidade de vida

RESUMEN

Objetivo

Identificar factores asociados a la calidad de vida relacionada con la salud de los profesionales de enfermería de Bahía, Brasil, durante la pandemia de COVID-19.

Método

Estudio transversal, muestreo bola de nieve, con 113 enfermeros y técnicos de enfermería. De septiembre 2020 a mayo 2021, en formulario electrónico, fueron recolectadas informaciones sociodemográficas, ocupacionales, epidemiológicas y de calidad de vida, evaluadas por el cuestionario WHOQOL-BREF en sus dominios Físico, Psicológico, Relaciones Sociales y Medio Ambiente. Se utilizó la regresión lineal múltiple para identificar factores asociados con los dominios del WHOQOL-BREF.

Resultados

Los puntajes bajos de calidad de vida se asociaron significativamente con ser un caso sospechoso de COVID-19 (en el dominio Físico); no ejercer la profesión a causa del COVID-19 (dominios Físico y Psicológico); trabajar exclusivamente en instituciones privadas (Relaciones Sociales); mayor edad (Relaciones Sociales); y no recibir apoyo social (en los dominios Físico, Psicológico, Relaciones Sociales y Medio Ambiente).

Conclusión e implicaciones para la práctica

Mayor edad, tener vinculación exclusiva con una institución privada, ser caso sospechoso de COVID-19, no ejercer la profesión a causa del COVID-19 y no recibir apoyo social se asociaron con la baja calidad de vida de los profesionales de enfermería durante la pandemia.

Palabras clave:
Apoyo social; COVID-19; pandemias; profesionales de enfermería; calidad de vida

ABSTRACT

Objective

To identify factors associated with the health-related quality of life of nursing professionals in Bahia, Brazil, during the COVID-19 pandemic.

Method

Cross-sectional study with snowball sampling including 113 nurses and nursing technicians. From September 2020 to May 2021, sociodemographic, occupational, epidemiological, and quality of life information was collected in an electronic form and evaluated with the WHOQOL-BREF questionnaire, according to its Physical, Psychological, Social relations, and Environmental domains. Multiple linear regression was used to identify factors associated with variation in the four quality of life domains of the WHOQOL-BREF.

Results

Low mean quality of life scores were significantly associated with being a suspected case of COVID-19 (in the Physical domain), withdrawing from professional practice due to COVID-19 (Physical and Psychological domains), working exclusively in private institutions (Social relations), older age (Social relations), and lack of social support (in the Physical, Psychological, Social Relations, and Environmental domains).

Conclusion and implications for the practice

Older age, exclusive work in private institutions, being a suspected case of COVID-19, withdrawing from professional practice due to COVID-19, and lack of social support were associated with lower quality of life of nursing professionals during the pandemic.

Keywords:
Social support; COVID-19; pandemics; nursing professionals; quality of life

INTRODUÇÃO

Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de uma nova cepa (tipo) de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos.11 Organização Pan Americana da Saúde. Covid 19 [Internet]. Brasília: OPAS; 2020 [citado 2021 out 30]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/coronavirus
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Em 30 de janeiro de 2020, o Diretor-Geral da OMS declarou que o surto atual constituía uma Emergência de Saúde de Interesse Internacional. A evidência atual disponível é que o vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, transmite-se entre pessoas por meio de contato e gotas. Há maior risco de infecção para quem está em contato com um paciente com COVID-19 e/ou cuida de pacientes com essa doença, o que, inevitavelmente, coloca os profissionais de saúde em alto risco de infecção.22 World Health Organization. Health workers exposure risk assessment and management in the context of COVID-19 virus: interim guidance [Internet]. Geneva: WHO; 2020 [citado 2021 out 30]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/331340
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A essência da profissão de enfermagem é o processo de cuidar. Esse processo não se restringe ao desenvolvimento de atividades técnicas; envolve também conhecimento científico, sentimentos e emoções. Em uma situação de pandemia, o desgaste físico e mental é comum entre esses trabalhadores, dificultando o agir com ética e responsabilidade em meio à sobrecarga de trabalho.33 Miranda FMD, Santana LL, Pizzolato AC, Sarquis LMM. Working conditions and the impact on the health of the nursing professionals in the context of COVID-19. Cogitare Enferm. 2020;25:e72702. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v25i0.72702.
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Geralmente, as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem incluem extensas jornadas, ritmo intenso, desvalorização profissional, conflitos interpessoais, entre outros fatores desencadeantes de desgastes físicos e psíquicos.44 Santana LL, Sarquis LLM, Miranda FMA. Riscos psicossociais e a saúde dos trabalhadores de saúde: reflexões sobre a Reforma Trabalhista Brasileira. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 1):e20190092. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0092. PMid:32667479.
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Esses fatores podem impactar de maneira acentuada a qualidade de vida relacionada à saúde desses profissionais diante do cenário de pandemia a que eles estão submetidos.

