Diagnósticos de enfermagem em idosos institucionalizados vítimas de violência

Diagnósticos de enfermería en ancianos institucionalizados víctimas de violencia

Resumo

Objetivo

identificar os diagnósticos de enfermagem em idosos institucionalizados vítimas de violência.

Método

estudo exploratório descritivo qualitativo, conduzido pelo referencial das Necessidades Humanas Básicas, desenvolvido em instituição de longa permanência. A coleta de dados ocorreu de maio a junho de 2020, com informações obtidas em prontuários clínicos. Os dados foram submetidos à análise temática e de conteúdo dirigida à taxonomia II da NANDA Internacional. Todos os aspectos éticos foram respeitados.

Resultados

foram analisados 14 prontuários e identificados 25 diagnósticos de enfermagem, dos quais 12 se relacionaram às necessidades psicobiológicas, 13 às psicossociais e 1 às psicoespirituais. Quanto à categoria diagnóstica, 20 se relacionaram aos problemas de saúde, 4 aos riscos potenciais e 1 à promoção da saúde.

Conclusão e implicações para a prática

a exposição à violência intrafamiliar, a presença de condições crônicas e a institucionalização revelaram diagnósticos que demonstraram fragilidades. Destaca-se a demanda de intervenções relacionadas à motivação dos idosos em alcançar seu bem-estar, direcionando a assistência de acordo com necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais, com foco na recuperação da saúde do idoso e de sua dignidade. Utilizar os diagnósticos de enfermagem para construir o processo de cuidado em idosos institucionalizados amplia a assistência e possibilita um olhar diferenciado às vítimas de violência.

Palavras-chave:
Diagnóstico de Enfermagem; Idoso; Maus-Tratos ao Idoso; Teoria de Enfermagem; Violência

Resumen

Objetivo

identificar diagnósticos de enfermería en ancianos institucionalizados, víctimas de violencia.

Método

estudio exploratorio descriptivo cualitativo, realizado por el marco de Necesidades Humanas Básicas, desarrollado en una institución de larga estancia. La recolección de datos se realizó desde mayo hasta junio de 2020, con informaciones obtenidas de las historias clínicas. Los datos se sometieron a un Análisis Temático y de contenido dirigido a la taxonomía II de la NANDA Internacional. Se respetaron todos los aspectos éticos.

Resultados

se analizaron 14 historias clínicas y se identificaron 25 diagnósticos de enfermería; de estos, 12 estaban relacionados con necesidades psicobiológicas; 13, con psicosociales y uno con psicoespirituales. En cuanto a la categoría de diagnóstico, 20 se relacionaron con problemas de salud, cuatro con riesgos potenciales y uno con promoción de la salud.

Conclusión e implicaciones para la práctica

la exposición a la violencia doméstica, la presencia de afecciones crónicas y la institucionalización revelaron diagnósticos que demostraban debilidades. Es necesario hacer un mayor énfasis en las intervenciones relacionadas con la motivación de los ancianos para lograr su bienestar, dirigiendo la asistencia a las necesidades psicobiológicas, psicosociales y psicoespirituales, con un enfoque en la recuperación de la salud y la dignidad del anciano. La utilización de los diagnósticos de enfermería para construir el proceso de atención al anciano institucionalizado, amplía la asistencia y posibilita una atención diferenciada a las víctimas de violencia.

Palabras clave:
Diagnóstico de Enfermería; Anciano; Maltratos al Anciano; Teoría de Enfermería; Violencia

Abstract

Objective

to identify nursing diagnoses in institutionalized elderly victims of violence.

Method

this was a qualitative descriptive exploratory study conducted by the basic human needs framework and developed in a long-term institution. Data collection took place from May to June 2020, and information was obtained from clinical records. Data were submitted to thematic and content analysis and directed to NANDA International Taxonomy II. All ethical aspects were respected.

Results

14 medical records were analyzed, and 25 nursing diagnoses were identified; of these, 12 were related to psychobiological needs, 13 were related to psychosocial needs, and one was related to a psychospiritual need. As for the diagnostic category, 20 were related to health issues, four to potential risks, and one to health promotion.

Conclusion and implications for practice

exposure to domestic violence, the presence of chronic conditions, and institutionalization revealed diagnoses that showed weaknesses. Greater emphasis is required in interventions related to motivating the elderly who wish to achieve their well-being, directing assistance to psychobiological, psychosocial, and psychospiritual needs, with a focus on recovering the health of the elderly and their dignity. By using nursing diagnoses to construct the care process in long-stay institutions, care is expanded, enabling a differentiated look at victims of violence.

