Open-access Brasil-Canadá: Lançando Sementes Através De Consulta Comunitária sobre o enfrentamento da violência contra a mulhera

Brasil-Canadá: Lanzando semillas por medio de consulta comunitaria sobre la lucha contra la violencia contra la mujer

RESUMO

Objetivos  Relatar a primeira experiência da Cátedra de Pesquisa em Saúde Urbana (Universidade Ryerson-Canadá) no Brasil, em colaboração com a Universidade Federal da Paraíba por meio de uma consulta de opinião comunitária sobre as estratégias de enfrentamento da violência contra a mulher, e oferecer subsídios que estimulem uma visão renovada de colaborações e parcerias internacionais entre programas de Enfermagem.

Método  Abordagem descritiva do tipo relato de experiência de docentes e discentes de Enfermagem brasileiros e canadenses, desde o processo de planejamento até a análise das informações obtidas.

Resultados  Essa experiência foi fundamental para o estabelecimento de colaborações científicas recentemente implementadas e em planejamento, consolidando o potencial da Enfermagem em participar de acordos científicos e tecnológicos entre Brasil-Canadá.

Conclusão e Implicações para a prática  Recomendamos que programas de graduação e pós-graduação de Enfermagem no Brasil promovam o intercâmbio de seu corpo social com diversos países, não apenas em projetos de pesquisa, mas também em projetos de desenvolvimento social valorizados igualmente na construção de um corpo de conhecimentos para a Enfermagem global.

Palavras-chave:  Violência contra a mulher; Cooperação internacional; Saúde Global; Participação da Comunidade

RESUMEN

Objetivos  Presentar un informe de la primera experiencia de la Cátedra de investigación en salud urbana (Universidad Ryerson- Canadá) en Brasil en colaboración con la Universidad Federal de Paraíba a través de una consulta de opinión a la comunidad sobre estrategias para enfrentar la violencia contra las mujeres y ofrecer información para estimular una visión renovada de colaboración internacional y asociación entre programas de enfermería.

Método  Un diseño descriptivo con el informe de las experiencias de estudiantes y miembros de las facultades de enfermería canadienses y brasileños sobre el proceso desde la panificación de la consulta hasta el análisis de la información acumulada.

Resultados  Esta experiencia fue fundamental para establecer nueva colaboración científica recientemente implementada y en la panificación para consolidar así el potencial de la enfermería para participar en los acuerdos científicos y tecnológicos de Brasil y Canadá.

Conclusión e Implicaciones para la práctica  A los estudiantes en los programas de licenciatura y posgrado en enfermería brasileña se les recomienda que promuevan el intercambio de sus agentes sociales con otros países, no solo para proyectos de investigación, pero también para el desarrollo social, los que son igualmente valorados para la construcción del conocimiento específico de la enfermería global.

Palabras clave:  Violencia contra la mujer; Cooperación Internacional; Salud Global; Participación de la Comunidad

ABSTRACT

Objectives  To report the first experience of the Research Chair in Urban Health (Ryerson University-Canada) in Brazil in collaboration with the Federal University of Paraíba through a community opinion consultation about strategies to face violence against women. This experience also offers insights to stimulate renewed visions of international collaborations and partnerships among nursing programs.

Method  A descriptive design with the report of experience of Canadian and Brazilian nursing faculty and students about the process from the consultation planning to the analysis of the gathered information.

Results  This experience was fundamental to establish new scientific collaborations recently implemented and in planning. It demonstrates the nursing potential to participate in Brazil-Canada technological and scientific agreements.

Conclusion and Implications for practice  Brazilian Nursing undergraduate and graduate programs are recommended to promote an exchange of their faculty and administrative staff with several countries. These exchanges would not be only for research projects but also for social development projects, which are equally valued for the creation of global, nursing-specific knowledge.

