Acessibilidade / Reportar erro

Armadilha de lucratividade e Big Push: considerações a partir de Rosenstein-Rodan * 14 As autoras agradecem os comentários e sugestões do professor Gilberto Tadeu Lima da FEA-USP

Profitability trap and Big Push: an analysis based on Rosenstein-Rodan

Resumo

Este ensaio apresenta uma situação de armadilha de lucratividade como mecanismo teórico explicativo da condição de estagnação de determinadas economias, sobretudo aquelas em desenvolvimento. Utilizando algumas contribuições teóricas de Paul Rosenstein-Rodan, defende-se, como possibilidade de ruptura desta condição, a ocorrência de um Big Push para que uma escala mínima de capital seja gerada e retornos crescentes sobre o trabalho, advindos de ganhos de aprendizagempossam atuar. O principal resultado é que esses ganhos são fundamentais para se gerar um círculo virtuoso, que intensificará o processo de industrialização e guiará a economia em direção a elevados níveis de renda.

Palavras-chave:
Rosenstein-Rodan; Big Push; Armadilha de lucratividade; Aprendizagem; Retornos crescentes

Abstract

This paper presents a situation of a profitability trap as a theoretical explanatory mechanism for the condition of economic stagnation that occurs in certain economies, especially those in development. Using theoretical contributions from Paul Rosenstein-Rodan, the event of a Big Push is defended as a possibility to overcome this condition, to generate a minimum level of capital and to allow the emergence of increasing returns to labor, via learning gains. The main conclusion is that these gains are fundamental to generate a virtuous circle that will improve the industrialization process and guide the economy towards higher income levels.

Keywords:
Rosenstein-Rodan; Big Push; Profitability trap; Learning; Increasing returns

Introdução

As discussões recentes sobre as condições de crescimento e desenvolvimento de alguns países têm abordado questões como a incapacidade de determinadas economias se manterem crescendo ou a desaceleração elevada nas taxas de crescimento e produtividade. Trabalhos como: Eichengreen, Park e Shin (2011EICHENGREEN, B.; PARK, D.; SHIN, K. When fast economies slow down: international evidence and implications for China. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, 2011. (Working Paper, 16919). ); Agénor e Canuto (2012AGÉNOR, P. R.; CANUTO, O. Middle-income growth traps. World Bank, 2012. (Policy Research Working Paper, 6210).); Agénor, Canuto e Jelenic (2012) AGÉNOR, P. R.; CANUTO, O.; JELENIC, M. Avoiding middle income growth traps. Enonomic Premise, World Bank, n. 98, p. 1-7, 2012.e Canuto (2013)CANUTO, O. China, Brazil - two tales of a growth slowdown. Capital Finance International, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://cfi.co/asia/2013/08/otaviano-canuto-world-bank-group-china-brazil-two-tales-of-a-growth-slowdown/ > Acesso em: 23 set. 2013.
http://cfi.co/asia/2013/08/otaviano-canu...
apontam para a existência de uma armadilha de renda média, definindo o Brasil, dentre outros países, como um exemplo desta situação. Especificamente, referem-se a países que saíram de uma condição estrutural agrícola, avançaram para uma condição industrial e de renda per capita média, mas que não conseguem ingressar em nova trajetória de crescimento. A partir dessa literatura é possível afirmar que as economias que se encontram nesta situação poderiam ser classificadas em quatro estágios de desenvolvimento. No estágio I se enquadrariam as economias que estão em uma armadilha de renda baixa, ou seja, as economias agrícolas com excedente de mão de obra, como aquelas descritas por Lewis (1954LEWIS, W.A. Economic Development with Unlimited Supplies of Labour. The Manchester School, v. 22, n. 2, p. 139-191, 1954.). No estágio II se enquadrariam as economias que se encontram em processo de transição de nível de renda baixa para nível de renda média. De outra forma, no estágio II poderíamos incluir as economias que estão em processo de se tornarem industrializadas. No estágio III incluiríamos as economias em armadilha de renda média. No estágio IV, economias com elevados níveis de renda.

Este paper não se concentra exatamente no conceito de armadilha de renda média, mas sim no conceito de armadilha de lucratividade em economias hipotéticas que poderiam ser enquadradas entre os estágios I e II descritos acima. Assim como essa literatura faz uma ampla abordagem sobre os motivos que teriam levado determinadas economias a entrarem na armadilha de renda média ou sobre as alternativas para escaparem, é objetivo aqui discutir e analisar uma solução para a armadilha de lucratividade e, então, uma possibilidade para as economias conseguirem avançar em direção a elevados níveis de renda. De outra forma, se uma vez superada a condição de armadilha de lucratividade, tais economias seriam capazes de gerar ganhos de escala com os quais aumentariam significativamente as chances de não recaírem, subsequentemente, em uma armadilha de renda média.

Além disso, muito se alega que modelos de crescimento como o de Solow (1956SOLOW, R. M. A contribution to the theory of economic growth. Quarterly Journal of Economics, v. 70, p. 65-94, 1956.) não são válidos para economias com abundância de (pelo menos um) fator (es) de produção, uma vez que a propriedade de substituição entre os mesmos (prevista na sua função de produção) só deve operar, entre outras coisas, mediante escassez relativa e consequente variação de preços dos fatores. Neste sentido, sem entrar no mérito de outras possíveis críticas a este modelo, e baseando-se apenas na própria lógica interna do mesmo, apontaremos aqui, que esta abordagem ainda seria incompleta para países que não romperam as condições mínimas de industrialização e desenvolvimento para caracterizá-los como desenvolvidos e eventualmente, captáveis por um modelo como o de Solow.

Por sua vez, a contribuição de Paul Rosenstein-Rodan parece ser bem adequada pois, apesar de ser um dos pioneiros nos estudos acerca do (sub)desenvolvimento ( utilizando-se de um corte intervencionista, logo, opondo-se ao livre jogo de mercado com o qual Solow simpatiza ( também prevê a possibilidade de crescimento equilibrado. Esta possibilidade foi, algumas vezes, alvo de crítica entre os teóricos heterodoxos do desenvolvimento econômico, como é o caso de Hirschman (1958HIRSCHMAN, A. O. The strategy of economic development. New Haven: Yale University Press, 1958.)1 1 () Ver Cardoso (2012). .Não é objetivo deste trabalho entrar no mérito desta discussão, mas apenas mostrar a possibilidade de uma alternativa consagradamente heterodoxa ser aplicada em um terreno consagradamente ortodoxo dentro da teoria econômica do crescimento/desenvolvimento.