Keywords:
Nursing Diagnosis; Aged; Elder Abuse; Nursing Theory; Violence

INTRODUÇÃO

O número de idosos no Brasil saltou de 14 milhões no ano 2000 para mais de 29 milhões em 2020, concentrando 1.745.728 idosos somente no estado do Paraná.¹ O envelhecimento da população brasileira impõe, ao sistema, o desafio de cuidar da saúde dos idosos e garantir um envelhecer com qualidade e dignidade. Assuntos relacionados à população idosa são protagonistas entre os movimentos políticos, sociais e de direitos humanos, uma vez que a predominância de idosos acompanhou o crescimento das violências perpetradas às pessoas com mais de 60 anos.²

As alterações fisiológicas causadas pelo envelhecimento prejudicam a capacidade de realizar as atividades cotidianas e instrumentais, tornando os idosos dependentes de assistência periódica e, consequentemente, aumentando seu grau de vulnerabilidade.^3-5 Assim, com o processo fisiológico do envelhecimento e a necessidade de auxílio para as atividades diárias, muitos idosos se tornam incapazes de viver de forma independente e passam a precisar de ajuda, ficando mais vulneráveis à violência perpetrada por membros da família — como filhos e netos — ou por cuidadores formais.^4,6

A violência contra o idoso pode ocorrer por negligência e/ou ser de natureza psicológica, financeira, física e sexual.^4,6,7 Essa violência se tornou não apenas um problema de saúde pública, mas também um problema de ordem social e jurídica, pois ameaça a dignidade dos idosos, uma vez que lhes rouba a qualidade de vida e limita sua liberdade.^4-6 A oferta de serviços específicos para proteger os idosos de todos os tipos de violência e garantir um envelhecimento digno é parte de ações desenvolvidas para cumprir de políticas de proteção à pessoa idosa vítima de violência.⁶ Uma vez identificada a violência, o idoso é retirado do convívio familiar — como uma medida protetiva e para sua integridade — e acolhido em Instituições de Longa Permanência para Idoso (ILPI), as quais são próprias para esses casos, conforme determinação das promotorias que defendem os direitos dos idosos.²

Nas ILPI, a atuação do enfermeiro é indispensável, o que reforça a necessidade de regulamentação da presença do profissional de enfermagem nesses estabelecimentos. O enfermeiro tem capacidade técnico-científica para realizar assistência integral e humanizada ao idoso, compreendendo as nuances da violência ocorrida na esfera familiar, buscando identificar os problemas que interferem na qualidade de vida das vítimas, acolhendo-as e construindo uma atmosfera de confiança e de respeito às suas decisões.⁵

A consulta de enfermagem direcionada às Necessidades Humanas Básicas (NHB)⁸ possibilita estabelecer diagnósticos de enfermagem (DE) referentes às indigências do indivíduo, da família e da comunidade. Essa consulta é orientada por modelos teóricos que auxiliam o enfermeiro a aplicar um processo de enfermagem que esteja em consonância com idoso vítima de violência, respeitando e mantendo sua unicidade, autenticidade e individualidade.

A aplicação dos DE respaldados no referencial de Horta⁸ capacita o enfermeiro para sua prática assistencial, pois ele passar a ter uma visão abrangente e perceptiva sobre as diversas faces do indivíduo, o que lhe possibilita planejar uma assistência direcionada às necessidades do indivíduo e avaliar a eficiência do cuidado prestado.^9,10 Considera-se de suma importância que o enfermeiro conheça o público com o qual trabalha; para isso, os DE proporcionam cuidado voltado às necessidades individuais a partir das peculiaridades de cada pessoa.^9,11

Apesar de pesquisas sobre violência representarem um número considerável na literatura científica,^2,4-7 a temática relacionada aos idosos ainda não tem muita expressividade. Sendo assim, ressalta-se a originalidade e a relevância deste estudo em identificar os DE nos idosos vítimas de violência, incentivando o uso do processo de enfermagem nas ILPI e, neste caso, evidenciando a importância dos DE para a implementação das intervenções do enfermeiro.

Portanto, este estudo apresentou a seguinte questão de pesquisa: Quais são os DE mais comuns em idosos institucionalizados vítimas de violência? Diante do exposto, este estudo objetivou identificar os diagnósticos de enfermagem em idosos institucionalizados vítimas de violência.

MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório descritivo de abordagem qualitativa,¹² que utilizou como referencial teórico a Teoria de Enfermagem das Necessidades Humanas Básicas de Wanda Aguiar Horta.⁸ O estudo foi realizado em uma ILPI situada em um município de médio porte, localizado na região Sul do país. Essa instituição é de natureza governamental e atua com base na Política Nacional de Assistência Social — PNAS/2004 — e no Sistema Único de Assistência Social —, tendo atuação voltada ao acolhimento de idosos a partir de 60 anos em situações de violência, maus-tratos, exploração e negligência, em situação de rua e de abandono e com vínculos familiares fragilizados ou rompidos.

A coleta de dados ocorreu no período de maio a junho de 2020 e por duas pesquisadoras vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, com ampla experiência nas técnicas utilizadas, sendo que uma das pesquisadoras atuava como enfermeira na ILPI em questão. Como fonte de dados, foram utilizadas as informações obtidas em prontuários clínicos, as quais foram registradas em documento próprio, elaborado pelas pesquisadoras à luz do referencial teórico, com tópicos relacionados às necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais.⁸

Neste documento, foram feitas as seguintes anotações: dados de identificação (idade e estado civil), anamnese, estado atual de saúde, história da violência (tipo de violência sofrida e local da ocorrência) e dados obtidos pelo instrumento Índice de Vulnerabilidade Clínico Funcional (IVCF-20).¹³ O instrumento presente nos prontuários clínicos permitiu apreensão de informações sobre os aspectos multidimensionais do envelhecimento, como autopercepção da saúde, incapacidades funcionais, cognição, humor, mobilidade, comunicação e comorbidades múltiplas — polipatologias, polifarmácia ou internação.

A utilização do instrumento IVCF-20 — validado em 2014 e utilizado nas normativas de avaliação do idoso no estado do Paraná para estratificação de risco do idoso — permite a identificação do comprometimento clínico-funcional, dada a sua capacidade de sintetizar os pontos de fragilidade, o que permite um cuidado interdisciplinar.¹³

Para organização e sistematização dos dados, foram adotadas as técnicas de análise temática¹² e análise de conteúdo dirigida.¹⁴ Na pré-análise,¹² foi realizada leitura flutuante do documento, buscando conhecer as condições de saúde, o processo ou as vulnerabilidades existentes, resultando nos principais recortes que compuseram as unidades de registro. Na etapa de análise,¹² os recortes obtidos foram codificados e deram origem às unidades de sentido, revelando as categorias-problema, os riscos potenciais e o estado de promoção à saúde. Na etapa de interpretação,¹² foram identificados os DE a partir do julgamento clínico do enfermeiro sobre as condições de saúde, o processo ou a vulnerabilidade de um indivíduo, família, grupo ou comunidade.¹⁰

A taxonomia II da NANDA-I¹⁰ foi utilizada para subsidiar a análise de conteúdo dirigida,¹⁴ norteando as escolhas e as decisões de acordo com o fenômeno da violência sofrida pelos idosos institucionalizados. O processo de identificação dos DE foi estabelecido pelo raciocínio clínico, fundamentado cientificamente e com linguagem padronizada.¹⁵

O aporte teórico, as vivências das pesquisadoras com o processo de enfermagem e a assistência aos idosos vítimas de violência permitiu que fosse realizado um raciocínio clínico¹⁵ com solidez na avaliação de cada pessoa. Os problemas, os riscos potenciais ou o estado de promoção da saúde identificados foram agrupados por similaridade, considerando os componentes título, domínio e características definidoras. Na sequência, os DE foram correlacionados com o referencial teórico⁸ e interpretados a partir de inferências críticas e reflexivas.¹²

Por fim, foi verificada a acurácia dos DE encontrados. A acurácia do DE é validada quando o enfermeiro consegue, com clareza, identificar as características definidoras e ligá-las aos fatores relacionados e/ou aos fatores de risco encontrados a partir da avaliação do indivíduo, da família, do grupo ou da comunidade.¹⁰ Dessa forma, foi aplicada a técnica de validação por consenso,¹⁶ com o objetivo de estabelecer uma opinião por unanimidade sobre a pertinência e a relevância de um determinado DE.

