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A presença da Economia Feminista na Ciência Econômica brasileira: avaliação da produção acadêmica na área entre 1990 e 2015

The presence of the Feminist Economics in Brazilian Economic Science: evaluation of academic production in the field between 1990 and 2015

Resumo

A crítica feminista à Economia, representada pela Economia Feminista, é um campo de discussão promissor no ambiente acadêmico mundial, e suas manifestações, no Brasil, ainda parecem incipientes. Tendo por objetivo verificar sua inserção efetiva na produção científica do país, o presente ensaio analisa os periódicos brasileiros que possuem as melhores avaliações na área de Economia, totalizando mais de 40 mil artigos, de modo a identificar os esforços que convergem para a Economia Feminista no período entre 1990 e 2015. Como resultado, tem-se que, no limitado campo de produção que coloca a mulher como objeto de pesquisa na Economia, os trabalhos com enfoque em Economia Feminista são ainda mais restritos, representando 0,23% das publicações avaliadas. Esse valor, mesmo diminuto, pode estar superestimado, dado o perfil dos autores e a proximidade da disciplina com a crítica feminista em outras áreas do pensamento.

Palavras-chave
Feminismo na economia; Crítica feminista; Viés androcêntrico

Abstract

Feminist criticism of economics, represented by Feminist Economics, is a promising field of discussion in the world academic environment and its manifestations in Brazil still seem incipient. With the aim of verifying its effective insertion in the scientific production of the country, this essay analyzes the Brazilian journals that have the best evaluations in the field of Economics, totaling more than 40 thousand articles, in order to identify the efforts that converge to the Feminist Economics in the period between 1990 and 2015. As a result, within the narrow research field that places women as object of research in Economics, works focusing on Feminist Economics are even more restricted, representing 0.23% of publications evaluated. This value, even small, may be overestimated, given the profile of the authors and the proximity of the discipline to feminist criticism in other areas of thought.

Keywords
Feminism in economics; Feminist criticism; Androcentric bias

Introdução

O fortalecimento dos movimentos feministas entre os anos 1960 e 1970, acompanhado do incremento das mulheres no mercado de trabalho, inclusive nos Departamentos de Economia, promoveu impactos qualitativos e de diversificação da produção acadêmica1 1 Sobre a participação feminina nos Departamentos de Economia, de acordo com dados no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2019, a representação de mulheres nos cursos de Ciências Econômicas presenciais do país é de 39,7%. . Nela, há um deslocamento da compreensão das relações entre homens e mulheres como mera diferença biológica para a noção de gênero, que apreende as construções sociais dos sujeitos. Nas Ciências Econômicas, essa mudança implica uma transição da visão econômica tradicional, que vê os resultados do mercado refletindo apenas os diferenciais de sexo, para a Economia Feminista, que discute em que medida tal configuração pode ser reflexo de estereótipos e de restrições sociais (Nelson, 2008NELSON, J. A. Feminist economics. In: DURLAUF, S. N.; BLUME, L. E. (Ed.). The New Palgrave Dictionary of Economics. 2. ed. London: Palgrave Macmillan, 2008.).

Para Barker (2013)BARKER, D. Feminist economics as a theory and method. In: FIGART, D. M.; WARNECKE, T. L. (Ed.). Handbook of research on gender and economic life. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2013. , atribuir o título de feminista à Economia significa tomar o espaço do outro diante das visões neoclássicas, marxistas e institucionalistas, utilizando o gênero como categoria analítica e constatando que todos os eventos econômicos promovem impactos diferenciados nos grupos masculinos e femininos. A crítica, portanto, não recai à Ciência Econômica em si, mas à sua construção apoiada em má ciência, com desvios androcêntricos, supostamente eliminados pela objetividade.

O domínio masculino da comunidade acadêmica durante grande parte da Economia enquanto Ciência se refletiu no conhecimento produzido – experiências negligenciadas historicamente pelos homens foram, também, negligenciadas teoricamente, invisibilizando a mulher e a família na análise econômica do comportamento humano, bem como do trabalho doméstico (Ferber; Nelson, 1993FERBER, M. A.; NELSON, J. A. (Ed.) Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago: The University of Chicago Press, 1993.). A economia androcêntrica daí resultante não impactou apenas o marco teórico da disciplina, mas, enquanto base para a compreensão da produção e distribuição de riqueza das nações, molda também estatísticas viesadas, que servem de base para políticas públicas que se revelam não neutras quanto a seus impactos sobre homens e mulheres (Carrasco, 2012CARRASCO, C. Estatísticas sob suspeita: proposta de novos indicadores com base na experiência das mulheres. São Paulo: SOF, 2012.; Sen, 1996SEN, A. Development as freedom. New York: Random House, 1999.).

O descompasso entre a teoria econômica “masculina” estabelecida e a compreensão da importância de espaços invisibilizados nela (e que são socialmente feminizados) passam a ser, portanto, o mote da Economia Feminista enquanto corrente de pensamento crítico na Ciência Econômica2 2 A formalização da Economia Feminista ocorre em 1992, com a criação da International Association for Feminist Economics (IAFFE), seguida do lançamento da revista Feminist Economics, em 1995. De acordo o Scopus, a primeira referência em artigos sobre o tema ocorre ainda em 1992, em uma resenha de Harry Postner sobre o livro If Women Counted: a new feminist economics, de Marilyn Waring, publicado na Review of Income and Wealth. Após pouco mais de uma década disso, outro marco acontece: a criação de um código JEL específico para a área (B54). . Apesar de destacar a importância da conquista de direitos e da igualdade de gênero, avança ao propor que a compreensão deva ser feita mediante o olhar para o sujeito invisibilizado, não destacando apenas o que falta para ser conquistado na esfera pública, mas também recuperando a experiência feminina, especialmente a partir do reconhecimento da economia não-monetária (Carrasco, 2012CARRASCO, C. Estatísticas sob suspeita: proposta de novos indicadores com base na experiência das mulheres. São Paulo: SOF, 2012.).

No Brasil, entretanto, o espaço reservado à discussão de gênero na Economia é marginal, de modo que se supõe que os trabalhos em Economia Feminista ocupem espaços ainda mais restritos3 3 De acordo com a base de dados bibliográfica da Scopus, constam no Brasil cinco artigos que abordam a temática da Economia Feminista, sendo o primeiro deles o trabalho de Fernandez (2008), publicado na revista Estudos Feministas. Esse montante, entretanto, pode esconder esforços que tenham sido feitos no âmbito das discussões feministas na Economia, mas sem uma referência clara ao termo. Prova disso é que, ao pesquisar “economia de gênero”, nenhum resultado é obtido para o país, ainda que diversas tenham sido as contribuições teóricas e empíricas na área. . Uma forma de avaliar os limites dessas abordagens se dá mediante a difusão da produção acadêmica na área, já que ela pressupõe a admissão e a aceitação, pelos pares, nos espaços tradicionais – os periódicos mais reconhecidos. Nesse sentido, o presente artigo questiona: é possível verificar a presença da Economia Feminista na Ciência Econômica brasileira no período 1990-2015?

Ao analisar a produção acadêmica dos periódicos brasileiros que possuem as melhores avaliações na área de Economia no Qualis 2014, o objetivo geral deste ensaio consiste em identificar os trabalhos que, desde a década de 1990, têm se debruçado sobre as mulheres, distinguindo aqueles que podem ser associados à Economia Feminista da inserção mais comum do tema – a Economia de Gênero4 4 O trabalho de avaliação dos periódicos teve início em 2016, quando a Plataforma Sucupira ainda disponibilizava uma classificação anual para o Qualis. Naquele momento e até a fim da estruturação da base de dados, o Qualis 2014 era o mais recente, servindo como referência para a discussão aqui apresentada. Entretanto, a Plataforma Sucupira passou posteriormente por mudanças, eliminando a consolidação anual e substituindo-a pela divulgação de apenas duas classificações – o triênio 2010-2012 e o quadriênio 2013-2016. Neste processo, o Qualis 2014 ajuda a compor o Qualis do Quadriênio 2013-2016, mas não existe equivalência direta entre eles. . Para isso, é importante delimitar teoricamente a fronteira entre a Economia de Gênero e a Economia Feminista, bem como avaliar as características por detrás dessa produção, com o intuito de identificar o perfil da disciplina no país.

O recorte temporal utilizado, delimitado entre 1990 e 2015, faz referência ao período em que a Economia Feminista é reconhecida como uma corrente crítica da Economia, limitado pelo ano que marca o auge da quarta onda do feminismo no Brasil, a partir do qual o movimento e suas representações assumem feições diferenciadas (Hollanda, 2018HOLLANDA, H. B. Explosão feminista: arte, cultura, política e universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.)5 5 De acordo com Hollanda (2018), o ano de 2015 serve de marco da quarta onda feminista no Brasil ao atingir diferentes setores da sociedade mediante as redes sociais (a ponto de ser chamada de “ativismo de sofá”). A partir delas, foram organizados o ato unificado “Fora Cunha”, a Primeira Marcha das Mulheres Negras e a quinta Marcha das Margaridas, nos quais se destacam as características desse novo momento: busca da horizontalidade, a recusa da formação de lideranças e a priorização do coletivo. . No que cabe às definições dos periódicos, o sistema Qualis (que é utilizado para classificar a produção científica dos programas de Pós-Graduação no país a partir dos artigos publicados em periódicos científicos) considera revistas de alto impacto aquelas enquadradas nos estratos A1, A2 e B1. Como no Qualis 2014 nenhuma revista brasileira foi classificada entre os dois primeiros grupos, procede-se com a manutenção do mesmo número de estratos para os quais há representação, de modo a abarcar os critérios B1, B2 e B3. Nestes periódicos, que valem 60%, 50% e 30%, respectivamente, da pontuação máxima (A1), preza-se pela originalidade e por procedimentos de avaliação bem definidos, de modo a ser possível inferir que suas revistas possuem rigor científico.

A limitação da avalição aos periódicos brasileiros está atrelada ao objetivo de verificar a difusão da crítica internamente. Isso não impede que pesquisadores estrangeiros estejam publicando nas revistas nacionais, assim como não abarca a produção externa de pesquisadores brasileiros. A opção por não incluir os periódicos estrangeiros na amostra está no fato de que isso levaria a discussão para outro debate: embora seja realizada em território nacional, quando lançada internacionalmente e em outra língua, passa a concorrer por espaço com os temas de interesses dominantes do país/região ao que o periódico está atrelado. Não se ignora, portanto, que essa limitação pode promover o não reconhecimento de autores que têm maior inserção internacional, mas crê-se que a demarcação de fronteira seja mais representativa do conhecimento que está sendo debatido pela Ciência Econômica do país, lançando-se luz a suas limitações, vieses e temas de interesse.

Além disso, a ideia de privilegiar as revistas que possuem avaliação no Qualis em Economia está associada à necessidade de fazer da disciplina um espaço de discussão para repensá-la enquanto Ciência Social perpassada pelo viés de gênero, ainda que o tema traga implícita a noção de interdisciplinaridade. Mesmo com o grande esforço teórico já colocado em prática fora do país, é perceptível o pequeno espaço que a Economia ocupa nesse debate quando comparado a outras áreas do conhecimento (como Antropologia, História e Ciência Política). Nas palavras de Barker (2013, p. 21)BARKER, D. Feminist economics as a theory and method. In: FIGART, D. M.; WARNECKE, T. L. (Ed.). Handbook of research on gender and economic life. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2013. , é mister a necessidade de transformar a disciplina e trabalhar dentro dela – “[…] we are insider/outsider to the profession”.

Para cumprir com os objetivos, o presente ensaio está dividido, além desta introdução, em quatro partes. Na segunda, situa a mulher enquanto objeto de análise da Economia em dois momentos – o período antecedente à Economia Feminista e a partir de seu reconhecimento enquanto corrente de pensamento –, destacando, especialmente, o que difere a Economia de Gênero da versão crítica que é foco do trabalho. A terceira seção descreve os procedimentos utilizados para definir a presença da disciplina no Brasil, o que culmina na Economia Feminista à la brasileira, na qual se revelam os níveis de inserção dos trabalhos na área de Economia dos periódicos nacionais. A última parte compreende as considerações finais.