Keywords:  Violence against women; International Cooperation; Global Health; Community Participation

INTRODUÇÃO

O presente artigo reporta a primeira experiência da Cátedra de Pesquisa em Saúde Urbana da Escola de Enfermagem Daphne Cockwell (Daphne Cockwell School of Nursing-DCSON) da Universidade Ryerson (Toronto-Canadá) em colaboração com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) (cidades de João Pessoa e Campina Grande) - Brasil. A experiência envolveu a condução de uma consulta de opinião comunitária sobre o futuro das mulheres quando empoderadas para agirem contra a violência, mobilizando, assim, os cidadãos a verbalizarem suas ideias e visões. O projeto concentrou-se em um grave problema de saúde urbana global: a violência contra as mulheres - um desafio particular para a prática da Enfermagem global.

A violência contra as mulheres é um fenômeno global e envolve os aspectos físicos, sexuais, psicológicos e econômicos, assim como atos de controle, ameaça, agressão e abuso.1 A violência contra as mulheres afeta todas as faixas etárias e assume muitas formas, como infanticídio, abuso infantil, incesto, estupro, assédio sexual, violência por parceiro íntimo, abuso e negligência de mulheres idosas.1 Tais formas de violência não são novas, nem as suas consequências para a saúde física, mental e reprodutiva da mulher, mas constitui uma violação dos direitos humanos das mulheres, que limita sua participação na sociedade prejudicando sua saúde e bem-estar.

Enquanto um problema de saúde pública global, afetando aproximadamente um terço das mulheres no mundo,2 configura-se ainda como um fenômeno complexo e de difícil conceituação que permeia as relações desiguais entre homens e mulheres3 na sociedade, com raízes em estruturas sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais. A maior parte dessa violência é cometida pelo parceiro íntimo.1 Globalmente, até 38% de todos os assassinatos de mulheres são cometidos por parceiros masculinos íntimos.1

No Brasil, o governo demorou a reconhecer a violência contra a mulher como um problema sério, e foi um dos últimos países da América Latina a sancionar e decretar uma legislação especial para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, a Lei nº 11.340/2006 – popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. Em 2010, o Brasil avançou com a rede de confrontos de violência contra a mulher1 e, em 2015, o Estatuto nº 13.014 alterou o art. 121 do Código Penal, para prever feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio.

Apesar do aparato legal, o Brasil continua apresentando altos indicadores de violência contra a mulher. Houve aumento significativo do percentual de mulheres que declararam ter sido vítimas de algum tipo de violência provocada por um homem: esse percentual passou de 18%, em 2015, para 29%, em 2017.4 A violência física foi a mais mencionada: 67% das respondentes disseram já ter sofrido esse tipo de agressão. A violência psicológica veio em seguida, com 47% das menções, enquanto as violências moral e sexual tiveram 36% e 15% das respostas, respectivamente. Cumpre salientar que foi verificado um aumento significativo do percentual de mulheres que declararam ter sofrido violência sexual, que passou de 5%, em 2011, para 15%, em 2017.5

Tais evidências destacam a necessidade de abordar fatores econômicos e socioculturais que fomentam uma cultura de violência contra as mulheres. Isso também inclui a importância do desafio social, de educar, prevenir e combater comportamentos típicos do controle masculino sob as perspectivas socioculturais das representações de masculinidade hegemônica. Isso nos ajudaria a conceber ações para diminuir os níveis de exposição à violência na infância, reformando leis, fortalecendo as funções econômicas e direitos legais das mulheres e eliminando as desigualdades de gênero, como acesso ao emprego assalariado formal e acesso à educação universitária.6 O fenômeno da violência contra a mulher tornou-se um desafio para a definição, em especial do corpo de conhecimento específico e escopo redimensionado, da prática da Enfermagem dentro de uma equipe multidisciplinar pautada na prática baseada em evidências e na filosofia do cuidado centrado no cliente/paciente.

Objetivo

Relatar a experiência de uma consulta de opinião comunitária sobre as estratégias de enfrentamento da violência contra a mulher e oferecer subsídios que estimulem uma visão renovada de colaborações e parcerias internacionais entre programas de Enfermagem.