Aqui, a recuperação das ideias deste pioneiro estará ligada aos investimentos em capital e aos ganhos de qualificação dos trabalhadores que, modernamente, podem ser expressos nos conceitos de learning by doing e learning by interacting. Utilizando Rosenstein-Rodan (1943ROSENSTEIN-RODAN, P. N. Problems of industrialisation of Eastern and South-Eastern Europe. The Economic Journal, Cambridge University Press, v. 53, n. 210/211, p. 202-211, 1943., 1961ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Notes on the theory of the Big Push. In: In: ELLIS, H. S.; WALLICH, H. C. (Ed.). Economic development in Latin America., New York: Macmillan 1961a.a,1984ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Natura facit saltum: analysis of the disequilibrium growth process. In: MEIER, G. M.; SEERS, D. (Ed.). Pioneers in development. Oxford: Oxford University Press, 1984. p. 207-221.) e Ros (2000)ROS, J. Development theory & the economics of growth. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2000. como arcabouço analítico, será apresentado um breve modelo teórico, introduzindo os ganhos de qualificação dos trabalhadores como uma fonte de retornos crescentes, que associada a um grande impulso, Big Push,será a alternativa para retirar a economia de uma armadilha de lucratividade e colocá-la na trajetória que leva ao nível de renda alto. Existe, de certa forma, uma "novidade" neste modo de abordar a questão porque, via de regra, os retornos crescentes costumam estar associados ao fator capital, não ao trabalho. É exatamente neste ponto que estaremos conectando o modelo proposto com o pensamento de Rosenstein-Rodan, conforme será elucidado adiante. Já o conceito de Big Push, ou grande impulso, pode ser descrito pelo próprio Rosenstein-Rodan (1961ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Notes on the theory of the Big Push. In: In: ELLIS, H. S.; WALLICH, H. C. (Ed.). Economic development in Latin America., New York: Macmillan 1961a.a, p. 57) nas primeiras palavras de seu trabalho seminal, "Notes on the theory of Big Push":

There is a minimum level of resources that must be devoted to... a development program if it is to have any chance of success. Launching a country into self-sustaining growth is a little like getting an airplane off the ground. There is a critical ground speed which must be passed before the craft can become airbone...' Proceeding 'bit by bit' will not add up in its effects to the sum total of the single bits. A minimum quantum of investment is a necessary, though not sufficient, condition of success. This, in a nutshell, is the contention of the theory of the big push.

A metáfora do avião, conforme aparece acima, é extraída de um trabalho técnico do Massachusetts Institute of Technology (MIT) para o governo norte-americano, ficando bastante famosa não apenas neste trabalho de Rosenstein-Rodan, mas também em W. W. Rostow, em artigo ao Economic Journal2 2 () Originalmente publicado em março de 1956, podendo ser encontrado em versão traduzida como "A decolagem para o crescimento autossustentado". In:Agarwala e Singh (2010). ,que usa uma variação dessa ideia, por meio do conceito de decolagem para o desenvolvimento econômico. Em ambos os casos, pressupõe-se um grande volume de investimentos que permitam a economia "decolar", isto é, "alcançar a velocidade mínima crítica que lhe permita alçar voo" (Cardoso, 2012CARDOSO, F. G. O Big Push e os efeitos de encadeamento: retomando as contribuições teóricas de Rosenstein-Rodan e Hirschman. Informações Fipe, p. 26-30, jun. 2012.).

O paper está dividido em quatro seções, incluindo esta introdução. A próxima seção apresenta as justificativas para se utilizar os ganhos de qualificação dos trabalhadores como fonte de retornos crescentes. Na terceira seção são apresentados o modelo e a discussão dos resultados. A quarta seção é dedicada às considerações finais.

1 Rosenstein-Rodan e a importância da qualificação dos trabalhadores

Consideramos que há razões substantivas, sobremaneira aplicáveis às ideias de Rosenstein-Rodan (1943)ROSENSTEIN-RODAN, P. N. Problems of industrialisation of Eastern and South-Eastern Europe. The Economic Journal, Cambridge University Press, v. 53, n. 210/211, p. 202-211, 1943., para uma abordagem alternativa do chamado spillover tecnológico atuando diretamente sobre a força de trabalho ao invés de o fazer sobre o capital3 3 () É importante destacar que não se trata de subestimar a importância deste mesmo efeito sobre o capital que, em concordância com a maioria da literatura a respeito, tem boas razões para existir. O caso tratado aqui apenas traz a ênfase para o fator trabalho, mostrando a relevância desta alternativa e, por isso, não destacando, neste caso, a importância da outra. .Este autor, ao enfatizar a qualificação dos trabalhadores migrados do meio agrário e a necessidade de absorvê-los à produção, nos inspira a trazer para o fator trabalho a principal fonte dos retornos crescentes em um modelo para uma economia em transição entre estágios, como os descritos introdutoriamente. O excesso de população agrária aparece como uma fonte potencial de desenvolvimento4 4 () A literatura recente que aborda questões relacionadas à armadilha de renda média (middle income trap) destaca exatamente esse aspecto. Na opinião de alguns autores (Eichengreen; Park; Shin, 2011;Agénor; Canuto, 2012; Agénor; Canuto; Jelenic, 2012; Canuto, 2013) na fase de desenvolvimento com excesso de mão de obra agrícola, no sentido de Lewis (1954), as economias possuem fatores e vantagens, como o baixo custo de mão de obra, que contribuem para a competição no mercado internacional e para um rápido crescimento, produzindo mercadorias intensivas em trabalho e utilizando tecnologia importada. Destacam que esses países podem auferir ganhos de produtividade, inicialmente, por meio da realocação de trabalhadores dos setores agrícolas, de baixa produtividade, para os setores modernos, de alta produtividade. ,tanto pelo aspecto da oferta como pelo da demanda. Pela oferta, por representar potencial produtivo latente; pela demanda, por meio das externalidades pecuniárias que acompanhariam o emprego desse contingente populacional.