1 As mulheres enquanto objeto de análise da ciência econômica

Na história econômica antecedente à Economia Feminista, é possível observar três fases que se diferenciam pelo modo como as mulheres e as atividades feminizadas são tratadas enquanto objeto de análise. São elas: (i) a tímida presença das mulheres nos trabalhos dos pensadores clássicos, manifesta na delimitação do espaço público como universo da discussão econômica e na negação da atividade reprodutiva como uma categoria econômica; (ii) a invisibilização e normatização dos indivíduos entre os neoclássicos, na figura do homo economicus; e (iii) o reconhecimento inicial da necessidade de incorporar as mulheres na análise em virtude da ampliação de sua participação na economia visível, seja dentro da família em uma postura passiva – como em Becker (1965)BECKER, G. A theory of allocation of time. The Economic Journal, Oxford, v. 75, n. 299, p. 493-517, set. 1965. –, ou no mercado de trabalho, mediante os diferenciais salariais e as possíveis explicações para o fenômeno.

Entre os clássicos, a preocupação com as estruturas sociais do mercado se reflete no reconhecimento da importância da esfera doméstica, que rivaliza com o tempo disponível para a inserção feminina no mercado laboral. Para Smith (2003)SMITH, A. The wealth of nations. New York: Bantam Classic, 2003., por exemplo, esse espaço feminizado era fundamental à educação dos jovens com vistas à formação de trabalhadores produtivos, enquanto Marx identificava-o como o local em que se dava a reprodução da força de trabalho, tendo grande articulação com os resultados observados na esfera da produção – como afirma Rubin (2017, p. 14)RUBIN, G. O tráfico de mulheres: notas sobre a “economia política” do sexo. In: RUBIN, G. Políticas do sexo. São Paulo: Ubu Editora, 2017., “[…] é por meio da reprodução da força de trabalho que as mulheres são articuladas no nexo da mais-valia, que é condição sine qua non do capitalismo”.

Em ambas as interpretações mencionadas não há qualquer atribuição de valor às atividades domésticas, seja pela interpretação de que elas não são movidas por autointeresse (sua contribuição econômica para a reprodução do sistema não entra na interpretação do que corresponde a economia de mercado) ou porque são vistas como improdutivas, inferiores hierarquicamente às atividades produtivas (Carrasco, 2006CARRASCO, C. La economía feminista: una apuesta por otra economía. In: VARA, M. J. (Coord.). Estudios sobre género y economía. Madrid: Akal, 2006, p. 29-62.). Portanto, evidencia-se uma tensão entre a necessidade de reconhecer o trabalho reprodutivo das mulheres na esfera doméstica, mas não o incorporar na análise do que representava o sistema econômico.

Esse olhar baliza a divisão entre o público e o privado, de modo que o universo a ser compreendido pelos economistas delimita-se a um espaço específico da interação social6 6 A visão de Mill (2006), expressa n’ A sujeição das mulheres, pode ser interpretada como um pleito em defesa da justiça sexual, visando a igualdade legal, política e de acesso ao mercado de trabalho, não como uma análise do sistema econômico. No âmbito dos Princípios de Economia Política, constam apenas os efeitos da feminização da mão-de-obra, que promoveria queda do salário médio, ao que ele respondia não se manter no longo prazo pela provável redução da taxa de natalidade entre as mulheres trabalhadoras. . Ocultam-se, assim, as práticas realizadas nos lares, bem como a articulação destas com a manutenção do sistema. Em função disso, nega-se a categoria econômica do trabalho não remunerado, excluindo-a nas análises econômicas posteriores, passando-se da noção de trabalho não-produtivo para não-trabalho (Carrasco, 2009CARRASCO, C. Mujeres, sostenibilidad y deuda social. Revista de Educación, p. 169-191, 2009. Número extraordinário.; Teixeira, 2008TEIXEIRA, M. O. Desigualdades salariais entre homens e mulheres a partir de uma abordagem de economistas feministas. Gênero, Niterói, v. 9, n. 1, p. 31-45, 2008.). Essa dualidade, como destacado por Carrasco (2006)CARRASCO, C. La economía feminista: una apuesta por otra economía. In: VARA, M. J. (Coord.). Estudios sobre género y economía. Madrid: Akal, 2006, p. 29-62., desaparece em grande parte da economia neoclássica.

Com a revolução marginalista, institucionaliza-se a separação entre a esfera de produção/circulação e a produção doméstica, considerando-se unicamente as relações estabelecidas na esfera de mercado (Carrasco, 1999CARRASCO, C. Introducción: hacia una Economía Feminista. In: CARRASCO, C. (Ed.). Mujeres y Economia: nuevas perspectivas para viejos y nuevos problemas. Barcelona: Icaria/Antrazyt, 1999. ; England, 1993ENGLAND, P. The separative self: androcentric bias in Neoclassical Assumptions. In: FERBER, M. A.; NELSON, J. A. (Ed.). Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago: The University of Chicago Press, 1993. ). De acordo com Orozco (2006)OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios)., há a passagem de uma economia em que a família é parte da infraestrutura do capitalismo, por permitir que o trabalhador tenha condições de estar disponível no mercado de trabalho, para outra em que o trabalhador, masculino e disponível, passa a ser a norma, com a exclusão econômica de tudo aquilo que está socialmente associado à feminilidade.

Para isso, colaboram as visões que a Escola tinha sobre as mulheres: Marshall, Pigou e Edgeworth as retratam como agentes não-autônomos, defendendo-se a ideia do salário família aos homens, independentemente de eles serem casados. As mulheres são, portanto, fragilizadas e infantilizadas em torno da dependência, com sua vivência atrelada à figura masculina, o que reduz seu acesso ao mercado de trabalho, já que percebido como interferindo em suas obrigações (Pujol, 2003PUJOL, M. Into the margin! In: BARKER, D. K.; KUIPER, E. Toward a feminist philosophy of economics. New York: Routledge, 2003.). Enquanto isso, os agentes econômicos passam a ser identificados com a racionalidade, a autonomia e com preferências estáveis, desconsiderando as relações sociais e outras características que ampliam a noção do ceteris paribus. Sobre isso se apoia o desenho do homo economicus que, não tendo infância nem velhice ou interferência do meio – apenas mediante o mercado e os preços –, não descreve as mulheres, ao mesmo tempo que também não se constitui em uma boa representação dos homens (Ferber, 1995FERBER, M. A. The study of economics: a feminist critique. The American Economic Review, Nashville, v. 85, n. 2, p. 357-361, May 1995.; Hewitson, 2001aHEWITSON, G. Robinson Crusoe in the family: feminist economics and lost in space. Melbourne: La Trobe University, 2001a. (Discussion Papers, Series A 01.02).; Nelson, 1995NELSON, J. A. Feminism and economics. Journal of Economic Perspectives, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 131-148, 1995.).

A reavaliação da esfera doméstica ocorrerá apenas nos anos 1960, sendo retomada por Becker (1965BECKER, G. A theory of allocation of time. The Economic Journal, Oxford, v. 75, n. 299, p. 493-517, set. 1965., 1974)BECKER, G. Economics of family: Marriage, Children and Human Capital. Chicago: University of Chicago Press, 1974. ainda nos moldes neoclássicos, ao que se dá o nome de Nova Economia Doméstica (“New Home Economics”). Nesta, o papel produtivo da família é destacado, de modo que as decisões são resultado da maximização da utilidade da família enquanto ente autônomo, reforçando o homem como chefe e ignorando a divisão social do trabalho. As escolhas estariam sujeitas à ideia de que as mulheres, tendo vantagens comparativas na esfera doméstica, acabam por se especializar no trabalho do lar e os homens, na produção de bens e serviços. Em função disso, o nível de instrução e treinamento delas é menor, de modo que os salários mais baixos estão relacionados às decisões ótimas individuais e ao nível de produtividade daí decorrente (Hewitson, 2001bHEWITSON, G. A survey of feminist economics. Melbourne: La Trobe University, 2001b. (Series A 01.01).; Nelson, 1995NELSON, J. A. Feminism and economics. Journal of Economic Perspectives, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 131-148, 1995.).

O reconhecimento de que o diferencial de salários entre homens e mulheres pudesse advir de outras características para além da produtividade será colocado em pauta a partir da inserção da mulher enquanto objeto de pesquisa, que promove um deslocamento dos trabalhos que a classificam apenas como oposto aos homens, para aqueles em que as diferenças de gênero são percebidas no marco das desigualdades de poder e como produto de construção cultural. Este esforço, portanto, adentra nos estudos de gênero, que servem de ponto de partida à crítica androcêntrica.

Deste reconhecimento das diferenças, vislumbram-se dois tipos de pensamento feminista: aquele que acha que a equidade pode ser conquistada pela inserção da mulher na esfera masculina; e aquele que acredita na necessidade de reconhecer a importância da esfera feminina na economia, na sociedade e na política (England, 1993ENGLAND, P. The separative self: androcentric bias in Neoclassical Assumptions. In: FERBER, M. A.; NELSON, J. A. (Ed.). Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago: The University of Chicago Press, 1993. ). Tal diferencial se consolida teoricamente na economia a partir dos trabalhos de Hewitson (2001b)HEWITSON, G. A survey of feminist economics. Melbourne: La Trobe University, 2001b. (Series A 01.01). e Orozco (2005OROZCO, A. P. Economía del género y economía feminista: conciliación o ruptura? Revista Venezoelana de Estudios de La Mujer, Caracas, v. 10, n. 24, p. 43-64, 2005., 2006)OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios)., para os quais há duas possíveis saídas no debate em torno da equidade de gênero: (i) a economia de gênero, que é uma extensão dos paradigmas da Ciência Econômica para uma nova área de análise; e (ii) a economia feminista, que demanda mudanças na compreensão do sistema econômico e de seu funcionamento, com a reformulação do discurso androcêntrico (no caso da Economia Feminista de Conciliação – EFC), ou na ruptura do mesmo (característica da Economia Feminista de Ruptura – EFR).

1.1 A economia de gênero

A inserção da mulher enquanto objeto de análise da economia está associada aos trabalhos classificados como Economia de Gênero, que tomam forma a partir da década de 1960. Em seu formato assimilacionista (Lake, 1992LAKE, M. The Independence of women and the brotherhood of man: debates in the labour movement over equal pay and motherhood endowment in the 1920s. Labour History, v. 63, p. 1-25, Nov. 1992.), recrimina a ausência feminina na análise econômica, mas sem criticar as noções que são suporte a essa invisibilização. De acordo com Orozco (2006)OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios)., trata-se de um discurso despolitizado e objetivo – o chamado feminismo domesticado –voltado à análise dos diferenciais de participação e da discriminação feminina nos espaços tradicionalmente econômicos, visando direitos e oportunidades iguais para homens e mulheres, o que se dá mediante a participação feminina equitativa nos espaços historicamente ocupados pelos homens.

Ao ser uma ampliação da análise econômica tradicional, que tem como foco a relação de gênero, adere aos paradigmas androcêntricos, mantendo-se as dicotomias Economia–Não-Economia e Trabalho–Não-Trabalho. A esfera doméstica, portanto, continua sendo um espaço não integrado à explicação da inserção das mulheres nos espaços públicos, assim como o trabalho nela realizado permanece fora de qualquer análise que reclame para si a mulher como agenda da economia.

