Open-access A (in)satisfação dos acompanhantes acerca da sua condição de permanência na enfermaria pediátrica

La (in)satisfacción de los acompañantes acerca de su condición de permanencia en la enfermería pediátrica

Resumo

Objetivo:  Descrever as necessidades do acompanhante da criança hospitalizada durante sua permanência na enfermaria; analisar as estratégias utilizadas pelos acompanhantes para satisfazer estas necessidades.

Métodos:  Estudo qualitativo. Utilizaram-se os conceitos da Teoria da Motivação Humana e do Cuidado Familial. A técnica para coleta de dados foi a entrevista não diretiva em grupo e a análise foi temática. Os participantes do estudo foram 11 acompanhantes de criança hospitalizada em um hospital pediátrico localizado na cidade do Rio de Janeiro no ano de 2012.

Resultados:  Dos cinco níveis da hierarquia das necessidades humanas básicas, a maioria permaneceu no primeiro nível - necessidades fisiológicas. Para supri-las, os participantes buscam recursos materiais na rede de apoio existente ou construída durante a hospitalização da criança.

Conclusão:  Para atender todos os níveis hierárquicos, os acompanhantes devem ser atendidos em suas necessidades, iniciando pelas fisiológicas e de segurança, avançando aos níveis subsequentes, podendo evitar a frustração e o sentimento de impotência.

Palavras-chave: Criança Hospitalizada; Enfermagem Pediátrica; Apoio social

Resumen

Objetivo:  Describir las necesidades de los acompañantes de niños hospitalizados durante su estancia en el hospital; analizar las estrategias utilizadas por los cuidadores para satisfacer estas necesidades.

Métodos:  Estudio cualitativo. Se utilizaron los conceptos de la Teoría de la Motivación Humana y del Cuidado Familiar. La técnica de recolección de datos fue la entrevista no directiva en grupo y el análisis fue temático. Participaron 11 acompañantes de niños en un hospital pediátrico del municipio de Rio de Janeiro, en 2012.

Resultados:  De los cinco niveles de la jerarquía de las necesidades humanas, la mayoría se quedó en el primer nivel: necesidades fisiológicas. Para cumplir estos requisitos, los participantes buscaron recursos materiales en la red de apoyo existente o en la construida durante la hospitalización.

Conclusión:  El apoyo se debe cumplir en sus necesidades avanzando a los niveles subsiguientes, debiendo evitar la frustración y la impotencia.

Palabras clave: Niño hospitalizado; Enfermería pediátrica; Apoyo social

Abstract

Objective:  To describe the needs of hospitalized children’s caregivers during their stay at the infirmary, to analyze the strategies the caregivers use to satisfy these needs.

Methods:  Qualitative study. The concepts of Human Motivation Theory and Family Care were used. The data collection technique was the non-directive group interview and the analysis was thematic. The study participants were 11 hospitalized children’s caregivers at a pediatric hospital in Rio de Janeiro in 2012.

Results:  Of the five hierarchy levels of basic human needs, most remained on the first level - physiological needs. To fulfill them, participants seek material resources in the support network that exists or was built during the child’s hospitalization.

Conclusion:  To attend to all hierarchy levels, caregivers’ needs have to be attended to, starting with physiological and safety needs and advancing to subsequent levels, which can avoid frustration and the feeling of impotence.

Keywords: Hospitalized Child; Pediatric Nursing; Social Support

INTRODUÇÃO

Atualmente, no Brasil, verifica-se que as unidades de internação pediátrica, de um modo geral, fornecem uma infraestrutura mínima para acomodar o acompanhante da criança hospitalizada. É fato que com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente1, tornando um direito da criança, constituído por Lei, a ter um responsável legal que o acompanhe durante a hospitalização, fez com que as instituições hospitalares com leitos de pediatria se adaptassem para manter a presença deste novo elemento.

Após 12 anos, é publicada a Resolução da Diretoria Colegiada nº 502, que dispõe sobre o regulamento técnico para o planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. Nos itens referentes às características mínimas para a Unidade de Internação Pediátrica (UIP)[*], são voltadas para o acompanhante, as seguintes recomendações no ambiente de apoio: espaço para a cadeira do acompanhante ao lado do leito da criança, banheiro para uso exclusivo deste e a sala de estar.

