Acessibilidade / Reportar erro

Estágio curricular supervisionado de enfermagem em tempos de pandemia da COVID-19

Pasantía curricular supervisada de enfermería en tiempos de pandemia de COVID-19

Resumo

Objetivo

refletir sobre os atos administrativos do Ministério da Educação do Brasil relacionados ao Estágio Curricular Supervisionado na área da saúde durante a pandemia do COVID-19 e as repercussões na enfermagem.

Método

estudo com abordagem teórico - reflexivo, com base na literatura sobre Estágio Curricular Supervisionado no Brasil, tendo como referencial oito portarias governamentais na área da educação que se apresentam como medidas resolutivas para o enfrentamento aos desafios do contexto da pandemia.

Resultados

foram explicitadas as intencionalidades subjacentes aos atos administrativos do Ministério da Educação, as lacunas, fragilidades e desafios na realidade do Estágio Curricular frente aos cenários das práticas de ensino no contexto da pandemia e as possibilidades de atividades remotas.

Considerações finais e repercussões para a prática

espera-se que as mudanças, incertezas e desafios, destacados neste estudo, despertem cautela na tomada de decisão e condução de alternativas de adequações para o Estágio Curricular Supervisionado em enfermagem no contexto de pandemia e no percurso pós-pandemia.

Palavras-chave:
Qualidade da Educação em Enfermagem; Estágio Curricular Supervisionado; Pandemia

Resumen

Objetivo

reflexionar sobre los actos administrativos del Ministerio de la Educación de Brasil, relacionados a la Pasantía Curricular Supervisada en el área de la salud, durante la pandemia del COVID-19 y sus repercusiones en la enfermería.

Método

estudio con abordaje teórico reflexivo, con base en la literatura sobre Pasantía Curricular Supervisada en Brasil, teniendo como referencial ocho ordenanzas gubernamentales en el área de la educación que se presentan como medidas resolutivas para el enfrentamiento de los desafíos en el contexto de la pandemia.

Resultados

fueron explicitadas las intencionalidades subyacentes en los actos administrativos del Ministerio de la Educación, los vacíos, fragilidades e desafíos en la realidad de la Pasantía Curricular, frente a los escenarios de las prácticas de enseñanza, en el contexto de la pandemia y las posibles actividades remotas.

Consideraciones finales y repercusiones para la práctica

se espera que los cambios, incertidumbres y desafíos, destacados en este estudio, despierten la precaución debida en la toma de decisiones y conducción de alternativas de adecuaciones para la Pasantía Curricular Supervisado en enfermería en el contexto de la pandemia y en el periodo de pospandemia.

Palabras clave:
Calidad de la Educación en Enfermería; Pasantía Curricular Supervisada; Pandemia

Abstract

Objective

Reflect upon the administrative acts of the Brazilian Ministry of Education concerning Internship Programs in the health field during the COVID-19 pandemic and the consequences for the nursing field.

Method

this study, with a theoretical-reflective approach, was based on the literature addressing Internship Programs in Brazil, considering eight ordinances in the field of education, intended to present decisive measures to deal with the challenges imposed by the pandemic.

Results

The purposes underlying the administrative acts issued by the Ministry of Education, gaps, weaknesses, and challenges imposed to Internship Programs within the settings in which these programs are implemented are discussed considering the pandemic context and the possibility of implementing remote teaching modalities.

Final considerations and repercussions for the practice

The changes, uncertainties, and challenges discussed in this study are expected to encourage prudence in decision-making when considering alternatives to adapt Nursing Internship Programs during and after the pandemic.

Keywords:
Quality of Nursing Education; Internship Programs; Pandemic

INTRODUÇÃO

Este estudo reflete sobre o Estágio Curricular Supervisionado (ECS) em enfermagem frente à pandemia COVID-19.

A temática da educação em enfermagem não é nova e já vem sendo discutida e estudada, por décadas, nos diversos contextos da área. Entretanto, com a pandemia COVID-19, desencadeada pelo agente etiológico SARS-CoV-2 com elevado potencial de transmissibilidade e letalidade com impactos negativos em diferentes dimensões e complexidades em todos os setores da sociedade, incluindo saúde e educação. Assim, essa temática assumiu relevância mundial, sendo reconhecida como um grave problema de saúde pública11 World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) outbreak: rights, roles and responsibilities of health workers, including key considerations for occupational safety and health [Internet]. Geneve: WHO; 2020 [citado 2020 mar 1]. Disponível em: WHO-2019-nCov-HCWadvice-2020.2-eng.pdf.

Torna-se oportuno, portanto, refletir sobre as mudanças atuais e futuras na educação em enfermagem, mais especificamente no ECS, diante da realidade imposta pela pandemia e pelas medidas governamentais brasileiras para enfrentamento da grave crise sanitária que vivenciamos.

Essa pandemia vem desorganizando o planejamento acadêmico e as relações sociais em todas as suas dimensões, levando os gestores à adoção de diversas medidas de controle, como a suspensão das atividades acadêmicas presenciais, a fim de conter os efeitos nocivos do vírus e o aumento das internações em leitos hospitalares, especialmente das Unidades de Terapia Intensiva22 Lana RM, Coelho FC, Gomes MF, Cruz OG, Bastos LS, Villela DA et al. Emergência do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e o papel de uma vigilância nacional em saúde oportuna e efetiva. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [citado 2020 jul 16];36(3):e00019620. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v36n3/1678-4464-csp-36-03-e00019620.pdf
https://www.scielo.br/pdf/csp/v36n3/1678...
,33 Jackson D, Bradbury-Jones C, Baptiste D, Gelling L, Morin K, Neville S et al. Life in the pandemic: some reflections on nursing in the context of COVID-19. J Clin Nurs. 2020 jul;29(13-14):2041-3. http://dx.doi.org/10.1111/jocn.15257. PMid:32281185.
http://dx.doi.org/10.1111/jocn.15257...
.