As economias externas e as diferentes fontes de ganhos de qualificação dos trabalhadores, (learning by doing, learnin by interacting ou treinamento) estão diretamente associadas à ideia de Big Push de Rosenstein-Rodan (1961ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Notes on the theory of the Big Push. In: In: ELLIS, H. S.; WALLICH, H. C. (Ed.). Economic development in Latin America., New York: Macmillan 1961a.a), a qual consiste em um grandioso esforço integrado, cujos efeitos se fariam sentir não só na estrutura produtiva, mas também no mercado consumidor agregado e na infraestrutura nacional. A absorção e o emprego do excesso populacional, no bojo deste esforço integrado, pressupõem um processo de qualificação da mão de obra, tanto exogenamente (treinamento) quanto endogenamente, via aprendizado nas suas variadas formas. Além disso, a mobilização de populações desempregadas ou subempregadas para o processo de industrialização, como um dos principais motores deste mesmo processo, envolve economias externas que são maiores na indústria do que na agricultura (Rosenstein-Rodan, 1984ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Natura facit saltum: analysis of the disequilibrium growth process. In: MEIER, G. M.; SEERS, D. (Ed.). Pioneers in development. Oxford: Oxford University Press, 1984. p. 207-221.). Nesse sentido, o impacto sobre a produtividade dos trabalhadores é maior dentro do contexto doBig Push do que aquele obtido na produção agrícola, o que contribui para elevar o peso do trabalho na função de produção.

O desenvolvimento da capacidade produtiva própria da mão de obra gera olearning by doing e o learning by interacting. Estes conceitos refletem o aprendizado e a progressiva prática dos trabalhadores no exercício de suas funções, bem como a interação que ocorre entre os mesmos neste processo e, também, entre eles e os empresários. A justificativa para considerar este efeito, via potencialização do impacto direto do trabalho na função de produção, são afirmações como a de Rosenstein-Rodan (1961ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Notes on the theory of the Big Push. In: In: ELLIS, H. S.; WALLICH, H. C. (Ed.). Economic development in Latin America., New York: Macmillan 1961a.a, p. 64):

...effective knowledge cannot be acquired by reading a book or by editorial exhortation. It can be acquired, however, on the job! This possibility is a major source of increasing returns to the industrial system as a whole. Perhaps the most important yield of development is a cumulative increase in effective knowledge!

A discussão específica sobre o conceito de externalidade tecnológica, embora não seja o foco deste artigo sucinto, também aparece em Rosenstein-Rodan (1961ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Notes on the theory of the Big Push. In: In: ELLIS, H. S.; WALLICH, H. C. (Ed.). Economic development in Latin America., New York: Macmillan 1961a.a). O autor parece sugerir que os ganhos da produtividade atuam diretamente sobre o trabalho ao remeter o leitor à ideia de "inapropriabilidade", na qual aponta a inexistência de garantias por parte do empregador de que poderá reter para si o investimento feito na qualificação de seu trabalhador. Deste ponto de vista, Rosenstein-Rodan evidencia o domínio por parte do trabalhador sobre o investimento em treinamento sobre ele próprio, levando a crer, novamente, que o principal elemento propulsor da produtividade dos indivíduos não se trata de um fator exógeno (máquina).

A razão do desalinhamento entre os interesses individuais e coletivos encontra-se exatamente na mencionada inapropriabilidade sobre a qualificação do trabalho. Não havendo como reter o trabalhador qualificado no interior de seu negócio, o empregador não tem incentivos individuais na mobilização de recursos para treinamento e capacitação. Já no que se refere ao Estado ocorre o incentivo inverso, dado que o investimento público possui elevado potencial de retorno para toda a nação. Com relação a isso, Rosenstein-Rodan (1984ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Natura facit saltum: analysis of the disequilibrium growth process. In: MEIER, G. M.; SEERS, D. (Ed.). Pioneers in development. Oxford: Oxford University Press, 1984. p. 207-221. p. 214) afirma: "... an entrepreneur who invests in training workers may lose capital if these workers contract with another firm. Although not a good investment for a private firm, it's the best investment for the State."

Estes argumentos deixam evidente que Rosenstein-Rodan privilegiou em suas ideias sobre o processo de industrialização, tanto a qualificação dos trabalhadores via treinamento direto, quanto a qualificação por meio do processo de aprendizagem, decorrente do desenvolvimento de suas atividades, da convivência com outros indivíduos no processo de produção e da própria atuação em um setor moderno, incluindo a convivência com os empresários. Parece-nos cabível, desta forma, tornar o trabalho mais intensivo na função de produção, fazendo os retornos crescentes operarem no fator trabalho via ganhos de qualificação. Rosenstein-Rodan (1943)ROSENSTEIN-RODAN, P. N. Problems of industrialisation of Eastern and South-Eastern Europe. The Economic Journal, Cambridge University Press, v. 53, n. 210/211, p. 202-211, 1943. adverte ainda que, após ampla absorção e qualificação de trabalhadores em regiões em desenvolvimento, deverá haver alguma emigração exatamente devido ao seu elevado número. Uma função de produção que atue potencializando o impacto da força de trabalho é, portanto, bastante compatível com a resolução parcial do problema de excesso de mão de obra, resume uma possibilidade tecnológica adequada aos países em desenvolvimento e é tratável analiticamente em um modelo como o de Ros (2000)ROS, J. Development theory & the economics of growth. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2000..

