Resumo
No ano de 2015, a Igreja Católica Romana se posicionou de forma contundente no debate acerca da relação entre o paradigma técnico-econômico subjacente à economia capitalista industrial contemporânea e a catástrofe climática em curso, que coloca em risco todas as formas de vida no planeta. Com a Carta Encíclica Laudato Si’ (“Sobre o Cuidado da Casa Comum”), o Papa Francisco defende uma radical revisão do funcionamento do sistema econômico global na perspectiva de uma economia substantiva, que tem como objetivo prover as necessidades elementares dos seres humanos em harmonia com os ecossistemas planetários. Neste artigo sustentamos a hipótese de que, em sua postura diante do capitalismo contemporâneo e da questão climático-ambiental, o pontificado de Francisco se apresenta como parte de um amplo movimento de autoproteção da sociedade, no sentido atribuído por Karl Polanyi, em contraposição às forças políticas e econômicas defensoras dos mercados autorregulados.
JEL: N0, P1, P4, P5, Z1.
Palavras-chave:
Papa Francisco; Laudato Si’; Karl Polanyi; Economia substantiva; Duplo movimento
Abstract
In 2015, the Roman Catholic Church took a strong stand in the debate about the relationship between the technical-economic paradigm underlying the contemporary industrial capitalist economy and the ongoing climate catastrophe, which places all forms of life on the planet at risk. With the Encyclical Laudato Si’ (“On Care for our Common Home”), Pope Francis defends a radical revision of the functioning of the global economic system in the perspective of a substantive economy, which aims at providing the basic needs of human beings in harmony with planetary ecosystems. In this article, we support the hypothesis that, in his stance towards contemporary capitalism and climatic-environmental issues, the pontificate of Francis presents himself as part of a broad movement for the self-protection of society in the sense attributed by Karl Polanyi, as opposed to political and economic forces defending self-regulated markets.
Keywords:
Pope Francis; Laudato Si’; Karl Polanyi; Substantive economy; Double movement
Um futuro ameaçador
Para Miguel Benasayag1, a passagem de uma ideia do futuro, que contém em si uma promessa para a percepção do futuro como ameaça, é um dos problemas existenciais mais significativos da vida contemporânea. A promessa da Modernidade ocidental de um amanhã sem doenças, pobreza e injustiça, foi traída pela repressão nos gulags; pela técnica por trás da ação genocida em Hiroshima; pelos horrores de Auschwitz, todas elas, inequivocamente, frutos desse mesmo mundo moderno. Surgida do conturbado desenvolvimento histórico europeu, e imposta a ferro e fogo à humanidade global, a ideia de um futuro de emancipação pela técnica hoje enseja o luto, mesmo entre aqueles povos que dela se beneficiaram (Benasayag, 2020).
O tempo, diz ele, não é linear e o futuro não é o que acontecerá amanhã: o futuro é o que hoje, aqui e agora, podemos ver como possível virtualidade. E esse é um futuro ameaçador, porque vivemos em um presente em que cada vez mais o trabalho se torna precário, a saúde e a educação um privilégio; rompem-se os laços sociais, e, sob o Antropoceno2, é a própria existência da vida - humana e não humana - que está em severo risco. O futuro no horizonte traz o problema do desenvolvimento - econômico, humano, social - mediado pelo discurso das finanças, deixando a sociedade desprovida de anteparos com os quais possa se proteger. Como evitar um futuro de rapinagem, diante de um presente já tóxico?
O desafio - admite Benasayag - é de tamanho extraordinário. Precisamos, antes de tudo, reformular a pergunta: o que podemos ser, além de indivíduos? É necessário que sejamos capazes de vislumbrar um futuro em que nossa conexão com a natureza não humana - biológica, geológica - nos enseje perspectiva, nos ofereça contexto (Benasayag, 2020). A dicotomia entre um suposto universo humano e a “natureza” é uma construção histórica que, por séculos, levou mulheres e homens no Ocidente - e em regiões do mundo mais fortemente impactadas pelo pensamento ocidental - a observar a realidade não humana como pano de fundo inerte, alheio a todo tipo de consideração ética (Massuno; Barreiros, 2020, p. 84-85). Aquela fração da humanidade entorpecida pelo especismo, pelo materialismo e pelo egoísmo antropocêntrico é convidada então a retornar do seu exílio autoimposto, e a ter oportunidade de reconhecer-se como parte inequívoca de um ecossistema planetário, de um contínuo entre a realidade biótica e abiótica. A compreender-se como membro de um todo, que é maior que a soma das partes. Nessa direção caminha o convite que, com a encíclica Laudato Si’, Papa Francisco se dirige aos seus interlocutores, buscando assim posicionar a Igreja Católica Romana no diálogo sobre nosso futuro planetário (Francisco, 2015, p. 13).
De maneira radicalmente nova em relação à autorreferencialidade tradicional das encíclicas, o Papa convida de forma ecumênica “todos os homens de boa vontade” a contribuírem, cada um segundo sua própria cultura, experiência e capacidade, com a reflexão e ação no que diz respeito ao cuidado da “casa comum”. Valorizando também vozes externas ao mundo católico (da Igreja Cristã Ortodoxa e da teologia protestante, da tradição humanista leiga e do misticismo sufista), Francisco (2015, p. 18-48) propõe um diagnóstico sobre o que se passa com a “casa comum”: ao reconhecer a deterioração da vida humana, os intensos danos causados à biosfera e a degradação do contexto social, identifica-os como consequências:
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1) da ideia de liberdade humana sem limites;
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2) do endeusamento do mercado (adorado como um ídolo);
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3) da ganância estimulada pelo corrente paradigma tecno-econômico, insubmisso ao controle pelo coletivo;
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4) da mercantilização de toda natureza biótica e abiótica.
Entre as novidades mais importantes neste diagnóstico da atual crise planetária está a clareza com que o Papa Francisco evidencia a profunda conexão que une os aspectos ambientais, sociais, econômicos, distributivos e políticos, bem como o desafio lançado pela busca de uma abordagem integral ao problema (Bianchi, 2015). Guerras, fome, desigualdades econômicas e injustiça social derivam da natureza predatória de um modelo de desenvolvimento que produz pobreza e causa a fragilidade dos ecossistemas.
Através de uma releitura do “Evangelho da Criação”, Francisco insiste na dimensão relacional entre todas as coisas e no fato de que uma relação ética entre humanos e não humanos é inseparável da defesa da fraternidade, da justiça e da fidelidade em relação ao próximo (Francisco, 2015, p. 57). Francisco, assim, nos apresenta uma visão razoavelmente distante do supremacismo humano.
As diferentes perspectivas que compõem uma visão ecológica integral estão entrelaçadas ao redor de dois eixos principais:
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1) o apelo à conscientização em relação à insustentabilidade do atual sistema econômico e político mundial;
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2) o chamado à responsabilidade de cuidar do planeta, para que possamos entregar uma terra habitável para as gerações futuras.
A noção de “cuidado com o mundo” é um importante ponto de suporte da proposta de intervenção do pontificado de Francisco (DeWitt, 2016, p. 271-273) e repousa em princípios arraigados na teologia cristã:
A humanidade entendeu-se (...) como aquela que coopera com Deus (cooperator Dei) que, sendo legitimada como a guardiã da Terra (dominium terrae) tal como na história da Criação, é dada a tarefa de moldar a Terra para conformá-la à ordem preordenada por Deus (...) uma consciência ética que se mostra ciente da responsabilidade pelas consequências de seus atos é indispensável para um progresso que seja compatível com as necessidades humanas (...). A perspectiva ética de uma nova definição de progresso inclui (...) o desenvolvimento da consciência a respeito dos limites, sejam ecológicos, sociais, ou econômicos na natureza (Marx, 2016, p. 299; 301).
Essa dimensão econômico-antropológica presente no discurso do Sumo Pontífice remete a visões e conceitos de teóricos sociais do passado e da contemporaneidade. Segundo alguns observadores, como Horn (2013) e Belluzo (2013), o pensamento de Francisco dialoga com a análise de Karl Polanyi a respeito do colapso da civilização liberal na primeira metade do século XX, que parte de um entendimento multidimensional do processo histórico, culminando na busca de convergências entre fenômenos culturais, geográficos, políticos, econômicos e ecológicos. Polanyi articula fenômenos em temporalidades distintas ao diagnosticar as causas da crise civilizacional, que bem poderiam invocar a noção de durações segundo Fernand Braudel (2009). Isso porque recorre não somente à “espuma” dos eventos - os acontecimentos entre as décadas de 1870 e 1940, que levaram, em sentido estrito, ao colapso do sistema político-econômico internacional -, mas também aos fenômenos de longa duração, que retomam a dissolução das formas de vida comunitária tradicionais com a mercantilização da terra, a ruptura dos laços de solidariedade com a mercantilização do trabalho, e a devastação da natureza humana e não humana provocada por esses dois processos em retroalimentação desde pelo menos o século XVI (Polanyi, 2000, p. 18).