Qualidade de vida é definida pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde55 World Health Organization. WHOQOL-BREF: introduction, administration, scoring, and generic version of the assessment [Internet]. Geneva: WHO; 1996 [citado 2021 out 30]. p. 1-16. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/63529
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:3 como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Estudos demonstram impactos negativos sobre a qualidade de vida de enfermeiros ocasionados pela depressão durante a pandemia de COVID-19.66 An Y, Yang Y, Wang A, Li Y, Zhang Q, Cheung T et al. Prevalence of depression and its impact on quality of life among frontline nurses in emergency departments during the COVID-19 outbreak. J Affect Disord. 2020;276:312-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.jad.2020.06.047. PMid:32871661.
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,77 Tian ZR, Xie X, Li XY, Li Y, Zhang Q, Zhao YJ et al. Prevalence of depression and its impact on quality of life in frontline otorhinolaryngology nurses during the COVID-19 pandemic in China. PeerJ. 2021;9:e11037. http://dx.doi.org/10.7717/peerj.11037. PMid:33976957.
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Além dos impactos sobre o profissional, a má qualidade de vida em uma ou mais dimensões dos profissionais da equipe de saúde pode comprometer a dinâmica de atendimento, gerando prestação inadequada de serviços com prejuízo institucional e, principalmente, para a assistência aos pacientes.88 Paschoa S, Zanei SSV, Whitaker IY. Qualidade de vida dos trabalhadores de enfermagem de unidades de terapia intensiva. Acta Paul Enferm. 2007;20(3):305-10. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002007000300010.
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Existem poucos estudos sobre a qualidade de vida relacionada à saúde de profissionais de enfermagem brasileiros durante a pandemia da COVID-19. Este estudo é pioneiro nessa temática no Estado da Bahia e pode contribuir na produção de conhecimento e efetivação de intervenções que visem a melhoria ou manutenção da qualidade de vida de enfermeiras(os) e técnicas(os) de enfermagem que atuam na linha de frente no enfrentamento dessa pandemia.

O presente estudo objetivou identificar fatores associados à qualidade de vida relacionada à saúde de profissionais de enfermagem no Estado da Bahia durante a pandemia de COVID-19.

MÉTODO

Foi realizado um estudo de corte transversal. A amostra foi realizada por conveniência, do tipo virtual snowball.99 Baltar F, Brunet I. Social research 2.0: virtual snowball sampling method using Facebook. Internet Res. 2012;22(1):57-74. http://dx.doi.org/10.1108/10662241211199960.
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O link da pesquisa foi compartilhado em grupos de WhatsApp, e-mail e grupos de enfermagem no Facebook. Os dados foram coletados no período de setembro de 2020 a maio de 2021. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário aplicado via Google Forms, que coletou dados demográficos (raça, sexo, idade, renda familiar, local de residência, vínculo empregatício, formação e estado civil), questões sobre a COVID-19 e sobre qualidade de vida relacionada à saúde, usando o questionário WHOQOL-BREF. Foram incluídos apenas as(os) 124 enfermeiras(os) e técnicas(os) de enfermagem do Estado da Bahia.

Dois profissionais foram excluídos por duplicação do questionário; quatro por não haver respondido mais de uma questão do WHOQOL-BREF; três por não ter respondido a mais de uma questão sobre COVID e dois por não terem respondido à informação sobre sexo e idade. Assim, a amostra final resultou em N=113 indivíduos.

As questões sobre COVID-19 ofereciam as seguintes opções de respostas, numa escala do tipo likert: Frequentemente; Às vezes; Neutro; Raramente; e Nunca. Essas respostas foram posteriormente codificadas como: Frequentemente e Às vezes = Sim; Neutro, Raramente e Nunca = Não.