A qualificação via treinamento formal, é tratada por Rosenstein-Rodan em um contexto em que o autor enfatiza a importância crucial do Estado. O treinamento da mão de obra se insere em um programa de planejamento mais amplo e este, por sua vez, surge da necessidade de criação de um ambiente institucional adequado para garantir a superação da condição de subdesenvolvimento. A concepção de um grande bloco de investimento, inspiração do Big Push, também se insere nessa estratégia de planejamento estatal que abrange, portanto, capital físico e qualificação do trabalho. Na medida em que a atuação do Estado merece tratamento mais detalhado, a qualificação via treinamento formal será melhor abordada em pesquisa futura, continuação desta. Neste paper exploraremos a outra forma de qualificação, via processo de aprendizagem, que evidencia de forma mais direta os importantes resultados relativos a externalidades tecnológicas/retornos crescentes ao trabalho. Porém, é fundamental deixar claro que as duas formas de qualificação, de fato, atuam juntas e é essa combinação que explica os referidos resultados bem como o próprio Big Push.

2 Descrição do modelo teórico

Estrutura e hipóteses

A proposta do presente modelo consiste em uma extensão daquele desenvolvido porRos (2000ROS, J. Development theory & the economics of growth. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2000.)5 5 () O capítulo 4 do livro de Ros (2000)traz um modelo de economia dual com retornos crescentes de escala e com a hipótese de salário eficiência. Nossa extensão a tal modelo abarca os dois primeiros aspectos, mas dispensa a figura do salário eficiência, uma vez que esta foge ao escopo específico deste artigo. que trata de uma economia dual com excesso de mão de obra e que produz um único bem, uma economia nos preceitos de Lewis (1954LEWIS, W.A. Economic Development with Unlimited Supplies of Labour. The Manchester School, v. 22, n. 2, p. 139-191, 1954.). Constam, portanto, dois setores: tradicional e moderno. O excesso de mão de obra, representado por uma curva de oferta de trabalho infinitamente elástica, permite expansão do emprego no setor moderno sem elevação dos salários. Portanto, o único diferencial de salários existente se dá por meio de um prêmio pago pelo setor moderno como incentivo para atração de trabalhadores6 6 () Na visão de Lewis (1954), o mercado de trabalho é competitivo, pois o salário que o setor moderno (ou capitalista) tem que pagar é determinado pelo montante que os trabalhadores poderiam ganhar no setor tradicional. Dessa forma, o salário a ser pago pelo setor moderno corresponde ao salário do setor tradicional mais um adicional, sendo este último constante, para atrair trabalhadores. O que se justifica, ainda de acordo comLewis (1954), pelos elevados custos do setor moderno, como os custos de vida, de migração e psicológicos. .Uma vez, e tão somente após todo o excedente de mão de obra ser absorvido pelo setor moderno, os salários passam a variar com a demanda de trabalho.

Em Ros (2000ROS, J. Development theory & the economics of growth. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2000.), é utilizada uma tecnologia de produção do tipo Cobb-Douglas com progresso tecnológico endógeno e a produção do único bem da economia é feita, no caso do setor moderno, por meio da função de produção:

(1)

M representa o volume de produção do setor moderno, obtido por meio de capital e trabalho empregado neste setor. A é a variável tecnológica e é obtida em função de spillover de conhecimento que se materializa sobre o estoque de capital médio da economia. Considerando a hipótese de equilíbrio simétrico, admite-se que a firma representativa incorporará tal spilloverà sua função de produção na medida daquele gerado para média da economia, dado por . A absorção deste spillover está sujeita a retornos crescentes, captados por meio do coeficiente :

e, com , vem:

(1')

Como se vê, a soma dos expoentes na função acima é maior que a unidade, o que representa a presença de retornos crescentes à escala em uma função de produção com este formato.

No modelo que se segue, o setor moderno utiliza trabalho e capital conforme a equação 1, com os retornos crescentes à escala externos à firma, mas agora, oriundos dos ganhos de qualificação via learning by doing e learning by interacting. Tais ganhos se distribuem em média pelo sistema econômico, tornando-se fonte de retornos crescentes internos à economia como um todo7 7 () Para referências sobre o conceito de learning by interacting ver Von Hippel (1988) e Lundvall (1988), e uma revisão geral do mais tradicional conceito de learning by doing pode ser vista em Thompson (2010). . Portanto:

Sendo que em equilíbrio simétrico a demanda de trabalho médio será equivalente à demanda da firma representativa, , logo:

(1'')

O setor tradicional tem função de produção com retornos constantes à escala e utiliza somente trabalho, no qual o salário (WS) é dado pelo produto médio do trabalho nesse setor, constante, devido ao excesso de mão de obra (equação 2).

(2)

No setor moderno, o salário é dado pelo produto médio do setor tradicional mais um prêmio (f -1). A equação 3, obtida a partir das condições de maximização de lucro de uma firma hipotética, evidencia a demanda por trabalho no setor moderno, que reflete o equilíbrio desse mercado no curto prazo. Conforme se vê, a proporção de trabalhadores que o setor moderno emprega depende positivamente da acumulação de capital e negativamente do salário, considerando tudo o mais constante. Assim, à medida que o setor moderno amplia sua participação na economia e acumula mais capital, aumenta sua demanda por trabalhadores e esta somente será afetada negativamente por seu custo, quando esgotar seu excesso, ou seja, quando a oferta de trabalhadores tornar-se inelástica.

(3)

Uma ideia básica na formulação de um modelo com uma economia dual refere-se à possibilidade ou não de manutenção dos dois setores. Muito embora a convivência entre os dois setores em países em desenvolvimento seja mais comum e até mais realista empiricamente, não é nosso objetivo evidenciar este aspecto8 8 () Conforme mencionado em nota anterior, o modelo de Ros (2000) considera a hipótese, aqui dispensada, de salário eficiência. Um dos motivos interessantes para a assunção de tal hipótese está exatamente na sua capacidade de gerar um resultado de longo prazo no qual a economia admite a convivência dos dois setores simultaneamente. Na medida em que não trabalharemos esta hipótese, temos mais um motivo para dispensar a figura do salário eficiência. . Assumiremos um resultado mais simplificado: à medida que a mão de obra é absorvida pelo setor moderno, o setor tradicional vai aos poucos sendo extinto. Uma vez absorvido todo o excesso de mão de obra os salários passam a variar diretamente com o estoque de capital e com as novas contratações, em um processo contínuo até o desaparecimento do setor tradicional. Neste momento, a economia terá se tornado industrializada. Esta situação é evidenciada na Figura 1, além do ponto κ, sendo que o salário real corrente do setor moderno, a equação (4), é obtido a partir do seu produto marginal.