O mercado, historicamente mediado pelas instituições sociais e tradicionalmente sujeito a normas morais, foge ao controle social na medida em que seus defensores passam a advogar por sua condição de mercado autorregulado, impondo-o como agenda no campo político. O resultado é um mundo em que uma economia “desenraizada” (ou seja, não mais submetida à regulação das instituições sociais em nome do interesse coletivo) se torna a chave para entender a realidade humana: um conglomerado de indivíduos atomizados, maximizadores de utilidade.
A característica fundamental do sistema econômico do século XIX foi sua separação institucional do resto da sociedade. Numa economia de mercado, a produção e a distribuição de bens materiais são efetuadas por meio de um sistema autorregulador de mercados, regido por leis próprias - as chamadas leis da oferta e da procura - e motivado, em última instância, por dois incentivos simples: o medo da fome e a esperança do lucro. Esse arranjo institucional separa-se das instituições não econômicas da sociedade, como a organização do parentesco e os sistemas políticos e religiosos. (Polanyi, 2012, p. 95).
Nessa dinâmica, é a utopia do mercado autorregulável, que reconhece apenas a lei da demanda e da oferta, que transforma humanos e não humanos, discursiva e institucionalmente, em “mercadorias fictícias”. Utopia no discurso, distopia na prática, tende a anular a substância da vida humana em sociedade e sua relação de inteireza com a natureza não humana, vinculando sua participação na vida material e simbólica a um mecanismo incontrolável de preços flutuantes (Blanco, 2016). A dimensão ilusória da autorregulação é tal que pouco se reconhece que
(...) sociedades precisam constituir mercados porque instituições sociais são necessárias para criar e gerenciar mercados para bens não produzidos exclusivamente para a venda (...) instituições sociais são tão necessárias para transformar a terra, o trabalho e o dinheiro em mercadorias (fictícias) quanto para protegê-los de serem comoditizados como se não houvesse limites para tal (Kaup, 2015, p. 282-283).
Assim, a noção de autorregulação
(...) foi produto da imaginação do século XIX mas na realidade foi uma ilusão uma vez que, tal como viu Polanyi, a política e várias instituições - o governo em particular - organizaram a forma pela qual o mercado opera em uma sociedade (Steinberg, 2019, p. 267).
Tais desenvolvimentos destrutivos suscitam a reação espontânea da sociedade, gerando um contramovimento de autoproteção com o objetivo de preservar a integridade do ser humano e da natureza não humana dos perigos inerentes a um sistema de mercado autorregulável. E segundo Polanyi, a experiência histórica mundial no século XIX pode ser interpretada como resultado de um duplo movimento: por um lado, a mundialização da economia de mercado e a comoditização da terra e do trabalho; por outro, o surgimento ou o fortalecimento de iniciativas de caráter político, cultural e social, visando mitigar os danos sociais, econômicos e ambientais provocados pela autorregulação, ou mesmo produzir economias substantivas alternativas que contornem a tendência totalizante dos mercados (Polanyi, 2000, p. 98).
Assim sendo, em que medida as ações do pontificado de Francisco, em relação à crise social e ecológica do planeta, podem ser consideradas como parte do fenômeno global de autoproteção da sociedade? É a uma resposta para essa pergunta que se dedica o restante deste artigo. E para tal, nas seções seguintes, serão discutidos os seguintes temas: a) como Karl Polanyi compreendeu o lugar da economia na sociedade e como postulou a ideia de que os sistemas econômicos estão enraizados nos sistemas sociais; b) como o desenraizamento da economia capitalista produziu aquilo que Polanyi chamou de “contramovimento” (iniciativas de contenção aos danos provocados pelo mercado autorregulado liberal); c) de que modo a ideia de autorregulação dos mercados consiste em uma “pseudofilosofia”; d) de que modo o neoliberalismo retoma o projeto de autorregulação dos mercados e que relação esse fato guarda com a crise climático-ambiental em curso; e) de que modo o contramovimento produz potentes reações à comoditização da “natureza”; e, por fim, f) de que modo o pontificado de Francisco pode ser lido como um dos pilares desse amplo contramovimento.
Karl Polanyi: o lugar da economia
Os primeiros a atentarem para as reflexões de Polanyi, nos anos 1960, vinham do campo da antropologia, interessados no estudo da lógica econômica distinta que organizava as sociedades não mercantis. Mais tarde, já nos anos 80, seriam os sociólogos a se interessar pelo pensamento polanyiano: enfatizando o conceito de “embeddedness” (enraizamento), lançaram luz sobre as relações sociais e as redes institucionais capazes de encapsular as atividades econômicas. Finalmente, na primeira década deste século, economistas e cientistas políticos redescobrem em Polanyi um defensor da noção de welfare state e um crítico das políticas ultraliberais, a ponto de torná-lo um ícone do pensamento crítico e da “globalização contra-hegemônica” nas tribunas de Seattle e Porto Alegre (Luban, 2017, p. 68-69).
A maior parte das apropriações da obra de Polanyi incorre no problema de “disciplinarizar” seu programa de pesquisa. Comprimido nos limites de uma sociologia, antropologia ou história econômica, o pensamento polanyiano é alvo de críticas contraditórias que ora apontam um suposto idealismo, ora um demasiado empirismo (Sobrero, 2012, p. 272). A originalidade de Polanyi reside em sua irredutibilidade a uma perspectiva disciplinar específica e em ser promotor de algo no sentido de “uma ciência unificada das sociedades humanas” (Salsano, 1974, p. VIII). Com um mapa da condição e da ação humana, fundado não apenas em bases filosófico-ideológicas, mas também em um alicerce histórico-antropológico de longa duração, Polanyi nos brinda com um esforço de interpretação da vida humana em sociedade com implicações fundamentalmente éticas. Esse esforço parece capacitado para desarmar a “objetividade translúcida” da civilização capitalista, denunciar sua pseudofilosofia e suas falsas ambições de universalidade. Para Polanyi, portanto, é urgente relançar o conhecimento e retomar um projeto político geral de longo prazo, no qual se possa repensar “o lugar da economia”, entendida como ferramenta e método para construir a felicidade dos seres humanos - uma economia substantiva, portanto.
A Grande Transformação representa um ponto de maturação do percurso de investigação histórica e econômica empreendido desde os anos 1930, e um ponto de partida teórico de suas imersões antropológicas, a que Polanyi irá se dedicar nos anos 1950. No texto, os dois planos movem-se juntos, com um nível de análise específico, de reconstrução histórica do processo de imposição violenta da economia de mercado sobre uma sociedade recalcitrante, em um contexto de crescente instabilidade, que se entrelaça com outro nível de análise mais geral, de investigação das diferentes formas históricas de sociedade e da maneira como, em cada uma, a economia está organizada. Como objetivo, tem o de entender as características mais profundas da sociedade capitalista, para além das categorias autorreferenciais com as quais se representa. Se, então, a revolução industrial do século XIX é causa e efeito do progresso técnico, do maquinismo, do aumento da produtividade e do consumo, em nenhum desses fatores, e nem mesmo no mercado como tal, está, segundo Polanyi, a causa originária do colapso das suas pretensões de civilização. Ela pode ser encontrada na utopia do mercado autorregulável, na qual se baseiam e se justificam as políticas econômicas liberais.
Segundo Polanyi, o triunfo do mercado não se celebra no plano da realidade dos fatos, mas, mais sutilmente, na capacidade de traduzi-los em valores, ocultando-os no cotidiano do senso comum, no mito do individualismo, da competição, da onipotência das técnicas e da possibilidade de desenvolvimento sem limites (Sobrero, 2012, p. 277). Nesse sentido, para Polanyi, a generalização da autorregulação dos mercados, paralela ao desenvolvimento da produção capitalista, constitui um divisor de águas na história da humanidade, uma ruptura histórica com respeito às sociedades pré-modernas, em que eram as instituições sociais que estabeleciam os objetivos, a justificativa e os limites sobre o que chamamos de economia.
Nas sociedades de mercado, a função econômica tende a ser instituída “economicamente”, ou seja, a ser desempenhada por uma estrutura que se pretende autônoma das relações sociais, mas dominante sobre elas. A nova economia de mercado implica, portanto, uma sociedade de mercado, na qual “em vez de a economia estar enraizada nas relações sociais, são as relações sociais que estão enraizadas no sistema econômico” (Polanyi, 2000, p. 77). Nesse sentido, o que caracteriza a sociedade de mercado não é tanto o livre mercado em si, mas o mito do mercado autorregulável: a enganosa pretensão de autonomia da economia em relação às relações sociais.
Karl Polanyi: fatos e valores
Na reconstrução histórica do advento da moderna sociedade de mercado, Polanyi concentra-se no complexo de transformações sociais que ocorrem na Inglaterra, entre os séculos XVIII e XIX. A novidade da introdução das máquinas fabris em processos até aquela altura desenvolvidos com métodos essencialmente artesanais exigia novas condições sociais, até então inexistentes. Todos os elementos necessários para a produção, incluindo trabalho, terra e moeda, deveriam estar disponíveis para a pronta venda no mercado (a chamada “prontidão da oferta”), a fim de que o investimento em tecnologia viesse a ser lucrativo. Tratava-se, portanto, de transformar em mercadorias os fatores centrais da produção, tornando negociável no mercado a própria espinha dorsal da comunidade humana, tendo como resultado a desarticulação das relações sociais e a implosão do equilíbrio ecossistêmico primeiramente em nível local, e no futuro, global.