Para a validação,¹⁶ foram selecionadas três especialistas que deveriam atender aos seguintes critérios: estar vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; integrar o GEPECRON; ter experiência com atuação assistencial; e ter experiência na aplicação do DE e de classificações ou taxonomias de enfermagem. A discordância de uma ou mais especialistas condicionou a não validação dos respectivos DE.¹⁶

A pré-análise, a análise e a interpretação¹² foram realizadas com o auxílio do software MAXQDA®, versão 20.0.8, referência 230594870. Após a validação dos DE, foi elaborada a árvore com as condições de saúde, o processo ou a vulnerabilidade autorreferidos, assim como foram apontadas as relações com as características definidoras expressas por cada DE. Para ampliar a qualificação dos resultados apresentados na pesquisa, foi utilizado o protocolo COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research).

Destaca-se que foram respeitados todos os preceitos éticos e legais regulamentados pelas Resoluções 466/2012 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Em 11 de junho 2019, o estudo foi aprovado pela Comissão Permanente de Avaliação de Projetos e pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (COPEP), sob número de Parecer 3.384.162, CAAE: 08167419.7.0000.0104.

RESULTADOS

Foram analisados 14 prontuários de idosos, sendo 8 referentes a pacientes do sexo feminino. Predominaram idosos solteiros e vítimas de violência intrafamiliar do tipo negligência. Os idosos atendidos se enquadravam na faixa etária de 60 a 88 anos. Somente uma pessoa era independente nas atividades instrumentais cotidianas. Ainda, verificou-se que 10 idosos eram dependentes nas atividades básicas, 8 possuíam algum sinal/sintoma de transtorno cognitivo, 11 apresentavam alteração de marcha, 9 tinham incontinência, 11 faziam uso de polifarmácia, 8 apresentavam mais de cinco doenças crônicas e 11 foram estratificados como idosos frágeis.

Foram predominantes as doenças crônicas, que estavam presentes nos registros médicos de todos os idosos, com destaque para as doenças demenciais. Além das demenciais, havia 9 idosos com hipertensão arterial sistêmica, 7 com transtornos mentais, 6 com cardiopatia, 5 com diabetes mellitus e 4 com doença de Parkinson. As doenças oncológicas, oftalmológicas, ginecológicas ou prostáticas, autoimunes, renais, infecciosas e pulmonares estavam registradas em menor expressividade.

A partir das condições de saúde, do processo ou das vulnerabilidades reconhecidas, foram identificados 25 DE, os quais foram agrupados e interpretados conforme proposto pela taxonomia II da NANDA-I¹⁰ e relacionados à Teoria de Horta.⁸ O Quadro 1 apresenta esses resultados.

Quadro 1
Diagnósticos de Enfermagem, segundo a taxonomia II da NANDA-I, em idosos vítimas de violência, de acordo com as características definidoras, a partir das condições de saúde identificadas, Maringá, Paraná, Brasil, 2021

