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Empresariamento da Formação Docente para a Educação Especial

RESUMO

Empresariamento da Formação Docente para a Educação Especial. Após a extinção da habilitação em Educação Especial no curso de Licenciatura em Pedagogia no ano de 2006, a formação inicial docente para atuação nessa modalidade passou a ser oferecida por meio da licenciatura em Educação Especial. Com o objetivo de traçar um panorama da disponibilização das Instituições de Ensino Superior que ofertam a referida licenciatura, foram realizadas análises documentais que evidenciam a expansão desse curso, principalmente a partir do ano de 2008, em instituições privadas e na modalidade a distância. Os resultados demonstram que esse processo se a ncora no discurso da democratização do acesso ao ensino superior, contribuindo para consolidar o processo de empresariamento da formação docente para atuação na Educação Especial.

Palavras-chave:
Formação Docente; Educação Especial; Educação a Distância

ABSTRACT

Entrepreneurship of Teaching Education for Special Education. After the extinction of the Special Education qualification in the Pedagogy Degree course in 2006, the initial teacher training for acting in this modality became available through the Special Education degree. In order to provide an overview of the availability of Higher Education Institutions that offer the mentioned course, documentary analyzes was conducted to show the expansion of this course, mainly in private institutions and in the distance modality as of 2008. The results demonstrate that the expansion of this process is anchored in the discourse of democratizing access to higher education, contributing to consolidate the entrepreneurial process of teacher education to work in Special Education.

Keywords:
Teacher Education; Special Education; Distance Education

Introdução

A exigência do nível superior para os professores da Educação Especial ocorreu no contexto da ditadura empresarial-militar, por meio das habilitações previstas para o curso de Licenciatura em Pedagogia, a partir da promulgação da lei n 5.540 de 28 de novembro de 1968, também conhecida como Reforma Universitária. Alguns autores como Saviani (2007SAVIANI, Demerval. Pedagogia: o espaço da Educação na universidade. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 130, p. 99-134, jan./abr. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n130/06.pdf> Acesso em: set. 2019.
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; 2012)SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 42. Ed. Autores Associados. Campinas, 2012., Michels (2017)MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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, Libâneo e Pimenta (1999)LIBÂNEO, José Carlos; PIMENTA, Selma Garrido. Formação de Profissionais da Educação: visão crítica e perspectiva de mudança. Educação & Sociedade, ano XX, n. 68, Campinas, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v20n68/a13v2068.pdf> Acesso em: set. 2019.
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, dentre outros, apontaram que a formação de professores nesse contexto foi reduzida à sua dimensão técnica, inclusive para atuação na modalidade, ao ser priorizado o ensino de procedimentos e recursos específicos para o desenvolvimento dos alunos então chamados excepcionais. Alguns autores, como Vaz (2013)VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. e Michels (2017)MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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, ainda afirmam que a habilitação em Educação Especial foi estruturada com base na vertente médico-psicológica1 1 Ainda no período da Idade Moderna, surgiu o modelo médico individual de deficiência, que consistiu em um conjunto de pressupostos e conhecimentos advindos das Ciências da Saúde, que passou a tratar a deficiência como um desvio do que poderia ser considerado normal, de acordo com padrões bio-fisiológicos. A partir de então, a deficiência adquiriu um status de falha, limitação e incapacidade, sendo explicada nos séculos seguintes segundo as diretrizes da biologia, da indústria, da estatística e da medicina, surgindo então, o indivíduo deficiente (Piccolo, 2012). , ao instituir a formação de professores especializados por modalidade de deficiência.