Justificativa e objetivos da consulta

Diante da existência de legislação especial e dos desfavoráveis indicadores estatísticos sobre a violência contra a mulher no Brasil, resolveu-se criar um projeto de consulta de opinião comunitária. O projeto intitulado “Consulta a stakeholders no desenvolvimento de estratégias de intervenção em diferentes níveis de atenção para enfrentar a violência contra as mulheres” teve os seguintes objetivos: (a) compreender as crenças, percepções e expectativas dos principais atores sociais sobre a violência interpessoal, familiar e comunitária contra a mulher; (b) explorar suas percepções sobre possíveis estratégias para abordar a violência contra a mulher; (c) discutir com os principais atores sociais consultados, incluindo futuros cidadãos empreendedores, sobre a aplicação das leis existentes, o sucesso de ações preventivas e educativas, bem como as respostas à outras intervenções oficiais potenciais relacionadas a casos de violência contra a mulher; e (d) construir novas colaborações nos níveis locais e estaduais na Paraíba, para garantir a viabilidade de um futuro projeto de intervenção em grande escala para tratar a violência contra a mulher.

A implementação do projeto foi possível devido à relação acadêmica previamente estabelecida entre as docentes e iniciou-se a partir do estágio de pesquisa de doutorado sanduíche da docente brasileira (atualmente docente na UFPB) na DCSON. Este projeto representou a atividade pioneira da DCSON – que participou do primeiro programa, intitulado Ryerson International Experience Learning Program – obtendo uma bolsa única, financiando os custos de transportes de cinco graduandas de Enfermagem.7 A UFPB, parceira acadêmica do projeto, custeou a hospedagem das graduandas.

A execução deste trabalho em todas as suas fases só foi possível devido à cooperação acadêmica entre a Universidade Ryerson e UFPB. Cabe destacar que, para este projeto, em tempo excepcional, foi assinado um Termo de Cooperação Técnica pelas Universidades durante o período 2018-2023.

A EXPERIÊNCIA

A ideia original deste projeto era fazer parte das atividades de cooperação formalizadas com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (2017-2022), incluindo a Escola de Enfermagem Anna Nery, assim como outra parceria emergente com a Universidade Federal Fluminense (UFF) – Escola de Enfermagem Aurora Afonso Costa. Em decorrência do decreto de intervenção militar na cidade do Rio de Janeiro, em março de 2018, decidiu-se transferir o projeto para a cidade de João Pessoa, extensivo a Campina Grande (Paraíba). Esta situação não gerou prejuízos, considerando que as referidas cidades também atendiam às questões suscitadas na proposta inicial.

A preparação

Para materializar a colaboração acadêmica, as líderes canadenses (incluindo uma docente brasileira-canadense) do projeto lançaram uma campanha de doação de livros entre os 39 docentes da DCSON. A campanha permitiu que a Biblioteca Central da UFPB recebesse uma doação de 150 quilos de livros científicos para a expansão de seu acervo.

Para a chegada ao Brasil, houve a preparação prévia das graduandas canadenses, envolvendo: (1) participação em um curso gratuito on-line sobre a análise das questões de gênero;8 (2) revisão do quadro conceitual feminista que guia os projetos e políticas de cooperação internacional canadense;9 (3) revisão do modelo canadense de promoção de saúde populacional, incluindo os conceitos de determinantes sociais da saúde e construção de capacidade comunitária, justiça social, assim como de empreendedorismo cidadão e conceitos freirianos de conscientização crítica e de empoderamento;10 (4) treinamento de língua portuguesa oferecido pelo Ministério da Educação - Programa Idiomas sem Fronteiras; (5) breve orientação sobre a natureza da Lei Maria da Penha e das bases filosóficas e estrutura operacional do Sistema Único de Saúde Brasileiro; e, (6) reflexão sobre conhecimentos e valores que auxiliam a mulher para que ela saiba como agir em um contexto social de masculinidade hegemônica.