Dentre as principais estratégias de intervenção para enfrentamento da pandemia COVID-19, o distanciamento social tornou-se a estratégia mais recomendada e defendida pelas autoridades sanitárias no combate à doença, levando a população a adaptar-se a um novo modo de viver e trabalhar44 Ministério da Saúde (BR). Saúde anuncia orientações para evitar a disseminação do coronavírus [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [citado 2020 jul 13]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46540-saude-anuncia-orientacoes-para-evitar-a-disseminacao-do-coronavirus
https://www.saude.gov.br/noticias/agenci...
.

O distanciamento social, se por um lado, reduz, ou pelo menos, prolonga o risco de uma pessoa ser afetada pelo vírus e necessitar de cuidados no sistema de saúde, por outro, traz desafios sociais, econômicos, culturais e políticos à sociedade55 Fundação Oswaldo Cruz. Observatório da COVID19: informação para a ação. Impactos sociais, econômicos, culturais e políticos da pandemia [Internet]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2020 [citado 2020 jun 15]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/impactos-sociais-economicosculturais-e-politicos-da-pandemia
https://portal.fiocruz.br/impactos-socia...
,66 Lira ALBC, Adamy EK, Teixeira E, Silva FVD. Nursing education: challenges and perspectives in times of the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2020 out 26;73(suppl 2):e20200683. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0683. PMid:33111782.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020...
.

Essa realidade atingiu também o setor da educação superior. As instituições de ensino foram fechadas, as aulas práticas e os estágios foram suspensos, o calendário acadêmico foi alterado, as atividades de pesquisa, extensão e, consequentemente, a qualidade do ensino ficou sensivelmente comprometida, cujas repercussões ainda não estão dimensionadas77 United Nations Education, Sicentific and Cultural Organization. COVID-19 impact on education [Internet]. Paris: UNESCO; 2020 [citado 2020 jun 15]. Disponível em: https://en.unesco.org/covid19/educationresponse
https://en.unesco.org/covid19/educationr...
.

Após seis meses do início da pandemia no Brasil, portarias ministeriais possibilitaram aos cursos a adoção de metodologias remotas, a fim de evitar a ruptura do ano letivo, mas mantendo as medidas de distanciamento social. Essas portarias, no entanto não consideraram as especificidades que envolvem o ensino de práticas e estágios na formação em saúde e as condições atuais dos cenários das práticas no enfrentamento da pandemia.

A volta às aulas com o ensino remoto na área da saúde/enfermagem torna-se uma realidade acadêmica distante de compatibilização das exigências que esse ensino requer, as instituições enfrentam dificuldades na sua infraestrutura física e humana para essa modalidade de ensino, o que dificulta a garantia da qualidade das atividades acadêmicas, particularmente, no que se refere à integração ensino/pesquisa/extensão, assim como as atividades práticas e de estágio88 Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Schopf K, Maestri E. Pandemia covid-2019: formação e atuação da enfermagem para o sistema único de saúde. Enferm Foco. 2020;11(1, esp.):40-7. http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3956.
http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.202...
.

Por outro lado, sabe-se que o Sistema Único de Saúde (SUS), é o principal cenário das práticas na formação de profissionais de saúde no Brasil, vem procurando dar resposta às necessidades de saúde da população, oriundas da pandemia COVID-19. No entanto, os entraves estruturais e organizacionais que o SUS vem, historicamente, enfrentando, foram agudizados com a emergência e a alta demanda de serviços e atendimentos impostos pela pandemia.

Os cenários das práticas de ensino/aprendizagem enfrentam escassez de equipamentos, de material para diagnósticos e assistência aos usuários; escassez de leitos hospitalares, particularmente os de terapia intensiva; condições precárias de trabalho reveladas pela falta de equipamentos de proteção individual (EPI), sobrecarga de trabalho, subdimensionamento de pessoal, despreparo dos trabalhadores para lidar com a nova patologia e, consequentemente, aumento do número de trabalhadores contaminados pelo SARS-CoV-255 Fundação Oswaldo Cruz. Observatório da COVID19: informação para a ação. Impactos sociais, econômicos, culturais e políticos da pandemia [Internet]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2020 [citado 2020 jun 15]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/impactos-sociais-economicosculturais-e-politicos-da-pandemia
https://portal.fiocruz.br/impactos-socia...
,88 Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Schopf K, Maestri E. Pandemia covid-2019: formação e atuação da enfermagem para o sistema único de saúde. Enferm Foco. 2020;11(1, esp.):40-7. http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3956.
http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.202...
.

Passado pouco mais de um ano do registro do primeiro caso na China, segundo os dados divulgados pela OMS, em 05 de fevereiro de 2021, o novo coronavírus já infectou mais de 143 milhões de pessoas, causando mais de 2.250.000 mortes no mundo. No Brasil, nesses dados, o número de infectados passa de 9 milhões de pessoas, com mais de 227.000 mortes99 World Health Organization. Painel do WHO Coronavirus Disease (COVID-19) [Internet]. Geneve: WHO; 2021 [citado 2021 fev 5]. Disponível em: https://covid19.who.int/
https://covid19.who.int/...
.

Apesar do avanço nas pesquisas e estudos, muitas perguntas ainda permanecem sem respostas, enquanto novas variantes do vírus são notificadas pelo mundo. Por outro lado, a vacinação da população representa, para a sociedade, uma esperança de vencer esse vírus que trouxe tantas mudanças, sofrimento e incertezas.

No entanto, sabe-se que a volta à realidade conhecida antes da pandemia ainda é uma possibilidade distante e, talvez, inexistente. As mudanças trazidas pelo novo coronavírus podem se estabelecer na sociedade por tempo indefinido, podendo, no entanto permanecer de maneira definitiva.