Na prática, as questões para a permanência do acompanhante estão voltadas para o sono e repouso, alimentação, eliminação e higiene. Constata-se que a RDC nº 502, não estipula as descrições técnicas dos espaços e dos mobiliários para uso dos acompanhantes, ficando a critério de cada instituição oferecer o que considera prioritário e de seu alcance financeiro.

Diante dos períodos prolongados de permanência do familiar/acompanhante durante a hospitalização da criança; à infraestrutura hospitalar oferecida, bem como, às interações estabelecidas entre o familiar e a equipe de saúde no ambiente hospitalar, os autores passaram a estudar as necessidades do familiar/acompanhante durante a hospitalização.

Fez-se uma busca bibliográfica online nas bases de dados: Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e Cummulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), para identificar os estudos que indicassem as necessidades do acompanhante da criança hospitalizada.

A busca bibliográfica ocorreu no período de março a maio de 2014, e foi utilizado como descritores: mãe or família and criança hospitalizada, utilizando-os na língua portuguesa e inglesa. Também, foram estabelecidos como critérios de inclusão artigos de pesquisa cujos participantes do estudo deveriam ser acompanhantes da criança hospitalizada e que abordassem as necessidades deste indivíduo. Os estudos que não atendiam aos critérios de inclusão ou os artigos duplicados nas bases de dados foram excluídos. Cabe ressaltar que dos estudos duplicados e que atendiam aos critérios de inclusão, foram considerados apenas um. Com a leitura do título e resumos, foram pré-selecionados 203 artigos. Após a leitura desses artigos na íntegra e utilizando-se os critérios de inclusão e exclusão a amostra final foi composta de três estudos.

Dois estudos qualitativos, que tiveram como participantes mães de crianças hospitalizadas, destacam que suas necessidades são multidimensionais, e estas não são reconhecidas, valorizadas e esclarecidas quanto o seu cuidar, além de não receberem acomodação adequada da instituição. Em um estudo quantitativo foram apresentadas 43 necessidades dos acompanhantes de crianças hospitalizadas. Destas, nove delas foram comuns a todos os participantes e estavam relacionadas ao cuidado com a criança e às informações relacionadas ao tratamento desta, ou seja, tendo em vista o direito da criança em ter um acompanhante, este se torna (in)visível quanto às suas necessidades.

Com base no levantamento, constata-se que existe um número insuficiente de estudos que abordam as necessidades do acompanhante da criança durante sua hospitalização e pode-se depreender que o familiar/acompanhante não é valorizado enquanto indivíduo e não é incluído como sujeito do cuidado. Diante disso, foram elaborados os seguintes objetivos: descrever as necessidades do acompanhante da criança hospitalizada durante sua permanência na enfermaria e analisar as estratégias utilizadas pelos acompanhantes para satisfazer estas necessidades.

Adotou-se como referencial teórico à Teoria da Motivação Humana de Maslow3, e o conceito do Cuidado Familial de Elsen4.

De acordo com a Teoria da Motivação Humana, os indivíduos têm necessidades comuns que impulsionam seu comportamento com o objetivo de satisfazê-las, de acordo com os cinco níveis hierárquicos, na seguinte sequência de necessidades: básicas ou fisiológicas; de segurança; de amor e/ou sociais; de estima; e de autorrealização. Conforme a teoria, o indivíduo quando experimenta a satisfação em um dado nível, logo se desloca para o próximo nível e, assim, sucessivamente3.

O Cuidado Familial tem um caráter de especificidade a partir do mundo de significados de cada família e desenvolvimento ao longo do seu processo de viver. Este cuidado ocorre inter e intrageracionalmente, ou seja, pais cuidando dos filhos e, por vezes, filhos cuidando dos pais, deixa evidente o duplo sentido dos cuidados entre gerações. A redistribuição de papéis faz com que o cuidado familial aconteça ao longo do processo de vida da família e em suas respectivas etapas. As especificidades ocorrem segundo a demanda e as características da família4.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa cujo projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob nº de parecer 65/11. O cenário do estudo foi a unidade de internação de um hospital pediátrico localizado na cidade do Rio de Janeiro.