Figura 1
Modelo Lewis/Rosentein-Rodan

(4)

Ros (2000ROS, J. Development theory & the economics of growth. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2000.), usando a especificação descrita por (1'), afirma que, enquanto há excedente de trabalho, a taxa de lucro (r) do setor moderno permanece constante9 9 () . Diferentemente, no modelo aqui desenvolvido, a taxa de lucro do setor moderno (equação 5), obtida a partir do respectivo produto marginal, ou seja, a partir das condições de primeira ordem do problema de maximização correspondente, tem relação direta com a acumulação de capital.

(5)

(6)

A explicação para essa relação positiva entre taxa de lucro e acumulação de capital está conectada à própria relação direta que há entre o salário real de longo prazo (equação 6)10 10 () O salário real de longo prazo é determinado a partir da condição de steady state da taxa de lucro: , onde representa a parcela dos lucros que é poupada e então reinvestida e /, a taxa de depreciação.. Esta, por sua vez, é obtida por meio da taxa de acumulação de capital, dada por e a acumulação de capital. Isto é, o diferencial entre salários, de curto e longo prazo, se altera de acordo com o processo de acumulação de capital. Isto ocorre devido à presença de retornos crescentes ao trabalho, pois, à medida que se emprega novos trabalhadores, vão se fazendo sentir os retornos diferenciados sobre a escala de produção. Esta predição indica que quanto mais rapidamente a economia se industrializar, maior será a massa de salários da economia e também os lucros. A questão, como será abordado posteriormente, é se as condições estruturais da economia permitem que o capitalista acumule capital em qualquer estágio de desenvolvimento da economia. Como em estágios iniciais do desenvolvimento industrial essas condições não favorecem maiores injeções de capital, evidencia-se a relevância do Big Push.

Resultados do modelo

Para Lewis (1954LEWIS, W.A. Economic Development with Unlimited Supplies of Labour. The Manchester School, v. 22, n. 2, p. 139-191, 1954.), a chave do processo de expansão econômica é a utilização que se faz do excedente capitalista. O reinvestimento do excedente, com objetivo de criar mais capital, amplia o setor capitalista ou moderno, absorvendo maior número de trabalhadores do setor tradicional. Este processo gera um excedente cada vez maior, a formação de capital aumenta ainda mais e o processo continua até que a oferta de mão de obra se torne limitada. No entanto, na extensão aqui desenvolvida, pode-se afirmar que a efetivação do processo de industrialização, ou da economia se tornar "madura", diferentemente do modelo de Lewis, não será um processo autônomo, é imprescindível um impulso externo em acumulação de capital, um Big Push.

Destaca-se que a Figura 1, tal como foi construída, evidenciando os salários (em log) em contraposição ao volume absoluto de capital (em log), busca explicitar os equilíbrios de curto e longo prazo desse sistema, por meio da relação inversa entre salários e lucros. Isto quer dizer que, aos referidos salários de equilíbrio de curto e longo prazos, W e W*, correspondem montantes de lucro na magnitude restante da renda. A partir dos montantes de lucro, gera-se também as correspondentes taxas de lucro, com base nos respectivos valores de K no eixo horizontal. É interessante esclarecer que, por mais que os retornos crescentes permitam o aumento absoluto das massas de salários e de lucros, ainda é possível expressar a relação inversa entre elas com respeito ao agregado macroeconômico. Trata-se de uma forma particular de apresentar o modelo que traz uma ênfase útil em aspectos importantes do mesmo.

A partir da Figura 1 podemos inferir os seguintes resultados. Em qualquer ponto inferior a K*, representativamente de economia subdesenvolvida-estacionária11 11 () Termo utilizado por Celso Furtado (1961). , mesmo com oferta de trabalho infinitamente elástica, o salário de equilíbrio de curto prazo é superior ao salário necessário para gerar as condições de equilíbrio de steady state, ou seja, os lucros são menores, haja vista a relação inversa entre as variáveis distributivas, não havendo incentivos para o setor moderno investir na acumulação de capital. Os custos elevados não propiciam possibilidades de lucratividade; de outra forma, a taxa de lucro que se poderia obter nesse estágio seria inferior à desejada. Há então um círculo vicioso que tende a guiar a economia ao equilíbrio estável, E0, uma economia completamente agrícola, com excedente de mão de obra e sem possibilidades de poupança e investimento.

Nesta região do gráfico, aquém de K*, a produção ainda não atingiu escala mínima de eficiência suficiente para que a virtuosidade dos retornos crescentes sobre o trabalho passe a operar. Ou seja, não é possível observar mecanismos de retroalimentação positivos entre taxa de acumulação de capital e taxa de lucro. Reconsiderando a afirmação de Rosenstein-Rodan (1984ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Natura facit saltum: analysis of the disequilibrium growth process. In: MEIER, G. M.; SEERS, D. (Ed.). Pioneers in development. Oxford: Oxford University Press, 1984. p. 207-221. p. 209), de que "lower wages are not a sufficient incentive for investment", a economia está em armadilha de lucratividade, ou seja, as condições estruturais da economia são tais que não possibilitam investimentos por parte dos capitalistas; uma economia deste tipo levará ao desaparecimento do setor moderno.

Rosenstein-Rodan (1961ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Notes on the theory of the Big Push. In: In: ELLIS, H. S.; WALLICH, H. C. (Ed.). Economic development in Latin America., New York: Macmillan 1961a.a, 1984) afirma que há um nível mínimo de recursos necessários (não suficientes) ao sucesso de um programa de desenvolvimento; o crucial a um programa de desenvolvimento seria manter um nível de investimento suficiente para mobilizar o desemprego e o subemprego aos propósitos da industrialização, sendo que, para se obter um tamanho ótimo de projeto industrial, a área de industrialização precisa ser suficientemente extensa. Esta afirmação reforça, neste modelo, a sugestão de como tirar a economia da armadilha de lucratividade e colocá-la em uma trajetória virtuosa, além de K*, qual seja, a participação de capital de origem exógena (por exemplo, internacional ou estatal), nos termos do Big Push de Rosenstein-Rodan que, uma vez efetivada, associada aos ganhos de qualificação via learning by doing e learning by interacting, gerará um processo contínuo de industrialização em direção ao steady state.