A Economia de Gênero abarca duas correntes centrais de análise, que se alinham ao fato de o crescimento dos estudos e a inserção das mulheres como sujeito analítico dar-se justamente diante da ampliação delas enquanto fazedoras da ciência (Orozco, 2006OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios).). Tem-se, assim, (i) os estudos de equidade, que visam analisar a exclusão feminina na comunidade acadêmica, seja na forma de participação física ou como sujeito epistemológico, questionando a diferença, mas não a forma da criação dessa diferença (Orozco, 2005OROZCO, A. P. Economía del género y economía feminista: conciliación o ruptura? Revista Venezoelana de Estudios de La Mujer, Caracas, v. 10, n. 24, p. 43-64, 2005.); e (ii) o empirismo feminista, que avalia a sub-representação no mercado de trabalho, utilizando o método científico e os marcos teóricos da economia androcêntrica, criticando o viés que existe nela no sentido de expor a obliquidade da agenda dos problemas de pesquisa, das informações e dos métodos, bem como considerando as relações de gênero importantes para a compreensão dos mercados, assim como variável relevante de análise.

Sobre isso, as críticas são de que o não questionamento da estrutura na qual se ancora a sub-representação feminina acaba por deslocar as estruturas dicotômicas, antes apoiadas no gênero, para outros espaços. Além disso, a visão da mulher como trabalhadora inferior pode se manter, ainda que elas passem a compartilhar os mesmos espaços dos homens. A nível de conteúdo, portanto, a economia de gênero poderia ser interpretada como um subconjunto da Economia Feminista (Robeyns, 2000ROBEYNS, I. Is there a feminist economics methodology? In: WORKSHOP ON REALISM AND ECONOMICS. Proceedings […]. 2000., p. 10).

1.2 A economia feminista

A Economia Feminista está ancorada na noção de que ideologias específicas delimitam os problemas de pesquisa a serem discutidos pela Ciência Econômica, a forma como esses trabalhos são operacionalizados e o modo de interpretação de seus resultados (Ferber, 1995FERBER, M. A. The study of economics: a feminist critique. The American Economic Review, Nashville, v. 85, n. 2, p. 357-361, May 1995.). A nível epistemológico, portanto, a corrente promove uma crítica ao processo de criação do conhecimento econômico que, balizado pela neutralidade axiológica, propõe-se objetivo quando, na verdade, seu conteúdo está imbricado por juízos éticos. A construção do conhecimento androcêntrico, apoiada no enfoque positivista da Ciência Econômica e na matematização, reforçou uma hierarquia generificada no estudo da economia, tendo seu ápice na figura do homo economicus, que encarna para si apenas as características masculinas (Nelson, 1993NELSON, J. A. The study of choice or the study of provisioning? Gender and the definition of economics. In: FERBER, M. A.; NELSON, J. A. (Ed.). Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago: The University of Chicago Press, 1993.).

Ao criticar a construção teórica do agente representativo, rompe-se com os pressupostos do mainstream. De acordo com Nelson (1995, p. 136)NELSON, J. A. Feminism and economics. Journal of Economic Perspectives, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 131-148, 1995., a nova disciplina vem para preencher este espaço ignorado – “what is needed is a conception of human behavior that can encompass both autonomy and dependence, individuation and relation, reason and emotion, as they are manifested in economic agents of either sex”. Neste sentido, não basta adicionar personalidades, atividades e valores femininos à ciência para corrigir seu viés de gênero, é necessário repensá-la desde a sua origem, de modo a refletir não apenas sobre questões econômicas das mulheres, mas sobre fenômenos econômicos associados a elas que influenciam homens e mulheres de distintas formas (Barker; Kuiper, 2003BARKER, D.; KUIPER, E. Toward a feminist philosophy of economics. New York: Routledge, 2003.; Jennings, 1993JENNINGS, A. L. Public or private? Institutional economics and feminism. In: FERBER, M. A.; NELSON, J. A. (Ed.). Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago: The University of Chicago Press, 1993.).

Ao feminizar o agente econômico, esta corrente crítica descentraliza o foco dos mercados para tornar as atividades da esfera doméstica economicamente significativas. Rompe-se, assim, com a relação de poder entre homens e mulheres estabelecida na Economia tradicional, perpassando três estratégias: recuperação dos elementos invisibilizados da economia, reversão das hierarquias entre as esferas da sociedade e busca pela sustentabilidade da vida, que vai além das noções de crescimento e desenvolvimento econômico7 7 De acordo com Carrasco (2009, p. 183), a sustentabilidade da vida “[…] representa un proceso histórico de reproducción social, un proceso complejo, dinámico y multidimensional de satisfacción de necesidades en continua adaptación de las identidades individuales y las relaciones sociales, un proceso que debe ser continuamente reconstruido, que requiere de recursos materiales pero también de contextos y relaciones de cuidado y afecto, proporcionados éstos en gran medida por el trabajo no remunerado realizado en los hogares”. . Este último intento é percebido apenas na Economia Feminista de Ruptura, enquanto os demais são constantes nesta e na de Conciliação.

Para que seja possível reavaliar a crítica da disciplina, as duas principais inflexões da visão feminista da Economia se ancoram em uma ontologia diferenciada, assim como em uma proposta metodológica nova para dar conta de explicar os campos de investigação que se abrem.

Ontologicamente, abandona-se o enfoque heteropatriarcal, hierárquico e dualista (homem versus mulher; trabalho versus não trabalho, produção versus reprodução, entre outros) em detrimento de uma percepção de mundo que considere as diferentes formas de interação social, de modo que o sistema econômico não pode ser avaliado apenas por sua parte produtiva, mas é necessário percebê-lo como reflexo das óticas da reprodução e socialização.

Metodologicamente, embora faça uso de técnicas tradicionais, direciona a pesquisa para uma maior aproximação com o objeto de estudo, valorizando análises qualitativas. Essa abordagem traz consigo a interdisciplinaridade e a análise multinível, no sentido de refletir sobre estruturas sistêmicas, ampliando o campo de análise da Economia. Dada a complexidade das normas sociais, abandonam-se alguns modelos em detrimento de ferramentas que sejam capazes de avaliar as experiências vivenciadas pelas mulheres, adicionando metáforas e histórias individuais aos fatos econômicos, assim como valorizando estudos direcionados à interação entre pesquisador e pesquisado (Harding, 1987HARDING, S. Introduction: is there a feminist method? In: HARDING, S. (Ed.). Feminism and methodology: social science issues. Bloomington: Indiana University Press, 1987.; Mccloskey, 1993MCCLOSKEY, D. Some consequences of a conjective economics. In: FERBER, M. A.; NELSON, J. A. (Ed.). Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago: The University of Chicago Press, 1993. ).

Esta nova forma de pensar e fazer a economia reconhece a validade de conhecimentos situados e a importância de uma análise ancorada em diferentes perspectivas – ao que se pode associar a objetividade forte defendida por Nelson (1996)NELSON, J. A. Feminism, objectivity and economics. London: Routledge, 1996.. Assim, diferentemente do que acontece na Economia tradicional, em que há o apagamento da identidade do produtor de conhecimento, aqui há uma defesa do reavivamento dessa posição, o que motiva a construção de saberes diversos e a contribuição de autores distantes dos centros geográficos.

Esse é o caso da Economia Feminista latino-americana, que ganhou expressão principalmente na última década, com destaque para os trabalhos das argentinas Corina Rodríguez Enríquez, Valeria Esquivel e Veronica Gago, da uruguaia Alma Espino e da brasileira Hildete Pereira de Melo8 8 É possível encontrar um resumo da discussão da Economia Feminista latino-americana em Esquivel (2012). Para saber mais sobre a contribuição individual ao debate das autoras relacionadas, os seguintes textos são recomendados: Rodríguez Enríquez (2007, 2011, 2012, 2015), Esquivel (2017, 2018), Esquivel et al. (2008), Gago (2020), Espino (2005, 2011, 2017), Espino e Azar (2009), Melo e Castilho (2009), Melo, Considera e Di Sabbato (2007), Melo e Oliveira (2009) e Melo e Morandi (2021). . Ora aplicando teorias e conceitos ao contexto da região, ora criticando-as pela inadequação da mesma à realidade das mulheres que aqui vivem, as pensadoras têm contribuído com o desenvolvimento da disciplina a partir de olhares diversos que passam por questionamentos distintos daqueles das economias hegemônicas. Compreende, principalmente, uma leitura estruturalista da Economia e a forma como isso se manifesta nas desigualdades de gênero, muitas vezes marcada por considerações decoloniais. Assim, conforme Esquivel (2012)ESQUIVEL, V. (Ed.). La economía feminista desde América Latina: una hoja de ruta sobre los debates actuales en la región. Santo Domingo: ONU Mujeres, 2012., faz-se com que a territorialidade seja o ponto de partida da produção de conhecimento, não apenas um estudo de caso a partir das teorias pensadas nos países centrais.

Considerando todas essas possibilidades, faz-se necessário abordar a crítica feminista à economia de modo separado, sem esquecer que essa separação não é estrita e serve apenas aos propósitos de classificação, já que a Economia Feminista de Ruptura advoga as mesmas críticas que a visão de Conciliação, mas dá a estas uma interpretação mais radical.

1.2.1 A Economia Feminista de Conciliação (EFC)

Como o próprio nome sugere, esta corrente persegue a revalorização da esfera feminizada e sua união com o espaço masculino, já valorado, de tal modo a ser possível chegar a um conjunto melhor e mais completo em termos teóricos e políticos – com o reconhecimento dos mercados e dos afazeres domésticos. Mantém-se a estrutura dicotômica, mas transforma-se seu conteúdo: há uma mesma relevância analítica entre produção e reprodução, com a posição das mulheres se qualificando como dupla presença (Orozco, 2006OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios).).

Tornar a Economia menos masculina não implica torná-la menos objetiva, apenas requer novas visões sobre o gênero, sobre o que é valor e conhecimento. Para Nelson (1993)NELSON, J. A. The study of choice or the study of provisioning? Gender and the definition of economics. In: FERBER, M. A.; NELSON, J. A. (Ed.). Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago: The University of Chicago Press, 1993., isso perpassa a manutenção dos elementos masculino positivos, associado à incorporação de elementos femininos, eliminando-se tudo aquilo que é negativo nas duas esferas. Essa noção está muito próxima da retórica tétrade defendida por McCloskey (1993)MCCLOSKEY, D. Some consequences of a conjective economics. In: FERBER, M. A.; NELSON, J. A. (Ed.). Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago: The University of Chicago Press, 1993. , para quem o conhecimento compreende uma parte já entendida como ciência – referente à evidência empírica e à lógica – e outra formada pela parte criativa, composta de metáforas e histórias, aos quais se costumam associar as experiências masculinas e femininas, respectivamente.

Em termos conceituais, a EFC revaloriza as atividades exercidas na esfera doméstica, com o trabalho não compreendendo apenas o que é remunerado. Neste sentido, a palavra trabalho percorre desde a ideia de uma atividade que pode ser delegada a outra pessoa, como referenciado por Reid (1934)REID, M. G. Economics of household production. New York: John Wiley & Sons, 1934., até a visão mais específica de Himmelweit (1995)HIMMELWEIT, S. The discovery of “unpaid work”: the social consequences of the expansions of “work”. Feminist Economics, [s. l.], v. 1, n. 2, p. 1-19, 1995., que a associa a uma atividade com propósito determinado, passível de divisão (a ser processada dentro ou fora da residência) e separável da pessoa que o realiza, já que o objetivo é o resultado final.

Ao possuir características próprias (produtividade limitada, maior liberdade de realização e circunscrição ao âmbito privado), o trabalho doméstico dificulta sua valoração, mas ainda assim já foram levantadas diversas possibilidades para sua mensuração. A mais utilizada pelos teóricos da Economia Feminista é o tempo total de trabalho, que permite a comparação direta na repartição de tarefas entre homens e mulheres, a partir do qual se observa uma assignação extremamente desigual que é identificada como principal responsável pelo menor nível de participação e representação feminina no mercado laboral e nas esferas de poder. Assim, a desigualdade no mercado de trabalho não é apenas consequência do trabalho doméstico, mas auxilia na promoção de uma retroalimentação que reproduz identidades, de modo que a divisão sexual do trabalho não decorre apenas de negociações individuais que se processam no interior das residências, mas é resultado de um sistema de gênero (Orozco, 2006OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios).).