A UIP é composta por seis enfermarias, sendo duas destinadas aos lactentes, uma de pré-escolar, uma de escolar, uma de clínica cirúrgica e uma de oncohematologia, totalizando 46 leitos. Cada enfermaria é composta por oito leitos, com exceção da oncohematologia que contém apenas seis. Cada leito é denominado unidade da criança, e esta contempla um berço ou cama, uma poltrona para o acompanhante e uma mesa de cabeceira, e cada unidade é separada por uma divisória. Na UIP há dois banheiros destinados para todos os acompanhantes e os mesmos contêm um vaso sanitário, pia e chuveiro. Para se alimentar, os acompanhantes são encaminhados para o refeitório que se localiza no piso inferior.

Os participantes do estudo foram 11 acompanhantes de crianças hospitalizadas, escolhidos aleatoriamente, e que aceitaram participar do estudo assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Vale destacar que dos 11 acompanhantes, 9 eram mães e 2 avós. Foram excluídos do estudo aqueles acompanhantes da enfermaria de clínica cirúrgica que permaneceram com as crianças por um curto período de tempo que varia de algumas horas a 48 horas.

A coleta de dados se deu no período de janeiro a março de 2012 e foram coletados por meio da entrevista não diretiva em grupo, as quais foram gravadas e transcritas na íntegra.

A entrevista não diretiva é, portanto, uma técnica psicoterapêutica centrada no cliente e desenvolvida originalmente por Carl Rogers. Tem como base o discurso livre do entrevistado, em que o entrevistador se mantem atento às comunicações verbais e não verbais do informante, às quais auxilia e estimula a expressão livre, utilizam-se temas que orientam o discurso para questões de interesse da pesquisa. Recomenda-se, nesta técnica em grupo, a participação de três a cinco depoentes5.

Duas entrevistas de grupo foram compostas por quatro participantes e uma com três. A duração média de cada entrevista foi de 45 minutos. Os temas utilizados na entrevista foram relacionados às condições de permanência na enfermaria, como: estrutura física, emocional, espiritual, saúde, social, lazer e interação com a equipe de saúde. Cabe ressaltar que os temas foram construídos com base no referencial teórico de Maslow e sua aplicação foi validada na primeira entrevista.

No dia da coleta dos dados, os acompanhantes eram contatados, informados sobre os objetivos do estudo e consultados sobre a sua disponibilidade e interesse em participar do mesmo. Após o aceite de 3 a 5 participantes que eram escolhidos em enfermarias diferentes, estes eram encaminhados para uma sala reservada, próximo às enfermarias, onde os acompanhantes eram acomodados em cadeiras que se voltavam para a frente de um quadro onde os temas estavam afixados. Procedeu-se a leitura e assinatura do termo de consentimento livre, esclarecido e, então, solicitou-se a autorização para a gravação. Posteriormente, eram feitas as apresentações e os acompanhantes eram informados de que poderiam discorrer sobre os temas afixados, falando livremente e de forma aleatória, sem necessariamente uma ordem pré-estabelecida.

O encerramento do trabalho de campo se deu após atingir a saturação teórica dos dados. Visto que interrompe-se a coleta de dados quando se constata que elementos novos para subsidiar a teorização almejada não são mais depreendidos a partir do campo de observação, ou seja, quando a interação entre campo de pesquisa e o investigador não mais fornece elementos para aprofundar a teorização6.

O material empírico gerado sofreu os processos analíticos preconizados pela análise temática7, e, então, foi construído os seguintes tópicos de análise: A infraestrutura da Enfermaria Pediátrica para acomodação dos acompanhantes; O (des)cuidado da equipe de saúde na interação estabelecida com a criança e seu acompanhante; e, Rede de Apoio do acompanhante que acompanha a criança hospitalizada.

RESULTADOS

A infraestrutura da enfermaria pediátrica para acomodação dos acompanhantes

Este tópico aborda questões relativas à alimentação, lavagem de roupas, condições da poltrona, do banheiro de uso exclusivo do acompanhante e ao lazer.