Aquilo que Polanyi coloca em jogo - fortemente inspirado pela antropologia de Malinowski e pela sociologia de Tönnies - é a díade Gemeinschaft - Gesellschaft (em linhas gerais, “sociedade de status” - “sociedade de contrato”). Esse par analítico também aparece subjacente à visão de mundo presente nas declarações públicas do pontificado de Francisco, como veremos, e funciona como um ponto de conexão firme com a arquitetura explicativa polanyiana. Em linhas gerais, o que Polanyi admite é o fato de que nas sociedades ditas “modernizadas” (desde os séculos XVII-XVIII), determinados processos históricos promoveram - em nome do “progresso” e da “eficiência” - a implosão da centralidade de instituições cuja importância na estabilidade social, na resolução de conflitos e na distribuição do produto do trabalho remontava à história que antecedia o próprio surgimento do Estado, da agricultura e da acumulação de excedente.
Em suma, a progressiva noção de “privatização dos comuns”, que avançava na Inglaterra a passos lentos desde o século XVI, e o advento da ficção do mercado autorregulado ao final do século XVIII e início do século XIX, funcionaram como um elemento de dissolução acelerada de instituições historicamente cruciais na mediação de conflitos e na garantia da subsistência das comunidades. Como isso, os entusiastas da “modernização” e dos mercados livres pretendem que “(...) laços de sangue, obrigação legal, mandamentos religiosos, vassalagem ou magia [não mais criem] situações sociologicamente definidas que garantam a participação dos indivíduos no sistema” (Polanyi, 2012, p. 95). As noções de reciprocidade, do dom e do contradom, desaparecem como categorias centrais na relação entre humanos, considerados apenas entes anônimos, padronizados, e movidos pela maximização de utilidade. As obrigações recíprocas, a busca da complementaridade com o próximo, da cooperação, a solidariedade, e a coordenação de ações voltadas para o bem estar coletivo voltavam-se para “minimizar a rivalidade e conflito”, e “suas motivações eram não econômicas - por exemplo, o orgulho pelo reconhecimento público das virtudes cívicas (....)” (Polanyi, 2012, p. 99). Nas sociedades em que o espírito da Gemeinschaft se fazia presente na mediação entre necessidades e interesses particulares,
(...) a produção e a distribuição de bens materiais [em alguma medida] estavam enraizadas em relações sociais de natureza não econômica. Não existia um sistema econômico institucionalmente separado, tampouco uma rede de instituições econômicas. Nem o trabalho, nem a maneira de dispor dos objetos, tampouco a distribuição deles realizavam-se por motivos econômicos, por desejo de ganho ou de receber pagamento, ou ainda por medo de passar fome como indivíduo. (Polanyi, 2012, p. 100).
Isso não significa dizer que sociedades institucionalmente organizadas sob forte presença da noção de Gemeinschaft são igualitárias, ou desprovidas de relações de poder. Significa somente que o pertencimento à comunidade é o critério fundamental que norteia as relações interpessoais, e não uma suposta noção de individualidade por trás das relações entre agentes mutuamente buscando maximizar utilidade.
O interesse econômico individual só raramente é predominante, pois a comunidade vela para que nenhum de seus membros esteja faminto, a não ser que ela própria seja avassalada por uma catástrofe, em cujo caso os interesses são ameaçados coletiva e não individualmente. Por outro lado, a manutenção dos laços sociais é crucial. Primeiro porque, infringindo o código estabelecido de honra ou generosidade, o indivíduo se afasta da comunidade e se torna um marginal; segundo porque, a longo prazo, todas as obrigações sociais são recíprocas, e seu cumprimento serve melhor aos interesses individuais de dar-e-receber. Essa situação deve exercer uma pressão contínua sobre o indivíduo no sentido de eliminar do seu consciente o autointeresse econômico, a ponto de torná-lo incapaz, em muitos casos (...) de compreender até mesmo as implicações de suas ações em termos de um tal interesse (...). O prêmio estipulado para a generosidade é tão importante, quando medido em termos de prestígio social, que não compensa ter outro comportamento senão o de esquecimento próprio (Polanyi, 2000, p. 65-66).
A prática da solidariedade - instrumento fundamental na busca do objetivo maior, a paz social - era, em maior ou menor grau, “(...) cimentada por uma organização da economia que agia para neutralizar os efeitos da disrupção da fome e da busca do ganho, ao mesmo tempo em que explorava plenamente as forças socializadoras inerentes a um destino econômico comum” (Polanyi, 2012, p. 105).
Diante da desintegração dos mecanismos de coesão social, implícita na tentativa de impor com a força a autorregulação do mercado, desencadeia-se uma reação de proteção, visando salvaguardar a própria substância do humano da possível aniquilação. O duplo movimento entre o avanço das instituições sociais promotoras da autorregulação e da tentativa de homeostase promovida pela sociedade em sua autoproteção contra os efeitos disruptivos da troca utilitária com preços livres, resulta, na apreciação de Block, em um resultado híbrido, inquieto e fluido; ele reflete a mudança de equilíbrio de poder na disputa discursiva entre esses dois princípios organizacionais da sociedade, e, por sua vez, no choque político entre os agentes sociais a eles associados (Block, 2008, p. 20).
Block recorre à dinâmica do duplo movimento com o objetivo de reconstruir uma teoria crítica para o século XXI, mostrando sob quais condições (em termos de poder, oportunidade e capacidade) os atores sociais podem desafiar e mudar as estruturas institucionais da sociedade de mercado. Parece-nos interessante, então, para uma interpretação do pontificado de Francisco em termos polanyianos, buscar a relação entre alguns aspectos da proposta interpretativa de Block (em particular, sua reflexão sobre a questão da ideologia) e as considerações já mencionadas de Alberto Sobrero a respeito da estratégia de pensamento (e de discurso) de Polanyi.
A vitória do mercado não se celebra tanto no plano da realidade dos fatos, e mais na capacidade de traduzir esses fatos em um sistema de valores; na habilidade de estender a lógica da mercadoria, convertendo a subsistência da “gente comum” em algo a ser realizado nos marcos de lógica e expectativas de mercado. Nesse sentido, a oposição à comoditização do mundo e à mercantilização das relações sociais não deve interessar apenas a uma classe, mas a “diferentes segmentos da população”, no interesse “não de uma seção”, mas de toda a sociedade, já que “o desafio é para a sociedade como um todo” (Polanyi, 2000, p. 186). A alternativa polanyiana, portanto, não é entre essa ou aquela classe, e nem mesmo entre democracia e totalitarismo, mas entre democracia e ruína de qualquer forma social e espiritual. Em jogo está o conjunto, não uma parte dele, e a “vitória” está na superação das falsas alternativas colocadas pelo sistema (Sobrero, 2012, p. 270).
Karl Polanyi: pseudofilosofia e paradoxo
A perspectiva a partir da qual Block e Somers (2014) interpretam a crítica de Polanyi à teoria da luta de classes é menos filosófica e mais política. Polanyi nos convida - argumentam - a ampliar a análise das relações de produção entre as classes para o campo político, onde os conflitos se manifestam e produzem resultados. A intervenção do poder estatal, através de medidas regulatórias, de fornecimento de bens e serviços públicos e de interferência nos fluxos internacionais de trabalho, mercadorias e moeda, contribui decisivamente para modelar as relações de poder entre os atores sociais. E na base deste raciocínio está a convicção de que o sistema de mercado não existe, nem pode existir, sem que a ação do governo e o exercício dos poderes coercitivos do Estado cumpram a tarefa de produzir e manter a ordem econômica e social3.
Segundo Block, essa é a razão pela qual Polanyi define como “utópica” a visão de um sistema de mercado autorregulável, por ser literalmente impossível de ser tornada real. Sobrero, retomando outro termo de Polanyi, fala de “pseudofilosofia”. A organização teórica desses conteúdos ilusórios, por sua vez, dá forma à “ideologia”, com a qual se constrói uma determinada compreensão da realidade, que esconde suas contradições. Nesse sentido, a ideologia é um recurso essencial no confronto entre interesses opostos no duplo movimento, obrigados a disputar o consenso dos diversos grupos sociais e o apoio dos responsáveis pelas políticas estatais. Graças a esse “mágico” expediente, iniciativas políticas que emanam de interesses particulares, oriundos de setores igualmente particulares, são legitimadas diante da sociedade, empacotadas em uma atraente visão de desejável ordem social.
Segundo Polanyi, a contradição fundamental da sociedade de mercado reside em sua base fictícia: na impossibilidade de se fundar em um sistema de mercados autorreguláveis, sendo necessária a ação estatal para que se produza e mantenha a ordem econômica e social adequada para o funcionamento “natural” do mercado. Quando, nos momentos de crise, a contradição aflora, evidenciando o hiato entre ideologia e realidade, colapsam as certezas ilusórias das narrativas apologéticas que excluem a priori qualquer alternativa. São os momentos em que a quimera da liberdade ilimitada, prometida pelo mercado, revela-se como alienação e solidão. Nessas circunstâncias, estoura a tensão entre fatos e valores, e em favor do contramovimento de proteção abrem-se janelas de oportunidade, através das quais reformas podem ter sucesso e que atenuem a pressão do mercado sobre a sociedade.
