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Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana * * Resenha de: Oreiro, José Luis da Costa . Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana. Rio de Janeiro: LTC, 2016. 216p.

Resenha de: Oreiro, José Luis da Costa. . Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana. Rio de Janeiro: LTC, 2016. 216p.

No prefácio de sua principal obra, a Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda (TG), Keynes afirmou que “A verdadeira dificuldade não está em aceitar ideias novas, mas escapar das antigas”1 1 “The difficulty lies, not in the new ideas, but in escaping from the old ones, which ramify, for those brought up as most of us have been, into every corner of our minds” (citação encontrada no prefácio da TG de Keynes). . Essa citação reflete, em grande parte, o que encontramos em ‘Macroeconomia do Desenvolvimento: Uma perspectiva keynesiana”. De autoria de José Luis da Costa Oreiro, o livro objeto dessa resenha traz ideias novas e busca fugir de antigas amarras.

Por um lado, encontramos de maneira didática e concisa os principais modelos da macroeconomia do desenvolvimento, com destaque para a originalidade da abordagem proposta pelo autor, realizada a partir da perspectiva keynesiana. Por outro, dado o marco teórico utilizado, a análise também dialoga com “antigas ideias”, por exemplo, ao rejeitar as teses (neo) clássicas do crescimento e ao aceitar o princípio da demanda efetiva de Keynes, ao mesmo tempo em que busca escapar desse arraigado debate ao articular de maneira criativa novas interpretações que conectam aspectos da já bem estabelecida macroeconomia keynesiana de curto prazo com os modelos de crescimento de mesma orientação teórica.

Portanto, é possível afirmar que a análise teórica é apresentada com elevado grau de profundidade, fruto de um longo e exitoso processo de reflexão e aprendizado do autor. A análise também é essencialmente atual, prática e objetiva. Assim, em tempos de crise econômica (e política), é sempre interessante contar com discussões e reflexões inovadoras bem fundamentadas, especialmente sobre o tema em análise, pois isso amplia a capacidade de compreensão da realidade e permite o delineamento de opções de políticas econômicas que podem promover a retomada do crescimento do produto.

Nesse contexto, o livro (organizado em três partes, conforme discutido a seguir) é essencial para todos aqueles que buscam compreender as distintas dimensões do processo de desenvolvimento econômico dentro da perspectiva keynesiana, especialmente das economias em processos de industrialização. Em especial, é leitura obrigatória para estudiosos que buscam novas alternativas de crescimento para países como o Brasil, a partir da estabilidade macroeconômica, da convergência tecnológica e da diversificação produtiva.

1 Desenvolvimento desigual: fatos a serem explicados e abordagens alternativas

Essa primeira parte do livro é formada por dois capítulos, em que se discute a principal questão a ser explicada pelos modelos de crescimento, a metodologia utilizada e as hipóteses adotadas.

O capítulo 1 inicia definindo desenvolvimento como um processo mediante o qual a acumulação e a incorporação sistemática de progresso técnico permitem o aumento persistente da produtividade do trabalho e do nível de vida da população. Em seguida, destaca-se que a questão pertinente a ser explicada é o desenvolvimento econômico desigual entre os países ao longo dos últimos 200 anos.

Segundo o autor, os modelos de crescimento tradicionais inspirado na tradição keynesiana são incapazes de explicar esse fenômeno. Isso porque, a extensão do princípio da demanda efetiva para o longo prazo, ou seja, para um contexto no qual o estoque de capital, a população e as técnicas de produção mudam de forma contínua ao longo do tempo, feitas pelos autores da denominada escola pós-keynesiana ou da escola de Cambridge, foram originalmente pensadas para explicar o crescimento de economias desenvolvidas ou industrializadas. Contudo, o foco nessas economias e a ausência nas análises de uma preocupação maior com as assimetrias tecnológicas mostraram-se incapazes de explicar o desenvolvimento desigual. Somente recentemente, com a evolução dessa literatura foi possível incorporar as assimetrias na tecnologia e na estrutura produtiva nesses modelos e, assim, tratar satisfatoriamente dessa questão.