No que se refere a alimentação, os acompanhantes relatam o aumento dos gastos financeiros:

Aqui tem muito gasto, quando estou aqui tem que ter dinheiro, porque a comida daqui é péssima... (acompanhante 1).

Aqui 50 reais não da para uma semana, porque as comidas daqui, os maridos pensam como em casa, porque 50 reais em casa dá até para 15 dias. (acompanhante 2).

De acordo com a fala da acompanhante 2, independentemente da qualidade do alimento oferecido, esta faz as refeições na instituição justificado pela falta ou limitação dos recursos financeiros:

Então, estando boa ou ruim a comida, eu como, porque eu não tenho dinheiro para gastar. Prefiro economizar para a minha mãe não ficar mandando dinheiro e dar comida para os meus outros filhos que estão em casa. (Acompanhante 2).

A acompanhante 3 é incentivada pelo marido a ter gastos financeiros para se alimentar:

O meu marido ele liga e pergunta se eu estou comendo. Fala: come, come. Se você não tiver dinheiro eu levo ou compra no cartão. Graças a Deus ele é muito tranquilo com isso... (acompanhante 3).

A acompanhante 3 destaca a falta de opção de alimentos devido a forma como as refeições são fornecidas pela instituição:

Eu que não tomo café com leite e nem pão com manteiga. Eu não como feijão e a comida daqui vem misturada já com feijão... Aqui eu não como nada. (acompanhante 3).

Quanto a lavagem de roupas os acompanhantes da criança hospitalizada referem que não existe um local apropriado para lavá-las e secá-las durante a sua permanência no hospital:

E a roupa? Se a gente não vai em casa, não tem como lavar. (acompanhante 10).

As roupas eu levo tudo para casa, lavo, passo e volto. (acompanhante 6).

Não tem lugar para lavar e tem o aviso falando que não pode lavar e pôr na enfermaria. (acompanhante 3).

Os acompanhantes que moram em outro município não conseguem cumprir as normas hospitalares:

Como eu moro em Resende e ela tem pouca roupa, eu lavo e deixo aberta secando na cama... (acompanhante 1).

Outro item referente a infraestrutura é o mobiliário fornecido para o descanso:

O local que a gente deita que é um pouco ruim, a gente está acostumado com cama e aqui é cadeira, ela é dura, ela tem um desnível que machuca um pouco as costas (acompanhante 4).

... não tem um bom lugar para dormir, porque a poltrona é toda dura... (acompanhante 5).

O acompanhante 6 refere a utilização de edredom por cima da poltrona:

Eu trouxe um edredom para colocar no meio da poltrona, para eu dormir, porque eu estou grávida e quando me levanto estou toda descadeirada (acompanhante 6).

O quantitativo de banheiro para uso do acompanhante também foi apontado:

Às vezes eu quero usar o banheiro aí eu venho, está cheio, eu volto. Daqui a pouco volto e ainda está cheio (acompanhante 7).

Referente ao lazer, o acompanhante 6, relata:

Porque aqui a gente só fica dormindo do lado da criança, não tem o que fazer. Até para a gente conversar e se conhecer, porque na enfermaria não dá para a gente se conhecer, porque ali estamos cuidando dos nossos filhos (acompanhante 6).

O (des)cuidado da equipe de saúde com o acompanhante, durante a sua permanência no cenário hospitalar

Este tópico aborda questões relativas ao (des)cuidado da equipe de saúde com o acompanhante durante sua permanência na enfermaria pediátrica. Foram abordadas situações relacionadas à interação, ao cuidado à criança, aos ruídos provocados pela equipe de saúde e atendimento à saúde do acompanhante.

As depoentes informam receber bom tratamento e serem consultadas antes da realização de algum procedimento na criança; e, também, qualificam os profissionais como educados e atenciosos:

As doutoras não tenho o que reclamar... As enfermeiras eu não tenho o que brigar ou falar mal, elas me tratam super bem... Eles sempre são dóceis. Muitas vezes os profissionais perguntam se pode fazer determinado procedimento, você me permite fazer isso? (acompanhante 8).