A noção de trabalho delineada pela EFC elimina, portanto, a carga hierárquica que existe entre as esferas doméstica e de mercado mediante uma igual valoração de ambas, mas não acaba, na prática, com as representações entre trabalho e não trabalho. A dependência entre a produção das coisas e a reprodução das pessoas exige uma participação feminina, ora combinada, ora superposta, que recai na dupla jornada de trabalho, passando a ser uma das principais discussões dentro da disciplina (Borderías; Carrasco, 1994BORDERÍAS, C.; CARRASCO, C. Introducción – Las mujeres y el trabajo: aproximaciones históricas, sociológicas y económicas. In: BORDERÍAS, C.; CARRASCO, C.; ALEMANY, C. (org.). Las mujeres y el trabalho: rupturas conceptuales. Barcelona: Icaria, 1994. p. 15-110.).

Embora seja possível vislumbrar um núcleo duro na Economia Feminista, ela é pensada por pesquisadores de distintas orientações dentro do feminismo e diferentes correntes do pensamento econômico. Essa diversidade acaba por refletir em enfoques que adicionam contribuições ao marco inicial da corrente, indo desde os debates sobre o trabalho doméstico que, tendo um cunho marxista, investiga a forma de opressão das mulheres e desenha políticas públicas de libertação, até a Economia Feminista de corte neoclássico, que amplia o debate para a Macroeconomia, sendo um de seus desdobramentos as discussões em torno da invisibilidade feminina nas contas nacionais e dos impactos diferenciados das políticas econômicas.

Muitas críticas já foram tecidas à EFC, dentre as quais se destacam três: (i) os mercados continuam sendo o centro da análise; (ii) não há ruptura das dicotomias, mas alteração das mesmas; e (iii) o trabalho doméstico ainda é definido em termos de um paradigma mercantil androcêntrico. Embora estas apreciações reflitam a estrutura que a EFC tem delineado, sua principal debilidade está na universalização das experiências femininas, como se houvesse uma identidade própria às mulheres, sem considerar as diferentes formas de dominação (como classe, raça e orientação sexual). Neste caso, estar-se-ia passando de um homo economicus padrão para um agente que representa a experiência das mulheres brancas, burguesas, ocidentais, heterossexuais e não deficientes, localizadas na divisão sexual que se processa em uma família nuclear.

1.2.2 A Economia Feminista de Ruptura (EFR)

A Economia Feminista de Ruptura assume que perceber a atividade doméstica como atividade econômica não modifica sua importância secundária na análise. É necessário, portanto, romper com todas as construções prévias de modo a reverter a lógica que guia o sistema econômico. Ao fazer isso, transcende a dicotomia existente nas discussões anteriores – mesmo na Economia Feminista de Conciliação – apoiando-se na interseção dos valores monetizados (e masculinizados) com os elementos invisibilizados (e feminizados), a partir do qual emerge o foco na sustentabilidade da vida. Neste sentido, o núcleo duro passa para os processos de satisfação das necessidades humanas, com o trabalho perdendo seu caráter mercantil porque direcionado para as atividades que vão ao encontro deste grande objetivo (Orozco, 2006OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios).).

Epistemologicamente, avança na construção de conhecimentos situados, mediante a busca de explicações não apenas para as diferenças entre homens e mulheres, mas também entre as próprias mulheres, criando um maior espaço para a política de localização. A partir da marcação histórica, geográfica e cultural, ganha importância na análise os feminismos pós-modernos, antirracistas e decoloniais, que destacam a necessidade de perceber a economia como um discurso, minado de significados, categorias e crenças, o que exige mais do que a mera inserção dos elementos femininos, mas a desconstrução das estruturas existentes e a formalização de um novo conhecimento (Barker, 2003BARKER, D. Emancipatory for whom? A comment on critical realism. Feminist Economics, [s. l.], Houston, v. 9, n. 1, p. 103-108, 2003.).

Metodologicamente, a ruptura também se dá pelo avanço em termos de multidisciplinaridade, bem como no possível descolamento do gênero em relação ao sexo, sendo factível a aproximação com campos da sexualidade e mesmo de uma economia queer9 9 A teoria queer compartilha alguns aspectos relacionados aos estudos de gênero, mas os critica a partir da percepção de que eles reforçam a heteronormatividade. Articulados com o pós-estruturalismo, questionam a ontologia do sujeito, avançando ainda mais no sentido de aproximar a sexualidade de uma construção social. Esses conceitos têm como principal referência o trabalho de Butler (1998, 2016). . Além disso, tem preferência por técnicas qualitativas, que se orientam para a solução de problemas, não voltadas ao método quantitativo (Robeyns, 2000ROBEYNS, I. Is there a feminist economics methodology? In: WORKSHOP ON REALISM AND ECONOMICS. Proceedings […]. 2000.).

A sustentabilidade da vida como objetivo – definida como provisão social para Nelson (1995)NELSON, J. A. Feminism and economics. Journal of Economic Perspectives, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 131-148, 1995. ou como reprodução social em Picchio (1999)PICCHIO, A. Visibilidade analítica y política del trabajo de reproducción social. In: CARRASCO, C. (Ed.). Mujeres y economia: nuevas perspectivas para viejos y nuevos problemas. Barcelona: Icaria/Antrazyt, 1999. –, desloca a centralidade do mercado, transformando-o apenas em um dos espaços em que os processos podem se dar. Isso promove uma aproximação com a abordagem das capacitações de Sen (1999)SEN, A. Development as freedom. New York: Random House, 1999. e Nussbaum (2000)NUSSBAUM, M. Women and human development: the capabilities approach. Cambridge: Cambridge University Press, 2000., de modo que sua listagem das capacitações pode ser adaptada a contextos específicos, sendo necessário avançar em diversidade e flexibilidade, de modo a ser possível valorizar as diferentes experiências percebidas pelas mulheres (Robeyns, 2003ROBEYNS, I. Sen’s capability approach and gender inequality: selecting relevant capabilities. Feminist Economics, [s. l.], v. 9, n. 2-3, p. 61-92, 2003.)10 10 A tabela completa do comparativo entre as capacitações listadas pode ser encontrada em Robeyns (2003, p. 74). .

De acordo com Orozco (2006)OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios)., a eliminação das noções de trabalho e não-trabalho, assim como de trabalho assalariado e doméstico, é, portanto, substituída por outra que se volta às atividades consumidas enquanto são realizadas, perdendo sentido as fronteiras entre trabalho e consumo, trabalho e ócio e trabalho e vida. Neste ínterim, ganha destaque o trabalho de cuidado que, ao mesclar o trabalho e a gestão doméstica com componentes subjetivos, pode ser motivado pelo altruísmo (o que exige a compreensão dentro das normas sociais e das identidades de gênero) ou pela necessidade, extravasando a lógica de dependência. Por este último e considerando-se que todos os indivíduos são dependentes em algum momento da vida, fica evidente que não há uma separação clara entre “quem cuida” e “quem é cuidado”, de modo a destacar a interdependência entre os indivíduos e a necessidade de questionar a estrutura de direitos sociais e econômicos na promoção da cidadania.

Este novo olhar sobre a Economia, dissociado de todas as construções prévias, reconstrói socialmente as noções de poder, porque não mais é possível fazer uma distinção clara entre as hierarquias que se confrontam, nem mesmo em posições equitativas. A teorização da EFC perpassa, portanto, pela superação do sistema econômico em vigor, já que no capitalismo essa transcendência para uma organização focada na sustentabilidade da vida e na satisfação das necessidades é inconcebível.

2 Descrição dos procedimentos

A fim de investigar a presença da produção acadêmica em Economia Feminista no Brasil, a pesquisa foi realizada em três etapas. Na primeira delas, considerando-se apenas os três maiores estratos com periódicos nacionais avaliados em Economia (B1, B2 e B3) no Qualis 2014, procede-se com a separação das revistas brasileiras e estrangeiras, a fim de obter aquelas nas quais se fará o levantamento das informações. A representatividade dos periódicos nacionais foi de 22,1% em B1, 57,7% em B2 e 56,5% em B3, totalizando 84 revistas.

Dada as distintas disponibilidades de acesso em rede aos periódicos, passa-se para a segunda etapa, que se constituirá no 1º recorte com viés de sexo. Nesta, são distinguidos os trabalhos que fazem alguma referência à mulher no título ou nas palavras-chaves entre as publicações de 1990 a 2015, utilizando-se como critério de seleção, além da indicação específica (Economia de Gênero e Economia Feminista), termos como gênero, sexo, economia do cuidado, feminino, feminismo e feminista. Embora estes se constituam em bons filtros, faz-se necessário também um olhar individualizado, artigo por artigo, uma vez que alguns se utilizam de expressões ou metáforas que remetem ao universo avaliado, sem citar literalmente os termos perseguidos. Dentre as revistas analisadas, que compreendem uma amostra de quase 44 mil artigos, são selecionados no 1º recorte um total de 1.31211 11 No caso das revistas multidisciplinares que discriminam os artigos por áreas, consideram-se apenas aqueles classificados em Economia. .

Apesar de estas publicações estarem em periódicos que são avaliados em Economia, não necessariamente implicam proximidade com a matéria. Daí a necessidade de fazer o último recorte, eliminando aqueles que não tem relação direta com a área (e que abordam temas de sexualidade, saúde reprodutiva, psicologia materna, entre outros), bem como distinguindo os que estão no enfoque da disciplina, mas utilizam da noção de diferenciação sexual para explorar uma temática distinta em relação ao objeto proposto nesse ensaio.

Esta clivagem é fundamental para o delineamento do trabalho e serve como base para as conclusões posteriores. A classificação em termos de Economia de Gênero e Economia Feminista, entretanto, é ad hoc, haja vista que, na maioria dos casos, não há explicitação destes termos. Para a associação do artigo à visão crítica, levam-se em conta: (i) a construção metodológica do trabalho, com uma ótica mais qualitativa e interdisciplinar; e/ou (ii) o enfoque utilizado, voltado às relações entre a esfera produtiva/pública e a necessidade de compreendê-la a partir da interação com a esfera privada e o trabalho não remunerado, ou pelo destaque às atividade e cenários feminizados na divisão sexual do trabalho. Assim, essa categorização está apoiada na compreensão dos conceitos trazidos por Ferber e Nelson (1993)FERBER, M. A.; NELSON, J. A. (Ed.) Beyond economic man: feminist theory and economics. Chicago: The University of Chicago Press, 1993., Kuiper e Sap (1995)KUIPER, E.; SAP, J. (Ed.). Out of the margin: feminist perspectives on economics. New York: Routledge, 1995., Barker e Kuiper (2003)BARKER, D.; KUIPER, E. Toward a feminist philosophy of economics. New York: Routledge, 2003., Carrasco (2006)CARRASCO, C. La economía feminista: una apuesta por otra economía. In: VARA, M. J. (Coord.). Estudios sobre género y economía. Madrid: Akal, 2006, p. 29-62., Orozco (2005OROZCO, A. P. Economía del género y economía feminista: conciliación o ruptura? Revista Venezoelana de Estudios de La Mujer, Caracas, v. 10, n. 24, p. 43-64, 2005., 2006)OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios)., Figart e Warnecke (2013)FIGART, D. M.; WARNECKE, T. L. (Ed.). Handbook of research on gender and economic life. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2013., entre outros.

Os artigos que compõem a amostra resultante se constituem na fonte de informação para caracterizar e mapear a pesquisa associada à Economia Feminista, de modo que grande parte dos critérios de análise são extraídos dos dados disponibilizados pelos próprios autores na publicação. O delineamento posterior, que se apoia na amostra final, utiliza informações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para melhor caracterizar os espaços e os autores que, a seu modo, promovem a Teoria Feminista nos periódicos brasileiros classificados na área de Economia.