Na UFPB, foi submetido um projeto ao Programa de Bolsas de Extensão, para o qual foram selecionados cinco alunos de graduação e dois de pós-graduação em Enfermagem. Além dos discentes, cinco docentes e uma enfermeira aceitaram colaborar com o projeto. Os alunos selecionados passaram por treinamento semelhante às alunas canadenses e auxiliaram a supervisora brasileira com os trâmites de solicitação de anuência dos serviços comunitários.

A implantação

Na consulta comunitária adotou-se uma abordagem descritiva do tipo relato de experiência das graduandas canadenses em colaboração direta com graduandos da UFPB. A consulta favoreceu uma percepção prática da abordagem canadense feminista para análise das questões de gênero nas sociedades locais, assim como a análise crítica sobre áreas de melhorias para a maior eficácia da rede de atendimento local às mulheres vítimas de violência.

Sabe-se que a consulta comunitária permite que a comunidade fale de seus interesses e do que espera da autoridade local, permitindo evidenciar o envolvimento da comunidade nos problemas sociais e a participação no desenvolvimento local. A consulta caracteriza-se por uma estratégia de abordagem de política emancipatória como política que se volta à perspectiva da oportunidade, que supõe uma nova matriz de ordenamento e governança política, que procura aprender novas formas de organização social com a gestão da democracia, fortalecimento da cidadania e enfrentamento do problema.11

As atividades foram desenvolvidas nas cidades de João Pessoa e Campina Grande. Neste caso, território é entendido como um local onde os sujeitos se sentem integrados e aceitos, possibilitando explorar o que o território lhes oferece, sem medo de não se sentirem integrantes daquele local, onde entendam seus direitos e deveres de cidadãos, ao usufruírem de um local e de uma coletividade,12 vistos como unidade e diversidade e definidos pela implantação de infraestrutura e pelo dinamismo da economia e da sociedade. A escolha da cidade de Campina Grande, se justifica pelos altos índices de violência contra a mulher e da facilidade de implantação do projeto pela proximidade com João Pessoa.

As regiões Norte e Nordeste lideram o ranking negativo da violência contra a mulher no País onde, em média, 17,2% das mulheres que vivem em uma capital nordestina sofreram violência física pelo menos uma vez na vida. A cidade de João Pessoa, neste ranking de prevalência de violência doméstica por tipo, ocupa o primeiro lugar em violência sexual contra a mulher e o segundo lugar em violência emocional, ficando em quinto lugar em violência física.13

A entrada das graduandas no campo e a imersão sociocultural na cidade de João Pessoa incluiu a aceitação tácita da vulnerabilidade, por questões relacionadas ao idioma, violência comunitária e, ainda, da abordagem masculina às mulheres culturalmente aceita. É relevante frisar que as graduandas estavam cientes de possíveis choques culturais, uma vez que receberam informações pela docente brasileira-canadense sobre as normas sociais brasileiras. Assim, as graduandas optaram por participar de atividades diversas para observarem o cotidiano das dinâmicas sociais entre pessoas de diferentes gêneros, tais como: assistir a jogos por ocasião da Copa do Mundo em restaurantes, participar de festas religiosas, ter encontros informais com os estudantes da UFPB em bares, participar de festa junina em Campina Grande, frequentar atividades sociais de dança etc. Tais atividades ajudaram no entendimento de algumas normais sociais implícitas no trato pessoal, nos cumprimentos envolvendo abraços, beijos no rosto e toques no ombro, comum nas relações informais entre brasileiros.

Outro aspecto interessante era a preocupação das graduandas em relação à discriminação racial no Brasil, considerando que duas delas são de origem sul-asiática e que poderiam não corresponder às características caucasianas presentes no imaginário do povo brasileiro em relação aos canadenses. Importante também ressaltar que o fato de terem sido hospedadas na residência universitária da UFPB possibilitou que as graduandas conhecessem de perto o cotidiano das relações entre os jovens brasileiros equivalente ao convívio doméstico.