No Brasil, a partir da década de 1990, foi implementada uma série de reformas educacionais, embasadas pelas orientações de organismos multilaterais internacionais, que propuseram a criação de políticas sociais e educacionais inclusivas, que tiveram forte impacto no âmbito da formação docente, uma vez que os profissionais da educação passaram a ser apontados como os principais agentes da inclusão. Com a extinção das habilitações do curso de Pedagogia no ano de 2006, inclusive para a Educação Especial, a formação docente inicial para atuação junto aos alunos público-alvo dessa modalidade de ensino ficou sob responsabilidade das licenciaturas em Educação Especial e, também, por meio dos cursos de pós-graduação ou de outras propostas de formação continuada. Porém, é preciso destacar que as duas opções passaram a ser massivamente ofertadas por meio das Instituições de Ensino Superior (IES) privado e, prioritariamente, a distância.

Assim, o presente trabalho busca problematizar inicialmente as principais fases que marcaram a formação docente para atuação na modalidade da Educação Especial no Brasil, a fim de contribuir para o necessário debate sobre o modelo hegemônico que vem sendo instaurado no Brasil nessa modalidade de ensino. Esta reflexão se articula ao processo de empresariamento do ensino superior que ocorre no país a partir da Reforma do Estado Brasileiro, na década de 1990, no qual houve uma aproximação da educação com os parâmetros do mercado, e o conceito da educação, como direito social, presente na Constituição de 1988, foi esvaziado. Posteriormente, serão apresentados os resultados da análise documental realizada por meio de dados oficiais produzidos/divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais A nísio Teixeira (INEP) e pelo Cadastro Naciona l de Cursos e Instituições de Educação Superior (E-MEC).

Os dados analisados demonstram que, principalmente a partir da divulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>. Acesso em: nov. 2019.
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) houve um aumento considerável do quantitativo de instituições privadas que passaram a ofertar o curso de Licenciatura em Educação Especial na modalidade a distância. Com base nos apontamentos de autores que discutem a expansão do ensino superior por meio das instituições privadas que ofertam cursos a distância, compreende-se que as propostas de formação dos professores para a Educação Especial vêm ocorrendo de forma fragmentada, aligeirada e tecnicista, e, portanto, não se constituem em instrumentos que visam contribuir para a efetiva inclusão desses alunos no âmbito educacional brasileiro.

A Pedagogia Tecnicista Como Marca da Formação Docente Para a Educação Especial no Brasil

Pensar na formação docente para atuação junto aos alunos público-alvo da Educação Especial requer, ainda que de forma breve, que seja resgatada a inserção dessa modalidade educacional no curso de Licenciatura em Pedagogia. Durante algumas décadas, esse foi um dos principais espaços de formação docente para atuação nessa modalidade escolar. Pode-se afirmar que, mesmo que indiretamente, a formação de professores em nível superior para atuação junto a esse público-alvo teve início no ano de 1969, por meio do Parecer do Conselho Federal de Educação (CFE) n. 252/69. Este parecer resultou na Resolução CFE nº 2/69, que instituiu a formação de professores para o ensino normal e de especialistas para atividades determinadas.

No contexto da ditadura militar, a matriz curricular do curso de Pedagogia reestruturou-se em dois eixos de formação: o primeiro, composto por uma base comum, com a oferta de disciplinas como Sociologia da Educação, Psicologia da Educação, História da Educação, dentre outras; o segundo eixo era composto por disciplinas voltadas para habilitações específicas, tais como orientação educacional, administração escolar e supervisão escolar. Apesar da ainda inexistente discussão sobre Educação Especial nesses documentos oficiais, destaca-se que essa reestruturação do curso de Pedagogia fez com que, posteriormente, a modalidade educacional fosse incorporada como uma habilitação específica (Saviani, 2007SAVIANI, Demerval. Pedagogia: o espaço da Educação na universidade. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 130, p. 99-134, jan./abr. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n130/06.pdf> Acesso em: set. 2019.
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).