O engano em que caem todas as ideologias, segundo Polanyi, é o de modelar os fatos com suas próprias palavras, para depois trazê-las, como se fossem evidência dos fatos. Em vez disso, é necessário voltar das palavras aos fatos, destacando sua natureza histórica, processual, relacional e sistêmica (Sobrero, 2012, p. 266).
Polanyi percebe que na linguagem reflete-se a civilização, se oculta uma concepção de mundo. Sua estratégia, então, é a de proceder por contrastes4 e agravá-los. Não se trata, no entanto, de escolher um extremo a outro, mas de contestar na íntegra a forma histórica que expressa a ambos. Novamente, não se trata advogar em nome desta ou daquela parte, mas de mudar o discurso; não mediar melhor o jogo entre as partes, mas, por meio de uma teoria crítica, redefinir os termos, para poder rejeitar a própria alternativa5.
Com respeito a Marx e aos liberais, Polanyi não propõe outra utopia a ser realizada, uma nova ilusão, um paraíso a ser trazido para a terra, seja ele comunista ou consumista. A natureza dicotômica da vida não se resolve, assim como não se resolvem suas muitas contradições. Nem a história pode ser parada ou pacificada. Como a vida, ela é um sistema em movimento, um território de encontros e confrontos. Torna-se claro, então, porque Polanyi quase nunca usa o termo dialética para descrever a dinâmica do duplo movimento.
A tensão contínua e exasperada entre fatos e valores, entre o que o mercado faz e o que diz fazer, leva Polanyi a preferir o termo paradoxo, aquele estado de coisas que alimenta seu próprio contrário, no qual toda mediação revela-se impossível. Ele propõe, então, uma estratégia discursiva baseada em palavras simples, que permitam tornar visível o paradoxo e ainda mais evidente a possibilidade de superá-lo. Palavras plurais, que restabeleçam a complexidade dos fatos, que a palavra no singular inevitavelmente esconde. Palavras espaçosas, nas quais os historiadores possam reconhecer a pluralidade de formas, e os políticos os muitos caminhos possíveis (Sobrero, 2012, p. 290).
Neoliberalismo e modernização ecológica
No último capítulo de A Grande Transformação, Polanyi profetiza o fim do sistema de mercado autorregulável e a afirmação do primado da sociedade sobre a economia, a partir do colapso da sociedade liberal e do mercado mundial durante as décadas de crise de 1930 e 1940, imaginando uma nova era em que a humanidade escolheria coletivamente re-enraizar os mercados na sociedade, submetendo-os à mediação e ao controle coletivo. O sistema monetário-financeiro internacional de Bretton Woods e o chamado embedded liberalism, corporificado nos Estados de bem-estar social, pareceram, por algum tempo, dar-lhe razão.
Mas a previsão revelou-se errônea e a superação de uma sociedade que insiste em agarrar-se à ficção da comoditização e do mercado autorregulado mostrou-se apenas temporária. Mesmo com o chamado “liberalismo enraizado”, consubstanciado nos modelos econômicos de corte keynesiano e no Estado de bem-estar social do pós-Segunda Guerra Mundial, se por um lado impôs-se um forte componente regulatório ao capitalismo, o que incluía a regulação ambiental (McCarthy; Prudham, 2004, p. 278), por outro, aprofundou-se a comoditização da vida, e em especial, das mercadorias fictícias. Além disso, uma nova mercadoria fictícia ganhou contornos tenebrosos no pós-1945: o petróleo. Segundo Steinberg:
Para fazer avançar seus objetivos, o Estado norte-americano tinha de prover uma fonte prática de energia, especialmente para ajudar a recuperação dos Estados europeus. Isso então facilitou que as companhias internacionais de petróleo tomassem o controle de campos de petróleo no Oriente Médio, que permitiram aos Estados Unidos - previamente um fornecedor de petróleo para Europa - usar suas próprias fontes domesticamente. Isso também lançou as bases para a imensa demanda por energia por parte da cultura de consumo com seus carros, plásticos, fertilizantes e pesticidas (Steinberg, 2019, p. 267).
Assim, em boa medida, o Antropoceno é fruto da Grande Aceleração, e essa última é tributária da sacralização laica da ideia de desenvolvimento econômico. “A era de ouro do que alguns polanyianos chamam de ‘capitalismo enraizado’ foi a Era do Carbono, em que a devastação ambiental avançou a passos largos” (Dale, 2020, p. 16). Então, mesmo sob todo o arcabouço regulatório do capitalismo entre o fim da Segunda Grande Guerra e os anos 1970, a legitimação de uma dinâmica econômica de expansão, de crescente gasto energético e de consumo de matérias-primas, da busca a todo custo de um bem estar material de tipo consumista, em níveis crescentes, produziu um estado de coisas em que a crise climática apareceria como consequência inevitável.
A partir do final dos anos 70, o movimento político em direção à legitimação da autorregulação (novamente) consegue importantes sucessos políticos na Inglaterra e nos EUA, reduzindo drasticamente a progressividade do sistema tributário, desmantelando uma parte significativa do sistema de regulamentação financeira e cortando os programas sociais para os setores mais pobres. Em particular, desde 1980, através de uma política agressiva de liberalização do comércio e dos movimentos de capitais, a autorregulação impôs-se na cena mundial, com resultados políticos significativos6.
Do ponto de vista econômico, a hegemonia exercida pela finança sobre a esfera produtiva representa a característica principal do novo paradigma neoliberal. Contextualmente, o valor desvincula-se do trabalho necessário para produzi-lo, para se ligar à informação e ao conhecimento incorporados nas mercadorias7. Como afirma Christian Marazzi (2010, p. 54):
O próprio conceito de acumulação de capital não consiste mais, como na era fordista, em investimento em capital constante e em capital variável, mas em investimento em dispositivos de produção e captação do valor produzido fora dos processos diretamente produtivos.
Do ponto de vista antropológico, assiste-se à transformação ontológica do indivíduo em capital humano, um sujeito econômico que faz empresa de si próprio, responsável por suas necessidades e escolhas estratégicas. Um sujeito supostamente livre, que faz de sua liberdade ferramenta e pressuposto de seu autogoverno (Marcenó, 2019, p. 107).
O neoliberalismo, então, fez pouco para alterar a degradação climática que já se anunciava pela “civilização do petróleo” dos anos 1950-1960, e em verdade contribuiu para tornar a crise climática ainda mais acelerada e, definitivamente, fora de controle. Nem sempre fica clara a noção de que o neoliberalismo é ele, também, um projeto ambiental. Não só é mantida a tendência de uso intensivo de energia e de matérias-primas herdada dos modelos de capitalismo regulado das décadas anteriores, como se avança no sentido da “privatização dos comuns”, fonte da comoditização da terra, segundo Polanyi. Trata-se, sobretudo, de “libertar a natureza” das prisões regulatórias, e colocá-la inteiramente sob a égide do mercado autorregulado, o que envolve não somente comoditizar a terra e o que há em seu subterrâneo, mas outras formas de neomercadorias tais como códigos genéticos, material biológico, cotas para a emissão de gases de efeito estufa (mercados de carbono) entre outros8. Reforçando a natureza ilusória da autorregulação, e a indisfarçável necessidade de massiva intervenção política para a construção de “mercados livres”, afirmam McCarthy e Prudham:
Funções de estado voltadas para deter efeitos social e ambientalmente destrutivos provocados pela produção capitalista são escanteadas, atacadas por meio de discursos de competitividade econômica nacional, regional e urbana, e “reestruturadas” de várias formas, incluindo: (i) privatização através de esquemas supostamente baseados em práticas de mercado nunca alheias ao fisiologismo (...); (ii) incapacitação através de profundos cortes fiscais e administrativos; (iii) re-escalonamento da governança e “esvaziamento” do Estado nacional (...) (incluindo a devolução de responsabilidades regulatórias aos governos locais sem a transferência proporcional de poder ou capacidade, enquanto se aumenta as capacidade regulatórias de instituições internacionais com pouca ou nenhuma transparência ou accountability (...) (McCarthy; Prudham, 2004, p. 276).
A partir do Relatório do Clube de Roma (Meadows, [1972] 1978), delineia-se uma crítica ao modelo de desenvolvimento, que indica no crescimento ilimitado a responsabilidade por uma crise ecológica iminente, alertando sobre os riscos de prejudicar as capacidades regenerativas da biosfera. Diante da manifestação da questão ecológica, assiste-se, então, a outro “duplo movimento”. Por um lado, figuras críticas como Edgar Morin (1973, 1993), identificam na ecologia um novo instrumento de conhecimento e na crise ecológica um ponto de vista crítico privilegiado sobre nossa civilização; por outro, à medida que o processo de modernização ecológica avança, são gradualmente removidos os temas das batalhas ecológicas, culturais e politicamente revolucionárias, estabelecendo o meio ambiente como um dos campos do direito e da política. Dessa forma, reconduz-se na esfera institucional o componente “aceitável” da crise ecológica, marginalizando o mais dissonante em relação ao modelo econômico neoliberal (Mol; Spaargen, 2000, p. 30). É o que Gareth Dale reconhece como uma postura “racional-liberal” em relação à questão climática.