A execução

O trabalho de campo foi desenvolvido pelas graduandas canadenses acompanhadas por graduandos brasileiros que atuaram diretamente na superação de qualquer dificuldade relacionada apenas ao idioma português.10 Esta equipe mista conduziu consultas individuais e em grupos sob a forma de conversas informais. Trabalhando juntos durante seis semanas (junho a julho de 2018) por um total de 205 horas, a equipe ouviu a opinião de 223 indivíduos.

Para a primeira aproximação das graduandas ao campo, foi organizada uma reunião em que elas foram apresentadas à comunidade local e para alguns representantes de entidades sociais e do poder público. Nesta reunião, a equipe pôde dirimir dúvidas de outros participantes. O passo seguinte foi a marcação de encontros individuais ou em grupos para a consulta. As consultas tiveram a mesma dinâmica com o revezamento da participação dos graduandos brasileiros. Nas consultas, as graduandas iniciavam as perguntas e ao graduando brasileiro era atribuída a responsabilidade de traduzir as perguntas e as respostas das pessoas.

As consultas foram conduzidas a partir de três perguntas centrais: O que você pensa que uma mulher pode fazer pela outra para ajudar na situação de viver com violência contra a mulher? O que você pensa que uma enfermeira pode fazer para ajudar a vítima de violência doméstica? O que você pensa que um agente comunitário de saúde pode fazer para ajudar a mulher vítima de violência? As conversas foram gravadas sem identificação pessoal do respondente e as graduandas produziram uma súmula escrita do que foi compreendido e após participavam de um encontro de revisão das atividades com a docente-supervisora local.

Nas conversas, os membros da comunidade local e da rede de acolhimento narravam histórias das vítimas de violência local. Foram consultadas 92 mulheres e 17 homens da comunidade, 46 membros da Universidade (em João Pessoa e Campina Grande) entre discentes e docentes, 37 profissionais de saúde, 14 policiais, entre delegados e agentes (homens e mulheres), 5 líderes religiosos, 5 psicólogas, 4 assistentes sociais, 2 membros do judiciário e 1 profissional de nível médio. Os territórios visitados foram: estação de rádio, delegacia de polícia, centro comunitário, ambulatório hospitalar, sala de emergência de hospital, igreja, serviço de assistência jurídica e universidade.

Aprendizado experiencial

A experiência apresentada expõe que as iniciativas empreendidas em sinergia entre docentes e discentes com cooperação técnica internacional junto à comunidade tem o potencial de revelar novas soluções e formas de intervir em problemas urbanos. Problemas reais e de impacto mundial clamam por inovação social e quebra de paradigmas do fazer para estimular a participação da comunidade com a proposição de ideias nunca antes testadas. No aprendizado experiencial em campo podem emergir novas maneiras de pensar para a solução dos problemas comuns de saúde e sociais em diferentes contextos. Isto pode levar à troca de conhecimentos e experiências entre os países. A experiência para ambos os grupos de graduandos se traduziu para além do trabalho de campo, pois agora eles aprendem com as docentes várias formas de disseminação de conhecimentos. Acreditamos que a oportunidade de trabalhar em rede internacional, compartilhar experiências vivenciadas e aprimorar o conhecimento sobre as políticas de ações desenvolvidas por outro país expande nossos horizontes profissionais.

Um resultado relevante, após o retorno das graduandas à Toronto, foi a mobilização das habilidades de liderança social das mesmas, resultando na criação do grupo Estudantes de Enfermagem para Justiça Social (NSSJ Group - Nursing Students for Social Justice), apoiada formalmente pela docente brasileira-canadense, além do estabelecimento de outras iniciativas comunitárias e abordagem de situações múltiplas de vulnerabilidade social em Toronto.