Cabe ressaltar que os documentos acima citados foram estruturados a partir da lei nº 5.540, promulgada em 28 de novembro de 1968, também conhecida como Reforma Universitária, que, segundo Michels (2017, p. 24)MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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, “[...] buscava atender às demandas de ascensão e prestígio sociais de uma classe média que apoiara o golpe de 1964 e reclamava recompensa”. De acordo com Saviani (2007)SAVIANI, Demerval. Pedagogia: o espaço da Educação na universidade. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 130, p. 99-134, jan./abr. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n130/06.pdf> Acesso em: set. 2019.
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, as habilitações previstas na Resolução CFE n. 2/69, implementadas um ano após a reforma, visavam à formação de técnicos com funções supostamente bem delineadas no âmbito das escolas e sistemas de ensino que configurariam um mercado de trabalho também supostamente já bem constituído, demandando profissionais com formações específicas. A utilização do termo supostamente explica-se pelo fato de que as funções dos denominados especialistas não estavam bem caracterizadas nas legislações correspondentes. Assim, a partir dessas questões, o curso de Pedagogia passou a ser estruturado conforme a lógica do mercado, uma vez que a formação ministrada nas escolas deveria estar a serviço das exigências deste. Nesse contexto, a questão educacional foi reduzida à sua dimensão técnica, e, portanto, justificava a formação de especialistas em educação por meio de poucas regras articuladas com o treinamento para sua aplicação no âmbito escolar (Saviani, 2007SAVIANI, Demerval. Pedagogia: o espaço da Educação na universidade. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 130, p. 99-134, jan./abr. 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cp/v37n130/06.pdf> Acesso em: set. 2019.
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).

Tecendo relações com a pedagogia tecnicista, Saviani (2012, p. 12-13)SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 42. Ed. Autores Associados. Campinas, 2012. apontou que uma das características dessa vertente era o parcelamento do trabalho pedagógico a partir da especialização de funções, sendo o elemento principal, a

[...] organização racional dos meios, ocupando o professor e o aluno posição secundária, relegados que são à condição de executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros, objetivos, imparciais.

Acerca dessas modificações no curso de Pedagogia deliberadas pela Resolução CFE n. 2/69, Libâneo e Pimenta (1999, p. 245)LIBÂNEO, José Carlos; PIMENTA, Selma Garrido. Formação de Profissionais da Educação: visão crítica e perspectiva de mudança. Educação & Sociedade, ano XX, n. 68, Campinas, 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/es/v20n68/a13v2068.pdf> Acesso em: set. 2019.
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afirmam que houve uma enorme fragmentação das tarefas, apontando como principais aspectos problemáticos desse tipo de formação

a) o caráter ‘tecnicista’ do curso e o consequente esvaziamento teórico da formação, excluindo o caráter da pedagogia como investigação do fenômeno educativo; b) o agigantamento da estrutura curricular que leva ao mesmo tempo a um currículo fragmentado e aligeirado; c) a fragmentação excessiva de tarefas no âmbito das escolas; d) a separação no currículo entre os dois blocos, a formação pedagógica de base e os estudos correspondentes às habilitações.

Nesse contexto, a formação de professores para atuar na Educação Especial passou a ser pensada em nível superior. Em consonância com os autores anteriormente citados, Michels (2017)MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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apontou que a especialização requerida ao professor de Educação Especial estava associada à racionalidade técnica e à ideia de eficiência e produtividade empregadas na educação. Dessa forma, o tecnicismo chegou à referida modalidade de ensino por meio da ênfase em técnicas e recursos específicos para o desenvolvimento dos alunos então chamados excepcionais. Nesse sentido, os professores das classes regulares receberiam formação pedagógica para atuarem em sala de aula, enquanto os especialistas teriam como foco de formação as especificidades de suas áreas (Michels, 2017MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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). A autora ainda pontua que com a centralidade da formação dos especialistas nas deficiências apresentadas pelos alunos, os cursos de Pedagogia “[...] pouco preparavam estes profissionais para atuarem como professores” (Michels, 2017MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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, p. 30).