Ela advoga em favor de um capitalismo verde e de um crescimento verde, com emissões a serem controladas através de acordos internacionais, investimento tecnológico (notavelmente em energia renovável e carros elétricos), e na mudança de padrões de consumo. Ela identifica a responsabilidade ambiental corporativa como o principal motor da mudança (...). [A postura racional-liberal] fetichiza a tecnologia (...), ignora o problema dos efeitos-rebote, e anseia que as energias renováveis movam as engrenagens da acumulação de capital (...). A lacuna entre seus louváveis objetivos ambientais e seu abjeto fracasso em alcançá-los é preenchida pelo pensamento mágico (com relação à promessa da tecnologia) e por torrentes de greenwash (Dale, 2020, p. 17-18).
O objetivo dos defensores da postura racional-liberal é de endossar a tese da compatibilidade do modelo de desenvolvimento ocidental com a conservação do meio ambiente e dos recursos naturais: seria possível, então, manter padrões de consumo e gasto energético através do desenvolvimento de novas tecnologias, encomendadas ao setor econômico, e da elaboração de novas regulamentações, delegadas ao setor jurídico. O resultado, então, é uma visão crítica do modelo de desenvolvimento que não consegue se emancipar da dominação da dimensão econômica. O objetivo passa a ser, então, de transformar a questão ambiental, de obstáculo à acumulação de capital, em uma nova oportunidade de extração de mais-valia (Leonardi, 2019, p. 64).
O grande ausente na perspectiva da modernização ecológica é um plano propriamente político que solicite a rediscussão dos princípios e valores fundamentais das nossas sociedades e exija reflexões e respostas mais complexas. Parece muito arriscado insistir em apostar em soluções técnico-científicas, supostamente neutras e objetivas, ou continuar confiando nas ilusórias virtudes de autorregulação do mercado. Se a natureza se rebela contra a civilização, questionando sua ideia de progresso, sua fé no produtivismo e seu individualismo extremo, então a crise ecológica deve ser pensada e interpelada como desafio aos paradigmas econômicos, políticos, jurídicos e científicos tradicionais, colocando em pauta também a perspectiva de uma descontinuidade radical.
O apelo a uma transformação nos parâmetros institucionais que fundam as sociedades modernas e a desconfiança em relação a soluções tecnocráticas para a crise climática, que supostamente permitam manter os sistemas econômicos tal como existem, levam autores como Puggioni (2017), Reinhard Marx (2016), Dale (2020) e Stuart, Gunderson e Petersen (2019) a discutir em que medida as ideias de Francisco e de Polanyi alinham-se com o conceito de decrescimento econômico. A noção de degrowth surge nos anos 1970 a partir de reflexões sobre a obra de Nicholas Georgescu-Roegen (1971), fundador do campo transdisciplinar da bioeconomia (ou economia ecológica) que busca compreender os sistemas econômicos enquanto construtos sociais que funcionam no âmbito de ecossistemas. Segundo Dale, “os degrowthers advogam em favor de mudanças sociais e econômicas fundamentais, incluindo uma acentuada redução do consumo nos países ricos e uma mudança da agricultura industrial em direção à agroecologia e à permacultura” (Dale, 2020, p. 17).
O fundamentalismo de mercado - em especial em sua face neoliberal - é desafiado pelos economistas e ativistas organizados em torno da noção de decrescimento; mas, principalmente, o que é combatida é a cristalização ética do conceito de crescimento econômico, tornado um bem em si incontestável, axiomático e objetivo a ser alcançado a qualquer custo. Entendem então que “(...) o crescimento econômico não pode seguir para sempre dados os limites ecológicos e, então, sociedades ricas devem intencionalmente contrair suas economias de uma forma socialmente sustentável” (Stuart; Gunderson; Peterson, 2019, p. 95). E contrários às críticas que invocam o espectro da escassez caso um programa de decrescimento seja adotado, defendem que o atendimento às necessidades humanas para o bem viver nunca precisou nem nunca precisará de uma economia em crescimento; a obsessão com Produtos Internos Brutos em ascensão se deve a outros elementos, já muito distantes da preocupação com uma vida digna, saudável e em sintonia com o meio ambiente.
Dale considera Polanyi um “degrowther avant la lettre” (Dale, 2020, p. 6); de fato, em A Grande Transformação, o que Polanyi busca sobretudo é, com o diagnóstico da crise estrutural provocada pela utopia da autorregulação, buscar caminhos capazes de permitir que a civilização das máquinas seja colocada a serviço da Gemeinschaft, fazendo assim convergirem o desenvolvimento tecnológico e a vida comunitária baseada na experiência humana de longa duração.
Francisco e Polanyi não são primitivistas ou neoludistas no sentido dado por Gardenier (2016). Buscaram caminhos para reconduzir a imaginação, a criatividade e o potencial inovador humano de volta em um campo sólido de limites éticos, que enraízem a tecnologia na sociedade, tornando-a um instrumento em prol da vida, e não um fim em si mesmo, ou mecanismo de promoção da acumulação. É nesse sentido, então, que convergem em direção ao que hoje concebemos como a ideia de decrescimento econômico:
O Papa Francisco rejeita o crescimento em sua condição contemporânea de ser o principal objetivo nos debates políticos e econômicos. Estudiosos do decrescimento claramente fazem da noção de crescimento seu campo de batalha inicial e central, desmascarando suas falhas e sugerindo um caminho para mudança. [Tanto os degrowthers quanto o Papa] rejeitam o reformismo e ambos defendem uma guinada estrutural que envolva ao mesmo tempo pessoas e instituições (Puggioni, 2017, p. 31).
Ainda que não empregue o termo diretamente, em Laudato Si’, Francisco demonstra extensiva preocupação com os limites ambientais do crescimento, critica o fetichismo dos mercados livres, defende a noção de desenvolvimento humano integral, crítica a noção de propriedade privada (noção essa que só pode se justificar diante de sua função social e da atenção em relação ao meio ambiente), e revela amplo ceticismo em relação ao chamado raciocínio tecno-utópico (Macaaran, 2021, p. 70-72; Zsolnai, 2017, p. 68-70).
[Francisco] sabe também que interpretações da Bíblia desgraçadamente levaram a um entendimento da relação entre humanos e a Terra em termos de dominação. (....) seres humanos precisam usar todo potencial tecnológico para um progresso humano socialmente orientado para todos. O que o Papa teme exatamente é a ‘tecnocracia’ (...). Francisco relaciona negativamente a tecnologia ao crescimento, ou seja, [o fato de que] o avanço tecnológico é amplamente visto como válido somente quando fomenta o crescimento econômico material e os negócios. (Puggioni, 2017, p. 22)
Polanyi igualmente não menciona o termo decrescimento, mas as estratégias políticas associadas à operacionalização desse conceito decerto
(...) se assemelham às proteções adotadas pelo Estado para proteger a sociedade da comoditização, como descritas por Polanyi (...). Tal como acontece com as medidas de proteção voltadas ao trabalho e à terra, o Estado pode implementar políticas para proteger as pessoas e os ecossistemas da mudança climática por meio de políticas específicas que restrinjam a emissão de gases de efeito estufa (Stuart; Gunderson: Petersen, 2019, p. 96)
A noção de decrescimento econômico passa pela profunda crítica ao paradigma fóssil-industrial que orienta as economias modernas, e nela vemos a marca clara do contramovimento polanyiano. Segundo Stuart, Gunderson e Peterson (2019, p. 97):
(...) o movimento de decrescimento econômico representa um genuíno contramovimento polanyiano, uma vez que seus princípios e caminhos podem conduzir o re-enraizamento dos sistemas energéticos na esfera socionatural (...). Energia pode ser concebida como um bem comum de propriedade e gestão coletiva (...). Objetivos sociais e ambientais específicos, em detrimento de objetivos econômicos ou mesmo de produção de energia, podem guiar os sistemas energéticos (...). A governança seria participativa - conduzida pela comunidade (...). E por fim, mudanças de estilo de vida incluiriam a redução do consumo energético e a adoção de uma gama de mudanças simples e de baixa tecnologia incluindo a caminhada e o ciclismo, uso de design solar passivo para aquecimento e resfriamento, isolamento térmico residencial (...).
O imperativo do crescimento, a acumulação capitalista e o consumismo contemporâneo devem, então, ser reconsiderados em sua particularidade e excepcionalidade histórica, e não como destino. O fim deste modelo de desenvolvimento não marca o fim da civilização; é preciso focar na pluralidade de caminhos que se desenrolam no nosso passado, no nosso presente e no nosso futuro, em busca de visões do mundo capazes de reconciliar o ser humano com o seu contexto (Ciuffoletti et al., 2019, p. 9).