Com base na análise de dados, o autor mostra que o desenvolvimento econômico ocorrido nos últimos 200 anos foi extremamente desigual, ou seja, diferentes grupos de países experimentaram diferenças grandes e sistemáticas nas taxas de crescimento da produtividade do trabalho e da renda per capita. Justificam-se essas diferenças com base na existência de assimetrias tecnológicas, ou seja, alguns países encontram-se na fronteira tecnológica enquanto outros não e, também, com base na existência de assimetrias no processo de industrialização dos países. Essas últimas justificam a existência de assimetrias na estrutura produtiva, fazendo com que alguns países possuam uma economia especializada na produção e exportação de produtos primários, ao mesmo tempo em que outros possuem uma economia bastante diversificada, sendo capazes de produzir e exportar uma variedade de produtos manufaturados com elevado grau de intensidade tecnológica. Assim, ao longo do livro, o desenvolvimento desigual será o resultado da existência de assimetrias tecnológicas, para o caso das economias maduras, e da existência de assimetrias na estrutura produtiva, nos casos das economias em processo de industrialização.

Em termos metodológicos, opta-se pela análise das trajetórias de crescimento balanceado, isto é, admite-se como condição suficiente que as variáveis econômicas de crescimento estão crescendo a mesma taxa. Ademais2 2 Segundo o autor, apenas as trajetórias sustentáveis de crescimento são duradouras o suficiente para afetar de forma permanente o bem-estar da população. Não obstante, essa não é a única forma possível de tratamento. , a análise elaborada leva em consideração dois grupos de economias: economias maduras (caracterizadas por estarem na fronteira tecnológica ou próximas a ela) e economias em processo de industrialização (caracterizadas pela existência de assimetrias na estrutura produtiva). A diferença fundamental para essas economias é que, enquanto que para o primeiro grupo o crescimento encontra um limite superior no longo prazo dado pela assim chamada taxa natural de crescimento (a qual consiste na soma entre a taxa de crescimento da produtividade e da força de trabalho), para o segundo a taxa de crescimento do produto não é restrita pela disponibilidade de mão de obra, mas pelo balanço de pagamentos (restrição externa).

Em termos de regime de crescimento, a caracterização anterior pressupõe para o primeiro conjunto de economias a existência de uma relação positiva entre a taxa natural de crescimento e a participação dos lucros (e do capital) na renda (riqueza nacional), definindo um regime de crescimento profit led. Para o segundo conjunto de economias, o crescimento de longo prazo será puxado pelas exportações.

A seguir, ainda nesta parte inicial, o autor discute a estrutura subsequente do livro. Na parte 2 será apresentada uma análise do crescimento das economias acima referidas a partir da apresentação dos principais modelos de crescimento de inspiração keynesiana, classificados em três grandes grupos: (i) modelos Kaldor-Pasinetti (cap. 3); (ii) modelos Kaldor-Thirwall (cap. 4) e (iii) modelos kaleckianos (cap. 5). Em (i) a oferta de trabalho é inelástica (economias maduras) enquanto que em (ii) e (iii) a oferta de trabalho é ilimitada (economias em processo de industrialização). Ademais, (i) e (ii) compartilham a hipótese de que as firmas operam continuamente com um nível de utilização da capacidade produtiva igual ao desejado3 3 Com essa hipótese, variações de demanda agregada dão origem a mudanças na distribuição funcional da renda em economias maduras e mudanças na taxa de crescimento do produto em economias em processo de industrialização. . Já para os modelos kaleckianos as empresas operam com subutilização de capacidade produtiva, ou seja, a capacidade excedente não planejada é maior do que zero. O quadro a seguir resume a tipologia dos modelos de crescimento.