3 A Economia Feminista à la brasileira

3.1 A inserção das questões de gênero na pesquisa acadêmica dos estratos avaliados na área de Economia

O principal meio acadêmico de divulgação da corrente crítica feminista da Economia é o periódico americano Feminist Economics, ligado à International Association for Feminist Economics (IAFFE). No Brasil, esta revista foi avaliada pelo Qualis 2014 nas áreas de Direito (recebendo classificação A1) e Multidisciplinar (B1), o que significa que nenhum autor ligado aos centros de pós-graduação em Economia do Brasil teve seu trabalho lá publicado no ciclo de avaliação considerado.

Este também é o caso das revistas nacionais que possuem o enfoque em gênero e feminismo. Os onze periódicos listados pela Capes que se voltam diretamente a esta área estão ausentes na classificação de Economia de 2014 e, caso fossem avaliados, provavelmente seriam acompanhados pela marginalidade da valoração que aos mesmos é atribuída (já que um dos critérios para a definição do Qualis é a moda da classificação nas áreas em que o periódico já é avaliado)12 12 É importante recordar, como já explicitado na introdução do texto, que o presente trabalho utiliza o Qualis 2014, que ajuda a compor o Qualis do Quadriênio 2013-2016, mas sem uma equivalência direta entre os mesmos. Assim, por exemplo, as revistas Gênero (UFF) e Estudos Feministas (UFSC), que não estão no Qualis 2014, fazem parte do Qualis do Quadriênio 2013-2016, tendo avaliações B5 e B2, respectivamente. Ainda que elas não sejam listadas nessa análise, por não serem consideradas para a área de Economia no Qualis 2014, faz-se necessário destacar que já publicaram diversos artigos voltados à Economia Feminista. Estes são os casos, por exemplo, de Soares (2008), Teixeira (2008), Passos (2015), Castilho, Melo e Di Sabbatto (2015), Aquilini (2016), Fernandez (2008) e Madalozzo, Martins e Shiratori (2010). . Com exceção do Cadernos Pagu e da Revista de Estudos Feministas (REF) – que são altamente conceituadas no campo do estudo de gênero, sendo A1 em algumas áreas –, há uma predominância nos estratos mais baixos, sinalizando duas possibilidades não-excludentes: ou existe uma dificuldade de inserção desta temática nos distintos segmentos de pesquisa e/ou há uma baixa representação das mesmas, independentemente das disciplinas a que se referem.

Essas possibilidades poderão ser verificadas no campo da Economia ao se perseguir a presença da crítica feminista dentro dos limites da disciplina enquanto classificação da Capes. Após delimitadas as revistas nacionais enquadradas nos estratos B1, B2 e B3 de área (totalizando 84 periódicos), parte-se para a etapa do procedimento do ensaio que promove o 1º recorte dentre os artigos publicados nos periódicos entre 1990 e 2015, conforme a disponibilidade.

Ao investigar a presença de quaisquer referências ao sexo e ao gênero nos trabalhos, reduz-se a amostra de artigos a 3,02% de seu valor inicial (o que equivale a 1.312 publicações divididas em 95 no primeiro estrato, 910 no segundo e 307 no terceiro)13 13 Embora constem nas tabelas, os artigos publicados em Edições Especiais (EE) não são contabilizados nos recortes. Essa opção visa minimizar possíveis distorções como resultado de um privilégio a publicações de um determinado assunto em um único número, o que faria a média geral de inserção da temática de gênero no periódico se ampliar acentuadamente, ainda que esta fosse em decorrência de somente uma edição. . O estrato com maior média de participação de temáticas relacionadas à esfera feminina é o B3 (3,76%), seguido pelo B2 (3,34%) e, por fim, pelo B1, com 1,99%. Dentro deles, entretanto, as discrepâncias são bastante grandes.

A Tabela 1 traz os três periódicos com maior representatividade em cada estrato considerado14 14 A representatividade é avaliada em termos da razão do número de artigos que obedecem ao quesito específico em relação ao número total de artigos da revista. . No grupo de maior impacto, todas as revistas contiveram pelo menos um artigo fazendo referência à diferenciação sexual, embora a inserção média seja a menor entre os grupos. Nele, a relevância do tema de interesse teve participação entre 3,53%, obtido na Economia Aplicada, e 0,3% na Revista de Economia Política, embora em quantidade e representatividade a Pesquisa e Planejamento Econômico lidere (12 artigos que compreendem 2,64% de suas publicações).

Tabela 1
Periódicos com maior inserção média de assuntos que remetem às questões de gênero, por estrato avaliado

Nos estratos B2 e B3, as maiores inserções entre os periódicos superam acentuadamente aquelas observadas em B1, obtendo-se valores superiores a 9%. Entretanto, nenhuma destas revistas é tradicionalmente relacionada à Economia e três delas são da área de Saúde (em que o perfil é distinto, com um número médio de artigos anuais publicados muito superior ao observado na pesquisa econômica). Além disso, estes estratos abarcam uma grande variabilidade de focos temáticos – conforme se avança à jusante no Qualis, maior se torna a diversidade de áreas contempladas originalmente pelos periódicos apropriadas à área de Economia. Assim, a noção de revistas com viés estritamente econômico vai perdendo espaço, o que não acontece tão acentuadamente no estrato B1.

No estrato B2, o primeiro periódico que é efetivamente da área ocupa o 15º lugar, com 1,27% de inserção do tema pesquisado (Revista Econômica do Nordeste – REN) e, no estrato B3, sobe para a 6ª colocação, com 6,36% (Econômica). Cabe destacar ainda que, nestes grupos, há 18 periódicos sem qualquer referência ao grande tema discutido, totalizando 21,43% das revistas avaliadas.

Embora seja importante destacar esse nível geral de inserção das questões de gênero na produção acadêmica, o mero fato de fazer referência a elas em artigos publicados em revistas classificadas na área de Economia não implica que estes estejam associados à pesquisa econômica voltada para as discussões de gênero, ainda mais quando a temática da economia feminista entra em pauta. Para isso, é necessário analisar a essência dos trabalhos selecionados no 1º recorte, buscando conectá-los à classificação da Economia utilizada neste trabalho.

3.2 A presença da Economia Feminista na ciência econômica brasileira

A delimitação final para o levantamento da produção acadêmica que pode ser associada à Economia Feminista na área de Economia do Qualis 2014 perpassa, portanto, a distinção daquilo que, dentre os artigos que fazem alguma referência à mulher, pode ser classificado como pertencente à corrente crítica analisada. Seguindo a distinção adotada por Orozco (2005OROZCO, A. P. Economía del género y economía feminista: conciliación o ruptura? Revista Venezoelana de Estudios de La Mujer, Caracas, v. 10, n. 24, p. 43-64, 2005., 2006)OROZCO, A. P. Perspectivas feministas en torno a la Economía: el caso de los cuidados. Madrid: Consejo Económico y Social, 2006. (Colección Estudios)., os números referentes aos trabalhos enquadrados em Economia de Gênero e Economia Feminista são observados na Tabela 2.

Neste esforço de classificação, o estrato B1 é o que, comparativamente ao 1º recorte (ou seja, entre os trabalhos com quaisquer referências ao sexo), tem maior representatividade de artigos ajustados à área de interesse do ensaio, indo ao encontro de seu perfil com periódicos de menor multidisciplinaridade. Dos 95 artigos selecionados na fase anterior, 84,21% puderam ser associados à reflexão econômica do gênero e apenas 21,05% abordam tópicos destacados pela Economia Feminista. Em termos da amostra total de artigos avaliados, estas duas áreas de pesquisa compreendem, individualmente, menos de 1% dos artigos publicados na área de Economia no período considerado.

Tabela 2
Representatividade dos artigos associados à Economia de Gênero e à Economia Feminista

Este comportamento é observado nos demais estratos, embora com participações ainda menores. No segmento dos artigos classificados como B2, que reúne a maior quantidade de publicações associadas à Economia de Gênero e à Economia Feminista, a representatividade destes trabalhos no 1º recorte totaliza pouco mais de 14%. A justificativa, novamente, está relacionada à multidisciplinaridade dentro dessa classificação, já que muitos estudos são voltados à área de saúde, de sexualidade e de reprodução, sem fazer menção às discussões feministas na Economia – considerando-se aqui o econômico como a inter-relação dos espaços que compõem o trabalho remunerado e não remunerado.

Por fim, no segmento B3, a representatividade dos trabalhos selecionados se amplia novamente, passando a compreender 22,8% do 1º recorte. Entretanto, no quesito de inserção nas revistas do estrato, os artigos associados à Economia Feminista têm aqui seu menor valor – apenas 0,2% dos trabalhos. Este número não se distancia da média de participação total: enquanto 3,02% dos artigos publicados em revistas valoradas na economia nos estratos selecionados fazem alguma referência às mulheres ou a questões de gênero, somente 0,64% reflete economicamente tais questões e pouco mais de um terço deste valor poderia ser associado ao escopo da Economia Feminista (0,23%).

Se a distinção entre os trabalhos atrelados à Economia de Gênero e à Feminista envolve parcela de subjetividade, a separação entre aqueles que se classificam como Economia Feminista de Conciliação e Ruptura é ainda menos nítida. Do total de trabalhos, a grande maioria se associa à forma teórica branda, sendo apenas 10% deles atrelados à versão mais radical da corrente. Essa delimitação, entretanto, esconde uma quantidade razoável que transita entre as duas esferas, ora se colocando de forma mais ativa, ora mais passiva, de tal modo a não ser possível identificar um enquadramento específico. Em função disso, as análises subsequentes guiar-se-ão apenas na distinção entre as áreas de gênero e feminista.

Primeiramente, a distribuição dos artigos nas revistas dos três estratos avaliados revela uma grande heterogeneidade. A Tabela 3 traz os periódicos com as maiores ocorrências de trabalhos classificados em Economia Feminista, de modo a ser possível identificar aqueles que, dado o 1º recorte, tiveram maior inserção da temática. Mediante essas informações, constata-se que os principais difusores de ideias associadas à corrente crítica (ou que fazem uso de técnicas que, dentro da objetividade científica, são percebidas como feministas) são aqueles externos à Economia ou multidisciplinares. Em termos de quantidade, além dos já listados na Tabela 3, aparecem Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas), Physis, Tempo Social, Revista de Políticas Públicas e Psicologia: Reflexão e Crítica.

Tabela 3
Periódicos com maior inserção média de artigos associados à Economia Feminista no 1º recorte, por estrato avaliado

No extremo oposto estão os periódicos que tiveram representação no 1º recorte, mas não resistiram ao último filtro. Este é o caso de quase 29% das revistas do estrato B2 e de 20% do B3. Além destes, é significativo o número de periódicos que não possuem qualquer forma de referência à Economia Feminista, o que acontece em 30,8% das revistas do estrato B1, 14,3% do B2 e 36% do B3. Neste sentido, quando comparada à inserção acadêmica da Economia de Gênero, os trabalhos que abordam aspectos teóricos relacionados à Economia Feminista possuem um espaço ainda mais reduzido.

Esse comportamento ocorre porque há um predomínio dos estudos inserindo o gênero na economia apenas enquanto categoria analítica. Mesmo nas discussões referentes ao mercado de trabalho, não há a presença da crítica feminista, nem discussões em torno de como minimizar os diferenciais entre homens e mulheres para além da equidade salarial. Ainda assim, externo a esta preponderância da Economia de Gênero, alguns artigos merecem destaque especial por internalizarem na produção científica do país conceitos tão discutidos no âmbito da Economia Feminista.