Francisco: o cuidado da “casa comum”
Em vista da Conferência do Clima de Paris, no final de 2015, ocasião em que as chancelarias tentavam, pela primeira vez, passados vinte anos de negociações, assumir um acordo vinculante e universal sobre o clima, Papa Francisco lança a encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum, para entrar em comunicação com “todos os homens de boa vontade” e renovar o diálogo sobre como estamos construindo o futuro do planeta (Francisco, 2015, p. 13). O pontífice propõe uma visão ecológica integral, do ambiente à sociedade, à cultura, dos desejos aos projetos e à espiritualidade. Uma ecologia integral, inseparável da perspectiva da defesa do bem comum e enraizada na íntima relação entre o cuidado do planeta, a solidariedade com os mais pobres, a luta pela justiça social e a responsabilidade para com as gerações futuras.
Francisco convida a humanidade a assumir o “ponto de vista de Deus” sobre a criação e solicita aos cristãos que encarem a realidade com o olhar divino, julguem-na com base no Evangelho e coloquem em prática ações concretas de transformação. Ver, julgar, agir. Adotando o “método da educação democrática”, que conta cinquenta anos de prática social cristã na América Latina, o Papa enquadra a crise atual, analisa suas causas e avança algumas linhas de ação, inspirando-se na figura de São Francisco de Assis, exemplo alegre e autêntico de cuidado devotado ao que é mais fraco: aquele que escolheu a pobreza para combatê-la.
A realidade, que para o Papa precede sempre a ideia (Francisco, 2013, p. 175), é o ponto de partida da análise dos primeiros capítulos da encíclica. Francisco demonstra ceticismo em relação a toda forma de “ideologia” em consonância com a tradição da doutrina social católica, especialmente no que diz respeito ao neoliberalismo e sua ficção da autorregulação, em que “(...) uma noção específica de lógica econômica (...) expressa através da confiança nas forças invisíveis de mercado (...) foi posta acima da realidade (...)” (Marx, 2016, p. 297).
Desde a privatização da água até a destruição da biodiversidade, Francisco destaca como, nesse descaminho de mercantilização e espoliação ambiental, são sempre os mais pobres, os mais fracos e os mais vulneráveis que pagam pelas contradições de nosso modelo de desenvolvimento econômico, e são os que mais sofrem pela degradação ambiental. O clamor da terra e o clamor dos pobres, então, expressam, polanyianamente, a mesma sede de justiça, que ilumina a profunda conexão entre a fragilidade do planeta e o flagelo da pobreza. A opção pelos pobres é, assim, parte desse movimento “em direção ao mundo real”, e “distante das ficções” (Martins, 2018, p. 411). Ecologia integral significa, portanto, iniciar um caminho para repensar o humano e a sua comunidade, a partir de uma refundação ética, capaz de reconhecer a criatividade e o progresso e, ao mesmo tempo, salvaguardar a dignidade dos seres humanos. A visão ambiental de Francisco é de importância fundamental em um momento em que se reconhece uma crescente e perigosa convergência entre discurso e prática ambientalista, e os marcos do pensamento neoliberal.
Assim, o entendimento da questão social e da questão ambiental como parte de um mesmo problema - similar à noção polanyiana de convergência entre mercantilização do trabalho e da terra - distingue tanto Polanyi quanto Francisco na constelação de ideias a respeito da corrente crise climática global.
As raízes mais profundas da crise são identificadas no domínio absoluto do paradigma tecnocrático sobre a natureza e a vida, brutalmente submetidas ao lucro. Técnica e tecnologia se impõem como únicas dimensões para interpretar a existência, com graves efeitos em termos de degradação ambiental, ansiedade generalizada, perda de senso da vida e da convivência social. O ser humano é chamado urgentemente a responder pelo poder que deriva da tecnologia, solicitado a restabelecer uma ética sólida, que o contenha “dentro dum lúcido domínio de si” (Francisco, 2015, p. 82).
Se a tecnologia despreza a permanência, já que seu reinado é o do tempo curto, da novidade e do consumo, a troca entre fé e cultura e o diálogo inter-religioso representam, por outro lado, um terreno fértil de longa permanência, onde é possível meditar e fazer florescer os compromissos ecológicos, implícitos em toda fé. É necessário ligar Deus e natureza - sugere o misticismo sufista - pois a espiritualidade caminha em direção à recomposição, e não à separação. Eucaristia como casamento entre Deus e o universo - acrescenta a religião cristã. Voltar à ideia de um Deus criador, senhor do mundo, intuindo que a criação é algo mais que a natureza, porque brota dentro de um projeto de amor, no qual cada criatura tem um valor e um significado para Deus (Jiménez, 2016, p. 191). A ênfase não está mais no indivíduo, em seu solipsismo angustiante, mas na relação com Deus e com a criação, dentro de um contexto de amor, a ser cultivado e preservado. O retorno à “casa comum”, em companhia dos pobres e dos deserdados, para Francisco, é um caminho de alegria e paz.
Francisco propõe organizar o cuidado com a casa comum através da noção de que humanos e não humanos estão unidos em uma relação fraterna, sob o signo da criação divina, “uma ordem ecológica orientada em direção à verdade, à bondade, e à beleza” (Flores, 2018, p. 463). A imagem da “fraternidade da criação” invoca a família, e esse elemento tem profundo significado se lido sob a lente da análise polanyiana. O Papa claramente sugere uma narrativa remitologizante, na qual humanos e não humanos estão unidos pela Terra, na condição de mãe. É nítido que “Francisco articula um plano para a solidariedade ecológica que se distingue por sua rica visão de relações familiares” (Flores, 2018, p. 464).
É essa ecologia relacional, que recorre à imagem fraternal, que Francisco apresenta como contraponto à comoditização de toda a existência, consubstanciada na “cultura do descarte”, como ele mesmo designa. É notório, ainda, que a arquitetura familiar que ilustra a relação entre humanos e não humanos (entendidos como outros seres vivos, mas também como entes geológicos) seja a da família extensa, contraposta à família nuclear própria do mundo burguês modernizado e ocidental. A família extensa
(...) incorpora primos, tias e tios, bem como membros da comunidade fora dos laços biológicos ou das concepções legais de família (...). Densas redes familiares tornam possível (...) distribuir recursos sociais para além dos domicílios particulares. Essas relações formam a base de uma comunidade de resposta e resistência ás injustiças sociais, econômicas e políticas (Flores, 2018, p. 466).
Assim, humanos e não humanos - que por critérios convencionais pertenceriam a duas esferas distintas - formam, segundo o Papa Francisco, uma rede de solidariedade e reciprocidade. Note-se, então, que Francisco invoca a imagem da Gemeinschaft polanyiana, da sociabilidade folk, como padrão institucional na relação entre a humanidade e a natureza não humana, e não a relação utilitária, contratual e impessoal própria das sociedades de mercado; vemos, então, uma clara iniciativa de contramovimento, de autoproteção da sociedade, entendida em sua dimensão pós-humana. Em relação comunitária e familiar com toda a natureza além de si, a humanidade deve pautar-se pelos princípios da reciprocidade e do afeto; se a Mãe Terra provê a subsistência humana, e permite a operação de uma economia substantiva, é justo e esperado que “os seres humanos retribuam os serviços prestados pela biosfera com serviços realizados por eles mesmos” (DeWitt, 2016, p. 273). Ou ainda, segundo Jiménez (2016, p. 192):
(...) a pessoa humana é responsável por sua própria vida e por suas relações com a natureza. Nenhuma outra criatura pode ser feita responsável por suas ações; pelo contrário, ao humano sim, ele pode e deve dar conta deles. A mais clara recusa em assumir esta responsabilidade é a resposta que Caim dá a Deus depois de assassinar Abel, “Por acaso sou guardião do meu irmão?” (Gn 4, 9). O ser humano recebeu uma dádiva muito grande para que pudesse dela tirar proveito dela, a Terra. No entanto, enquanto cada comunidade pode tirar da bondade da Terra o que dela precisa para sua sobrevivência, elas também têm o dever de protegê-la e garantir a continuidade de sua fertilidade para as gerações futuras.
Não é fortuita a escolha de Francisco; ela representa uma forma de enquadrar e interpretar a relação entre os seres humanos e a natureza não humana que rejeita o supremacismo, o especismo e o “antropocentrismo desviante” que marcaram a postura das civilizações industriais desde seu nascedouro. O Papa defende uma postura que recorre a uma genuína “bioética da esperança” (Jiménez, 2016, p. 190-192)9 que, através de sua “ecologia integral”, promova o “reencantamento do mundo” em contraposição ao utilitarismo simplista proveniente da modernização. “Para os cristãos, a fé em Deus definitivamente inclui o amor pela criação divina. Aqueles que não amam a criação não podem ser realmente, portanto, bons cristãos. A dimensão transcendental-espiritual é então parte e parcela de uma ecologia integral” (Marx, 2016, p. 305). Reencantar, recorrer ao discurso mítico, não implica rejeitar a ciência, muito pelo contrário. “Um entendimento integral e transdisciplinar do mundo une ciência aos valores humanos e vê o mundo como uma ecologia e economia sistemicamente conectadas, com equidade e justiça acessíveis através das ciências naturais e sociais, artes, e humanidades” (Zsolnai, 2017, p. 68).