Economias Maduras Economias em Processo de Industrialização Capacidade excedente não planejada igual a zero. Modelos Kaldor-Pasinetti (Capítulo três) Modelos Kaldor-Thirwall (Capítulo quatro) Capacidade excedente não planejada maior do que zero Modelos Kaleckianos4 (Capítulo cinco)

Já na terceira parte do livro incorpora-se a ideia de que a condução da política macroeconômica influencia o ritmo do desenvolvimento econômico. Discute-se, então, a macroeconomia do desenvolvimento, que tem por objetivo analisar o impacto da condução da política macroeconômica e, mais especificamente, do regime de política macroeconômica sobre a trajetória de crescimento de longo prazo das economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Nesse contexto, argumenta-se que o único regime de crescimento sustentável de longo prazo para as economias em desenvolvimento é o export led (capítulos 6 e 7).

Para finalizar essa discussão o autor mostra no capítulo 2 que também os modelos de crescimento neoclássicos não conseguem explicar de maneira satisfatória os diferentes níveis e taxas de crescimento da renda per capita observadas entre os países. São revisitados os principais modelos tradicionais de crescimento, como o modelo de Solow (1956, 1957), o modelo de Mankiw, Romer e Weill (1992) e o modelo de crescimento endógeno de Romer (1990).

2 Modelos de crescimento de inspiração keynesiana

No capítulo 3, o autor analisa os determinantes do crescimento de uma economia madura, onde toda a força de trabalho disponível no setor tradicional ou de subsistência já foi transferida para o setor industrial moderno. No longo prazo, o ritmo de crescimento da oferta de trabalho estará determinado pelo ritmo de crescimento da população.

Nesse contexto, a taxa de crescimento potencial da economia (taxa natural de crescimento) será determinada pela soma entre a taxa de crescimento da força de trabalho e a taxa de crescimento da produtividade do trabalho. Essa última, na medida em que o progresso técnico é, em grande parte, incorporado em novas máquinas e equipamentos, será determinado pela taxa de crescimento do estoque de capital por trabalhador. Evidencia-se, assim, a endogenização do progresso técnico.

Como uma economia madura não necessariamente opera na fronteira tecnológica, a opção assumida é que a função de progresso técnico leva em conta os efeitos que o hiato tecnológico tem sobre a taxa de crescimento da produtividade. Assim, a partir da função do progresso técnico assumida, chega-se à conclusão de que a taxa de crescimento da produtividade do trabalho depende da taxa de crescimento do estoque de capital, da taxa de crescimento da força de trabalho e (de forma não linear) do hiato tecnológico. Portanto, a taxa natural de crescimento pode ser especificada como dependente da taxa de crescimento da força de trabalho e do hiato tecnológico.

Posteriormente, adiciona-se o lado da demanda agregada a partir da condição de equilíbrio macroeconômico de que a poupança deve ser igual ao investimento. Definem-se diferentes funções poupanças de acordo com as especificações teóricas de diferentes modelos keynesianos (harrodiano, kaldoriano e pasinettiano).

Independentemente da função poupança especificada, três resultados emergem: primeiro, a existência de níveis diferenciados de hiato tecnológico entre os países fará com que os mesmos apresentem diferentes valores para a taxa natural de crescimento do produto real e, dado o crescimento da população, para a taxa de crescimento do produto e da renda per capita. Segundo, ao longo da trajetória de crescimento balanceado, a distribuição funcional da renda entre salários e lucros deve permanecer constante5 5 A distribuição de renda entre salários e lucros deve desempenhar o papel de variável de ajuste entre a taxa natural de crescimento e a taxa de crescimento compatível com o equilíbrio macroeconômico entre poupança e investimento (taxa garantida de crescimento). . Como tanto a distribuição funcional da renda como a repartição do estoque de capital entre trabalhadores e capitalistas dependem da taxa natural de crescimento, condicionada, por sua vez, pelo hiato tecnológico, o resultado que emerge é que níveis diferentes de hiato tecnológico serão compatíveis com valores diferentes para a distribuição de renda e de riqueza ao longo da trajetória de crescimento equilibrado. Terceiro, o regime de acumulação é profit led.