O questionário WHOQOL-BREF contém 26 questões: duas gerais de qualidade de vida e as demais 24 divididas em quatro domínios que avaliam a qualidade de vida física (sete questões), psicológica (seis questões), das relações sociais (três questões) e do meio ambiente (oito questões). As respostas seguem uma escala de Likert de cinco pontos que permitem o cálculo de um escore por dimensão e, após transformação matemática, variam de 0 a 100; as maiores pontuações indicam melhor qualidade de vida. Esse instrumento abreviado surgiu da necessidade do Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde em utilizar instrumentos mais curtos e de rápida aplicação, porém com características psicométricas satisfatórias.55 World Health Organization. WHOQOL-BREF: introduction, administration, scoring, and generic version of the assessment [Internet]. Geneva: WHO; 1996 [citado 2021 out 30]. p. 1-16. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/63529
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O WHOQOL-BREF foi traduzido e validado no Brasil em uma amostra de 300 indivíduos, sendo 125 ambulatoriais e 125 internados em um hospital de clínicas e 50 voluntários-controle.1010 Fleck MPA, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L et al. Aplicação da versão em português do instrumento abreviado de avaliação da qualidade de vida “WHOQOL-bref. Rev Saude Publica. 2000;34(2):178-83. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102000000200012. PMid:10881154.
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Um estudo com 3.574 trabalhadores de uma universidade do Rio de Janeiro avaliou propriedades psicométricas do WHOQOL-BREF. Foram encontrados níveis de consistência interna, avaliada pelo alpha de Cronbach, variando entre 0,69 e 0,79. A confiabilidade teste-reteste, avaliada pelo coeficiente de correlação intraclasse, variou entre 0,76 e 0,91 nos diferentes domínios.1111 Moreno AB, Faerstein E, Werneck GL, Lopes CS, Chor D. Psychometric properties of the world health organization abbreviated instrument for quality of life assessment in the Pró-Saúde Study. Cad Saude Publica. 2006;22(12):2585-97. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2006001200009. PMid:17096038.
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A análise estatística foi realizada com a versão 20.0 do software Statistical Package for the Social Sciences™ - SPSS (IBM Corp, Armonk, NY, USA). As variáveis discretas foram expressas em frequências relativas e absolutas e as variáveis contínuas por medidas centrais e de dispersão. Os escores individuais de cada um dos quatro domínios de qualidade de vida foram computados segundo o manual do WHOQOL-BREF.55 World Health Organization. WHOQOL-BREF: introduction, administration, scoring, and generic version of the assessment [Internet]. Geneva: WHO; 1996 [citado 2021 out 30]. p. 1-16. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/63529
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A confiabilidade do instrumento foi avaliada pela consistência interna de seus domínios com uso do Alpha de Cronbach, que varia de 0 a 1: 0 a 0,21 demonstra consistência pequena; 0,21 a 0,40, razoável; 0,41 a 0,60, moderada; 0,61 a 0,80, substancial e 0,81 a 1,0, quase perfeita.1212 Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977;33(1):159-74. http://dx.doi.org/10.2307/2529310. PMid:843571.
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A correlação entre a idade e os valores de cada domínio do WHOQOL-BREF foi avaliada com uso do coeficiente de correlação linear de Pearson. Diferenças de médias de cada domínio do WHOQOL-BREF segundo as diversas variáveis preditoras foram avaliadas por meio de testes t para amostras independentes. As variáveis que alcançaram valor de p<0,20 foram selecionadas para compor quatro modelos de regressão linear múltipla que tiveram como variável dependente os domínios Físico, Psicológico, Relações sociais e Meio ambiente. As variáveis preditoras de cada modelo foram inseridas em bloco, usando o método Enter. Nos modelos finais ajustados, permaneceram apenas as variáveis independentes que alcançaram valor de p<0,05. Na análise de resíduos estudentizados, os casos que apresentaram variação de ±3,000 desvios padrão foram considerados como outliers.

Por se tratar de um estudo com amostragem não probabilística, não foi feita inferência estatística a partir dos resultados encontrados. Os valores P obtidos a partir de testes t para comparação de médias entre subgrupos foram utilizados para seleção das variáveis que compuseram cada modelo de regressão logística múltipla. Por sua vez, a técnica de regressão linear múltipla foi utilizada apenas para ajustar os coeficientes de regressão brutos e padronizados (também chamados de coeficientes BETA) obtidos para as variáveis preditoras em cada modelo, sem que fosse realizada inferência estatística.

Os coeficientes de regressão padronizados permitem comparações diretas entre as variáveis presentes no modelo porque independem das escalas nas quais as diversas variáveis foram medidas. Coeficientes BETA são obtidos pela transformação dos dados em Z-escores antes da realização da regressão.1313 SPSS Inc. SPSS® Base 7.0 Applications guide. Chicago: SPSS Inc.; 1996. p. 171.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Bahia (CEP) e pelo CONEP no parecer de número 3.961.917. O anonimato e o sigilo foram garantidos por meio do termo de consentimento assinado no momento que a pessoa prosseguiu com as respostas, por ser um instrumento online.