Necessidades psicobiológicas
Condições de saúde, processo ou vulnerabilidade identificadas	Domínio	Diagnósticos de enfermagem
Incontinência urinária; urgência urinária; múltiplas causas.	Eliminação e troca	Eliminação urinária prejudicada
Prejuízo neurológico; mudança ambiental recente; transtorno emocional.	Eliminação e troca	Risco de constipação
Capacidade prejudicada para deglutir.	Segurança/ proteção	Risco de aspiração
Idade ≥ 65 anos; alteração na função cognitiva; prejuízo da audição; neuropatia; visão prejudicada.	Segurança/ proteção	Risco de quedas
Diabetes mellitus; hipertensão arterial sistêmica; pulsos periféricos diminuídos; edema.	Atividade/repouso	Perfusão tissular periférica ineficaz
Falta de condicionamento físico; força muscular insuficiente; dor; alteração na função cognitiva; visão prejudicada.	Atividade/repouso	Mobilidade com cadeira de rodas prejudicada
Instabilidade postural; alteração na função cognitiva; prejuízo musculoesquelético; prejuízo neuromuscular.	Atividade/repouso	Mobilidade física prejudicada
Equilíbrio prejudicado; visão prejudicada.	Atividade/repouso	Deambulação prejudicada
Equilíbrio prejudicado; visão prejudicada; alteração na função cognitiva.	Atividade/repouso	Capacidade de transferência prejudicada
Alteração na função cognitiva; prejuízo musculoesquelético; prejuízo neuromuscular.	Atividade/repouso	Déficit no autocuidado para banho
Alteração na função cognitiva; prejuízo musculoesquelético; prejuízo neuromuscular.	Atividade/repouso	Déficit no autocuidado para se vestir
Deambulação prejudicada; déficit no autocuidado para banho; déficit no autocuidado para se vestir; intolerância à atividade; isolamento social; nutrição desequilibrada.	Promoção da saúde	* Síndrome do idoso frágil
Necessidades psicossociais
Condições de saúde, processo ou vulnerabilidade identificadas	Domínio	Diagnósticos de enfermagem
Tomada de decisões prejudicada; alteração na função cognitiva.	Percepção/ cognição	Manutenção ineficaz da saúde
Esquecimento persistente; prejuízo cognitivo leve; prejuízo neurológico.	Percepção/ cognição	Memória prejudicada
Diminuição no afeto; isolamento social; história de abandono.	Autopercepção	Desesperança
História de abandono; história de abuso; história de negligência.	Autopercepção	Baixa autoestima situacional
Afeto triste; culpabilização excessiva de si mesmo; isolamento social; doença crônica.	Enfrentamento/ tolerância ao estresse	Regulação do humor prejudicada
Reação aprendida a uma ameaça; cenário pouco conhecido.	Enfrentamento/ tolerância ao estresse	Medo
Depressão; dinâmica familiar perturbada; violência na comunidade.	Enfrentamento/ tolerância ao estresse	Resiliência prejudicada
Abandono; negligência em relação às necessidades básicas do paciente; negligência quanto ao relacionamento com membro da família; rejeição.	Enfrentamento/ tolerância ao estresse	Enfrentamento familiar incapacitado
Mudanças na participação e na tomada de decisões; mudança na resolução de conflito familiar; diminuição do apoio mútuo; abandono.	Papéis e relacionamentos	Processos familiares disfuncionais
Apoio mútuo insuficiente nas atividades cotidianas entre os parceiros; história de violência intrafamiliar.	Papéis e relacionamentos	Relacionamento ineficaz
Isolamento social; privação afetiva; privação emocional.	Conforto	Risco de solidão
Extremos de idade; institucionalização prolongada.	Promoção da saúde	Envolvimento em atividades de recreação diminuído
Deambulação prejudicada; déficit no autocuidado para banho; déficit no autocuidado para se vestir; isolamento social; nutrição desequilibrada.	Promoção da saúde	* Síndrome do idoso frágil
Necessidades psicoespirituais
Condições de saúde, processo ou vulnerabilidade identificadas	Domínio	Diagnósticos de enfermagem
Expressa desejo de reforçar costumes religiosos usados no passado; expressa desejo de aumentar o uso de material religioso.	Princípios da vida	Disposição para religiosidade melhorada

• Fonte: Dados da pesquisa, 2020.

O DE síndrome do idoso frágil é considerado multidimensional, já que seus prejuízos geram efeitos somáticos em cascata que potencializam o surgimento das incapacidades geriátricas. As condições de saúde, processo ou vulnerabilidade que possibilitaram a identificação deste DE foram: deambulação prejudicada, déficit no autocuidado para banho, déficit no autocuidado para se vestir, intolerância à atividade, isolamento social e nutrição desequilibrada. Por ser tratar de um diagnóstico de enfermagem complexo, diz respeito às necessidades psicobiológicas e psicossociais, estando presente em ambas as definições (Quadro 1).

Foram relacionadas 12 DE às necessidades psicobiológicas, 13 às psicossociais; e 1 às psicoespirituais. Os DE identificados se concentram nas esferas biológica, psicológica e social, o que pode ser explicado pelo perfil dos participantes do estudo, evidenciando que a avaliação de enfermagem está mais focada nos aspectos que envolvem o componente físico, o enfrentamento das condições de saúde e a fragilização da rede de apoio dos idosos vítimas de violência.

Os domínios que compreendem os DE identificados foram atividade/repouso, segurança/proteção, enfrentamento/tolerância ao estresse, promoção da saúde, papéis e relacionamentos, eliminação/troca, percepção/cognição, autopercepção, princípios da vida e conforto.

Em relação à categoria diagnóstica, 20 DE foram relacionados a problemas de saúde, 4 a riscos potenciais e 1 à promoção da saúde. Esse resultado aponta que a atuação da enfermagem está centrada, basicamente, em intervenções relacionadas aos problemas já instalados.