Nos capítulos que se seguem, o autor trabalha com economias que possuem oferta ilimitada de mão de obra. Nesse caso, a restrição fundamental ao crescimento econômico no longo prazo se encontra no lado da demanda agregada6 6 Admite-se a endogeneidade de longo prazo da disponibilidade dos fatores de produção. . Assim, tanto o investimento como o progresso técnico se adaptam, sob certas condições, ao ritmo de expansão da demanda agregada.

No capítulo 4 o autor argumenta que para uma pequena economia aberta que não dispõe de moeda conversível, o crescimento de longo prazo será puxado pelas exportações. Assim, as diferenças observadas nas taxas de crescimento do produto e da renda per capita entre os países refletem o dinamismo do seu setor exportador. Esse dinamismo, por sua vez, depende de dois fatores fundamentais: o nível de especialização produtiva da economia (quanto mais diversificado, melhor) e o conteúdo tecnológico das exportações. Quanto menor o hiato tecnológico, maior o conteúdo tecnológico das exportações e maior a elasticidade renda da demanda por exportações.

Nesse capítulo, o autor foca apenas nas diferenças no dinamismo exportador que decorrem das assimetrias existentes na estrutura produtiva dos diferentes países. Mantendo a hipótese de que o grau de utilização da capacidade produtiva é igual ao normal, segue-se que a existência de uma trajetória de crescimento balanceado exige que a distribuição funcional da renda seja suficientemente flexível para permitir que a poupança agregada se ajuste ao investimento que é requerido para sustentar o crescimento do produto. Novamente, o regime de crescimento prevalecente nestas economias será eminentemente profit led, uma vez que a participação dos lucros na renda e a taxa de crescimento do estoque de capital são positivamente correlacionados ao longo da trajetória de crescimento em estado estável.

O autor apresenta os argumentos que fundamentam a hipótese de endogeneidade de longo prazo da disponibilidade dos “fatores de produção”, mostrando que o conceito de “produto potencial” da economia ortodoxa é essencialmente de curto prazo. No longo prazo, o determinante último da produção é a demanda agregada, sendo que na presença desta as firmas vão responder por intermédio de um aumento de produção e da capacidade, desde que respeitadas as seguintes condições: i) a margem de lucro seja suficientemente alta; e, ii) a taxa realizada de lucro seja maior do que o custo do capital.

Ao resgatar os modelos Dixon-Thirwall (1975) e Thirlwall (1979) o autor mostra que, respectivamente, a condição necessária é suficiente para que aconteça o processo de catching-up ou a compatibilidade com o processo de convergência (divergência) da renda per capita entre os países depende do grau de especialização da estrutura produtiva e da intensidade tecnológica das exportações. Ademais, ao considerar a extensão das economias dinâmicas de escala, mostra-se que a taxa de crescimento de longo prazo é uma função direta da participação da indústria no PIB.

A capacidade produtiva também é uma restrição ao crescimento de longo prazo. Portanto, é necessário trabalhar com a taxa garantida de crescimento, ou seja, aquela que assegura que a demanda agregada e a capacidade produtiva irão crescer a mesma taxa de forma a manter a utilização da capacidade produtiva no seu nível normal de longo prazo.

A condição que permite derivar uma taxa de equilíbrio a partir das duas restrições (de capacidade e de equilíbrio no balanço de pagamentos) é a de que a propensão a poupar seja flexível. A resolução do modelo mostra um regime de acumulação profit led e que as exportações são o motor do crescimento da economia no longo prazo. Dentro desse arcabouço, mostra-se ainda a importância de uma maior participação da indústria no PIB e o papel positivo da manutenção de uma taxa real de câmbio favorável (desvalorizada) no processo de desenvolvimento econômico.