Desta forma, uma ajuda internacional (por exemplo) em capital geraria os incentivos iniciais necessários para investimentos por parte do setor moderno. Conforme argumenta Rosenstein-Rodan (1961ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. International aid for underdeveloped countries. The Review of Economics and Statistics, v. 43, n. 2, p. 107-138, May 1961b.b), a principal função do influxo de capital estrangeiro é elevar a taxa doméstica de acumulação de capital a um nível tal que poderia ser mantido, posteriormente, sem mais ajuda. Embora, nesta região do gráfico, o salário real corrente seja superior ao salário que garantiria o steady state, a disponibilização externa de capital, e posteriormente os retornos crescentes advindos do trabalho, compensariam este fato, levando os empresários a investirem e contratarem, cada vez mais, trabalhadores do setor tradicional. À medida que os trabalhadores, agora atuando no setor moderno e se beneficiando desta nova condição, interagem durante o processo de produção (e também com empresários) e vão desenvolvendo suas atividades, o processo como um todo vai se aperfeiçoando e os indivíduos nele envolvidos vão obtendo habilidades, conhecimentos, cujos efeitos serão transmitidos à produção e à lucratividade do setor moderno. Por outro lado, além dessas externalidades tecnológicas, tal processo também gera externalidades pecuniárias, isto é, o efeito sobre o volume de demanda agregada oriundo do emprego dos trabalhadores no setor moderno. Assim, o nível de produtividade do setor moderno e a demanda serão elevados, incentivando os empresários a reinvestirem na acumulação de capital.

O ponto κ na Figura 1 representa o montante em acumulação de capital, a partir do qual a economia se torna industrializada. Desse ponto em diante, a economia se comporta à la Solow, com taxa de lucro de steady state superior à corrente, incentivando, portanto, a continuidade da acumulação. Pontos além de κ indicam que o projeto de industrialização avançou de forma a ocupar todo o excedente de mão de obra, sendo agora os salários e os lucros crescentes com a acumulação de capital. Nessa trajetória virtuosa, os trabalhadores espalham sobre a economia os spillovers resultantes dos ganhos de qualificação via learning by doing e learning by interacting, facilitando a superação das necessidades do projeto de industrialização sendo, então, como afirmado anteriormente, o nível de produtividade mais elevado.

Rompido o ponto K* e adentrando a região do gráfico compreendida entre K* e K**, os retornos crescentes do trabalho via learning by doing e learning by interacting passam a gerar mecanismos de retroalimentação positivos entre a taxa de acumulação e a taxa de lucro. O aumento do estoque de capital contribui para a elevação da taxa de lucro à medida que o salário praticado encontra-se abaixo daquele de equilíbrio de longo prazo, o que corresponde a lucros positivos e crescentes12 12 () Para confirmar esta constatação, basta efetuar as derivadas de primeira e segunda ordem da expressão 5, da taxa de lucro, com relação ao estoque de capital (K). , desde que os retornos crescentes sobre o trabalho () sejam maiores que zero, incentivando a demanda por mais trabalhadores, gerando um produto mais elevado no setor moderno e contribuindo para mais investimentos em acumulação de capital. O processo se mantém até que a economia atinja o steady state, que está representado pelo ponto E2 da Figura 1, cujo estoque de capital é K**.

O ponto que tem K** como nível de acumulação de capital é um ponto estável, isto é, estando a economia em qualquer ponto à sua volta, convergirá para o steady state. Para efeitos de ilustração, considere-se qualquer ponto à direita de K**; observe-se que o salário que garante o steady state é inferior ao salário real corrente, então as taxas de lucro de curto prazo são inferiores às de longo prazo, levando os capitalistas a reduzirem o nível de acumulação de capital em direção a K**. Para pontos à esquerda de K** o raciocínio é análogo.

Ocorrido o Big Push, uma expansão em capital de origem externa, o processo de industrialização se complementa com os efeitos positivos de retroalimentação13 13 () Embora os conceitos de retroalimentação e multiplicador sejam diferentes, é valido destacar a posição de Rosesntein-Rodan (1943) com relação a este último. O autor afirma que havendo capital disponível suficiente para investimento em indústrias básicas, o efeito multiplicador normal levará naturalmente a uma crescente industrialização. advindos tanto pelo lado do trabalho quanto pelo lado do capital. Os efeitos dos retornos crescentes de escala são mais intensos à medida que se amplia o estoque de capital, ou seja, sem uma escala mínima de capital, os efeitos da aprendizagem sobre o trabalho não fariam diferença. Dados os impulsos iniciais e então uma mudança estrutural, os investimentos ganham autonomia de expansão, a renda per capita da economia se eleva, gerando, além de spillovers de demanda, expansão da poupança e do investimento, guiando a economia ao steady state.

Conclusão

Foi objetivo deste artigo discutir e analisar a solução para uma armadilha de lucratividade e posteriormente a possibilidade de as economias conseguirem avançar em direção a elevados níveis de renda. Para atender a este propósito, foi elaborado um modelo que se concentra nas ideias de um dos pioneiros do desenvolvimento: Paul Rosenstein-Rodan.

O modelo gera equilíbrios múltiplos e dois principais resultados. O primeiro indica a existência de um círculo vicioso, ou armadilha de lucratividade, no qual os empresários não têm incentivos a investir e a economia tende ao estágio de desenvolvimento do tipo Lewis. O segundo indica a possibilidade de uma trajetória virtuosa, mas que depende, primeira e necessariamente, da participação de capital de origem exógena, nos termos do Big Push de Rosenstein-Rodan e, posteriormente, dos efeitos da aprendizagem sobre o trabalho, gerando um processo contínuo de industrialização em direção ao steady state. Resumidamente, uma economia que se encontra em armadilha de lucratividade somente conseguirá avançar em direção a um melhor estágio de desenvolvimento se ocorrer uma ajuda externa em fornecimento de capital, para que os retornos crescentes sobre o trabalho passem a atuar, o processo de industrialização avance e a economia possa atingir níveis de renda cada vez mais elevados.