No estrato B1, dois trabalhos são de grande relevo. Kon (2002, p. 90)KON, A. A economia política do gênero: determinantes da divisão do trabalho. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 22, n. 3(87), p. 89-106, jul./set. 2002., que denomina seu esforço dentro de uma Economia Política do Gênero, traz reflexões sobre as discussões resultantes da diversidade teórica e dos contextos históricos na construção de uma “[…] teoria econômica progressiva e voltada para as políticas públicas”. Dentro disso, aborda a participação da mulher no mercado de trabalho, os diferenciais salariais e o papel fundamental do Estado como promotor de uma verdadeira equidade de gênero. A visão de Melo, Considera e Di Sabbato (2007)MELO, H. P.; CONSIDERA, C. M.; DI SABBATO, A. Os afazeres domésticos contam? Economia e Sociedade, Campinas, v. 16, n. 3(31), p. 435-454, dez. 2007., por outro lado, é mais crítica, no sentido de repensar a valoração da produção de um país, propondo uma mensuração das atividades domésticas no Brasil. Através dos dados da PNAD, os autores concluem que o valor associado a tais afazeres aproxima-se de 11,2% do PIB nacional, o que mostra o tamanho e a força do trabalho invisibilizado e feminizado que ocorre fora da tradicional esfera econômica. Estes dois estudos foram publicados em revistas com viés heterodoxo – Revista de Economia Política e Economia e Sociedade –, o que vai ao encontro das propostas da Economia Feminista.

O estrato B2 traz um contraponto a isso. O Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas) sequer se caracteriza como um periódico tradicional da Economia, mas ao longo do período avaliado promoveu, além de artigos individuais, três espaços com temas em destaque que focam questões de gênero – “Gênero e Assistência na América Latina”, “Trabalho e Gênero” e “Conciliação entre Trabalho e Família”, o que significou, na classificação deste ensaio, nove publicações atreladas à Economia Feminista.

Essa prática de destacar uma discussão específica foi também observada em mais dois periódicos do estrato: na edição de número 11 de 2000 da revista Crítica Marxista, mediante um dossiê abordando a relação do feminismo com o marxismo e, mais recentemente, no “Dossiê Trabalho e Gênero: Controvérsias”, da Tempo Social. No primeiro caso, os editores solicitaram a estudiosas da área que formulassem textos tematizando duas perguntas específicas: (i) “qual a contribuição que a teoria marxista produziu e pode oferecer para a análise e a crítica da situação das mulheres nas sociedades de classe, particularmente na sociedade capitalista”, e (ii) “da perspectiva marxista, qual a avaliação teórica e política que se pode fazer dos denominados estudos de gênero, cujo desenvolvimento e cuja influência têm se ampliado nos últimos tempos”. As cinco teorizações resultantes trazem consigo muito do caráter da Economia Feminista de Ruptura15 15 Os estudos são: “Marxismo, feminismo e o enfoque de gênero”, de Clara Araújo; “Quem tem medo dos esquemas patriarcais de pensamento?”, de Heleieth Saffioti; “Feminismo, gênero e revolução”, de Lelila Oliveira Benoit; “Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças”, de Maria Lygia Quartim de Moraes; e “Marxismo, feminismos e feminismo marxista – mais que um gênero em tempos liberais”, de Mary Garcia Castro. . Na Tempo Social, por outro lado, são observados quatro artigos que convergem para a discussão da Economia Feminista, abordando as relações entre sujeição da mulher às atividades não remuneradas e a inserção no mercado de trabalho, além de destacar a necessidade de inserir essa discussão dentro do contexto da interseccionalidade que perpassa o trabalho de cuidado (Bilac, 2014BILAC, E. D. Trabalho e família: articulações possíveis. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 129-145, 2014.; Boris, 2014BORIS, E. Produção e reprodução, casa e trabalho. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 101-121, 2014.; Hirata, 2014HIRATA, H. Gênero, classe e raça: interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 61-73, jan./jun. 2014.; Sorj, 2014SORJ, B. Socialização do cuidado e desigualdades sociais. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 1, p. 123-128, jun. 2014.).

A visibilização das atividades domésticas na compreensão das conexões entre a esfera privada e o mercado também se constitui no principal foco de pesquisa dos artigos classificados como Economia Feminista no estrato B3. Neste, a discussão específica ocorre na Revista Econômica em 2010, com o tema “A perspectiva feminista e os trabalhos sobre usos do tempo”, apoiado na quantificação do trabalho de cuidado e na importância deste para a implementação de políticas públicas mais conscientes de seus impactos diferenciados sobre homens e mulheres (Bandeira, 2010BANDEIRA, L. Importância e motivações do Estado Brasileiro para pesquisas de uso do tempo no campo de gênero. Revista Econômica, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 47-63, jun. 2010.).

A partir dessa caracterização geral dos trabalhos já observados numericamente em termos de representatividade, é possível afirmar que há, de fato, uma difusão dos conceitos relacionados à Economia Feminista no Brasil, ainda que ela seja pouco representativa nos periódicos associados diretamente à Economia. Além disso, não se trata de uma evolução constante da disciplina nas publicações, muito embora haja uma lenta tendência de as discussões de gênero estarem se mostrando mais presentes no debate acadêmico.

A Figura 1 traz a distribuição temporal dos trabalhos classificados por estrato, confirmando a maior referência às ideias relacionadas à Economia Feminista nos últimos anos no país. Ela se dá com um atraso de praticamente uma década em relação às discussões que se processam nos centros acadêmicos em torno das quais se formaliza a disciplina (Europa e Estados Unidos), ganhando espaço em todos os estratos avaliados. Deve-se ressaltar, entretanto, que este movimento não se deve apenas à abertura mais premente aos debates em vigor, mas também por um fenômeno exógeno: há um crescimento significativo no número de revistas avaliadas pelo Qualis e uma maior representação de volumes no período mais recente. A maior disponibilidade de publicações muda a dinâmica de representação dos temas porque abrem-se janelas de oportunidades para outras vertentes e campos de estudo em periódicos menos tradicionais, promovendo-se uma disseminação das mais diversas linhas de pesquisa, dentre as quais a Economia Feminista pode se encaixar.

Figura 1
Evolução do número de artigos associados à Economia Feminista, por estrato avaliado (1990-2015)

Deve-se ressaltar que, embora haja uma avaliação e classificação dos artigos dentro do âmbito de estudos da Economia Feminista, a grande maioria dos autores não faz referência direta a ela. Nomeando por questões de gênero, teoria política ou crítica feminista, fazem a análise seguindo as noções gerais discutidas pela corrente ou utilizando a metodologia proposta, mas não citam ao longo do texto, nem em suas palavras-chave, que se trata de um estudo abordando um campo de pensamento já consolidado.

Dado que os periódicos avaliados estão associados à Economia, pode-se justificar essa falta de aderência aos seguintes motivos: (i) os autores não pertencem à área de Economia mas, pela interdisciplinaridade da temática de gênero, poderiam ter seus trabalhos enquadrados como tal, uma vez que a crítica feminista que permeia as diferentes áreas do conhecimento tem uma base comum; (ii) os autores, apesar de terem acesso aos textos de autoria de economistas feministas, desconhecem o contexto nas quais as mesmas estão inseridas, tomando as ideias individualizadas como se elas não formassem uma estrutura teórica definida; (iii) os autores, conhecendo a corrente crítica da Economia Feminista, divergem da análise já feita, de modo a citar apenas aqueles trabalhos que mais se aproximam do objeto de estudo a que se propõem; e (iv) os autores, conhecendo os vieses de gênero do espaço acadêmico, acabam optando por nomear o seu trabalho dentro da lógica de gênero, já que este tem um espaço mais cativo nas discussões econômicas e não causa tanto desconforto teórico por não ir de encontro com o status quo da Economia. A baixa visibilidade da Economia Feminista reforça a marginalidade na discussão científica da Ciência Econômica, dificultando a divulgação das ideias, a apropriação do debate para a realidade nacional e a definição de um marco teórico mais adequado às experiências dos homens e mulheres brasileiros, marcadas pela grande diversidade e pela interseccionalidade.

3.3 O perfil dos pesquisadores

Após identificada a presença, ainda que diminuta, de trabalhos que podem ser associados à Economia Feminista, cabe avaliar, a partir dos artigos classificados, qual é o perfil de quem os produziu e onde essa produção está localizada. No quesito sexo dos autores (considerando todos os envolvidos na produção), há um predomínio de mulheres na discussão do gênero na Economia, sendo de 63% nos trabalhos enquadrados na Economia de Gênero, valor que se torna ainda maior naqueles que trazem a crítica feminista (78%).

O reconhecimento do viés de gênero na construção econômica e seus impactos sobre o delineamento de uma Economia Feminista passam, em grande parte das vezes, pela identificação do sujeito com a discussão. Embora seja possível, e mesmo desejado, que a atenção de autores homens esteja presente nos debates, é muito mais frequente que essa revalorização dos papeis socialmente atribuídos tenha maior importância pelo gênero que busca sua visibilidade, daí essa maior discrepância entre a participação por sexo.

No que concerne à distribuição dos autores por instituições de ensino e pesquisa, é possível observar uma grande concentração de centros nacionais na produção acadêmica associada à Economia Feminista dos periódicos avaliados. Entre os autores de fora, o destaque fica para Estados Unidos, França, Espanha e Portugal. No Brasil, identifica-se um espraiamento da discussão por todo o território – com um claro predomínio das universidades do Sudeste e Sul, onde há maior aglomeração de pesquisadores do país, embora, nestes estados, também haja uma variedade significativa de centros envolvidos. Como identificado na Figura 2, as unidades federativas com maior representação no total foram São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, nas quais 38 instituições de ensino e pesquisa são citadas. Essa multiplicidade de atores não se reflete em fortes redes de contato, uma vez que a maioria dos trabalhos são realizados por autores que pertencem a uma mesma instituição.

Figura 2
Distribuição dos artigos associados à Economia Feminista, por instituições de ensino do Brasil

O levantamento das instituições a que os autores, na época da publicação do artigo, estavam associados, evidencia que muitos dos espaços de discussão não são de centros com departamentos de economia. Isso é um indicativo de que parte dos trabalhos atribuídos à Economia Feminista foram assim classificados pela interdisciplinaridade da discussão de gênero, sem refletirem o crescimento da disciplina em seus limites econômicos. Em outras palavras, a representatividade de 0,23% de artigos que tratam de temas da Economia Feminista é uma superestimação da produção feminista enquanto crítica ao mainstream.

Em função disso, torna-se fundamental avaliar a formação acadêmica dos autores. A participação de economistas ou daqueles que possuem alguma pós-graduação na área de Economia é baixa – dos pesquisadores identificados, apenas 22,1% se enquadram nestes quesitos, valor que é de 50% entre os autores estrangeiros. Daí fica evidente que não se trata de uma fuga de pesquisadores para áreas afins, onde a discussão de gênero apresenta maior difusão, mas de uma produção em diferentes cursos que têm, entre si, a convergência da crítica feminista, com a validação de métodos apropriados à temática e com a revalorização da esfera privada e do trabalho não remunerado.

A fim de exemplificar a personificação do debate, toma-se como referência aqueles autores que tiveram, dentre os artigos classificados como Economia Feminista, mais de uma publicação na área. Esse é o caso de sete pesquisadores, dentre os quais cinco identificam as questões de gênero como linhas próprias de pesquisa16 16 Entre os economistas, os centros de destaque foram o Ipea e a Universidade Federal Fluminense (UFF). . Neste grupo reduzido, entretanto, apenas uma é da Economia – Hildete Pereira de Melo – que tem trabalhos que percorrem diversas questões.