RESULTADOS

Onze (9,7%) dos 113 entrevistados avaliaram sua qualidade de vida relacionada à saúde como Ruim ou Muito ruim e 15 (13,3%) estavam insatisfeitos ou muito insatisfeitos com a sua saúde. A média de idade da população do estudo foi de 38,0 ± 8,3 anos, variando de 21 a 60 anos, com mediana de 37 anos. A idade correlacionou-se negativamente com os domínios Físico (-0,29; p=0,002), Psicológico (-0,29; p=0,002), Relações Sociais (-0,38; p< 0,001) e Meio Ambiente (-0,16; p=0,087).

O escore médio de qualidade de vida foi mais elevado no domínio Físico (69,7 ± 16,5) e mais baixo no domínio Meio ambiente (53,7 ± 15,0). Todos os domínios apresentaram consistência interna satisfatória (Tabela 1).

Tabela 1
Domínios da qualidade de vida de 113 profissionais de enfermagem, Estado da Bahia, Brasil, 2021.

Nas análises bivariadas, técnicos(as) de enfermagem apresentaram escore médio de qualidade de vida substancialmente menor no domínio Meio-ambiente que enfermeiras(os): 47,8±13,8 versus 56,2±14,7, respectivamente. Profissionais com renda baixa (até R$3.900,00), comparados aos que referiram renda igual ou maior que R$4.000,00, apresentaram escores médios mais baixos nos domínios qualidade de vida Psicológico (63,0±14,8 versus 69,5±14,6), Relações Sociais (55,9±18,2 versus 64,1±19,8) e Meio Ambiente (49,0±13,6 versus 59,3±14,8), respectivamente. Profissionais que trabalhavam em instituições privadas apresentaram escore médio de Qualidade de vida no domínio Relações sociais mais baixo que profissionais que trabalhavam simultaneamente em instituições públicas e privadas (53,6±19,2 versus 65,4±17,8) (Tabela 2).

Tabela 2
- Escores dos domínios de qualidade de vida (média ± desvio-padrão) segundo características sociodemográficas e ocupacionais de profissionais de enfermagem, Bahia, 2021.

O escore médio do domínio Físico de qualidade de vida foi marcadamente mais baixo nos profissionais de enfermagem que referiram ter diagnóstico presente ou passado de COVID-19, nos que referiram ser caso suspeito de COVID e nos que referiram ter ficado sem exercer a profissão por causa da COVID-19. No domínio Psicológico, escores médios marcadamente mais baixos foram referidos pelos que ficaram sem exercer a profissão por causa da COVID-19 e nos que se disseram capacitados para atender casos da doença. No domínio Meio ambiente, escore médio marcadamente mais baixo foi encontrado nos profissionais que referiram ter ficado sem exercer a profissão por causa da COVID-19 (Tabela 3).

Tabela 3
- Escores dos domínios de qualidade de vida (média ± desvio-padrão) segundo aspectos relacionados à pandemia da COVID-19 em profissionais de enfermagem, Bahia, 2021.

Profissionais de enfermagem que referiram cumprir todas as tarefas do seu trabalho apresentaram escore médio de qualidade de vida mais baixo no domínio Psicológico e, principalmente, no domínio Meio Ambiente. Profissionais que referiram receber apoio de outras pessoas (que não colegas de trabalho), comparados aos que não referiram receber esse tipo de apoio, apresentaram escore médio substancialmente mais alto nos quatro domínios de qualidade de vida: Físico (18,2 pontos percentuais a mais = 83,1 – 64,9), Psicológico (16,5 pontos a mais), Relações sociais (22,4 pontos a mais) e Meio ambiente (13,3 pontos a mais) (Tabela 4).

Tabela 4
Escores dos domínios de qualidade de vida (média ± desvio-padrão) segundo aspectos ocupacionais relacionados à pandemia da COVID-19 em profissionais de enfermagem, Bahia, 2021.