DISCUSSÃO

Os DE são fruto do raciocínio clínico do enfermeiro.¹⁵ A partir da identificação do DE, a assistência à tríade indivíduo/família/comunidade é traçada com elementos que propõem intervenções diante das situações identificadas, sustentando o reconhecimento da Enfermagem como a ciência do cuidado.^9,17 A assistência de enfermagem construída com base na Teoria das NHB⁸ propicia, aos idosos institucionalizados vítimas de violência, um cuidado centrado nas necessidades biológicas e nas demais dimensões do cuidado.

Diante da complexidade da assistência aos idosos residentes nas ILPI, o profissional enfermeiro deve orientar a assistência com uma abordagem holística, que compreenda o idoso fragilizado em sua plenitude.⁹ É papel do enfermeiro desenvolver diferentes habilidades para lidar com as famílias e com os próprios idosos, a fim de ajudar a garantir sua segurança.⁶ A escolha da Teoria das NHB como respaldo para as discussões do presente estudo viabiliza compreender a realidade dessa população de forma abrangente e integral a partir de suas necessidades individuais, sendo os DE aplicáveis à prática do enfermeiro.

A perpetração da violência está associada com a fragilidade dos idosos, que apresentam declínios na força, na resistência e na função fisiológica, aspecto que os torna mais vulneráveis à violência se comparados aos idosos mais robustos.⁷ A violência contra o idoso está associada ao declínio cognitivo,⁵ o que pode explicar a predominância de idosos com comprometimento cognitivo no local do estudo. Muitas vezes, o déficit físico e mental nos idosos vítimas de maus-tratos pode ter sido agravado ou ser fruto das violências sofridas.⁴

Os DE manutenção ineficaz da saúde, memória prejudicada, déficit no autocuidado para se vestir, capacidade de transferência prejudicada, déficit no autocuidado para banho, mobilidade física prejudicada, mobilidade com cadeira de rodas prejudicada, risco de quedas, risco de aspiração, risco de constipação, eliminação urinária prejudicada e síndrome do idoso frágil foram identificados a partir das condições de saúde, processo ou vulnerabilidade relacionados às alterações cognitivas. O elevado número de DE associados ao declínio cognitivo pode ser decorrente da predominância de idosos com doenças demenciais no local estudo.

Quanto aos principais DE encontrados, observou-se que, dentro das necessidades psicobiológicas, o domínio com maior representatividade foi atividade/repouso. Um estudo⁹ abordando idosos de uma ILPI de Minas Gerais também identificou a prevalência desse domínio entre os DE da sua amostra, indicando que o déficit de mobilidade é algo frequente nos idosos institucionalizados e contribui em sua dependência para realizar NHB psicobiológicas.

Os DE mobilidade com cadeira de rodas prejudicada, mobilidade física prejudicada, deambulação prejudicada, capacidade de transferência prejudicada, perfusão tissular periférica ineficaz e síndrome do idoso frágil contemplam condições de saúde, processo ou vulnerabilidade relacionados ao equilíbrio prejudicado, à alteração na função cognitiva, ao prejuízo musculoesquelético e a complicações neuropáticas decorrentes do diabetes mellitus, aspectos que contribuem para outro DE, o risco de quedas. As quedas nos idosos estão relacionadas a fatores intrínsecos — como incontinência urinária, instabilidade postural e declínio cognitivo — e extrínsecos — como degraus, pisos escorregadios, calçados inadequados.^9,13

Como característica da institucionalização, os idosos se apresentam mais vulneráveis ao declínio cognitivo associado à limitação da mobilidade. Isso porque as enfermidades cerebrais produzem importantes alterações motoras que, por consequência, torna-os mais fragilizados e com menor capacidade funcional. Por essa razão, é primordial estabelecer, nessas instituições, medidas de estímulo à mobilidade física e atividades com incentivo ao equilíbrio corporal.^3,9 A organização do trabalho dos profissionais de saúde nas ILPI se assemelha à rotina de cuidados de um setor hospitalar, em que atividades de cunho curativistas se sobressaem em relação às ações de promoção de saúde.³ Dessa forma, a inserção de programas de estimulação no contexto da ILPI se faz necessária e urgente, a fim de minimizar o declínio funcional e atingir a integralidade da assistência à pessoa idosa.³

Em relação às necessidades psicossociais, destacaram-se os DE desesperança, baixa autoestima situacional, regulação do humor prejudicada, medo, resiliência prejudicada, enfrentamento familiar incapacitado, processos familiares disfuncionais, relacionamento ineficaz e risco de solidão, os quais foram identificados a partir das condições de saúde, processo ou vulnerabilidade relacionados à violência ocorrida no contexto familiar.