Na parte mais aplicada, por exemplo, Melo vai desde a avaliação da contabilização do trabalho reprodutivo e a delimitação de sua importância, até a identificação de quem o realiza – atividade feminizada que independe do nível de escolaridade, posição e grupo ocupacional e setor produtivo (Melo; Castilho, 2009MELO, H. P.; CASTILHO, M. Trabalho reprodutivo no Brasil: quem faz? Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 135-158, jan./abr. 2009.). Além disso, a autora investiga espaços externos à discussão tradicional da corrente, mas com o olhar da Economia Feminista, o que ocorre, por exemplo, em sua análise da Previdência Social do Brasil. Nesta, busca avaliar de que modo os diferenciais observados no mercado de trabalho são reproduzidos pelo sistema previdenciário e na inatividade, especialmente no sentido de a mulher, sendo a principal responsável pelo trabalho doméstico (não remunerado), perder parte da capacidade de contribuição (Melo; Oliveira, 2009MELO, H. P.; OLIVEIRA, A. B. Mercado de trabalho e a Previdência Social – um olhar feminista. Econômica, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 79-110, dez. 2009.). A pesquisadora, por todos os seus esforços realizados dentro da discussão feminista na Economia, consolidou-se internacionalmente como uma das principais referências brasileiras na área (incluindo sua contribuição na construção do pensamento latino-americano). O reconhecimento vem do fato de ter essa temática como uma constante em sua trajetória acadêmica, ocupando espaços importantes dentro do marco da produção científica econômica, além de se fazer presente nos espaços multidisciplinares que são inerentes à temática de gênero.

Cabe, portanto, deslocar a discussão para a existência, ou não, de áreas de pesquisa específicas nas instituições no período considerado (1990-2015), tendo em conta que isso poderia impulsionar o número de publicações com a abordagem de gênero. Dentre os dez centros de Economia com maiores representações, nove compreendem universidades e um é instituto de pesquisa – o Ipea17 17 Soma-se ao Ipea as seguintes universidades, por ordem de participações: UFMG, UFPEL, USP, FGV-SP, PUC-MG, UFF, UFRGS, UFRJ e UFV. . De modo geral, há uma invisibilização da temática de gênero nos departamentos de economia, com a inexistência de uma referência direta à Economia Feminista, sendo exceção a UFF, onde há a linha de pesquisa “Trabalho, Gênero e Raça”, compreendida dentro da área de Economia Social e Sustentabilidade; e o Ipea, em que há um espaço para o debate da “Promoção da Igualdade de Gênero e Racial” na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais.

Em termos de projetos de pesquisa, dentre os dez centros de Economia com maiores representações, apenas a UFMG tinha um trabalho ativo em 2015, intitulado “A estrutura dos diferenciais de gênero na América Latina: quem você é, o que você faz ou onde você está? Uma análise no tempo e no espaço de processos contemporâneos de estratificação social”, sob a coordenação da Prof. Ana Maria Hermeto. No que concerne às disciplinas, somente a UFF tem representatividade, a partir do tópico “Economia, Gênero e Raça”.

Por fim, no que se refere aos grupos de pesquisa, dois são os enfoques aqui estabelecidos18 18 A consulta parametrizada realizada nos diretórios do CNPq foi baseada na presença das questões de gênero no nome dos grupos de pesquisa, nas linhas de pesquisa, nas palavras-chave das linhas de pesquisa e nos objetivos das mesmas. . No primeiro, ao focalizar somente a Economia Feminista, os seguintes registros são encontrados: o grupo “Autogestão, empoderamento e mulher: por uma sociedade socialista e feminista”, da UFT, que tem a linha de pesquisa voltada ao tema discutido no presente ensaio; e, na UCPEL, o grupo “Emancipação: Trabalho, Saberes, Outras Economias, Movimentos Sociais e Democracia”, com as discussões em torno de “Trabalho, outras economias, solidariedades e emancipações”. No segundo enfoque, é ampliada a busca para os grupos de pesquisa associados às Ciências Sociais dos dez centros com maior representatividade. Estes se mostram bastante diversos, seja na abordagem, mas especialmente na participação: cinco não possuem grupos que remetem à discussão (UFMG, UFPEL, PUC-MG, UFRGS e Ipea), enquanto do lado oposto se destaca a UFF, com 11 grupos envolvidos em 15 linhas de pesquisa, seguido pela UFRJ, com 7 grupos e 10 linhas de pesquisa.

Dado o exposto, é crível dizer que a Economia Feminista ainda é invisibilizada, haja vista que, mesmo que a produção do conhecimento esteja se dando dentro dos limites do academicismo econômico, há uma dispersão da crítica, o que se confirma pela baixíssima representação nas linhas de pesquisa e disciplinas na graduação e pós-graduação, nos projetos acadêmicos e nos grupos de discussão. Essa configuração pode ser resultado de três fatores: (i) do baixo interesse pela discussão entre os acadêmicos – que, dado o viés de gênero da análise econômica, consideram-na fora dos limites econômicos; (ii) da dificuldade de inserir essa discussão em um espaço ainda masculinizado, a partir da desqualificação do debate e da marginalização do mesmo; e, por fim e como consequência, (iii) da migração daquelas que pensam a Economia Feminista do Brasil para espaços de discussão diferenciados, seja em áreas com menor resistência ao tema, ou mesmo a outras esferas, com a inserção em institutos de pesquisa e órgãos governamentais.

4 Considerações finais

As mulheres ganharam visibilidade, enquanto objeto de análise da Ciência Econômica, não indo de encontro ao status quo da disciplina, mas mediante uma inserção acrítica. Nesta, denominada Economia de Gênero, adiciona-se a figura feminina à estrutura da economia desenhada anteriormente, de modo que a disciplina se expande para abarcar as experiências diferenciadas dos sexos no mercado de trabalho. Entretanto, grande parte destes diferenciais é decorrência do ceteris paribus que, na esfera doméstica, é representado pela divisão sexual do trabalho.

A percepção deste viés androcêntrico e a formulação de novas bases para a teoria econômica é, ainda, um fenômeno em curso que, sob o título de Economia Feminista, delimita uma corrente crítica que se volta à recuperação das experiências femininas para uma melhor compreensão da disciplina enquanto produto das interações sociais. No país, o espaço reservado a ela é bastante incipiente e diminuto, mas é possível afirmar que ele já existe pontualmente, embora ainda precise de vigor para que seja possível pensar na Economia Feminista brasileira como campo de pesquisa estruturado.

A partir da análise de 84 periódicos nacionais classificados em Economia, pelo Qualis 2014, como B1, B2 e B3 entre 1990 e 2015, o que delimita uma amostra de mais de 40 mil artigos, tem-se apenas 3,2% deles perpassados pela questão de gênero. Nesta representação, entretanto, o que pode ser associado às ideias da Economia Feminista é ainda menor – somente 0,23% da produção acadêmica avaliada (valor que é de 0,41% para o caso da Economia de Gênero). Estes artigos podem ser encontrados em todos os estratos verificados, embora numericamente sua representação seja maior nos periódicos B2.

Assim, é possível aceitar a hipótese deste ensaio já que, dentro da grande limitação da produção que coloca a mulher como objeto de análise na Economia, os trabalhos com enfoque em Economia Feminista são ainda mais restritos. Entretanto, ressalta-se que, além de menos representativos, a influência deles no debate acadêmico é pequena, embora trazendo grandes contribuições teóricas.

Desenvolvidos, em sua maioria, por mulheres e nas instituições de pesquisa das regiões Sudeste e Sul, os trabalhos da área de Economia associados à Economia Feminista possuem uma defasagem de praticamente uma década em relação às discussões que se processam nos centros acadêmicos em torno dos quais se formaliza o núcleo duro da crítica da disciplina (Europa e Estados Unidos). Entretanto, a identificação dos autores e a delimitação de sua formação acadêmica – com apenas 22,1% sendo de economistas ou pós-graduados na área – mostra que a categorização da produção científica apoiada no foco dos artigos promove uma superestimação dos trabalhos em Economia Feminista enquanto desdobramento da Economia. Embora classificados como representações da disciplina, grande parte dos artigos não faz menção direta a ela. Apenas uma parcela dos 0,23% pode, portanto, ser de fato associado à Ciência Econômica, com os demais trabalhos tendo sua relação com a Economia Feminista pela tangência dos temas tratados pelo feminismo crítico nas áreas afins, onde a discussão é mais difundida. Em outras palavras, se a representatividade era diminuta quando apoiada na associação dos artigos às ideias da corrente, torna-se ainda mais invisibilizada no campo de pensamento específico.

Essa invisibilização pode estar associada a um ciclo de reforço estabelecido pela demanda e oferta da produção científica. Sendo a temática de gênero um tópico periférico na Economia, poucas pessoas se debruçam a estudá-lo, o que, por seu turno, gera uma oferta de trabalhos pequena sobre a temática, situação ainda mais limítrofe para a Economia Feminista, que é uma disciplina recente. Os periódicos, por sua vez, fazem uma seleção que pode, evidentemente, ser viesada, já que grande parte dos pareceristas são homens, o que promove um distanciamento das questões discutidas pela Economia de Gênero e, no limite, pela Economia Feminista. Assim, da pequena produção acadêmica existente, apenas uma parte se converterá em artigos a serem classificados como científicos.

Dado que, de acordo com Melo e Oliveira (2006)MELO, H. P.; OLIVEIRA, A. B. A produção científica brasileira no feminino. Cadernos Pagu, Campinas, v. 27, p. 301-331, jul./dez. 2006., a trajetória acadêmica dos sexos é diferenciada, de tal modo que a inserção feminina no mundo científico e tecnológico exige um esforço específico, a dependência da difusão da corrente crítica com relação ao gênero do pesquisador também funciona como limitante à expansão da disciplina no país. Por isso, é importante que ela seja reconhecida por aqueles que, tradicionalmente, foram os sujeitos na Economia, validando as experiências diferenciadas pela ótica de homens e mulheres e traduzindo seu nome em termos das suposições originais do feminismo – ao não inverter a ordem de gênero, mas promover uma ação equitativa entre eles.

No formato que está, o principal efeito do jogo de oferta e demanda é o reforço à marginalização da discussão de gênero, limitando a extensão das ideias e o aprimoramento teórico da Economia Feminista no país, o que a tornaria mais adequada à configuração de forças e estruturas sociais que se tem internamente. Ainda assim, ao indicar uma dispersão nos limites estritos da Economia, a corrente crítica se revela como um campo de estudos inexplorado e fecundo que tem muito a contribuir com o debate econômico nacional.

A maior inserção da Economia Feminista no escopo da Ciência Econômica tradicional pode ir ao encontro, inclusive, de práticas pedagógicas feministas, especialmente porque grande parte da pesquisa acadêmica no Brasil está concentrada nas Universidades do país e é realizada por pesquisadores que são, ao mesmo tempo, parte de corpos docentes. De acordo com Aerni et al. (1999)AERNI, A. L.; BARTLETT, R. L.; LEWIS, M.; MCGOLDRICK, K. M.; SHACKELFORD, J. Toward a feminist pedagogy in economics. Feminist Economics, [s. l.], v. 5, n. 1, p. 29-44, 1999., isso permitiria uma formação mais inclusiva, que não apenas promova uma maior aproximação com as distintas configurações do agente econômico, mas também sirva para repensar os limites da própria disciplina, redefinindo-a dentro de seus marcos.