... Os profissionais de saúde, todos eles são muito educados, são muito atenciosos... os enfermeiros mesmo, chegam ali, dá assistência, medicamento, vê se está com febre, toda hora. (acompanhante 9).

Dois acompanhantes referem desenvolver algumas atividades que consideram de responsabilidade da equipe de enfermagem:

... Acompanhante é para acompanhar, não importa se eu tenho o curso de auxiliar de enfermagem, não importa se eu não tenha. Eu faço quando eu posso ajudar e eu não tenho obrigação. A obrigação aqui dentro é do profissional de saúde de dar medicação... Tem grupos que, às vezes, nem me acorda, aí fala: pode deixar mãe porque eu estou fazendo. Já outros te acordam e falam: mãezinha o medicamento está aí. Às vezes eles me acordam para aspirar a traqueostomia da criança (acompanhante 7).

As vezes você está ali quieta e calma, aí vem uma e fala: mãe olha o remédio. Eu não me incomodo em nada de dar o remédio para a minha filha... mas, às vezes, a gente está tão cansada e eu acho que é o serviço deles e não custaria nada ir lá na criança e dar o remedinho tudo direitinho. Porque a gente está dormindo, porque a gente está cansada... (acompanhante 1).

Outro item apontado pelos participantes está relacionado ao barulho na enfermaria, como relatado por dois sujeitos:

Da minha parte o que eu acho muito ruim dos técnicos é quando eles chegam, porque aqui a gente não tem hora de dormir, quando a nossa criança está dormindo o outro está acordado passando mal e chorando, aí a gente vai dormir uma hora, duas da manhã. Então eles chegam 6:30 e é muito alto que eles falam, aí acorda a criança que já começa chorar...(acompanhante 5).

Tem muito barulho na enfermaria e, na minha opinião, é muita falta de respeito. Como a mãe 5 falou também... (acompanhante 1).

Ainda no que se refere à sua permanência no hospital, as depoentes referem não ter atendimento de saúde na instituição onde está acompanhando a criança:

Aqui no X a gente não tem suporte nenhum de saúde... (acompanhante 10).

Não temos nenhum atendimento de saúde. Até, às vezes, mesmo a gente pede para medir a pressão e os profissionais falam: não pode, tem que ir lá para o hospital Y para poder medir... (acompanhante 5).

Os acompanhantes ainda referem dificuldade em obter medicamentos no local do estudo, quando apresentam qualquer sintomatologia como alergia ou cefaleia:

Eu tive de tomar uma medicação antialérgica e aqui não tem para acompanhante e aqui na redondeza não tem farmácia... então você fica sem até parente seu vir... (acompanhante 8).

Até uma dor de cabeça que você tem, se você pede um remédio, te falam: não, vai que você morre mãezinha... (acompanhante 10).

Constata-se que quando os acompanhantes não conseguem o medicamento prescrito, acabam por se automedicar.

...Eu que não traga meu dorflex® para mim e para distribuir para todo mundo (acompanhante 10).

Rede de Apoio do acompanhante da criança hospitalizada

Este tópico aborda questões relativas ao apoio financeiro, ao acompanhamento da criança no hospital, lavagem das roupas, e, apoio espiritual.

Dois acompanhantes relatam obter recursos financeiros da família ou de programas sociais:

Eu não trabalho não, mas tenho ajuda da minha família (acompanhante 11).

...meu filho recebe a LOAS (Lei Orgânica de Serviço Social), é um salário mínimo... o meu marido agora está trabalhando por conta própria, se ele voltar a trabalhar de carteira assinada eu perco. Eu até falei para ele voltar e assumir esse risco, porque chega no final do ano não tem 13º salário, não tem férias, fica uma coisa muito incerta... Aí fica tudo por conta do R. e os gastos são muito grandes (acompanhante 5).

A acompanhante 1, relata ter pedido demissão do seu emprego para acompanhar a criança:

... Antes da G. ficar doente trabalhava eu e meu esposo, mas como ela ficou doente então a minha ajuda não tem mais, porque tive que parar de trabalhar para cuidar dela e estamos passando dificuldades (acompanhante 1).