Em termos formais, o autor admite que as elasticidades-renda das exportações e das importações dependem da taxa de câmbio; mais precisamente, da relação entre o valor corrente da taxa de câmbio e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial. Esta última é aquela taxa que permite que as empresas domésticas que operam com tecnologia no estado da arte mundial consigam competir no mercado nacional e internacional. Com um câmbio valorizado, ocorre um processo de desisdustrialização e reprimarização da pauta de exportações, o que atua no sentido de tornar a restrição externa mais ativa.

Por fim, o autor apresenta um modelo keynesiano-estruturalista que sintetiza a discussão feita ao longo do capítulo. O modelo é composto por duas equações: uma restrição externa, que considera a endogeneidade das elasticidades renda do comércio exterior em relação à taxa de câmbio; e uma restrição dada pela taxa garantida de crescimento, derivada do modelo de crescimento do Harrod. Nesse caso, considera-se que a distribuição de renda e a taxa de lucro dependem do câmbio real e, portanto, uma desvalorização cambial ao estimular os empresários a investirem mais faz com que a taxa de crescimento da capacidade produtiva se acelere. Em outras palavras, a restrição de capacidade produtiva também pode ser “relaxada” por intermédios de variações apropriadas da taxa real de câmbio.

De acordo com o modelo apresentado, a restrição ao crescimento de longo prazo não se origina nem da restrição externa e nem da restrição de capacidade, mas da tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio que tem sua origem na doença holandesa. Portanto, o modelo prevê que os países ricos em recursos naturais que não conseguirem neutralizar a sobrevalorização cambial decorrente da doença holandesa deverão crescer menos do que aqueles países que assim o fizerem.

No capítulo 5 o autor verifica as implicações para o crescimento de longo prazo da utilização da capacidade de produção num patamar inferior ao máximo ou “normal”. O equilíbrio macroeconômico será obtido no curto prazo por intermédio de variações do grau de utilização da capacidade produtiva. Contudo, considerando a trajetória de crescimento balanceado, não podem existir divergências entre o grau normal e o grau efetivo de utilização da capacidade. Sendo assim, a economia poderá apresentar duas posições de equilíbrio de longo prazo: com baixa (alta) utilização da capacidade produtiva e alta (baixa) participação dos lucros na renda. Isso implica que o paradoxo da parcimônia nos modelos kaleckianos só é válido para o caso em que a economia está operando no “equilíbrio baixo”.

Portanto, demonstra-se que o modelo kaleckiano canônico é compatível com a existência de diferenças persistentes no nível do hiato tecnológico entre os países; mas ao tratar a fonte do crescimento de longo prazo como exógena ao sistema, esse tipo de modelo não se mostra capaz de explicar a existência de divergências nas taxas de crescimento da renda per capita, haja vista que a fonte do crescimento é tida como exógena (investimento autônomo).

Na trajetória de crescimento balanceado, a distribuição de renda entre salários e lucros não tem nenhum impacto sobre o ritmo de acumulação de capital, embora possa influenciar o nível (normal) de utilização da capacidade produtiva. A depender da especificação da função investimento é possível definir a existência de dois regimes de acumulação: wage led ou profit led.

3 Macroeconomia do desenvolvimento

O capítulo 6 apresenta a relação existente entre o regime de política macroeconômica e o crescimento de longo prazo, que é determinado pela taxa de crescimento das exportações. Esse crescimento exige a implantação de um regime de política macroeconômica consistente e sustentável, ou seja, capaz de conciliar a obtenção de uma taxa de inflação relativamente baixa e estável, com uma taxa real de câmbio competitiva e estável ao longo do tempo, uma taxa de juros significativamente inferior à taxa de retorno do capital, um déficit público ciclicamente ajustado próximo de zero, e um crescimento dos salários reais, aproximadamente, na mesma taxa que o ritmo de crescimento da produtividade do trabalho. Esse regime é um dos pilares do “novo desenvolvimentismo”

A expansão acelerada da demanda agregada num contexto de juros reais baixos e estáveis induz os empresários a realizarem grandes investimentos na ampliação e modernização da capacidade produtiva, permitindo que a oferta agregada se ajuste ao ritmo de expansão da demanda agregada.