Frente ao exposto, considerando os atos administrativos governamentais sobre o ECS na área da saúde no contexto da pandemia, como se situa a enfermagem? Nesse sentido, faz-se necessário e relevante o olhar reflexivo, sobre a educação em enfermagem, especialmente sobre o ECS, nesse novo cenário econômico, social e epidemiológico no Brasil. O objetivo deste estudo foi refletir sobre os atos administrativos do Ministério da Educação do Brasil relacionados ao Estágio Curricular Supervisionado na área da saúde durante a pandemia do COVID-19 e repercussões na enfermagem.

MÉTODO

Trata-se de um estudo teórico reflexivo, realizado com base em oito portarias governamentais na área da educação profissional em saúde, acerca do ECS no Brasil, disponíveis no portal do Ministério da Educação (MEC), que se apresentam como medidas resolutivas para o enfrentamento aos desafios do contexto da pandemia do COVID-19, que possibilitaram as bases analíticas, essencialmente, mas não exclusivamente, sobre a efetivação do ECS e a pandemia do coronavírus. Foram extraídos desses documentos, sob a forma de apontamentos, considerações, recomendações e deliberações específicas, sobre as práticas e estágios em unidades de saúde, consideradas essenciais para as reflexões, na perspectiva crítica, acerca das intencionalidades subjacentes às legislações brasileiras frente a pandemia, as suas lacunas e fragilidades diante das especificidades da formação e diretrizes nacionais curriculares da área de enfermagem.

Com base nesse referencial foram evidenciadas características relevantes, no sentido de identificar ideias e reflexões sobre o ECS no contexto da pandemia, estabelecendo conexões entre o tema abordado e a complexidade da área da enfermagem, sem deixar de considerar suas relações com a totalidade.

A reflexão teórica, fundamentada na literatura consultada, a experiência e percepção das autoras a respeito do assunto abordado, possibilita compreender a realidade e a aquisição de maior conhecimento sobre a mesma.

Foram categorizados no texto dois aspectos teóricos reflexivos; o primeiro faz uma abordagem da legislação sobre o ECS no contexto da pandemia pelo COVID-19; o segundo destaca os principais desafios e alternativas no processo educacional do ECS em enfermagem, nesse contexto.

O Estágio curricular supervisionado e a pandemia COVID 19: o que diz a legislação

A Lei 9.394/96 (LDB/96) estabeleceu o ECS como um componente curricular dos cursos, direcionado pelos princípios da articulação dos fundamentos teóricos e práticos, objetivando uma aproximação de estudantes com o mundo do trabalho1010 Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BR). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 23 dez 1996; 34(248)Seção 1:27.833-41..

Na área da enfermagem, o ECS foi implantado na graduação, através da Resolução do Conselho Nacional de Educação nº 3/2001 que dispôs sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem (DCN/ENF) e asseguraram a obrigatoriedade do ECS nos dois últimos semestres letivos, com carga horária mínima de 20% da carga horária total do curso e faz parte do projeto pedagógico1111 Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001 (BR). Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2001: Seção 1..

O ECS na enfermagem se constitui num conjunto de atividades formativas, desenvolvidas nos cenários das práticas do SUS; atividades vivenciadas de forma crítica e reflexiva, supervisionadas por docentes e acompanhadas por profissionais da área; atividades que oportunizam a reflexão e sistematização de conhecimentos teóricos e práticos. Esse estágio se constitui, pois num momento de articulação das dimensões teórico-prática, ético-política e técnico-operativa; um instrumento fundamental na formação da análise crítica e da capacidade interventiva, propositiva e investigativa do estudante66 Lira ALBC, Adamy EK, Teixeira E, Silva FVD. Nursing education: challenges and perspectives in times of the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2020 out 26;73(suppl 2):e20200683. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0683. PMid:33111782.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020...
,1212 Fernandes JD, Rebouças LC. A decade of National Curriculum Guidelines for Graduation in Nursing: advances and challenges. Rev Bras Enferm. 2013;66(esp.):95-101. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672013000700013.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672013...
.

Sob essa ótica, entende-se que o ECS só deveria ocorrer nos espaços das práticas, nas situações do mundo do trabalho, que envolvem um conjunto complexo de saberes e fazeres na dimensão cuidadora de produção do cuidado, caracterizando-se por espaços de adequação à diversidade e complexidade da formação profissional em saúde.

Considera-se que a situação sanitária gerada pela pandemia COVID-19 e a real necessidade do distanciamento social criaram um ponto de inflexão para o desenvolvimento das atividades acadêmicas, sobretudo as práticas em serviço e do ECS na área da saúde. Portanto, para dar continuidade às atividades letivas e, ao mesmo tempo, desenvolver ações de combate a essa pandemia. O MEC editou oito portarias, no ano 2020, que direcionaram medidas para as instituições de ensino superior.

A Portaria nº 343, de 17 de março de 20201313 Portaria nº 343 de 17 de março de 2020 (BR). Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 18 mar 2020: Seção 1: 39., autorizou, em caráter excepcional, a substituição de aulas presenciais por aulas de ensino remoto, enquanto durasse o distanciamento social, resultante da pandemia. Não tratou, contudo da questão dos estágios, provocando uma inquietação no setor acadêmico e a, consequente, alteração do texto legal, com a publicação da Portaria nº 345 que manteve a substituição das disciplinas presenciais por aulas a distância, vetando essa substituição às práticas de estágio e laboratório1313 Portaria nº 343 de 17 de março de 2020 (BR). Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 18 mar 2020: Seção 1: 39.,1414 Portaria nº 345 de 19 de março de 2020 (BR). Altera a Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 19 mar 2020: Seção 1-Extra: 1..