A violência intrafamiliar tem particularidades que merecem atenção cuidadosa por parte dos profissionais de saúde. As vítimas apresentam receio de dar informações, o que se combina com sentimentos de medo, vergonha, sensação de desamparo, culpa e julgamento de valores, aspectos que colaboram para que o idoso desenvolva um estado de profunda tristeza e solidão.⁴ Entretanto, mesmo sendo muito comum nos idosos institucionalizados, DE relacionados ao humor deprimido, na maioria das vezes, são subdiagnosticados e subtratados.^18,19

A autopercepção de saúde tem sido utilizada como um indicador válido de qualidade de vida, de morbidade e de diminuição de funcionalidade. Ela analisa multidimensionalmente aspectos físicos, cognitivos e emocionais, funcionando, principalmente, como um bom preditor de mortalidade.¹⁹ A percepção negativa sobre a condição de saúde tem impacto importante no processo de envelhecimento e, frequentemente, está associada ao maior número de doenças crônicas e de incapacidade funcional do idoso.^5,19

Os DE desesperança e baixa autoestima situacional são específicos ao revelarem como a violência no âmbito familiar e a institucionalização interferiram na autopercepção sobre a saúde. Nesta pesquisa, tanto a desesperança quanto a baixa autoestima situacional foram identificados a partir das condições de saúde, processo ou vulnerabilidades relacionadas à história de negligência ou abandono.

No que concerne às necessidades psicoespirituais, destacou-se o domínio princípios da vida, representado pelo DE disposição para religiosidade melhorada. O processo de envelhecimento pode ser permeado por adversidades que podem afetar o bem-estar dos idosos; no entanto, esse processo deve ser mediado com diferentes estratégias, como a aproximação com a espiritualidade e a religiosidade.

O bem-estar espiritual está associado a maiores níveis de satisfação com a vida nos idosos, servindo de refúgio em meio às inseguranças do envelhecimento e proporcionando uma sensação de resiliência.^18,20 Idosos em situação de vulnerabilidade tendem ao isolamento e podem desenvolver sintomas depressivos. Diante disso, a religiosidade se apresenta como um fator reconfortante para o bem-estar social e pessoal.²⁰

A carência das produções científicas sobre os benefícios do cuidado na esfera espiritual não nos permite uma discussão mais ampla. Todavia, ressalta-se que essa dimensão precisa de maior atenção dos profissionais de saúde — sobretudo da enfermagem —, pois aponta a necessidade de desenvolver estratégias para fortalecer redes de apoio que promovam uma assistência holística, de acordo com as necessidades individuais de cada pessoa.²⁰

Entende-se que a Teoria de Horta⁸ como sustentação teórica para sistematizar a assistência do enfermeiro que atua na ILPI permite a prestação de um cuidado centrado nas necessidades individuais das vítimas de violência. Assim, a identificação dos problemas e posteriores intervenções contemplam o idoso conforme suas necessidades.

Os DE identificados neste estudo se concentram nas esferas biológica e psicossocial, o que pode ser explicado pelo perfil dos participantes e pela herança dos antigos modelos de saúde anteriores, os quais priorizavam a detecção de problemas de origem biológica. Considerando as características do modelo biomédico, imposto na formação dos enfermeiros, observa-se maior tendência desses profissionais para a identificação das necessidades psicobiológicas.¹¹

Neste estudo, apesar dos DE psicossociais terem sido de maior número, os DE relacionados ao componente biológico tiveram uma grande representatividade, o que demonstra que a cultura da investigação dos problemas de saúde ainda é biologicista. A fragilidade no levantamento de condições de saúde, processo ou vulnerabilidade relacionada ao componente psicoespiritual indica que a avaliação de enfermagem se encontra incipiente nesse aspecto.

Demanda-se que o enfermeiro conduza sua consulta de enfermagem investigando aspectos do componente espiritual como parte integrante das necessidades da pessoa atendida. Outro estudo¹¹ também identificou a pequena atenção dispensada ao componente espiritual, cuja maioria dos DE também foi relacionada às necessidades psicobiológicas e sociais.