Na UFPB, o projeto resultou em: (1) reflexão sobre uma política interna de internacionalização, tornando o processo mais transparente, simples e eficiente; (2) discussão sobre estratégias para acolhimento de docentes e discentes estrangeiros; (3) despertar do interesse de outros discentes e docentes da Enfermagem quanto ao estabelecimento de parcerias internacionais; (4) percepção entre os membros da equipe brasileira de melhor capacitação para lidar tanto com as questões relativas à cooperação internacional quanto com o fenômeno da violência contra a mulher; (5) fortalecimento do grupo de pesquisa e estudos em Enfermagem Forense com aprovação de um projeto no edital Universal do CNPQ; (6) ingresso de uma discente no Fórum de discussão em defesa dos direitos das mulheres; e, (7) preparação por duas docentes de projetos de pesquisa e extensão sobre a mesma temática.

As docentes aprenderam que a consulta comunitária significa uma forma alternativa para a participação em programas de colaboração científica. Aprendeu-se também sobre a sua viabilidade e o valor para fundamentar futuros projetos de pesquisa que sejam enraizados em problemas reais existentes em outro contexto internacional de prática, reforçando, assim, o valor das atividades exploratórias do tipo projeto piloto como este. Em outras palavras, esta experiência demonstra uma contribuição da Enfermagem na operacionalização do Acordo para Cooperação em Ciência, Tecnologia e Inovação firmados entre Brasil e Canadá, através do Decreto nº 7.345.14

Contribuições

A consulta comunitária possibilitou às graduandas canadenses um aprendizado que extrapola os muros da universidade e dos campos convencionais de estágio. Os graduandos brasileiros tiveram a oportunidade de se aproximar da Enfermagem canadense e seus princípios de promoção da saúde, enquanto agiam como embaixadores da ação coordenada implantada no Brasil sobre a violência contra as mulheres. Eficaz ou não, tais ações permitiram que diálogos ocorressem entre membros de uma nova geração de enfermeiros, que puderam se aproximar de outra cultura de Enfermagem, de outra realidade social de prática. As graduandas canadenses puderam ainda criar redes sociais com os colaboradores brasileiros, além de consolidar suas percepções de confiança em seu novo papel como agentes de desenvolvimento social. Ressalta-se ainda o aprimoramento dos conhecimentos teóricos e técnicos para a abordagem da violência contra a mulher, bem como o aprendizado de novas habilidades pessoais e profissionais.

O impacto social desta experiência, visando colaborar para a promoção da saúde urbana da população, também atingiu algumas pessoas consultadas. Alguns profissionais revelaram suas intenções de mudar suas práticas e atitudes profissionais. Espera-se, portanto, que outras reflexões positivas provoquem mudanças nas práticas sociais e, talvez, estimulem ainda uma mudança cultural.

As sementes lançadas foram bem recebidas por um padre, um jornalista, graduandos de Enfermagem e, em especial, docentes de Enfermagem em Campina Grande como uma forma de conscientização aguçada e diferenciada (quanto a um problema sistêmico e complexo) sobre a violência contra a mulher. As graduandas afirmam que, ao final da estada no campo, algumas mudanças foram observadas, principalmente no que diz respeito às percepções sobre a Enfermagem canadense, os estudantes canadenses, a Enfermagem global e a filosofia feminista como sendo uma reivindicação de igualdade de oportunidades e de direitos entre homens e mulheres na sociedade civil.

A consulta comunitária indicou importantes percepções críticas de alguns respondentes sobre a tímida atuação dos profissionais de Enfermagem face à imensa responsabilidade cidadã de intervir também na dimensão legal de proteção e fazer valer os aviltados direitos humanos das mulheres. Tal crítica tornou-se objeto da análise realizada por nossa equipe, que pretende desenhar futuros projetos de pesquisa-ação junto a esta categoria profissional e sua clientela. Compreender e discutir o papel da Enfermagem em âmbito global na prevenção e no combate à violência contra mulher mostra-se fundamental, visto que esta categoria profissional tem papel crucial na abordagem ao cliente/paciente e pode auxiliar na identificação dos casos, acompanhamento das vítimas, suporte de saúde, orientação e estímulo à discussão sobre o assunto nas comunidades, formando agentes multiplicadores em saúde.