Objetivando otimizar a disponibilização de serviços de saúde no âmbito do SUS, o Ministério da Saúde (MS), em março de 2020, instituiu a Portaria nº 492, denominada ação estratégica “O Brasil Conta Comigo”, em consonância com a Portaria nº 356 do MEC, autorizando os alunos, regularmente matriculados nos dois últimos anos do curso de medicina, e do último ano dos cursos de enfermagem, farmácia e fisioterapia, em caráter excepcional, de acordo com as especificidades dos cursos, a possibilidade de realizar o estágio curricular obrigatório em unidades básicas de saúde, unidades de pronto atendimento, rede hospitalar e comunidades, enquanto durar a pandemia decorrente do Coronavírus1515 Portaria nº 492 de 23 de março de 2020 (BR). Institui a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo”, voltada aos alunos dos cursos da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União, Brasília (DF), 23 mar 2020: Seção 1-Extra: 4.,1616 Portaria nº 356 de 20 de março de 2020 (BR). Dispõe sobre a atuação dos alunos dos cursos da área de saúde no combate à pandemia do COVID-19 (coronavírus). Diário Oficial da União, Brasília (DF), 20 mar 2020: Seção 1-Extra: 1..

Essas portarias recomendavam a supervisão dos estudantes por profissionais da saúde com registro nos respectivos conselhos profissionais competentes, sob orientação, preferencialmente, de docentes da Universidade Aberta do SUS (UNA-SUS), sem a necessidade de qualquer vinculação com a instituição de ensino responsável pela formação desse aluno. Depois de concluído o estágio proposto pela ação “O Brasil Conta Comigo”, o estudante apresenta, à instituição de ensino, o certificado da participação com a carga horária desenvolvida em substituição às horas correspondentes ao ECS.

Alinhada à estratégia do MS, o MEC publicou, em abril de 2020, a Portaria nº 3741717 Portaria nº 374 de 03 de abril de 2020 (BR). Dispõe sobre a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, exclusivamente para atuação nas ações de combate à pandemia do novo coronavírus - Covid-19. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 6 abr 2020: Seção 1: 66., que autorizou a antecipação da colação de grau de alunos regularmente matriculados no último período e que já tivessem cumpridos 75% da carga horária do ECS, para atuarem nas ações de combate à COVID-19. Sete dias depois, a portaria foi revogada e substituída pela Portaria nº 383, que conferiu aos certificados de conclusão de curso e diplomas, emitidos em razão desta Portaria, o mesmo valor daqueles emitidos antes da pandemia, não mais exigindo a vinculação obrigatória à pandemia, nem à bonificação para os cursos de residência; manteve, contudo o cumprimento de 75% da carga horária do ECS para solicitar a antecipação da colação de grau1717 Portaria nº 374 de 03 de abril de 2020 (BR). Dispõe sobre a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, exclusivamente para atuação nas ações de combate à pandemia do novo coronavírus - Covid-19. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 6 abr 2020: Seção 1: 66.,1818 Portaria nº 383 de 09 de abril de 2020 (BR). Dispõe sobre a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, como ação de combate à pandemia do novo coronavírus - Covid-19. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 13 abr 2020: Seção 1: 24..

Em junho de 2020, o MEC publicou a Portaria nº 544 que, ao revogar as Portarias nº 343 e nº 345, aprovou, em caráter excepcional, a substituição das aulas presenciais, por atividades letivas que utilizem recursos digitais, além de possibilitar a substituição das práticas profissionais de estágios por atividades remotas, que possam ser feitos a distância nesse período, desde que respeitem as Diretrizes Curriculares dos cursos. A Portaria possibilitou, ainda, às instituições de ensino, a autonomia para definir o currículo de substituição das aulas presenciais, a disponibilização de recursos aos estudantes para que eles possam acompanhar as aulas e as atividades acadêmicas1919 Portaria nº 544 de 16 de junho de 2020 (BR). Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19, e revoga as Portarias MEC nº 343, de 17 de março de 2020, nº 345, de 19 de março de 2020, e nº 473, de 12 de maio de 2020. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 17 jun 2020: Seção 1: 62..

Essa Portaria apresenta proposta distinta em relação à ação estratégica “O Brasil Conta Comigo”. A Portaria GM/MS nº 492 permite a participação de estudantes para atuarem na linha de frente da pandemia, sem explicitar a forma de acompanhamento pedagógico pelas instituições formadoras e sem apresentar estratégias para a segurança física e psicossocial1515 Portaria nº 492 de 23 de março de 2020 (BR). Institui a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo”, voltada aos alunos dos cursos da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União, Brasília (DF), 23 mar 2020: Seção 1-Extra: 4.; a Portaria MEC nº 5441919 Portaria nº 544 de 16 de junho de 2020 (BR). Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19, e revoga as Portarias MEC nº 343, de 17 de março de 2020, nº 345, de 19 de março de 2020, e nº 473, de 12 de maio de 2020. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 17 jun 2020: Seção 1: 62., permite a substituição de práticas profissionais de estágios ou às práticas que exijam laboratórios especializados por atividades remotas, desde que obedeçam às Diretrizes Curriculares Nacionais. Nesse sentido, sabe-se que a aplicação da substituição das práticas por atividades remotas deve constar de planos de trabalhos específicos, aprovados, pelos colegiados dos cursos e apensados ao projeto pedagógico.

DESAFIOS E ALTERNATIVAS NO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO EM ENFERMAGEM NO CONTEXTO DE PANDEMIA

No decorrer dos atos legais, anteriormente mencionados, o que se observa, prioritariamente, é uma preocupação em suprir as deficiências dos serviços de saúde através do aligeiramento da formação em saúde. São medidas que omitem os inúmeros desafios estruturais e organizacionais dos serviços de saúde, tais como a capacidade operacional para a quantidade e qualificação dos profissionais, além da falta de equipamentos, leitos hospitalares, assim como a precarização do trabalho88 Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Schopf K, Maestri E. Pandemia covid-2019: formação e atuação da enfermagem para o sistema único de saúde. Enferm Foco. 2020;11(1, esp.):40-7. http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3956.
http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.202...
,2020 Costa R, Lino MM, Souza AIJ, Lorenzini E, Fernandes GCM, Brehmer LCF et al. Ensino de enfermagem em tempos de covid-19: como se reinventar nesse contexto? Texto & contexto enferm. 2020;29:e20200202. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0002-0002.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
-2121 Sanes MS, Neves FB, Pereira LEM, Ramos FRS, Brehmer LCF, Vargas MAO, Martini JG. Educação a distância não! Produção de sentidos dos discursos de entidades representativas da enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20190465. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0465.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
.