Outro tipo de apoio relatado está relacionado ao revezamento dos familiares para acompanhar a criança:

... porque ele (marido) fica com ele (criança) a noite e eu de dia... (acompanhante 6).

Minha mãe é que troca comigo aqui no hospital... (acompanhante 3).

Dois acompanhantes ainda informam que as roupas sujas são levadas pelos seus familiares que as trazem limpas:

...Graças a Deus eu tenho quem lave a minha roupa, mas tem uma moça aqui que mora em Volta Redonda. A outra chegou esses dias e emprestou roupa para ela. (acompanhante 3).

... Já as minhas quando vem alguém leva a suja e traz mais roupa limpa ... (acompanhante 1).

Outro aspecto apontado pelos participantes foi referente ao apoio espiritual durante o acompanhamento da criança. A instituição do estudo oferece apoio espiritual como afirma o acompanhante 8:

... Aqui mesmo no hospital tem momento que tem um padre e uma evangélica que vem e faz oração pela minha filha também, não tenho nenhum problema porque eu acho que oração nunca é demais (acompanhante 8).

DISCUSSÃO

Constata-se que a alimentação fornecida pela instituição não atende as preferências alimentares dos acompanhantes, resultando em gastos extras não previstos no orçamento da família. Destaca-se ainda que no cenário estudado, boa parte das crianças permanece por um longo período hospitalizado intensificando estes gastos.

O comportamento humano está determinado pelas necessidades e consequentemente motivado por elas. A necessidade fisiológica de alimentação é o ponto de partida para a hierarquia das necessidades humanas básicas3.

A não fragmentação do cuidado familial também pode ser identificada, por exemplo, na hora da refeição, quando há a preocupação com as necessidades de nutrição dos diferentes membros da família, com a aceitação ou rejeição do alimento e com os gostos individuais4.

Vale ressaltar que a alimentação do acompanhante é fator muito importante, pois este deve estar bem alimentado e disposto para ajudar na recuperação e cuidados à criança hospitalizada8.

Quanto à obtenção de roupas limpas, boa parte dos acompanhantes as consegue no domicílio, ainda verifica-se que em alguns casos é necessário burlar a regra institucional, principalmente pelo fato de muitas destas acompanhantes serem moradoras de outros municípios do Rio de Janeiro. O Hospital não fornece roupas limpas e suficientes para as crianças e local para lavar as roupas dos acompanhantes, em contrapartida, proíbe que estes lavem e estendam suas roupas nas enfermarias. Obviamente que qualquer norma ou regra, não poderá ser cumprida, pois a vestimenta faz parte de uma necessidade fisiológica do indivíduo.

As acompanhantes provenientes do interior do Estado, aquelas que se encontram há bastante tempo na unidade e, também, as que têm criança com doença crônica, são aquelas que conseguem burlar as normas com maior frequência sob certa aquiescência da equipe9.

No que se refere ao repouso, o uso de uma poltrona reclinável, é desconfortável, pois segundo as depoentes, o acolchoado é duro, além da superfície não ser linear. Quando o acompanhante possui algum recurso, ele se utiliza deste, como por exemplo, o uso do edredom ou colchonete para minimizar o desconforto, no entanto, por permanecerem longos períodos no hospital e o fato do mobiliário não ser uma cama, o desconforto sempre aparece como uma queixa.

No cotidiano de mães de crianças hospitalizadas, o local disponível para o acompanhante, não oferece conforto ou está em péssimo estado de conservação10. Melhores condições de instalação são reivindicações dos acompanhantes durante a hospitalização da criança9.

Uma das necessidades fisiológicas do indivíduo é uma postura corporal adequada para se ter um bom padrão de sono e repouso3. Em estudo com escolar, o indivíduo hospitalizado é capaz de perceber a irritabilidade do acompanhante e associar tal sentimento com a sua situação hospitalar, culpabilizando-se pelo sofrimento causado ao acompanhante11.

Constata-se que os acompanhantes apresentam dificuldades de suprir suas necessidades de higiene corporal e eliminações fisiológicas, devido ao número insuficiente de banheiros destinados a esta clientela na enfermaria.