O modelo multivariado estimou que o escore médio do domínio Físico de profissionais de enfermagem que eram casos suspeitos de COVID-19 foi 10,510 unidades (%) mais baixo do que os não suspeitos; foi 9,578 unidades mais baixo em indivíduos que ficaram sem exercer a profissão por causa da COVID-19 do que o daqueles que não pararam de exercê-la; e 16,510 unidades mais elevado nos profissionais que receberam apoio de outras pessoas (que não seus colegas) em comparação aos profissionais que não receberam tal apoio. O escore médio estimado do domínio Psicológico foi 5,793 pontos percentuais mais baixo em indivíduos que ficaram sem exercer a profissão por causa da COVID-19 e 15,146% mais elevado nos profissionais que receberam apoio de outras pessoas. O escore médio estimado do domínio Relações sociais diminuiu 0,855 unidades percentuais a cada ano de idade do profissional de enfermagem; foi 12,358% mais elevado nos profissionais que trabalhavam em instituição pública ou pública mais privada do que naqueles que trabalhavam exclusivamente em instituições privadas; e 16,769% mais elevado nos profissionais que receberam apoio de outras pessoas. O escore médio estimado para o domínio Meio ambiente foi 9,592% mais elevado nos profissionais que receberam apoio de outras pessoas (que não seus colegas) em comparação aos profissionais que não receberam tal apoio. Os coeficientes padronizados (BETA) para a variável “receber apoio de outras pessoas” foram os mais elevados dentre todas as variáveis contidas em cada modelo, em todos os quatro domínios de qualidade de vida. Também se destacaram os BETA para as variáveis Idade (-0,371) e Instituição de trabalho (0,324) no domínio Relações sociais, cujo BETA foi igual a 0,389 (Tabela 5).

Tabela 5
Coeficientes de regressão não padronizados e padronizados de equações de regressões lineares múltiplas, tendo os quatro domínios de Qualidade de vida do WHOQOL-BREF como variável dependente segundo variáveis preditoras em profissionais de enfermagem do Estado da Bahia, Brasil, 2020/2021.

A análise de resíduos revelou um “outlier” no modelo do domínio Psicológico e outro no modelo do domínio Relações sociais, com valores de resíduo estudentizado de -4,273 e 3,208, respectivamente. Esses indivíduos foram excluídos dos respectivos modelos. O modelo linear múltiplo se ajustou bem aos dados dos quatro domínios, como revelado por valores da ANOVA <0,001. Colinearidade entre os preditores foi irrelevante. A estatística de colinearidade Tolerância foi sempre elevada nos quatro modelos, mantendo-se na faixa de 0,605 a 0,919. Valores de Tolerância próximos a zero indicam que a variável tem desempenho linear que se assemelha à combinação de outra ou outras variáveis do modelo (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Dentre os quatro domínios de qualidade de vida investigados neste estudo, o domínio Meio ambiente foi o que apresentou escore médio mais baixo, corroborando resultados de muitos estudos sobre qualidade de vida de profissionais de enfermagem do Brasil que utilizaram o WHOQOL-BREF.88 Paschoa S, Zanei SSV, Whitaker IY. Qualidade de vida dos trabalhadores de enfermagem de unidades de terapia intensiva. Acta Paul Enferm. 2007;20(3):305-10. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002007000300010.
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,1414 Paula JJ, Costa DS, de Oliveira Serpa AL, Silva AG, Pinheiro MIC, Malloy-Diniz LF et al. Quality of life of health care professionals in pandemic times. Clin Neuropsychiatry. 2021;18(3):113-8. http://dx.doi.org/10.36131/cnfioritieditore20210301. PMid:34909028.
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Comparando os resultados obtidos para profissionais de enfermagem da Bahia com os dados normativos de qualidade de vida procedentes de uma população geral do Sul do Brasil,2424 Cruz LN, Polanczyk CA, Camey SA, Hoffmann JF, Fleck MP. Quality of life in Brazil: normative values for the WHOQOL-bref in a southern general population sample. Qual Life Res. 2011;20(7):1123-9. http://dx.doi.org/10.1007/s11136-011-9845-3. PMid:21279448.
http://dx.doi.org/10.1007/s11136-011-984...
o presente estudo apresentou escore médio mais alto no domínio Físico (69,7 versus 58,9), semelhante no Psicológico (66,0 versus 65,9), mais baixo no Meio ambiente (53,7 versus 59,9) e muito mais baixo no domínio Relações sociais (59,7 versus 76,2).