Convém ressaltar que é a demanda autônoma que determina a taxa de crescimento de longo prazo. Essa, por sua vez, pode ser afetada temporariamente por variações na distribuição funcional da renda. Contudo, para o caso de economias em desenvolvimento, um regime de crescimento wage led é político e economicamente insustentável.

Um regime de política macroeconômica é dito ideal quando atende duas condições fundamentais, quais sejam: (a) consistência entre as metas operacionais das diversas políticas macroeconômicas e (b) sustentabilidade do padrão de crescimento econômico de longo prazo.

A obtenção dessas metas operacionais requer não só o adequado manejo dos instrumentos de política econômica, como também a formatação de um arcabouço institucional propício. No que se refere à política monetária, ela deve ser conduzida de forma discricionária com o objetivo de manter uma taxa de inflação estável a médio e longo prazo e uma taxa de crescimento sustentável para o produto real. A autoridade monetária deverá utilizar não apenas a taxa básica de juros como também instrumentos de natureza regulatória ou prudencial como os depósitos compulsórios, os controles de capitais e os requerimentos de capital próprio sobre os ativos mantidos pelos bancos comerciais. Já a política fiscal deve ter seu papel limitado à estabilização do nível de atividade econômica, minimizando as flutuações da taxa de crescimento do produto real em torno do patamar sustentável de longo prazo. Por sua vez, a política salarial deve ser compatível com a estabilidade da distribuição funcional da renda no longo prazo e com a estabilidade da taxa de inflação, enquanto que a política cambial deve gerar uma taxa de câmbio competitiva a médio e longo prazo. Essa política deve ser executada pela autoridade monetária com base na utilização de instrumentos de natureza regulatória, entre os quais se destacam os controles de capitais.

O capítulo 7 aprofunda a discussão sobre a relação entre a política macroeconômica e o crescimento de longo prazo por intermédio de um modelo de crescimento puxado pelas exportações com o objetivo de discutir os efeitos de mudanças na operação da política monetária, no grau de abertura da conta de capitais e da taxa de crescimento das exportações sobre a trajetória temporal de crescimento do produto, da taxa nominal de juros e da taxa de inflação. Entre os resultados alcançados da extensão do modelo kaldoriano de causalidade cumulativa apresentado é que a meta de inflação de longo prazo deve ser ajustável com base nas condições prevalecentes na economia mundial. Ademais, a simulação computacional do modelo mostra que a forma de condução da política monetária e o regime de abertura da conta de capitais são fatores pouco relevantes na determinação da taxa de crescimento, embora possam ser fatores relevantes na determinação da amplitude das flutuações da taxa de crescimento do produto real no curto prazo.

No modelo que leva em conta o impacto que variações do nível da taxa real de câmbio têm sobre o grau de especialização produtiva da economia é possível observar que se as autoridades monetárias fixarem uma meta de inflação muito baixa, a apreciação resultante da taxa real de câmbio pode resultar em uma redução da taxa de crescimento de longo prazo do produto real. Em outras palavras, observa-se a possibilidade lógica de que metas de inflação muito ambiciosas sejam contraproducentes ao crescimento de longo prazo, embora o inverso não seja verdadeiro.

O capítulo 8 analisa criticamente a evolução do regime de política macroeconômica vigente no Brasil ao longo dos últimos 15 anos. Argumenta-se que no período houve um progressivo abandono do “tripé macroeconômico” e sua substituição pelo “desenvolvimentismo inconsistente” seguido pela “nova matriz macroeconômica”. Os dois últimos regimes são inconsistentes e insustentáveis no longo prazo. Existe um dilema nesses regimes entre estabilidade/competitividade da taxa real de câmbio e a estabilidade da taxa de inflação, no sentido que é impossível alcançar simultaneamente essas duas metas no longo prazo.