Apesar de ser um fator apontado negativamente pelos acompanhantes, a instituição está de acordo com as normas preconizadas pela RDC nº 50/20022, que não especifica o quantitativo de banheiros e suas dimensões para número de acompanhante, ficando a critério de cada instituição oferecer o que está ao seu alcance ou o que estabelece como prioritário.

Verifica-se que os acompanhantes não contam com um espaço e/ou atividades de lazer destinado aos mesmos durante a hospitalização da criança, reforçando sua privação social e a oportunidade de falar sobre suas experiências durante a hospitalização da criança com outros acompanhantes.

Durante a hospitalização da criança, o acompanhante não conta com atividades de lazer. No entanto, medidas simples podem ser realizadas para melhorar a recreação e o relacionamento dos acompanhantes durante a hospitalização da criança, destacam-se: proposição de comemoração de datas festivas; artesanato; costura; trabalhos manuais; origamis; confecção de brinquedos; relaxamento; danças e outras; as quais podem proporcionar distração e bem-estar aos acompanhantes e, consequentemente, melhorar o padrão de qualidade de vida desses indivíduos durante a internação da criança12.

O ser humano tem necessidade de se sentir integrado e parte de um grupo. A frustração desta necessidade social conduz, geralmente, à falta de adaptação social e à solidão3.

Constata-se que a atenção dispensada à criança, pela equipe de saúde, durante o cuidado, faz com que o acompanhante tenha uma boa impressão da equipe. Supõe-se que a preocupação do acompanhante é com o bem estar e a promoção à saúde da sua criança, logo, verifica-se o cuidado familial em suas falas. O cuidado familial é identificado também no que diz respeito aos gastos com a alimentação.

O cuidado familial representa o bem estar dos membros da família, assim como do grupo familiar, visando um movimento irradiador para a promoção da saúde e bem-estar individual4.

É interessante ressaltar que nas interações estabelecidas entre a equipe de saúde e o acompanhante, supõe existir diferença na forma de se referir entre as categorias médica e de enfermagem.

Destaca-se, também, o reconhecimento de que o acompanhante não tem a responsabilidade total sobre os cuidados prestados à criança durante a sua hospitalização e há um descontentamento, destes indivíduos, ao serem despertados no período de repouso pelos profissionais de saúde para prestarem cuidados que poderiam ser desenvolvidos pelos próprios.

Um dos problemas potenciais que interfere na interação com os acompanhantes, no cenário hospitalar, é negligenciar suas necessidades de dormir, comer e relaxar. As acomodações para dormir se limitam a uma cadeira e o sono é interrompido pelos procedimentos de enfermagem, consequentemente, o acompanhante não consegue ter um sono contínuo e descansar adequadamente, pois seu sono é fragmentado10. Acrescido a estes aspectos, há o comportamento equivocado do profissional que ao chegar à enfermaria, não leva em consideração as intercorrências que possam ter ocorrido durante o plantão noturno produzindo ruídos que os incomodam.

O indivíduo necessita do respeito das pessoas que o rodeia, quando isso não ocorre, a pessoa não supre suas necessidades de estima e valorização. A frustração desta necessidade gera sentimentos de inferioridade, impotência, os quais dão lugar a reações desanimadoras3.

Existem dificuldades acerca do atendimento médico dos acompanhantes da criança hospitalizada, visto que o sistema de saúde não prevê assistência a esta clientela e tampouco as políticas de saúde apresentam alguma alternativa para essa parcela13. A instituição do estudo não oferece atendimento médico para os acompanhantes, por se tratar de uma instituição pediátrica, neste sentido, estes buscam se automedicar utilizando-se de fármacos que são oferecidos por outros acompanhantes.

Cabe ressaltar que o direito é da criança ter o acompanhante durante a hospitalização, neste sentido, supõe-se que o acompanhante não é pensado como parte integrante da assistência à saúde, intensificado pelo fato do cenário do estudo ser especializado em pediatria.

Um dos aspectos da rede de apoio mais importante para o acompanhante da criança hospitalizada é referida como o apoio financeiro evidenciado como cuidado familial4. A rede de suporte social é formada e fortalecida por parentes, amigos e vizinhos4,14.