Após o início da pandemia da COVID-19, dois artigos1414 Paula JJ, Costa DS, de Oliveira Serpa AL, Silva AG, Pinheiro MIC, Malloy-Diniz LF et al. Quality of life of health care professionals in pandemic times. Clin Neuropsychiatry. 2021;18(3):113-8. http://dx.doi.org/10.36131/cnfioritieditore20210301. PMid:34909028.
http://dx.doi.org/10.36131/cnfioritiedit...
,2525 Caliari JS, Santos MAD, Andrechuk CRS, Campos KRC, Ceolim MF, Pereira FH. Quality of life of nurse practitioners during the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2021;75(Suppl 1):e20201382. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1382. PMid:34669786.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020...
avaliaram a qualidade de vida de profissionais de enfermagem no Brasil, utilizando o WHOQOL-BREF. Um estudo2424 Cruz LN, Polanczyk CA, Camey SA, Hoffmann JF, Fleck MP. Quality of life in Brazil: normative values for the WHOQOL-bref in a southern general population sample. Qual Life Res. 2011;20(7):1123-9. http://dx.doi.org/10.1007/s11136-011-9845-3. PMid:21279448.
http://dx.doi.org/10.1007/s11136-011-984...
avaliou a qualidade de vida relacionada à saúde de 16.640 enfermeiras e 3.152 auxiliares de enfermagem de todo o Brasil, usando a plataforma SurveyMonkey@, de março a maio de 2020, portanto, durante o início da pandemia. Em geral, os resultados encontrados nesse estudo foram semelhantes aos encontrados entre profissionais de enfermagem da Bahia para os domínios Físico e Psicológico. Entretanto, o escore médio de enfermeiras da Bahia foi mais baixo no domínio Meio ambiente (53,7 versus 57,4), assim como o de auxiliares de enfermagem foi mais baixo no domínio Relações sociais (59,7 versus 62,9). O outro estudo2525 Caliari JS, Santos MAD, Andrechuk CRS, Campos KRC, Ceolim MF, Pereira FH. Quality of life of nurse practitioners during the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2021;75(Suppl 1):e20201382. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1382. PMid:34669786.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020...
conduzido online, de junho a julho de 2020, investigou 572 enfermeiras, auxiliares e técnicos de enfermagem de todo o Brasil. Os escores médios relatados nesse estudo, comparados com os observados em profissionais da Bahia, foram pelo menos 10 pontos percentuais mais baixos nos domínios Físico e Psicológico; 4,8 pontos percentuais mais baixo no domínio Relações sociais e semelhantes no domínio Meio ambiente. A comparação dos resultados desses estudos, realizados após o início da pandemia, deve ser feita com cautela, considerando que a coleta de dados do presente estudo ocorreu num período mais avançado da pandemia (setembro de 2020 a maio de 2021).

Comparando escores médios de qualidade de vida de profissionais de enfermagem obtidos em estudos realizados antes88 Paschoa S, Zanei SSV, Whitaker IY. Qualidade de vida dos trabalhadores de enfermagem de unidades de terapia intensiva. Acta Paul Enferm. 2007;20(3):305-10. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002007000300010.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002007...
,1616 Santos RR, Paiva MCMS, Spiri WC. Association between nurses’ quality of life and work environment. Acta Paul Enferm. 2018;31(5):472-9. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201800067.
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17 Coimbra MAR, Miranzi MAS, Araújo APA, Ferreira LA, Santana LC, Silva GN et al. Quality of life of nursing professionals in teaching hospital institutions. Braz J Health Rev. 2021;4(2):8657-72. http://dx.doi.org/10.34119/bjhrv4n2-380.
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18 Sampaio CL, Almeida PC, Souza ÂMAE, Neri MFS, Silva LAD, Caetano JÁ. Differences between quality of life and occupational coping of tenured and outsourced nurses. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 1):e20190462. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0462. PMid:32667483.
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19 Vidotti V, Martins JT, Galdino MJQ, Ribeiro RP, Robazzi MLCC. Burnout syndrome, occupational stress and quality of life among nursing workers. Enferm Glob. 2019;18(3):344-76. http://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.3.325961.
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21 Silva KG, Parreira PMSD, Soares SSS, Coropes VBAS, Souza NVDO, Farias SNP. Qualidade de vida nos profissionais de enfermagem que exercem funções na estratégia saúde da família. Rev Enf Ref. 2020;serV(4):e20028. http://dx.doi.org/10.12707/RV20028.
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22 Rios KA, Barbosa DA, Belasco AG. Evaluation of quality of life and depression in nursing technicians and nursing assistants. Rev Lat Am Enfermagem. 2010;18(3):413-20. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692010000300017. PMid:20721431.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692010...

23 Vitorino LM, Monteiro FP, Silva JV, Dias EN, Santos AEO. Qualidade de vida da equipe de enfermagem em urgência e emergência. Rev Ciênc Méd (Campinas). 2014;2(23):83-9. http://dx.doi.org/10.24220/2318-0897v23n2a2527.
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-2424 Cruz LN, Polanczyk CA, Camey SA, Hoffmann JF, Fleck MP. Quality of life in Brazil: normative values for the WHOQOL-bref in a southern general population sample. Qual Life Res. 2011;20(7):1123-9. http://dx.doi.org/10.1007/s11136-011-9845-3. PMid:21279448.
http://dx.doi.org/10.1007/s11136-011-984...
e após o início da pandemia,1414 Paula JJ, Costa DS, de Oliveira Serpa AL, Silva AG, Pinheiro MIC, Malloy-Diniz LF et al. Quality of life of health care professionals in pandemic times. Clin Neuropsychiatry. 2021;18(3):113-8. http://dx.doi.org/10.36131/cnfioritieditore20210301. PMid:34909028.
http://dx.doi.org/10.36131/cnfioritiedit...
,2525 Caliari JS, Santos MAD, Andrechuk CRS, Campos KRC, Ceolim MF, Pereira FH. Quality of life of nurse practitioners during the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2021;75(Suppl 1):e20201382. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-1382. PMid:34669786.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020...
incluindo o presente estudo, pode-se observar que os valores diminuíram no domínio Relações sociais e mantiveram-se comparáveis nos domínios Físico, Psicológico e Meio ambiente.