Segundo o autor, no período entre 1999-2008 o regime de política macroeconômica prevalecente no Brasil era baseado no assim chamado “tripé macroeconômico”. O fundamento teórico desse arcabouço é o “novo consenso macroeconômico”, onde o objetivo da política monetária é o controle da taxa inflação. O quadro a seguir sintetiza as principais características desse regime.

Tipo de política Objetivos Metas operacionais Instrumentos Política Monetária Estabilidade da taxa de inflação de curto prazo; Inflação baixa a longo prazo Metas declinantes de Inflação Taxa de juros de curto prazo Política Fiscal Dívida Pública como proporção do PIB baixa e estável no médio e longo prazo Meta de superávit primário Redução do investimento público Política Cambial Autonomia da política monetária Nenhuma Livre flutuação da Taxa nominal de Câmbio

O resultado durante a vigência desse regime foi desapontador, uma vez que a taxa de crescimento do PIB se reduziu. Essa redução se explica principalmente pela contração da taxa de investimento e pela manutenção de uma elevada taxa real de juros.

O regime de política macroeconômica começa a mudar em 2006. Inicia-se, assim, uma “flexibilização” do tripé macroeconômico por intermédio da redução do superávit primário como proporção do PIB, eliminação da sistemática de “metas declinantes de inflação” e acumulo expressivo de reservas internacionais por parte do Banco Central. O quadro a seguir sintetiza os componentes do “tripé flexibilizado”.

Tipo de política Objetivos Metas operacionais Instrumentos Política Monetária Estabilidade da taxa de inflação tanto no curto como no longo prazo Metas constantes de Inflação Taxa de juros de curto prazo Política Fiscal Dívida Pública como proporção do PIB estável no médio e longo prazo; Aumento do investimento público Redução da meta de superávit primário Aumento da carga tributária; Aumento das despesas primárias como proporção do PIB; Estabilidade do superávit primário como proporção do PIB Política Salarial Elevação do salário real Não definida Reajuste do salário mínimo pela inflação de t-1 e pelo crescimento do PIB real de t-2 Política Cambial Autonomia da política monetária; Estabilidade da taxa real de câmbio Nenhuma Compra de reservas internacionais em larga escala

Em termos de desempenho, esse regime não foi capaz de conter a tendência à apreciação da taxa real de câmbio o que, somado a aceleração do crescimento, resultou numa forte deterioração do saldo em conta corrente do Balanço de Pagamentos. Nesse caso, apesar de a taxa de câmbio ter um papel importante para a redução da inflação do período, verifica- se a incompatibilidade entre os objetivos da política econômica. Ou seja, o controle da taxa de inflação e a estabilidade da taxa real de câmbio mostraram-se inconsistentes entre si, levando os formuladores de política econômica a sacrificar o objetivo da estabilidade da taxa real de câmbio em prol da aceleração do crescimento e do controle da taxa de inflação.

Segundo o autor, essa inconsistência entre os objetivos do regime de política macroeconômica decorre, em parte, da falta de coordenação entre as políticas. Por exemplo, a política de valorização do salário mínimo atuou no sentido de produzir pressões inflacionárias do lado dos custos de produção, dificultando assim a tarefa de controle da inflação por parte da política monetária.

No período entre 2008-2011 estabeleceu-se a base de um novo regime de política macroeconômica no Brasil: o novo desenvolvimentismo. Nesse regime o crescimento econômico é “puxado” pelas exportações e sustentado pelo investimento privado e público na expansão da capacidade produtiva e na infraestrutura básica. O déficit público não desempenha papel relevante na indução e/ou sustentação do crescimento e a estabilidade da distribuição funcional da renda (política de moderação salarial) assegura que os gastos em consumo irão crescer a um ritmo aproximadamente igual ao PIB real no médio e longo prazo, garantindo assim a sustentação do ritmo de crescimento pelo lado da demanda doméstica.