Frente a essa realidade, várias discussões têm sido realizadas no meio acadêmico, emitindo inquietações acerca da qualidade da educação, particularmente aquelas relativas a estágios e inserção de estudantes e docentes nos serviços de saúde.

Entende-se que a ação estratégica “O Brasil Conta Comigo”1515 Portaria nº 492 de 23 de março de 2020 (BR). Institui a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo”, voltada aos alunos dos cursos da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União, Brasília (DF), 23 mar 2020: Seção 1-Extra: 4. foi instituída com o objetivo de fortalecer o quadro de profissionais de saúde no enfrentamento à COVID-19, ampliando a cobertura na assistência aos usuários do SUS em todos os níveis de atenção. No entanto, observa-se que essa estratégia foi estabelecida sem alinhamento com instituições de ensino e instituições prestadoras de serviços de saúde, no sentido de garantir a segurança do estudante nos cenários de práticas e a qualidade do processo formativo, assegurando a menor ocorrência de erros e a Segurança do Paciente como alguns dos atributos da qualidade do cuidado prestado aos pacientes2222 Recomendação nº 48 de 01 de julho de 2020 (BR). Recomenda ao Ministério da Educação, que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, no que diz respeito a estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia de Covid-19. Diário Oficial da União [periódico na internet], Brasília (DF), 2020. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1250-recomendacao-n-048-de-01-de-julho-de-2020
http://conselho.saude.gov.br/recomendaco...
.

No mesmo entendimento, a Portaria MEC nº 383 que possibilita a antecipação da colação de grau dos estudantes que tiverem cursado 75% do ECS, permitiu acelerar a formação de novos profissionais de saúde para suprir as demandas atuais do mercado de trabalho brasileiro18., possibilitando a formação de maior número de profissionais sem o cumprimento da carga horária integral dos estágios obrigatórios, estabelecida nas diretrizes curriculares dos cursos, furtando-os da sedimentação de conhecimentos teóricos, desenvolvimento de habilidades técnicas e atitudes fundamentais para o desenvolvimento profissional.

Vale destacar, que as atividades remotas trazem discussões conceituais entre ensino remoto e ensino a distância (EaD). O ensino presencial não foi substituído pelo ensino on-line/EaD, mas, sim, por aulas remotas, a partir de meios e tecnologias de informação e comunicação. São dois formatos diferentes: o EaD é uma modalidade em que professores e alunos não compartilham o mesmo espaço e tempo de aprendizagem; os estudantes interagem de forma assíncrona com professores/tutores para o esclarecimento de dúvidas. Já as aulas remotas ocorrem ao vivo, ministradas pelos professores dos componentes curriculares, usando ferramentas e plataformas on-line. É necessário não confundir ensino remoto com EaD, a fim de evitar a descaracterização das especificidades da formação na área da enfermagem66 Lira ALBC, Adamy EK, Teixeira E, Silva FVD. Nursing education: challenges and perspectives in times of the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2020 out 26;73(suppl 2):e20200683. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0683. PMid:33111782.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020...
,2020 Costa R, Lino MM, Souza AIJ, Lorenzini E, Fernandes GCM, Brehmer LCF et al. Ensino de enfermagem em tempos de covid-19: como se reinventar nesse contexto? Texto & contexto enferm. 2020;29:e20200202. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0002-0002.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
.

As atividades educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais, flexibilizam a possibilidade de atividades práticas e estágios não presenciais, que possam ser feitos a distância, favorecendo uma formação distanciada do mundo do trabalho, contrária às DCN/ENF1111 Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001 (BR). Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2001: Seção 1..

Os núcleos de conhecimento e práticas previstos nas DCN/ENF1111 Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001 (BR). Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2001: Seção 1. têm como perspectiva a qualidade do processo de formação, em todas as dimensões dos cenários das práticas de ensino/aprendizagem, o que envolve a necessidade de atitudes de escuta, alteridade, empatia, comunicação, oportunizadas no contato direto com o usuário, desenvolvidas nas práticas inter-relacionais e no cotidiano dos cenários do SUS, não havendo possibilidade de equivalência com a formação mediada por tecnologias que substituam o contato direto entre profissionais e usuários66 Lira ALBC, Adamy EK, Teixeira E, Silva FVD. Nursing education: challenges and perspectives in times of the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2020 out 26;73(suppl 2):e20200683. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0683. PMid:33111782.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020...
,2020 Costa R, Lino MM, Souza AIJ, Lorenzini E, Fernandes GCM, Brehmer LCF et al. Ensino de enfermagem em tempos de covid-19: como se reinventar nesse contexto? Texto & contexto enferm. 2020;29:e20200202. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0002-0002.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...

21 Sanes MS, Neves FB, Pereira LEM, Ramos FRS, Brehmer LCF, Vargas MAO, Martini JG. Educação a distância não! Produção de sentidos dos discursos de entidades representativas da enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20190465. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0465.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0...
-2222 Recomendação nº 48 de 01 de julho de 2020 (BR). Recomenda ao Ministério da Educação, que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, no que diz respeito a estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia de Covid-19. Diário Oficial da União [periódico na internet], Brasília (DF), 2020. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1250-recomendacao-n-048-de-01-de-julho-de-2020
http://conselho.saude.gov.br/recomendaco...
.

Entende-se, portanto, a essencialidade dos cenários das práticas em saúde/enfermagem como espaços de ensino/aprendizagem indispensáveis à articulação teoria/prática, para vincular o mundo do trabalho ao processo formativo, com vistas à construção de conhecimentos articulados às necessidades de saúde da população, formando um profissional crítico, reflexivo, transformador da realidade social e agente de mudança, consonantes com as DCN/ENF1111 Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001 (BR). Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2001: Seção 1..