Ser um “caso suspeito de COVID-19” associou-se fortemente com o domínio Físico da qualidade de vida. A variável “tem/teve diagnóstico de COVID-19”, estreitamente relacionada com a variável anteriormente citada, apresentou associação um pouco mais fraca. Uma possível justificativa para essa diferença pode ter sido o fato de a pandemia ser causada por um vírus novo, com sintomatologia e evolução desconhecida, mortalidade dentro de pequeno tempo de latência, que são fatores que geram insegurança e medo. Esse contexto ocupacional pode levar à somatização e, consequentemente, à apresentação de sintomatologia física. O diagnóstico da COVID-19 pode ter impactado em fatores físicos como sono, tratamento médico e capacidade para o trabalho; porém, a doença foi vencida. Diferentemente, pessoas que foram caso suspeito da COVID-19 vivenciaram o estresse de ter ou não a doença e o receio da diminuição da capacidade produtiva para assumir suas atividades diárias.

Ficar “sem exercer a profissão por causa da COVID-19” pode ter levado os profissionais de enfermagem a desenvolverem sentimentos negativos e de baixa autoestima, à interrupção da rotina diária que diminui a produtividade e, consequentemente, a renda familiar, impactando no domínio Psicológico da qualidade de vida.

Quanto maior a idade, menor foi a qualidade de vida no domínio Relações Sociais, o que pode estar relacionado à menor atividade sexual, menor vigor físico e maior presença de doenças com o passar dos anos.

Profissionais que trabalhavam em instituição “pública ou Pública e privada” apresentaram escore médio de qualidade de vida no domínio Relações sociais 12,358 pontos percentuais mais elevado do que aqueles que trabalhavam exclusivamente em instituições privadas. Essa diferença pode ser explicada pelo ambiente por vezes hostil em instituições privadas, que pode afetar as relações pessoais e a falta de apoio no ambiente ocupacional. Profissionais que atuam em hospitais terciários (com maior complexidade) têm qualidade de vida mais baixa e maior risco de depressão.2626 Li W, Yang Y, Liu ZH, Zhao YJ, Zhang Q, Zhang L et al. Progression of mental health services during the COVID-19 outbreak in China. Int J Biol Sci. 2020;16(10):1732-8. http://dx.doi.org/10.7150/ijbs.45120. PMid:32226291.
http://dx.doi.org/10.7150/ijbs.45120...

Receber apoio de outras pessoas associou-se de maneira forte e positiva com o escore do domínio Físico de qualidade de vida. Profissionais que se sentem apoiados emocionalmente têm mais energia, um bom padrão de sono e apresentam maior capacidade para o trabalho e para as atividades da vida diária. Apesar da rotina desgastante e extensa, o que poderia afetar seu desempenho físico, há um equilíbrio emocional que supera tais fatores.

Receber apoio de outras pessoas também se associou a melhores escores no domínio Psicológico. No isolamento social causado pela pandemia, muitos profissionais ficaram afastados das suas famílias, e ter apoio nesse momento pode ter sido um diferencial relevante.

Receber apoio de outras pessoas foi a variável que mais contribuiu para a variação dos escores no domínio Relações Sociais. Em tempos de pandemia, quando o isolamento social foi necessário, as relações interpessoais dos profissionais de saúde ficaram mais restritas. Nesse contexto, o apoio de outras pessoas pode ter contribuído positivamente para o enfrentamento e para a manutenção da saúde mental daqueles que o receberam, favorecendo um ambiente saudável de convívio.

Profissionais que receberam apoio de outras pessoas que não os seus colegas de profissão também apresentaram escore médio do domínio Meio Ambiente mais elevado do que os que referiram não o terem recebido.