Segundo o autor, apesar da retórica oficial do governo, o regime de política macroeconômica adotada pós-2008 tem muito pouco a ver como o “modelo desenvolvimentista”. A análise apresentada mostra que as políticas adotadas no período foram em grande parte contraditórias. Isso leva o autor a classificar o regime pós-2008 como “desenvolvimentismo inconsistente”. O quadro a seguir mostra os componentes desse regime.

Tipo de política Objetivos Metas operacionais Instrumentos Política Monetária Estabilidade da taxa de inflação no longo prazo; Crescimento robusto (sustentável?) do produto real Metas constantes de Inflação, mas com alongamento do prazo de convergência Taxa de juros de curto prazo; Medidas macroprudenciais. Política Fiscal Dívida Pública como proporção do PIB estável no médio e longo prazo; Aumento do investimento público; Aumento da demanda agregada doméstica Meta de superávit primário em torno de 3% do PIB. Aumento da carga tributária; Aumento das despesas primárias como proporção do PIB; Estabilidade do superávit primário como proporção do PIB. Política Salarial Elevação do salário real; Aumento da participação dos salários na renda nacional Não definida Reajuste do salário mínimo pela inflação de t-1 e pelo crescimento do PIB real de t-2 Política Cambial Autonomia da política monetária; Estabilidade da taxa real de câmbio Nenhuma Compra de reservas internacionais em larga escala; Controle à entrada de capitais.

Pode-se constatar que o novo regime de política macroeconômica tem por objetivos manter a estabilidade da taxa real de câmbio, aumentar a participação dos salários na renda nacional, garantir a estabilidade da taxa de inflação no longo prazo, induzir um crescimento robusto do produto real e viabilizar um forte aumento da demanda agregada doméstica por intermédio de um crescimento acelerado dos gastos primários. O autor então explica porque esses objetivos não podem ser obtidos simultaneamente.

O autor finaliza o capítulo discutindo a “nova matriz macroeconômica” (adotada final de 2012). Essa seria caracterizada pela combinação de juros baixos, câmbio competitivo e política fiscal “amigável” ao investimento público. Contudo, conforme a análise apresentada, as expectativas em relação a essa nova matriz não se realizaram e tampouco ela foi capaz de sustentar a combinação acima referida.

Conclui-se esta resenha destacando que o livro ressalta a existência de uma agenda alternativa de crescimento econômico possível e bem definida para as economias em desenvolvimento, como o Brasil, que se contrapõe ao discurso de que “não há alternativa”.

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    Resenha de: Oreiro, José Luis da Costa . Macroeconomia do desenvolvimento: uma perspectiva keynesiana. Rio de Janeiro: LTC, 2016. 216p.
  • 1
    The difficulty lies, not in the new ideas, but in escaping from the old ones, which ramify, for those brought up as most of us have been, into every corner of our minds” (citação encontrada no prefácio da TG de Keynes).
  • 2
    Segundo o autor, apenas as trajetórias sustentáveis de crescimento são duradouras o suficiente para afetar de forma permanente o bem-estar da população. Não obstante, essa não é a única forma possível de tratamento.
  • 3
    Com essa hipótese, variações de demanda agregada dão origem a mudanças na distribuição funcional da renda em economias maduras e mudanças na taxa de crescimento do produto em economias em processo de industrialização.
  • 4
    Conforme destacado pelo autor, esses modelos podem ser igualmente aplicados para economias em processo de industrialização.
  • 5
    A distribuição de renda entre salários e lucros deve desempenhar o papel de variável de ajuste entre a taxa natural de crescimento e a taxa de crescimento compatível com o equilíbrio macroeconômico entre poupança e investimento (taxa garantida de crescimento).
  • 6
    Admite-se a endogeneidade de longo prazo da disponibilidade dos fatores de produção.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017
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