Em tempos de crise climática, o Papa busca unir-se ao mundo científico na busca de conscientização e transformação, e lançar mão de estruturas míticas na construção de uma grande narrativa que reforce um lugar sustentável da humanidade na biosfera. Essa narrativa, ao assumir poder institucional (ou seja, de mediação de conflitos e de arbitragem na imposição de responsabilidades e concessão de direitos em uma sociedade), deve ser capaz então de funcionar como mecanismo de regulação capaz de enraizar a economia e os mercados, postos assim a serviço da continuidade da vida no Planeta. “Apenas um mercado que é obrigado a respeitar valores pode assegurar que a natureza ou os direitos das presentes e futuras gerações serão respeitados” (Marx, 2016, p. 303). E isso não seria reinventar a roda:
(...) todos os sistemas econômicos conhecidos por nós, até o fim do feudalismo na Europa Ocidental, foram organizados segundo os princípios de reciprocidade ou redistribuição, ou domesticidade, ou alguma combinação dos três (...). Dentro dessa estrutura, a produção ordenada e a distribuição dos bens era assegurada através de uma grande variedade de motivações individuais, disciplinadas por princípios gerais de comportamento. E entre essas motivações, o lucro não ocupava lugar proeminente. Os costumes e a lei, a magia e a religião cooperavam para induzir o indivíduo a cumprir as regras de comportamento, as quais, eventualmente, garantiam o seu funcionamento no sistema econômico (Polanyi, 2000, p. 75).
Contrapoder: articulação e credenciamento
O caminho de análise e reflexão feito até aqui nos fornece alguns elementos, com base nos quais podemos buscar uma resposta para a nossa pergunta inicial: é possível interpretar determinadas ações empreendidas pelo pontificado de Francisco como uma engrenagem da chamada autoproteção da sociedade? Combinando a reflexão de Sobrero sobre a contradição entre discurso e prática do mercado (Sobrero, 2012) com a análise de Block sobre as condições, em termos de poder e discurso, a partir das quais os atores sociais podem alterar as estruturas institucionais da sociedade de mercado (Block, 2008), a ideia é tentar decompor a dinâmica polanyiana - movimento e contramovimento - ao longo da linha de tensão entre fatos e valores, identificando desta forma quatro possíveis campos de análise:
Ao nos concentrarmos na última coluna do quadro, é possível, então, destacar como também a dinâmica do contramovimento, que intervém para proteger a sociedade do impacto das forças do mercado, vive uma tensão interna entre realidade e representação: entre uma ação de resistência e oposição material ao avanço do processo de mercantilização da terra, do trabalho e da moeda, e uma operação intelectual de desconstrução e desmascaramento da utopia do mercado autorregulado.
Consideremos as ações de Francisco destinadas a apoiar e credenciar a organização e a articulação desde baixo de jovens, fiéis, movimentos sociais e povos indígenas. Neste caso, trata-se de iniciativas que, embora lançadas em nível global, tendem a produzir resultados políticos dentro das várias realidades nacionais, sem afetar significativamente as relações entre os Estados e a dinâmica política internacional. Na realização dessas iniciativas, Francisco aposta tanto na solidariedade democrática, resultado da ação coletiva e voluntária, inspirada no valor da reciprocidade e na ajuda mútua, quanto na solidariedade redistributiva, fruto da ação pública em prol do bem-estar, visando garantir a coesão social e reduzir as desigualdades sociais (Laville, 2009, p. 63). Nos dois casos, a partir da mobilização e do exercício do conflito amadurecem consciência social e projeto político, ingredientes essenciais para ativar - em escala nacional - a dinâmica do contramovimento. Tanto Polanyi quanto Francisco acreditam em uma perspectiva de mudança radical, mas não repentina, que se desenvolve em termos homeostáticos. E também no terreno do contradiscurso, o objetivo é bloquear o avanço das forças do mercado; no entanto, a estratégia muda: não uma queda de braço, mas uma sutil operação intelectual, para desconstruir a utopia do mercado autorregulável, visando desmascarar seu conteúdo ideológico.
Que analogias podemos sugerir na estratégia contradiscursiva de Polanyi e de Francisco? Vejamos:
Passemos então a elas.
Contradiscurso: sotaque, timbre, palavras
Tanto Polanyi quanto Francisco vivem o imperativo de desarmar a ilusória utopia do mercado autorregulável. Para ambos, existe uma relação reflexiva entre história e teoria: a história gera teorias; as teorias condicionam a história. Portanto, é essencial, sobretudo em tempos de crise, vigiar o espaço da representação, para desmascarar as ideologias e devolver dignidade aos fatos. Nesse esforço constante de desconstrução, talvez seja possível discernir o sotaque de quem vem das margens do mundo e, tendo alcançado o centro, continua querendo ser “descentrado”, de si mesmo e do discurso do poder. Polanyi, vindo da Mitteleurope, já periferia, faz parte dessa geração de intelectuais10 que, de repente, com a queda do Império, acharam-se sem história.
No exílio contínuo, que o tornará cidadão do mundo, passa a maior parte da vida no compromisso com a educação dos trabalhadores, de Budapeste a Londres. Bergoglio, chamado a Roma desde o “fim do mundo”11, traz consigo, do Sul do planeta, toda a potência criativa das periferias12. Ambos acreditam no reconhecimento social dos mais humildes - os trabalhadores para Polanyi, os pobres para Francisco - como última chance de salvação para uma humanidade perdida, prisioneira das ficções do mercado. É com esse discernimento, que apostam estrategicamente no empoderamento.
É a longa duração da pesquisa etnológica que dá profundidade ao timbre de voz de Polanyi, com a qual denuncia o que o mercado autorregulado não é, mesmo pretendendo ser. A perspectiva etnográfica lhe permite dar conta da especificidade do sistema capitalista, como novidade recente na história da humanidade, que contrasta com milênios de mediação com o meio físico, institucionalizada por processos sociais coletivos. Em Francisco, é a longa duração de uma sabedoria milenar, capaz de revelar a falsidade da neutralidade do mercado e sugerir um caminho de humanização, feito de ternura, gratidão, escuta e diálogo (Francisco, 2015, p. 167). Ressoa em ambos o apelo para superar a dicotomia entre indivíduo e sociedade, reconhecendo a antiga lei da subsistência humana, distorcida pelas pretensões dos últimos dois séculos, para a qual à natureza é comandada e obediente (Sobrero, 2012, p. 293).
Voltar à vida, ocultada por trás da univocidade das palavras: Polanyi serve-se da lógica do paradoxo, com a qual consegue manter aberta a interrogação, desafiando a universalidade da ideologia e instando-nos a um salto de nível. Por outro lado, responde Francisco, com a prática de um pensamento que aspira ser aberto e incompleto, esquivando-se de toda síntese. Para permanecer em movimento, sem ilusórias pacificações, no caminho de uma eterna busca.
O liberalismo proclamou seus princípios como naturais: que todo humano é por natureza homo oeconomicus; que o desejo de ganho e lucro pessoal é uma disposição natural da espécie; que o mercado autorregulável é uma forma natural de troca e, como tal, a base da sociabilidade humana; que a sociedade capitalista é a expressão final e mais alta da história. Mas o que aconteceu com a natureza, vítima do sequestro por parte da retórica liberal? Reduzida a dispositivo de legitimação ideológica e despojada de toda fisicidade, a natureza é hoje um conceito abstrato, desprovido de substância, sem espacialidade, corporalidade e relações.
Diversamente, na pesquisa etnográfica de Polanyi e nas palavras de Francisco, a natureza está sempre encarnada na cultura: ela é contexto e limite, capaz de nos conter, de nos dar a medida, fonte de sabedoria e maturidade. O pensamento liberal deu origem à ilusão de uma liberdade sem limites, mas paradoxalmente é o próprio mercado que precisa de regras para gerenciar suas tensões internas: a exploração extrema da força de trabalho; o esgotamento acelerado dos recursos naturais; a multiplicação perversa da riqueza fictícia. O capitalismo vive na medida em que for possível deter essas contradições. No entanto, precisamente em relação ao poder, a ideologia liberal espalhou a ideia de um mundo no qual a força não teria mais nenhuma função: uma sociedade livre de coerção. No entanto, afirma Polanyi: “O poder e a compulsão fazem parte da realidade e não seria válido qualquer ideal que os banisse da sociedade” (Polanyi, 2000, p. 299).
O poder existe e é essencial, in primis, para garantir o funcionamento do mercado autorregulável; no entanto, se o reduzimos a instrumento de ordem pública, o esvaziamos de seu valor mais alto, privando-nos da própria possibilidade da política, entendida como lugar e ocasião privilegiados para a definição do horizonte de desenvolvimento geral da sociedade e para a construção do bem comum. Esse é o risco que corre a democracia em uma sociedade burguesa, onde a uma teoria econômica abstrata e ilusória corresponde uma ilusória e abstrata prática da democracia (Sobrero, 2012, p. 282). Uma sociedade e uma economia eficazes precisam de mercados, regulamentação governamental e instituições de mediação social. Nesse sentido, Polanyi e Francisco reivindicam uma institucionalidade que permita à sociedade se empenhar para alcançar objetivos políticos coletivos.