Portanto, receber apoio de outras pessoas associou-se fortemente a todos os quatro domínios da qualidade de vida relacionada à saúde: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente, como revelado pelos mais altos coeficientes de regressão padronizados BETA. Esse achado corrobora os resultados de um estudo com 1.757 enfermeiras na China que atuavam na linha de frente da COVID-19, trabalhando mais turnos, sob rígida quarentena. Esse ritmo intensivo de trabalho afetou suas relações sociais e diminuiu o apoio que necessitavam, impactando por fim na sua qualidade de vida.77 Tian ZR, Xie X, Li XY, Li Y, Zhang Q, Zhao YJ et al. Prevalence of depression and its impact on quality of life in frontline otorhinolaryngology nurses during the COVID-19 pandemic in China. PeerJ. 2021;9:e11037. http://dx.doi.org/10.7717/peerj.11037. PMid:33976957.
http://dx.doi.org/10.7717/peerj.11037...

Um estudo com profissionais de enfermagem relacionou o baixo apoio social à síndrome de burnout. O apoio social foi considerado como muito importante, pois tem o potencial de reduzir o estresse e a tensão, melhorando assim a qualidade de vida.1919 Vidotti V, Martins JT, Galdino MJQ, Ribeiro RP, Robazzi MLCC. Burnout syndrome, occupational stress and quality of life among nursing workers. Enferm Glob. 2019;18(3):344-76. http://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.3.325961.
http://dx.doi.org/10.6018/eglobal.18.3.3...
Outro estudo2020 Souza RF, Rosa RS, Picanço CM, Souza Jr EV, Cruz DP, Guimarães FEO et al. Repercussões dos fatores associados à qualidade de vida em enfermeiras de unidades de terapia intensiva. Rev Salud Publ. 2018;20(4):453-9. http://dx.doi.org/10.15446/rsap.v20n4.65342.
http://dx.doi.org/10.15446/rsap.v20n4.65...
relatou que receber apoio social influenciava diretamente na qualidade de vida de profissionais de enfermagem, haja vista que as relações sociais influenciam diretamente na saúde mental dos trabalhadores, atuando como suporte para o enfrentamento de situações cotidianas e complexas.

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Os resultados obtidos sugerem que alguns fatores influenciam negativamente na qualidade de vida de profissionais de enfermagem que atuam na linha de frente da pandemia da COVID-19, a saber: ser caso suspeito de COVID-19, deixar de exercer a profissão por causa da COVID-19, idade mais avançada, não receber apoio social de outras pessoas que não os companheiros de profissão e trabalhar exclusivamente em instituição privada. Esses três últimos fatores são usualmente associados à variação nos níveis de qualidade de vida e assumiram um papel fundamental na sua relação com a qualidade de vida, no contexto da pandemia. Ser um caso suspeito de COVID-19 e deixar de exercer a profissão por causa da COVID-19 foram fatores diretamente ligados ao contexto da pandemia e que contribuíram de maneira direta para a alteração da qualidade de vida dos profissionais de enfermagem que atuaram na linha de frente.

O ponto forte do estudo foi o uso de um instrumento padronizado e de alta confiabilidade para avaliar a qualidade de vida. No entanto, algumas limitações devem ser expostas. Primeiro, por ser um estudo de desenho transversal, a causalidade não pôde ser verificada adequadamente por conta do desconhecimento da sequência temporal. Além disso, o fato de a coleta de dados ter ocorrido online pode ter diminuído a adesão dos participantes e causado um viés de seleção, haja vista que nem todos possuem acesso à internet de qualidade. Finalmente, o pequeno tamanho amostral da população do estudo resultou em pequeno número de indivíduos para compor estratos de algumas variáveis, prejudicando a realização de análises mais consistentes.

Face à relevância da temática, acredita-se que os resultados expostos possam contribuir para a produção científica sobre qualidade de vida de profissionais de enfermagem e que os resultados dessa pesquisa possam vir a ser utilizados para planejamento de ações que visem à promoção da melhoria da qualidade de vida dos profissionais de enfermagem.

  • a
    Artigo extraído da dissertação de mestrado "Qualidade de vida relacionada à saúde de profissionais de enfermagem na Bahia em tempos de pandemia pela COVID-19", de autoria Maria Adriana Mota Rocha. Orientador: Fernando Martins Carvalho, Programa de Pós-graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da Bahia. Ano de defesa 2021
  • FINANCIAMENTO Conselho Nacional de Desenvolvimento e Tecnológico (Processo nº 304691/2018-6) Bolsa Produtividade em Pesquisa, coordenado por Fernando Martins Carvalho.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Antonio José de Almeida Filho https://orcid.org/0000-0002-2547-9906

EDITOR CIENTÍFICO

Ivone Evangelista Cabral https://orcid.org/0000-0002-1522-9516

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2021
  • Aceito
    26 Maio 2022
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