CONCLUSÃO

A comunidade brasileira busca desenvolver estratégias de enfrentamento da violência contra a mulher e questiona se o país avançou em práticas diante deste mérito. Dando prosseguimento à consulta implantada, a docente brasileira e sua equipe, estudantes de graduação, pós-graduação e outros docentes da UFPB desenvolvem um projeto de extensão universitária nas mesmas cidades. Novas parcerias em pesquisa permitiram que as docentes canadenses propusessem, como copesquisadoras, um estudo multicêntrico financiado pelo MITACSa, estudo este liderado pela docente brasileira-canadense, já implantado em 2019 no Brasil, cujo objetivo é estudar a implantação do programa de humanização do pre-natal e do nascimento, abordando a violência obstétrica. As docentes canadenses ainda participam como copesquisadoras de um projeto coordenado pela docente brasileira e continuam colaborando para apresentações em conferências internacionais sobre o tema.

A experiência foi precursora e oportunizou ainda uma futura submissão para o Global Affairs Canada (órgão federal canadense para assuntos estrangeiros) de um projeto multicêntrico de intervenção social e de Enfermagem nas situações de violência contra a mulher. Espera-se que os resultados dos futuros projetos de pesquisa possam auxiliar na reformulação de políticas, bem como nas estratégias e ações sociais e de saúde para o combate à violência contra a mulher, baseadas na realidade local e considerando todas as diferenças culturais e sociais existentes no Brasil.

A multiculturalidade e o compartilhamento de diferentes conhecimentos favorecem o desenvolvimento de propostas para melhoria da assistência prestada às vítimas de violência bem como auxiliam na capacitação de agentes sociais e de saúde na abordagem livre de preconceitos e julgamentos sobre o assunto. A experiência canadense multicultural nesta área pode auxiliar a comunidade brasileira na adoção de práticas mais integrativas referentes às questões de gênero, etnia, língua e classe social.

Recomendamos que programas de graduação e pós-graduação de Enfermagem no Brasil promovam o intercâmbio de seu corpo social com diversos países, não apenas para projetos de pesquisa, mas também para projetos de desenvolvimento social valorizados igualmente na construção de um corpo de conhecimentos para a Enfermagem global. Tal intercâmbio ajuda a superar estratégias convencionais de ensino, sendo fundamental para o desenvolvimento de novas habilidades, bem como auxilia o profissional da saúde a fazer parte do processo de amadurecimento intelectual e profissional enquanto um cidadão global. A internacionalização das ações é extremamente positiva para todas as partes envolvidas, além de contribuir para a nova geração de profissionais de Enfermagem sensíveis aos aspectos sociais da saúde global em um mundo mais equânime e justo.

AGRADECIMENTOS

Às enfermeiras Christina Usanov, Hannah Stahl, Raima Lohani, Sharrmini Chandrasegaram e Christine Moniz, que enquanto graduandas de Enfermagem implantaram o projeto na UFPB. Nosso especial « Obrigada » à Profa Dra. Denise Martins de Abreu-e-Lima (Presidente - Idiomas sem Fronteiras- SESu – MEC) e ao Prof. Dr. Edmilson Bordorema Filho (coordenador do IsF-UFPB) pelo apoio linguístico. Especial agradecimentos aos docentes e discentes de Enfermagem da UFPB por sua inestimável colaboração no trabalho de campo. Finalmente, aos anônimos participantes da consulta comunitária que contribuiram para o sucesso deste projeto.

  • FINANCIAMENTO
    Ryerson International Experiential Learning Fund-Ryerson University. Ano: 2018.
  • a
    Mitacs é uma organização nacional de pesquisa, sem fins lucrativos que gerencia e subvenciona programas de treinamento em pesquisa para alunos de graduação, pós-graduação e estagiários de pós-doutorado em parceria com universidades, indústrias e governo no Canadá. Para mais informações, consulte: www.mitacs.ca. No Brasil, o parceiro oficial é a CAPES.

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Editado por

  • EDITOR ASSOCIADO
    Ana Luiza de Oliveira Carvalho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2019
  • Aceito
    03 Fev 2020
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