Esses cenários diversificados favorecem atividades práticas essenciais voltadas para ações de acolhimento do paciente, família e comunidade nas redes de atenção básica, ambulatorial e hospitalar, creches, asilos e casas de repouso. São espaços de construção de identidades profissionais que envolvem a dimensão cuidadora e produção do cuidado e que abrangem um conjunto complexo de saberes, alavancando a construção de conhecimentos articulados com a realidade de saúde da população. São, portanto, espaços indispensáveis para a formação e desenvolvimento de habilidades profissionais, impossíveis de serem realizadas à distância88 Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Schopf K, Maestri E. Pandemia covid-2019: formação e atuação da enfermagem para o sistema único de saúde. Enferm Foco. 2020;11(1, esp.):40-7. http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3956.
http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.202...
,2020 Costa R, Lino MM, Souza AIJ, Lorenzini E, Fernandes GCM, Brehmer LCF et al. Ensino de enfermagem em tempos de covid-19: como se reinventar nesse contexto? Texto & contexto enferm. 2020;29:e20200202. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0002-0002.
https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-20...
.

Esse entendimento encontra respaldo na Recomendação do Conselho Nacional de Saúde nº 48 de 01 de julho de 2020 que recomenda ao MEC que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, no que diz respeito a estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia COVID-19. Esse parecer apresenta um posicionamento contrário às práticas e estágios na modalidade a distância e/ou remota durante a pandemia, argumentando que a formação de profissionais de saúde deve ter como perspectiva a garantia da dimensão ética no trabalho, a menor ocorrência de erros e a segurança do paciente, como alguns dos atributos da qualidade do cuidado e da educação em saúde2222 Recomendação nº 48 de 01 de julho de 2020 (BR). Recomenda ao Ministério da Educação, que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, no que diz respeito a estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia de Covid-19. Diário Oficial da União [periódico na internet], Brasília (DF), 2020. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1250-recomendacao-n-048-de-01-de-julho-de-2020
http://conselho.saude.gov.br/recomendaco...
.

As atividades remotas requerem, de professores e estudantes, o acesso a equipamentos e recursos tecnológicos pouco disponíveis nas instituições de ensino, sobretudo para a maioria dos estudantes. Abriu-se a possibilidade do ensino remoto, sem alinhamento na garantia do acesso dos estudantes a esse tipo de ensino. Por outro lado, entende-se que a inserção dos estudantes nos serviços de saúde requer a oferta de condições de trabalho, com medidas adequadas de proteção física e psicossocial aos estudantes e docentes, durante o desenvolvimento de habilidades e competências, de forma segura2222 Recomendação nº 48 de 01 de julho de 2020 (BR). Recomenda ao Ministério da Educação, que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, no que diz respeito a estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia de Covid-19. Diário Oficial da União [periódico na internet], Brasília (DF), 2020. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1250-recomendacao-n-048-de-01-de-julho-de-2020
http://conselho.saude.gov.br/recomendaco...
.

O que se observa, portanto, é a prioridade da aplicação de procedimentos burocráticos e de utilização de instrumentos virtuais, em descompasso com a busca da qualidade da formação de profissionais com compromisso social e sanitário com o SUS e com a saúde da população1515 Portaria nº 492 de 23 de março de 2020 (BR). Institui a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo”, voltada aos alunos dos cursos da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União, Brasília (DF), 23 mar 2020: Seção 1-Extra: 4..

No entanto, é preciso reconhecer que nesse contexto de desafios, as universidades não podem paralisar as atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão, cumprindo, inclusive, seu papel social de responder às demandas da sociedade. Nesse sentido, buscando a superação dessa realidade, as instituições de ensino procuram novas formas de ensino/aprendizagem, em meio a um cenário virtual2323 Pinheiro, IM. Estado da arte sobre o ensino de enfermagem e os desafios do uso de tecnologias remotas em época de pandemia do Corona Vírus. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2020;30(1):141-7. http://doi.org/10.7322/jhgd.v30.10087.
http://doi.org/10.7322/jhgd.v30.10087...
.

Na experiência das autoras, relata-se o esforço de docentes para adequação dos componentes curriculares a essa nova realidade do ensino remoto e atuando em diferentes frentes, tais como: orientação e bancas examinadoras de alunos de graduação e pós-graduação; desenvolvimento de pesquisas; oferta de aulas síncronas e assíncronas; organização de eventos e debates virtuais; além de outras atividades técnico-científicas que podem ser realizadas por via remota. Essas experiências, contudo desnuda algumas barreiras, tais como, o uso de internet e equipamentos de qualidade, o que não é realidade para milhares de estudantes brasileiros, aprofundando a desigualdade social, além de comprometer a qualidade do ensino oferecido.

Ressalta-se que, para utilizar as tecnologias disponíveis nas atividades remotas, os docentes necessitam de capacitação, visto que modalidades dessa natureza, não fazem parte da experiência cotidiana no ensino presencial. Ademais, há que se atentar para a necessidade do suporte emocional para docentes e discentes no enfrentamento dos efeitos psicológicos nessa realidade desafiadora2222 Recomendação nº 48 de 01 de julho de 2020 (BR). Recomenda ao Ministério da Educação, que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, no que diz respeito a estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia de Covid-19. Diário Oficial da União [periódico na internet], Brasília (DF), 2020. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1250-recomendacao-n-048-de-01-de-julho-de-2020
http://conselho.saude.gov.br/recomendaco...
.

Entende-se que as tecnologias virtuais devem ser consideradas como alternativas pedagógica no fortalecimento da qualidade do ensino, exceto como instrumento de substituição do ensino presencial, particularmente do ECS em enfermagem, oportunidade em que é desenvolvida a maior parte das habilidades e competências profissionais previstas na DCN/ENF1111 Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001 (BR). Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2001: Seção 1., em que a presencialidade é condição imprescindível.