As classes sociais, a partir de interesses econômicos conflitantes, alimentam a dinâmica da mudança, mas são incapazes de determiná-la. Pelo contrário, são as instituições, entendidas como conjunto de mecanismos concretos para a realização de objetivos coletivos, o elemento-chave, capaz de promover ou bloquear a mudança, de abrir ou fechar desenvolvimentos políticos novos e inovadores. E de fazer prevalecer, na tensão perene entre mercado e sociedade, um conceito substantivo de liberdade positiva. À utopia liberal de uma liberdade sem limites, a qual muitas vezes corresponde uma realidade social de solidão e alienação, Francisco responde com o convite a nos reconhecermos como criaturas de Deus: capazes de relação, cuidado e gratuidade13; conscientes da beleza da vida, da inter-relação profunda entre todas as coisas e da riqueza inestimável da biodiversidade.
Descobrir-se como criaturas de Deus, filhos queridos em sua própria singularidade e unicidade, destinatários de amor e cuidado, transforma indivíduos solipsistas em sujeitos ativos. A partir dessa faculdade de relação e amor, que começamos a aprender graças aos cuidados que recebemos na infância, nasce o material social, a partir do qual é possível forjar relações de solidariedade e realizar ações que nunca se justificariam através de cálculos puramente egoístas. E, desta maneira, começar a construir contramedidas coletivas de proteção.
A antropologia relacional, proposta por Francisco na encíclica Laudato Si’, converge com as críticas de Polanyi ao individualismo liberal e à visão da vida social, como simples conglomerado de átomos, maximizadores de utilidade. Ao indicar um caminho para uma vida em plenitude, em equilíbrio harmonioso com a natureza viva e não viva, a exortação de Francisco estabelece uma relação íntima também com a filosofia e a prática do “buen vivir”, enraizadas na cosmovisão dos povos indígenas dos Andes. É o reconhecimento comum da dimensão sagrada da vida na Terra que coloca em relação saberes e cosmologias radicalmente diferentes, abrindo a possibilidade de um diálogo intercultural em torno da própria ideia de natureza, bem-estar, economia, riqueza, humanidade, responsabilidade e sustentabilidade.
Considerações finais
Na tentativa de aprofundar a atualidade do pensamento de Karl Polanyi, através da análise do pontificado do Papa Francisco, recorremos às trajetórias existenciais e intelectuais de duas figuras, que apresentam mais de um traço em comum. A análise da obra A Grande Transformação e o estudo da encíclica papal, Laudato Si’, nos permitiram estabelecer uma relação entre agenda, estratégias e políticas de Francisco e algumas categorias do pensamento de Polanyi. Combinando a tensão contraditória entre realidade e representação, ocultada na utopia do mercado autorregulável, com as formas, em termos de poder e discurso, através das quais se produz a resposta de proteção do contramovimento, identificamos dois campos de interesse, o contrapoder e o contradiscurso, declináveis respectivamente como espaços de resistência e desconstrução, dentro dos quais relemos a ação do Papa Francisco.
A ação de apoio e credenciamento, realizada pelo pontífice em prol da auto-organização desde baixo de jovens, fiéis, movimentos sociais e povos indígenas - iniciativas de contrapoder - pode ser considerada como engrenagem do contramovimento, entendido por Polanyi como fenômeno social. Semelhantemente, na categoria contradiscurso, achamos diversas analogias entre Polanyi e Francisco, no que diz respeito a pontos de vista, atitudes, metodologias, linguagem, visão política e perspectiva antropológica envolvidas nas duas narrativas, e escolhemos três imagens metafóricas - sotaque, timbre de voz e palavras -, para apresentá-las. Novamente, os resultados da analise nos levam a responder positivamente à pergunta inicial de pesquisa.
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Miguel Benasayag, nascido em Buenos Aires, Argentina, em 1946, é um filósofo e psicanalista conhecido por suas contribuições profundas e multifacetadas para o pensamento contemporâneo. Sua obra abarca uma ampla gama de temas, desde a filosofia política até a psicanálise, passando pela ética, epistemologia e questões relacionadas à saúde mental. Benasayag emergiu como uma figura proeminente no cenário intelectual da América Latina e além, trazendo uma perspectiva única e interdisciplinar para suas análises. Um dos aspectos mais marcantes de seu trabalho é sua abordagem crítica às estruturas de poder e dominação, tanto a nível social quanto psicológico. Ele desafia as normas estabelecidas, questionando as relações de poder e as formas como elas moldam nossas vidas e identidades. Sua visão engajada e provocativa busca promover a emancipação individual e coletiva, inspirando-se em correntes como o pensamento crítico e a psicanálise.
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O Antropoceno designa uma nova era geológica iniciada entre meados do século XIX e o fim da Segunda Guerra Mundial, em que o elemento determinante dos ciclos geológicos, climático e bióticos são as sociedades humanas posicionadas no topo da pirâmide de poder e riqueza global, com menor participação de sociedades semiperiféricas em sua “luta” pelo desenvolvimento de uma ampla base tecnológica e industrial. Em suma, no Antropoceno, a economia fóssil-industrial orientada pela noção de “desenvolvimento econômico” é entendida como o mais importante elemento perturbador dos ciclos geo-biológicos planetários A crise climática e a provável “sexta extinção” na história natural do Planeta estão associadas, portanto, à dimensão termodinâmica do funcionamento de sociedades humanas complexas. Há estudos clássicos sobre o Antropoceno que tendem a minimizar o impacto geológico desigual produzido por economias ditas “desenvolvidas” e economias na periferia do capitalismo. Entretanto, uma compreensão precisa sobre o Antropoceno deve apresentar sensibilidade em relação a problemas típicos da Economia Política Internacional, visto que o poder de perturbação geoclimática, e, por sua vez, a responsabilidade pela catástrofe ambiental, estão assimetricamente distribuídos entre as sociedades em nível global. Para exemplo da primeira orientação ver Steffen et al (2011). Para exemplo da segunda ver Steinberg (2019).
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O direito de propriedade, verdadeira instituição do livre mercado, não se impõe sozinho, mas exige uma ação política em vários níveis para que seja reconhecido, implementado e protegido na sociedade (Block, 2008, p. 25).
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A oposição liberdade versus sociedade torna-se oposição entre comunidade e sociedade; entre política e economia; entre o presente, como segurança do nosso lugar no mundo, e o futuro, como mudança; entre humanos e sociedade de máquinas; entre possibilidade de escolha e consumos de massa.
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Polanyi toma como referência Owen e sua capacidade de colocar o problema da democracia não de maneira abstrata e parcial, mas como conquista geral no contexto dos problemas econômicos, sociais e éticos de um ambiente urbano-industrial (Sobrero, 2012, p. 283).
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Com respeito a diferenças e semelhanças no funcionamento do duplo movimento na fase de hegemonia dos EUA em relação com o período histórico da hegemonia britânica, veja (Silver; Arrighi, 2003).
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Ayse Bugra e Kaan Agartan (2007) propõem considerar o conhecimento como quarta nova mercadoria fictícia.
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No âmbito dos estudos polanyianos discute-se em que medida os mercados de carbono consistem em uma iniciativa de autoproteção ou de defesa dos mercados autorregulados. Acompanhamos aqui a opinião de Stuart, Gunderson e Petersen (2019, p. 95): “A criação de mercados de carbono representa uma manobra defensiva por parte das elites econômicas para preservar o status quo e prosseguir a acumulação de capital de uns poucos ricos”.
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A encíclica Laudato Si’ tem uma nítida dimensão bioética no sentido seminal dado ao termo por Fritz Jahr, nos anos 1920. Jahr pensou a bioética como uma “busca pelo respeito pelo biológico, pela vida humana, animal e vegetal”. Invocou a importância da empatia e da compaixão para com a natureza não humana, e, principalmente, a atitude de socorro, de ajuda, de acolhimento a animais não humanos e vegetais. Seriam essas atitudes “parte das obrigações morais e sociais que os humanos devem uns aos outros”. Jahr compreendia a necessidade da aceitação de um imperativo bioético que contrastasse com o imperativo moral kantiano, fundamentalmente formal e que desconsidera tudo para além dos humanos (Jiménez, 2016, p. 188-190).
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Junto com, entre outros, Joseph Schumpeter, Karl Mannheim, Franz Kafka, Karl Popper e Ludwig Wittgenstein.
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“Bergoglio diz que seus colegas escolheram uma pessoa vinda “do fim do mundo” para ser papa. Fin del mundo é uma expressão casual na América Latina, tanto em espanhol quanto em português, que as pessoas usam para se referir a regiões que são tão distantes que ninguém se importa ou sabe a respeito” (Martins, 2018, p. 410).
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Como contrapartida às classificações de territórios “desprovidos”, “desfavorecidos”, “marginalizados”, “excluídos” ou “carentes”, opõe-se ao paradigma da ausência, “o poder inventivo” das periferias - traduzido por potência, ou pela capacidade de gerar respostas práticas e legítimas, que se configuram como formas contrahegemônicas de vida em sociedade (Fernandes; Silva; Barbosa, 2018, p. 8).
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Gratuito não significa “de graça”, sem preço, mas refere-se a algo de valor infinitamente grande, que nem tem nem pode ter preço.
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EDITOR RESPONSÁVEL PELA AVALIAÇÃO
Fabio Antonio de Campos
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Jan 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
12 Abr 2021 -
Aceito
19 Mar 2024