Em relação às categorias diagnósticas descritas pela NANDA-I,¹⁰ nota-se que apenas um diagnóstico de enfermagem pertencia à promoção da saúde. Nessa categoria, as características definidoras contemplam a pessoas desejar melhorar seu atual estado de saúde ou o enfermeiro reconhecer a existência de sinais da motivação e da disposição para alcançar o bem-estar.¹⁰

Estudos^9,17 que abordaram a construção dos DE também encontraram resultado semelhante e com maior foco nos problemas de saúde. Planejar a assistência de enfermagem a partir de DE focados no problema não atende à integralidade do cuidado, uma vez que as ações preventivas para os DE de risco também precisam ser implementadas na assistência ao idoso.¹⁷

Esse resultado pode indicar fragilidade nas ações que incentivem a promoção da saúde na população estudada, com apoio para que a pessoa se sinta estimulada a praticar ações que promovam a melhoria das suas condições. Devido à institucionalização, o idoso passa a apresentar uma rotina ociosa, sendo primordial a realização de atividades de promoção à saúde, com estímulos cognitivos e motores. Além de promover benefícios específicos para essas áreas, tais atividades são capazes de proporcionar melhora da saúde mental.³

Os resultados desta pesquisa contribuem para incentivar o processo de enfermagem — em especial os DE — nas práticas assistenciais dos enfermeiros, direcionando o cuidado por meio da promoção, da manutenção e da recuperação da saúde da pessoa em processo de envelhecimento. Isso tem como finalidade promover, portanto, o planejamento de ações sustentadas no conhecimento científico que sejam eficazes, seguras e centradas nas necessidades individuais para proporcionar qualidade de vida à população idosa vítima de violência.

CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

A identificação dos DE em idosos vítimas de violência a partir do referencial teórico de Horta revelou a predominância de DE relacionados ao componente biopsicossocial, destacando a fragilidade dos idosos participantes desta pesquisa. A exposição à violência intrafamiliar, a presença de condições crônicas — principalmente relacionadas ao déficit cognitivo — e a institucionalização são aspectos que podem agravar a fragilização da saúde dessa população e dificultar sua estabilização.

A inexpressividade de DE relacionados à categoria diagnóstica de promoção da saúde sinaliza a urgência dos profissionais de saúde planejarem suas intervenções para apoiar e promover a motivação dos idosos, a fim de que essa população alcance o seu bem-estar. O enfermeiro inserido nesse contexto deve estar atento à identificação das condições de saúde, processo ou vulnerabilidade que interfiram na qualidade de vida do idoso. Para isso, esse profissional deve estabelecer DE e intervenções, avaliar e reavaliar suas respostas aos problemas vigentes e buscar prevenir complicações que agravem a situação de saúde já instalada. Acrescenta-se a pequena atenção dispensada aos benefícios do cuidado no âmbito espiritual, o que denota a necessidade de aprofundamento científico sobre essa temática.

Como limitações do estudo, aponta-se o pequeno número de participantes. No entanto, esclarecemos que essa é a única instituição de referência regional para acolher idosos vítimas de violência; sendo assim, recomenda-se sua replicação a outras realidades.

As contribuições do estudo para a pesquisa, a gestão do cuidado e a assistência de enfermagem estão no planejamento de ações sistematizadas em saúde, assim como a implementação de cuidados com foco nas necessidades individuais e no fortalecimento das políticas públicas para a proteção de idoso, em especial a regulamentação do enfermeiro nas ILPI. Espera-se que os resultados possam aprimorar a assistência de enfermagem nas ILPI, despertando um olhar diferenciado paras as vítimas de violência, assim como para a comunidade acadêmica, fomentando discussões sobre a importância dos DE para a construção do processo de cuidado.

O cuidado sistematizado do enfermeiro nessas instituições e o conhecimento sobre as NHB dos idosos vítimas de maus-tratos poderão contribuir para o rompimento do ciclo de violência e permitir um acolhimento ao idoso fragilizado, com atenção às suas necessidades psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais.

• FINANCIAMENTO O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 (concessão de bolsa de doutorado para Francielle Renata Danielli Martins Marques).

REFERÊNCIAS

• ¹
  Brasil. Ministério da Saúde. Data SUS [Internet] Brasília: MS; 2015. [citado 2020 set 02]. Disponível em: https://datasus.saude.gov.br/
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EDITOR CIENTÍFICO

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  25 Fev 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  31 Ago 2021
• Aceito
  04 Jan 2022