Apesar da importância das metodologias remotas, pode-se inferir que nenhum equipamento será capaz de substituir o ensino presencial do cuidado nem os processos de interação social nas relações que se estabelecem no ensino do ECS na enfermagem. O uso desses recursos, por si só, não podem ser referência de qualidade da educação em saúde. O ensino remoto é emergencial, preservando-se a qualidade do ensino.

Sabe-se que a qualidade do ECS em enfermagem vai além de uma (re)organização estrutural dos cursos, pois implica em ações de natureza atitudinal dos sujeitos da educação, para que adotem práticas inovadoras que possibilitem a criticidade, reflexão, diálogo, vínculo e interação.

Para o desenvolvimento do estágio no contexto atual, espera-se que haja liberação pelos órgãos públicos, responsáveis pelo enfrentamento à pandemia, de um planejamento institucional que possa assegurar o estabelecimento de um protocolo de segurança, com adoção de medidas sanitárias necessárias e com disponibilização de equipamentos de proteção individual para docentes, discentes e preceptores.

Portanto, considera-se após essas reflexões, que o retorno do ECS em enfermagem de forma presencial é essencial e deve ser assumido, com cautela, nos campos de práticas para a formação em saúde, de acordo com os princípios e diretrizes do SUS, a fim de enfrentar as adversidades e os agravos à saúde da população. Esse retorno, contudo deve ser feito com garantia das condições técnicas e éticas, evitando a dicotomia entre a formação e o exercício profissional.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

As reflexões deste estudo sobre o ECS na enfermagem frente a pandemia COVID-19 na sociedade brasileira, amplia as discussões sobre a qualidade da educação em enfermagem, favorecendo debates sobre o processo de formação nas instituições de ensino superior e serviços de saúde, sob a ótica da reorientação desse processo para atuação no SUS, sobretudo, no enfrentamento aos desafios gerados pela pandemia na efetivação do ECS na saúde/enfermagem.

As novas formas de implementação da modalidade de ensino remoto têm se apresentado como um grande impacto da pandemia para o ensino do ECS em enfermagem, que se configura como essencialmente presencial e direcionado para o cuidado em saúde, de forma competente e propositiva, inviabilizando a criticidade e alienação que possa estar presente no ensino.

Esses aspectos trouxeram reflexos para a manutenção da qualidade do ensino com implicações nas condições de trabalho de docentes e técnicos administrativos e nas condições de estudo de discentes. O maior deles tem sido as dificuldades em atender aos parâmetros de qualidade emanados das DCN/ENF, a fim de que se possa formar profissionais com capacidade para a efetividade do cuidado com qualidade e promoção da saúde nos cenários do SUS.

Entende-se que é urgente a reflexão sobre o ensino do ECS na enfermagem, para que sejam adotadas medidas necessárias que assegurem os padrões de qualidade do ensino, emanados das DCN/ENF e compatíveis com a formação de profissional capaz de conhecer, interpretar e interferir no mundo em que vive; reflexão, também, sobre as tecnologias de ensino como uma abordagem pedagógica e não apenas a tecnologia em si e, ainda, a compreensão sobre a diferença entre EaD e metodologias remotas, vislumbrando, acima de tudo, preservar a qualidade do ensino.

Destaca-se que o trabalho e a educação se interpenetram no campo do ensino do ECS na enfermagem. O mundo mudou e a educação em enfermagem e os espaços das práticas de saúde, também, mudaram. As atividades presenciais podem se enriquecer com os novos recursos remotos, mas não, substituídas.

Diante das incertezas apresentadas, destacam-se os questionamentos: o que a pandemia do novo coronavírus deixará de aprendizagem para o ensino do ECS na enfermagem? Como será esse ensino após a pandemia do novo coronavírus? Perguntas que, no momento, são difíceis de serem respondidas.

As contribuições deste estudo são no sentido de destacar mudanças, incertezas e desafios vivenciados, despertar cautela na tomada de decisão na condução de alternativas de adequações para o ECS em enfermagem no contexto de pandemia.

No percurso desses desafios, recomenda-se que os responsáveis pelo ECS em enfermagem, em atendimento às DCN/ENF, devem buscar alternativas para a qualidade do ensino nos cenários do SUS, articulando o ensino e o trabalho em saúde, avançando na prestação do cuidado e no desenvolvimento da ciência, sem equivalência com a formação mediada por tecnologias que substituam o contato direto entre profissionais e usuários.

No contexto da pós-pandemia, é importante ressaltar que nem o mundo e nem o Brasil voltarão ao seu estado de “normalidade”. Assim, a volta às atividades do ECS em enfermagem deve ocorrer com prudência, pois o cuidar é um desafio e o educar para o cuidado também é. Não se pode esquecer que a qualidade da educação e do cuidado em saúde é, também, defender a saúde e salvar vidas.