Constata-se que a família se organiza para manter uma renda constante, seja por meio de programas sociais, seja por um trabalho informal, muitas vezes, adquirido para complementar a renda. Ainda, o estudo aponta que o acompanhante opta por pedir demissão do emprego tendo em vista que a criança ao se hospitalizar precisa ser acompanhada por um responsável, sendo a mãe na maioria das vezes a eleita. O revezamento no acompanhamento da criança hospitalizada é realizado, principalmente, por parentes mais próximos como o pai da criança, e avó.

O cuidado familial pode ser reconhecido por vários atributos, dentre eles a “presença” de um membro da família que se mostra pelo estar junto, por acompanhar e se responsabilizar pelo outro ainda ocorre intergeracionalmente, ou seja, entre as gerações4.

O indivíduo, na busca de suprir sua necessidade de segurança, tem a tendência de buscar uma religião e filosofia de mundo que organize o universo e os homens em um todo satisfatoriamente coerente e significante3. Constata-se nas falas que os acompanhantes necessitam de apoio espiritual de forma a lhe fornecer força e esperança independentemente da religião professada.

É imprescindível que os enfermeiros pediatras desenvolvam habilidades para cuidar do acompanhante como cliente, reconhecendo suas necessidades, possibilitando a proposição de intervenções que aliviem o sofrimento e promovam mudanças institucionais14,15.

CONCLUSÃO

Conclui-se que os acompanhantes, durante sua permanência na hospitalização da criança, possuem necessidades relacionadas ao primeiro nível hierárquico das necessidades humanas básicas, ou seja, as necessidades básicas ou fisiológicas. Neste sentido, não conseguem passar para os níveis subsequentes.

Para suprir algumas das suas necessidades fisiológicas, são motivados a buscar meios para satisfazê-los, entre elas, as que minimizam o desconforto da poltrona, como o uso de edredom, burlar as normas institucionais na obtenção de roupas limpas, bem como a automedicação para minimizar as dores e a falta de atendimento médico, além de construir uma rede social que proporciona o apoio intra e extra-hospitalar, no que diz respeito à troca de roupa limpa e no revezamento para acompanhar a criança hospitalizada.

O estudo aponta, ainda, que os acompanhantes referem sua (in)satisfação quanto à interação no cuidado prestado pela equipe de saúde à criança hospitalizada; aos ruídos produzidos pelos profissionais de saúde; à delegação dos cuidados e ao lazer. Os acompanhantes, que possuem uma rede de apoio social fortalecida, conseguem avançar para o nível hierárquico subsequente (segurança) e os que possuem uma rede de apoio fragilizada como, por exemplo, a família residir em outro município, apresentam maiores dificuldades para suprir suas necessidades.

Apesar do progressivo aumento dos estudos relacionados com o acompanhante no cenário hospitalar pediátrico, é necessária e urgente, a busca de estratégias e políticas que atendam suas necessidades e a dignidade de permanência para que o direito da criança seja atendido em sua plenitude.

  • *
    UIP - Esta Unidade é composta pelos seguintes espaços: enfermarias, quarto de isolamento, área ou antecâmara de acesso ao quarto de isolamento, sala para exames e curativos, banheiro, posto de enfermagem, sala de serviço, espaço para prescrição médica, área de recreação/lazer/refeitório e sala de aula2.

REFERENCIAS

  • 1Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providencias. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 17 jul 1990: Seção 1:1.
  • 2Resolução da Diretoria Colegiada RDC nº 50, de 21 de Fevereiro de 2002. Dispõe sobre o regulamento técnico para planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de estabelecimentos assistenciais de saúde. Brasília (DF): Ministério da Saúde; Agencia Nacional de Vigilância Sanitária; 2002.
  • 3Maslow AH. Motivacion y Personalidad. 3ª ed. Madri (ESP): Ediciones Díaz e Santos; 1991.
  • 4Elsen I. Cuidado familial: uma proposta inicial de sistematização conceitual. In: Elsen I, Marcon SS, Silva MRS, organizadoras. O viver em família e sua interface com a saúde e a doença. 2ª ed. Paraná: Eduem; 2004. p. 19-28.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2014
  • Aceito
    17 Abr 2015
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