A predição geral derivada do modelo é que os retornos crescentes, oriundos dos ganhos de aprendizagem, são fundamentais para que uma economia consiga migrar de um determinado estágio de desenvolvimento a outro. Caso os retornos crescentes sobre o trabalho não fossem operantes, mesmo acontecendo um Big Push em magnitude suficiente para tirar a economia da armadilha, certamente a velocidade com que a economia avançaria em direção à maturidade seria inferior, se comparada àquela na presença de retornos crescentes. Haveria ainda a possiblidade da economia regressar à armadilha ou então permanecer no estágio II, entre renda baixa e renda média, o que na Figura 1 corresponderia à área entre os pontos K* e κ.

Este resultado nos remete à importância do conceito geral de educação/qualificação no processo de desenvolvimento da economia. As discussões atuais sobre armadilha de renda média têm evidenciado o papel da educação (e também da tecnologia) para se atingir nova trajetória de crescimento, ao mesmo tempo em que tentam averiguar quais fatores teriam promovido o alcance de níveis de renda alta a determinadas economias, enquanto outras, de características econômicas iniciais semelhantes, permanecem armadilhadas na renda média. Assim, a resposta a este segundo aspecto nos parece estar conectada à importância que os governantes dessas diferentes economias têm atribuído ao fator educação e treinamento, levando-nos a pensar, para uma próxima etapa desta pesquisa, na análise de uma segunda abordagem das ideias de Rosenstein-Rodan: a qualificação dos trabalhadores via treinamento direto financiado pelo Estado.