  • 1
    Sobre a participação feminina nos Departamentos de Economia, de acordo com dados no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2019, a representação de mulheres nos cursos de Ciências Econômicas presenciais do país é de 39,7%.
  • 2
    A formalização da Economia Feminista ocorre em 1992, com a criação da International Association for Feminist Economics (IAFFE), seguida do lançamento da revista Feminist Economics, em 1995. De acordo o Scopus, a primeira referência em artigos sobre o tema ocorre ainda em 1992, em uma resenha de Harry Postner sobre o livro If Women Counted: a new feminist economics, de Marilyn Waring, publicado na Review of Income and Wealth. Após pouco mais de uma década disso, outro marco acontece: a criação de um código JEL específico para a área (B54).
  • 3
    De acordo com a base de dados bibliográfica da Scopus, constam no Brasil cinco artigos que abordam a temática da Economia Feminista, sendo o primeiro deles o trabalho de Fernandez (2008)FERNANDEZ, B. P. M. A epistemologia de Hugh Lacey em diálogo com a economia feminista: neutralidade, objetividade e pluralismo. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 359-385, maio/ago. 2008., publicado na revista Estudos Feministas. Esse montante, entretanto, pode esconder esforços que tenham sido feitos no âmbito das discussões feministas na Economia, mas sem uma referência clara ao termo. Prova disso é que, ao pesquisar “economia de gênero”, nenhum resultado é obtido para o país, ainda que diversas tenham sido as contribuições teóricas e empíricas na área.
  • 4
    O trabalho de avaliação dos periódicos teve início em 2016, quando a Plataforma Sucupira ainda disponibilizava uma classificação anual para o Qualis. Naquele momento e até a fim da estruturação da base de dados, o Qualis 2014 era o mais recente, servindo como referência para a discussão aqui apresentada. Entretanto, a Plataforma Sucupira passou posteriormente por mudanças, eliminando a consolidação anual e substituindo-a pela divulgação de apenas duas classificações – o triênio 2010-2012 e o quadriênio 2013-2016. Neste processo, o Qualis 2014 ajuda a compor o Qualis do Quadriênio 2013-2016, mas não existe equivalência direta entre eles.
  • 5
    De acordo com Hollanda (2018)HOLLANDA, H. B. Explosão feminista: arte, cultura, política e universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018., o ano de 2015 serve de marco da quarta onda feminista no Brasil ao atingir diferentes setores da sociedade mediante as redes sociais (a ponto de ser chamada de “ativismo de sofá”). A partir delas, foram organizados o ato unificado “Fora Cunha”, a Primeira Marcha das Mulheres Negras e a quinta Marcha das Margaridas, nos quais se destacam as características desse novo momento: busca da horizontalidade, a recusa da formação de lideranças e a priorização do coletivo.
  • 6
    A visão de Mill (2006)MILL, J. S. A sujeição das mulheres. São Paulo: Escala, 2006., expressa n’ A sujeição das mulheres, pode ser interpretada como um pleito em defesa da justiça sexual, visando a igualdade legal, política e de acesso ao mercado de trabalho, não como uma análise do sistema econômico. No âmbito dos Princípios de Economia Política, constam apenas os efeitos da feminização da mão-de-obra, que promoveria queda do salário médio, ao que ele respondia não se manter no longo prazo pela provável redução da taxa de natalidade entre as mulheres trabalhadoras.
  • 7
    De acordo com Carrasco (2009, p. 183)CARRASCO, C. Mujeres, sostenibilidad y deuda social. Revista de Educación, p. 169-191, 2009. Número extraordinário., a sustentabilidade da vida “[…] representa un proceso histórico de reproducción social, un proceso complejo, dinámico y multidimensional de satisfacción de necesidades en continua adaptación de las identidades individuales y las relaciones sociales, un proceso que debe ser continuamente reconstruido, que requiere de recursos materiales pero también de contextos y relaciones de cuidado y afecto, proporcionados éstos en gran medida por el trabajo no remunerado realizado en los hogares”.
  • 8
    É possível encontrar um resumo da discussão da Economia Feminista latino-americana em Esquivel (2012)ESQUIVEL, V. (Ed.). La economía feminista desde América Latina: una hoja de ruta sobre los debates actuales en la región. Santo Domingo: ONU Mujeres, 2012.. Para saber mais sobre a contribuição individual ao debate das autoras relacionadas, os seguintes textos são recomendados: Rodríguez Enríquez (2007RODRÍGUEZ ENRÍQUEZ, C. Economía del cuidado, equidad de género y nuevo orden económico internacional. In: GIRON, A.; CORREA, E. (Ed.). Del Sur hacia el Norte: economía política del orden económico internacional emergente. Buenos Aires: CLACSO, 2007., 2011RODRÍGUEZ ENRÍQUEZ, C. Programas de transferencias condicionadas de ingreso e igualdad de género¿Por dónde anda América Latina? [S. l.]: Cepal, 2011., 2012RODRÍGUEZ ENRÍQUEZ, C. La cuestión del cuidado: ¿El eslabón perdido del análisis económico? Revista Cepal, v. 106, p. 23-36, 2012., 2015RODRÍGUEZ ENRÍQUEZ, C. Economía feminista y economía del cuidado: aportes conceptuales para el estudio de la desigualdad. Nueva Sociedad, n. 256, mar./abr. 2015.), Esquivel (2017ESQUIVEL, V. The rights-based approach to care policies: Latin American experience. International Social Security Review, Hoboken, v. 70, n. 4, p. 87-103, 2017., 2018)ESQUIVEL, V. Care policies in the South. In: SHAVER, S. (Ed.). Handbook on gender and social policy. Cheltenham: Edward Elgar Publishing Limited, 2018., Esquivel et al. (2008)ESQUIVEL, V.; BUDLENDER, D.; FOLBRE, N.; HIRWAY, I. Explorations: time-use surveys in the south. Feminist Economics, [s. l.], v. 14, n. 3, p. 107-152, 2008., Gago (2020)GAGO, V.; CAVALLERO, L. Una lectura feminista de la deuda. Buenos Aires: Tinta Limón, 2020., Espino (2005ESPINO, A. Un marco de análisis para el fomento de las políticas de desarrollo productivo con enfoque de género. [S. l.]: Cepal, 2005. (Serie Mujer y Desarrollo)., 2011ESPINO, A. Trabajo y género: un viejo tema, ¿nuevas miradas? Nueva Sociedad, Caracas, v. 232, p. 86-102, mar./abr. 2011., 2017)ESPINO, A. Subjective definitions of work: the use of discussion groups to measure subjective dimensions of women’s economic empowerment in Uruguay. In: MARTINEZ-RESTREPO, S.; RAMOS-JAIMES, L. (Ed.). Measuring women’s economic empowerment: critical lessons from South America. Bogotá: La Imprenta Editores S.A., 2017., Espino e Azar (2009)ESPINO, A.; AZAR, P. Changes in economic policy regimes in Uruguay from a gender perspective, 1930-2000. In: BERIK, G.; RODGERS, Y. M.; ZAMMIT, A. (Ed.). Social justice and gender equality: rethinking development strategies and macroeconomic policies. New York: Routledge, 2009., Melo e Castilho (2009)MELO, H. P.; CASTILHO, M. Trabalho reprodutivo no Brasil: quem faz? Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 13, n. 1, p. 135-158, jan./abr. 2009., Melo, Considera e Di Sabbato (2007)MELO, H. P.; CONSIDERA, C. M.; DI SABBATO, A. Os afazeres domésticos contam? Economia e Sociedade, Campinas, v. 16, n. 3(31), p. 435-454, dez. 2007., Melo e Oliveira (2009)MELO, H. P.; OLIVEIRA, A. B. Mercado de trabalho e a Previdência Social – um olhar feminista. Econômica, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 79-110, dez. 2009. e Melo e Morandi (2021)MELO, H. P.; MORANDI, L. Mensurar o trabalho não-pago no Brasil: uma proposta metodológica. Economia e Sociedade, Campinas, v. 30, n. 1(71), p. 187-210, jan./abr. 2021..
  • 9
    A teoria queer compartilha alguns aspectos relacionados aos estudos de gênero, mas os critica a partir da percepção de que eles reforçam a heteronormatividade. Articulados com o pós-estruturalismo, questionam a ontologia do sujeito, avançando ainda mais no sentido de aproximar a sexualidade de uma construção social. Esses conceitos têm como principal referência o trabalho de Butler (1998BUTLER, J. Fundamentos contingentes: o feminismo e a questão do “pós-modernismo”. Cadernos Pagu, Campinas, v. 11, p. 11-42, 1998., 2016)BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016..
  • 10
    A tabela completa do comparativo entre as capacitações listadas pode ser encontrada em Robeyns (2003, p. 74)ROBEYNS, I. Sen’s capability approach and gender inequality: selecting relevant capabilities. Feminist Economics, [s. l.], v. 9, n. 2-3, p. 61-92, 2003..
  • 11
    No caso das revistas multidisciplinares que discriminam os artigos por áreas, consideram-se apenas aqueles classificados em Economia.
  • 12
    É importante recordar, como já explicitado na introdução do texto, que o presente trabalho utiliza o Qualis 2014, que ajuda a compor o Qualis do Quadriênio 2013-2016, mas sem uma equivalência direta entre os mesmos. Assim, por exemplo, as revistas Gênero (UFF) e Estudos Feministas (UFSC), que não estão no Qualis 2014, fazem parte do Qualis do Quadriênio 2013-2016, tendo avaliações B5 e B2, respectivamente. Ainda que elas não sejam listadas nessa análise, por não serem consideradas para a área de Economia no Qualis 2014, faz-se necessário destacar que já publicaram diversos artigos voltados à Economia Feminista. Estes são os casos, por exemplo, de Soares (2008)SOARES, C. A distribuição do tempo dedicado aos afazeres domésticos entre homens e mulheres no âmbito da família. Gênero, Niterói, v. 9, n. 1, p. 9-29, 2008., Teixeira (2008)TEIXEIRA, M. O. Desigualdades salariais entre homens e mulheres a partir de uma abordagem de economistas feministas. Gênero, Niterói, v. 9, n. 1, p. 31-45, 2008., Passos (2015)PASSOS, L. Conciliação entre trabalho e família e individualização das mulheres brasileiras. Gênero, Niterói, v. 16, n. 1, p. 17-132, 2015., Castilho, Melo e Di Sabbatto (2015)CASTILHO, M.; MELO, H. P.; DI SABBATTO, A. Trabalho produtivo e reprodutivo na vida das operárias manauaras. Gênero, Niterói, v. 16, n. 1, p. 133-153, 2015., Aquilini (2016)AQUILINI, G. O trabalho não remunerado e as mulheres. Gênero, Niterói, v. 16, n. 2, p. 149-171, 2016., Fernandez (2008)FERNANDEZ, B. P. M. A epistemologia de Hugh Lacey em diálogo com a economia feminista: neutralidade, objetividade e pluralismo. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 2, p. 359-385, maio/ago. 2008. e Madalozzo, Martins e Shiratori (2010)MADALOZZO, R.; MARTINS, S. R.; SHIRATORI, L. Participação no mercado de trabalho e no trabalho doméstico: homens e mulheres têm condições iguais? Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 2, p. 547-566, maio/ago. 2010..
  • 13
    Embora constem nas tabelas, os artigos publicados em Edições Especiais (EE) não são contabilizados nos recortes. Essa opção visa minimizar possíveis distorções como resultado de um privilégio a publicações de um determinado assunto em um único número, o que faria a média geral de inserção da temática de gênero no periódico se ampliar acentuadamente, ainda que esta fosse em decorrência de somente uma edição.
  • 14
    A representatividade é avaliada em termos da razão do número de artigos que obedecem ao quesito específico em relação ao número total de artigos da revista.
  • 15
    Os estudos são: “Marxismo, feminismo e o enfoque de gênero”, de Clara Araújo; “Quem tem medo dos esquemas patriarcais de pensamento?”, de Heleieth Saffioti; “Feminismo, gênero e revolução”, de Lelila Oliveira Benoit; “Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças”, de Maria Lygia Quartim de Moraes; e “Marxismo, feminismos e feminismo marxista – mais que um gênero em tempos liberais”, de Mary Garcia Castro.
  • 16
    Entre os economistas, os centros de destaque foram o Ipea e a Universidade Federal Fluminense (UFF).
  • 17
    Soma-se ao Ipea as seguintes universidades, por ordem de participações: UFMG, UFPEL, USP, FGV-SP, PUC-MG, UFF, UFRGS, UFRJ e UFV.
  • 18
    A consulta parametrizada realizada nos diretórios do CNPq foi baseada na presença das questões de gênero no nome dos grupos de pesquisa, nas linhas de pesquisa, nas palavras-chave das linhas de pesquisa e nos objetivos das mesmas.
  • JEL: B54.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2020
  • Aceito
    13 Ago 2023
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