REFERÊNCIAS

  • 1
    World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) outbreak: rights, roles and responsibilities of health workers, including key considerations for occupational safety and health [Internet]. Geneve: WHO; 2020 [citado 2020 mar 1]. Disponível em: WHO-2019-nCov-HCWadvice-2020.2-eng.pdf
  • 2
    Lana RM, Coelho FC, Gomes MF, Cruz OG, Bastos LS, Villela DA et al. Emergência do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e o papel de uma vigilância nacional em saúde oportuna e efetiva. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020 [citado 2020 jul 16];36(3):e00019620. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v36n3/1678-4464-csp-36-03-e00019620.pdf
    » https://www.scielo.br/pdf/csp/v36n3/1678-4464-csp-36-03-e00019620.pdf
  • 3
    Jackson D, Bradbury-Jones C, Baptiste D, Gelling L, Morin K, Neville S et al. Life in the pandemic: some reflections on nursing in the context of COVID-19. J Clin Nurs. 2020 jul;29(13-14):2041-3. http://dx.doi.org/10.1111/jocn.15257 PMid:32281185.
    » http://dx.doi.org/10.1111/jocn.15257
  • 4
    Ministério da Saúde (BR). Saúde anuncia orientações para evitar a disseminação do coronavírus [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [citado 2020 jul 13]. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46540-saude-anuncia-orientacoes-para-evitar-a-disseminacao-do-coronavirus
    » https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46540-saude-anuncia-orientacoes-para-evitar-a-disseminacao-do-coronavirus
  • 5
    Fundação Oswaldo Cruz. Observatório da COVID19: informação para a ação. Impactos sociais, econômicos, culturais e políticos da pandemia [Internet]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2020 [citado 2020 jun 15]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/impactos-sociais-economicosculturais-e-politicos-da-pandemia
    » https://portal.fiocruz.br/impactos-sociais-economicosculturais-e-politicos-da-pandemia
  • 6
    Lira ALBC, Adamy EK, Teixeira E, Silva FVD. Nursing education: challenges and perspectives in times of the COVID-19 pandemic. Rev Bras Enferm. 2020 out 26;73(suppl 2):e20200683. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0683 PMid:33111782.
    » http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0683
  • 7
    United Nations Education, Sicentific and Cultural Organization. COVID-19 impact on education [Internet]. Paris: UNESCO; 2020 [citado 2020 jun 15]. Disponível em: https://en.unesco.org/covid19/educationresponse
    » https://en.unesco.org/covid19/educationresponse
  • 8
    Geremia DS, Vendruscolo C, Celuppi IC, Schopf K, Maestri E. Pandemia covid-2019: formação e atuação da enfermagem para o sistema único de saúde. Enferm Foco. 2020;11(1, esp.):40-7. http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3956
    » http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2020.v11.n1.ESP.3956
  • 9
    World Health Organization. Painel do WHO Coronavirus Disease (COVID-19) [Internet]. Geneve: WHO; 2021 [citado 2021 fev 5]. Disponível em: https://covid19.who.int/
    » https://covid19.who.int/
  • 10
    Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BR). Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 23 dez 1996; 34(248)Seção 1:27.833-41.
  • 11
    Resolução CNE/CES nº.3, de 7 de novembro de 2001 (BR). Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2001: Seção 1.
  • 12
    Fernandes JD, Rebouças LC. A decade of National Curriculum Guidelines for Graduation in Nursing: advances and challenges. Rev Bras Enferm. 2013;66(esp.):95-101. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672013000700013
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672013000700013
  • 13
    Portaria nº 343 de 17 de março de 2020 (BR). Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus - COVID-19. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 18 mar 2020: Seção 1: 39.
  • 14
    Portaria nº 345 de 19 de março de 2020 (BR). Altera a Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 19 mar 2020: Seção 1-Extra: 1.
  • 15
    Portaria nº 492 de 23 de março de 2020 (BR). Institui a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo”, voltada aos alunos dos cursos da área de saúde, para o enfrentamento à pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial da União, Brasília (DF), 23 mar 2020: Seção 1-Extra: 4.
  • 16
    Portaria nº 356 de 20 de março de 2020 (BR). Dispõe sobre a atuação dos alunos dos cursos da área de saúde no combate à pandemia do COVID-19 (coronavírus). Diário Oficial da União, Brasília (DF), 20 mar 2020: Seção 1-Extra: 1.
  • 17
    Portaria nº 374 de 03 de abril de 2020 (BR). Dispõe sobre a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, exclusivamente para atuação nas ações de combate à pandemia do novo coronavírus - Covid-19. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 6 abr 2020: Seção 1: 66.
  • 18
    Portaria nº 383 de 09 de abril de 2020 (BR). Dispõe sobre a antecipação da colação de grau para os alunos dos cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia e Fisioterapia, como ação de combate à pandemia do novo coronavírus - Covid-19. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 13 abr 2020: Seção 1: 24.
  • 19
    Portaria nº 544 de 16 de junho de 2020 (BR). Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19, e revoga as Portarias MEC nº 343, de 17 de março de 2020, nº 345, de 19 de março de 2020, e nº 473, de 12 de maio de 2020. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 17 jun 2020: Seção 1: 62.
  • 20
    Costa R, Lino MM, Souza AIJ, Lorenzini E, Fernandes GCM, Brehmer LCF et al. Ensino de enfermagem em tempos de covid-19: como se reinventar nesse contexto? Texto & contexto enferm. 2020;29:e20200202. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0002-0002
    » https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0002-0002
  • 21
    Sanes MS, Neves FB, Pereira LEM, Ramos FRS, Brehmer LCF, Vargas MAO, Martini JG. Educação a distância não! Produção de sentidos dos discursos de entidades representativas da enfermagem. Rev Bras Enferm. 2020;73(5):e20190465. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0465
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0465
  • 22
    Recomendação nº 48 de 01 de julho de 2020 (BR). Recomenda ao Ministério da Educação, que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, no que diz respeito a estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia de Covid-19. Diário Oficial da União [periódico na internet], Brasília (DF), 2020. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1250-recomendacao-n-048-de-01-de-julho-de-2020
    » http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1250-recomendacao-n-048-de-01-de-julho-de-2020
  • 23
    Pinheiro, IM. Estado da arte sobre o ensino de enfermagem e os desafios do uso de tecnologias remotas em época de pandemia do Corona Vírus. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2020;30(1):141-7. http://doi.org/10.7322/jhgd.v30.10087
    » http://doi.org/10.7322/jhgd.v30.10087

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Antonio José Almeida Filho https://orcid.org/0000-0002-2547-9906

EDITOR CIENTÍFICO

Ivone Evangelista Cabral https://orcid.org/0000-0002-1522-9516

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2021
  • Aceito
    28 Abr 2021
Universidade Federal do Rio de Janeiro Rua Afonso Cavalcanti, 275, Cidade Nova, 20211-110 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel: +55 21 3398-0952 e 3398-0941 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: annaneryrevista@gmail.com