Referências bibliográficas

  • AGARWALA, A. N.; SINGH, S. P. (Org.). A economia do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso Furtado, 2010.
  • AGÉNOR, P. R.; CANUTO, O. Middle-income growth traps. World Bank, 2012. (Policy Research Working Paper, 6210).
  • AGÉNOR, P. R.; CANUTO, O.; JELENIC, M. Avoiding middle income growth traps. Enonomic Premise, World Bank, n. 98, p. 1-7, 2012.
  • CANUTO, O. China, Brazil - two tales of a growth slowdown. Capital Finance International, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://cfi.co/asia/2013/08/otaviano-canuto-world-bank-group-china-brazil-two-tales-of-a-growth-slowdown/ > Acesso em: 23 set. 2013.
    » http://cfi.co/asia/2013/08/otaviano-canuto-world-bank-group-china-brazil-two-tales-of-a-growth-slowdown/
  • CANUTO, O.. Overcoming middle income growth traps. Capital Finance International, Winter, p. 88-89, 2012-2013.
  • CARDOSO, F. G. O Big Push e os efeitos de encadeamento: retomando as contribuições teóricas de Rosenstein-Rodan e Hirschman. Informações Fipe, p. 26-30, jun. 2012.
  • EICHENGREEN, B.; PARK, D.; SHIN, K. When fast economies slow down: international evidence and implications for China. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, 2011. (Working Paper, 16919).
  • FURTADO, C. Comments on Professor Rosenstein-Rodan's paper. In: ELLIS, H. S.; WALLICH, H. C. (Ed.). Economic development in Latin America. New York: Macmillan, 1961.
  • HIRSCHMAN, A. O. The strategy of economic development. New Haven: Yale University Press, 1958.
  • LEWIS, W.A. Economic Development with Unlimited Supplies of Labour. The Manchester School, v. 22, n. 2, p. 139-191, 1954.
  • LUNDVALL, B. Innovation as an interactive process - from user - producer interaction to the nation system of innovation. In: DOSI, G. et al. (Ed.). Technical change and economic theory. London: F. Pinter, 1988.
  • ROS, J. Development theory & the economics of growth. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2000.
  • ROSENSTEIN-RODAN, P. N. Problems of industrialisation of Eastern and South-Eastern Europe. The Economic Journal, Cambridge University Press, v. 53, n. 210/211, p. 202-211, 1943.
  • ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Notes on the theory of the Big Push. In: In: ELLIS, H. S.; WALLICH, H. C. (Ed.). Economic development in Latin America., New York: Macmillan 1961a.
  • ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. International aid for underdeveloped countries. The Review of Economics and Statistics, v. 43, n. 2, p. 107-138, May 1961b.
  • ROSENSTEIN-RODAN, P. N.. Natura facit saltum: analysis of the disequilibrium growth process. In: MEIER, G. M.; SEERS, D. (Ed.). Pioneers in development. Oxford: Oxford University Press, 1984. p. 207-221.
  • ROSTOW, W.W. A decolagem para o crescimento autossustentado. In: AGARWALA, A. N.; SINGH, S. P. (Org.). A economia do subdesenvolvimento., Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso Furtado 2010.
  • SOLOW, R. M. A contribution to the theory of economic growth. Quarterly Journal of Economics, v. 70, p. 65-94, 1956.
  • THOMPSON, P. Learning by doing. In: HALL, B. H.; ROSENBERG, N. (Ed.). Handbook of the economics of innovation. v. 1, cap. 10, p. 429-476, 2010.
  • VON HIPPEL, E. The sources of innovation. New York: Oxford University Press, 1988.
  • 14
    As autoras agradecem os comentários e sugestões do professor Gilberto Tadeu Lima da FEA-USP
  • 1
    () Ver Cardoso (2012)CARDOSO, F. G. O Big Push e os efeitos de encadeamento: retomando as contribuições teóricas de Rosenstein-Rodan e Hirschman. Informações Fipe, p. 26-30, jun. 2012..
  • 2
    () Originalmente publicado em março de 1956, podendo ser encontrado em versão traduzida como "A decolagem para o crescimento autossustentado". In:Agarwala e Singh (2010)AGARWALA, A. N.; SINGH, S. P. (Org.). A economia do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso Furtado, 2010..
  • 3
    () É importante destacar que não se trata de subestimar a importância deste mesmo efeito sobre o capital que, em concordância com a maioria da literatura a respeito, tem boas razões para existir. O caso tratado aqui apenas traz a ênfase para o fator trabalho, mostrando a relevância desta alternativa e, por isso, não destacando, neste caso, a importância da outra.
  • 4
    () A literatura recente que aborda questões relacionadas à armadilha de renda média (middle income trap) destaca exatamente esse aspecto. Na opinião de alguns autores (Eichengreen; Park; Shin, 2011EICHENGREEN, B.; PARK, D.; SHIN, K. When fast economies slow down: international evidence and implications for China. Cambridge, MA: National Bureau of Economic Research, 2011. (Working Paper, 16919). ;Agénor; Canuto, 2012AGÉNOR, P. R.; CANUTO, O. Middle-income growth traps. World Bank, 2012. (Policy Research Working Paper, 6210).; Agénor; Canuto; Jelenic, 2012 AGÉNOR, P. R.; CANUTO, O.; JELENIC, M. Avoiding middle income growth traps. Enonomic Premise, World Bank, n. 98, p. 1-7, 2012.; Canuto, 2013CANUTO, O. China, Brazil - two tales of a growth slowdown. Capital Finance International, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://cfi.co/asia/2013/08/otaviano-canuto-world-bank-group-china-brazil-two-tales-of-a-growth-slowdown/ > Acesso em: 23 set. 2013.
    http://cfi.co/asia/2013/08/otaviano-canu...
    ) na fase de desenvolvimento com excesso de mão de obra agrícola, no sentido de Lewis (1954)LEWIS, W.A. Economic Development with Unlimited Supplies of Labour. The Manchester School, v. 22, n. 2, p. 139-191, 1954., as economias possuem fatores e vantagens, como o baixo custo de mão de obra, que contribuem para a competição no mercado internacional e para um rápido crescimento, produzindo mercadorias intensivas em trabalho e utilizando tecnologia importada. Destacam que esses países podem auferir ganhos de produtividade, inicialmente, por meio da realocação de trabalhadores dos setores agrícolas, de baixa produtividade, para os setores modernos, de alta produtividade.
  • 5
    () O capítulo 4 do livro de Ros (2000)ROS, J. Development theory & the economics of growth. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2000.traz um modelo de economia dual com retornos crescentes de escala e com a hipótese de salário eficiência. Nossa extensão a tal modelo abarca os dois primeiros aspectos, mas dispensa a figura do salário eficiência, uma vez que esta foge ao escopo específico deste artigo.
  • 6
    () Na visão de Lewis (1954)LEWIS, W.A. Economic Development with Unlimited Supplies of Labour. The Manchester School, v. 22, n. 2, p. 139-191, 1954., o mercado de trabalho é competitivo, pois o salário que o setor moderno (ou capitalista) tem que pagar é determinado pelo montante que os trabalhadores poderiam ganhar no setor tradicional. Dessa forma, o salário a ser pago pelo setor moderno corresponde ao salário do setor tradicional mais um adicional, sendo este último constante, para atrair trabalhadores. O que se justifica, ainda de acordo comLewis (1954)LEWIS, W.A. Economic Development with Unlimited Supplies of Labour. The Manchester School, v. 22, n. 2, p. 139-191, 1954., pelos elevados custos do setor moderno, como os custos de vida, de migração e psicológicos.
  • 7
    () Para referências sobre o conceito de learning by interacting ver Von Hippel (1988)VON HIPPEL, E. The sources of innovation. New York: Oxford University Press, 1988. e Lundvall (1988)LUNDVALL, B. Innovation as an interactive process - from user - producer interaction to the nation system of innovation. In: DOSI, G. et al. (Ed.). Technical change and economic theory. London: F. Pinter, 1988., e uma revisão geral do mais tradicional conceito de learning by doing pode ser vista em Thompson (2010)THOMPSON, P. Learning by doing. In: HALL, B. H.; ROSENBERG, N. (Ed.). Handbook of the economics of innovation. v. 1, cap. 10, p. 429-476, 2010..
  • 8
    () Conforme mencionado em nota anterior, o modelo de Ros (2000)ROS, J. Development theory & the economics of growth. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2000. considera a hipótese, aqui dispensada, de salário eficiência. Um dos motivos interessantes para a assunção de tal hipótese está exatamente na sua capacidade de gerar um resultado de longo prazo no qual a economia admite a convivência dos dois setores simultaneamente. Na medida em que não trabalharemos esta hipótese, temos mais um motivo para dispensar a figura do salário eficiência.
  • 9
    ()
  • 10
    () O salário real de longo prazo é determinado a partir da condição de steady state da taxa de lucro:
    , onde
    representa a parcela dos lucros que é poupada e então reinvestida e /, a taxa de depreciação.
    . Esta, por sua vez, é obtida por meio da taxa de acumulação de capital, dada por
  • 11
    () Termo utilizado por Celso Furtado (1961)FURTADO, C. Comments on Professor Rosenstein-Rodan's paper. In: ELLIS, H. S.; WALLICH, H. C. (Ed.). Economic development in Latin America. New York: Macmillan, 1961..
  • 12
    () Para confirmar esta constatação, basta efetuar as derivadas de primeira e segunda ordem da expressão 5, da taxa de lucro, com relação ao estoque de capital (K).
  • 13
    () Embora os conceitos de retroalimentação e multiplicador sejam diferentes, é valido destacar a posição de Rosesntein-Rodan (1943)ROSENSTEIN-RODAN, P. N. Problems of industrialisation of Eastern and South-Eastern Europe. The Economic Journal, Cambridge University Press, v. 53, n. 210/211, p. 202-211, 1943. com relação a este último. O autor afirma que havendo capital disponível suficiente para investimento em indústrias básicas, o efeito multiplicador normal levará naturalmente a uma crescente industrialização.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2014
  • Aceito
    08 Maio 2015
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Publicações Rua Pitágoras, 353 - CEP 13083-857, Tel.: +55 19 3521-5708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: publicie@unicamp.br