A presença marcante da medicina e da psicologia, com base em categorias específicas de diagnósticos2 2 Os cursos de Pedagogia que passaram a oferecer habilitação específica para a Educação Especial o fizeram mediante a habilitação em Educação Especial ou por meio de quatro áreas específicas: Deficiência da Audiocomunicação ― ou Deficiência Auditiva ―; Deficiência Física; Deficiência Mental e Deficiência Visual (Michels, 2017, p. 33). na delimitação das disciplinas das habilitações, retirou a Educação Especial das discussões mais amplas que compunham essa área. As necessidades específicas dos discentes perdem a centralidade para as necessidades educacionais voltadas para as suas características individuais, sendo priorizadas, no processo de formação de professores, as técnicas e os recursos específicos, desconsiderando-se as análises do sistema educacional e suas expressões econômicas, políticas e sociais (Michels, 2017MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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), contribuindo, inclusive, para a permanência dos alunos público-alvo dessa modalidade excluídos da educação regular.

Omote (2003)OMOTE, Sadao. A formação do professor de Educação Especial na perspectiva da inclusão. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. Formação de Educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003. p. 153-169. Disponível em: <http://www.ice.edu.br/TNX/storage/webdisco/2007/11/22/outros/f64e00895a14fe18ee94201be9207390.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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afirmou que a legislação determinou a formação e a atuação de professores especializados por área de deficiência, com base na concepção de que cada uma constitui uma categoria específica. Portanto, apresentaria necessidades peculiares e próprias de seus integrantes, como por exemplo, materiais e metodologias específicas, assim como a formação de recursos humanos especializados. O autor completa afirmando que

Tudo isso constitui um contexto que justifica e legitima o uso de um rótulo como se fosse uma síntese de tudo que a pessoa rotulada é e pode vir a ser. Esse contexto justifica e legitima também a padronização e indiferenciação do tratamento – informal no cotidiano e ritualizado na forma de procedimentos educativos ou terapêuticos – destinado a pessoas de uma mesma categoria específica (Omote, 2003OMOTE, Sadao. A formação do professor de Educação Especial na perspectiva da inclusão. In: BARBOSA, Raquel Lazzari Leite. Formação de Educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 2003. p. 153-169. Disponível em: <http://www.ice.edu.br/TNX/storage/webdisco/2007/11/22/outros/f64e00895a14fe18ee94201be9207390.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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, p. 160).

Esse modelo reforçava a ideia de que haveria um padrão, um método único a ser seguido e ensinado aos alunos público-alvo da Educação Especial. No âmbito educacional, mundialmente, até a década de 1970, os serviços da modalidade especial eram ofertados para crianças e jovens que eram impedidos de acessar a escola comum ou para os que não conseguiam avançar no processo de escolarização. Portanto, configura o caráter segregacionista imposto à Educação Especial, contribuindo para que essa modalidade se constituísse como um sistema paralelo ao sistema educacional geral (Mendes, 2006MENDES, Enicéia Gonçalves. A Radicalização do Debate Sobre Inclusão Escolar no Brasil. Revista Brasileira de Educação, v. 11 n. 33 set./dez. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n33/a02v1133.pdf>. Acesso em: nov. 2019.
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).

A década de 1990 constituiu-se como um período marcado por reformas na educação brasileira por meio da elaboração de documentos oficiais, leis, diretrizes e decretos, que foram embasados pelas recomendações de Organizações Multilaterais (OMs) internacionais, com destaque para o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). De acordo com Libâneo (2014)LIBÂNEO, José Carlos. Internacionalização das Políticas Educacionais: elementos para uma análise pedagógica de orientações curriculares para o ensino fundamental e de propostas para a escola pública. In: SILVA, Abádia da; CUNHA, Célio da (Org.). Educação Básica: políticas, avanços, pendências. Campinas: Autores Associados, 2014. P. 13-56., tais orientações tinham como objetivo reforçar a concepção de que a educação fosse utilizada como subsistema do aparato produtivo, alinhada aos interesses corporativos empresariais de vincular políticas educacionais à produtividade do trabalho.

Triches (2016)TRICHES, Jocemara. A Internalização da Agenda do Capital em Cursos de Pedagogia de Universidades Federais (2006-2015). 2016. 400 f. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. apontou que as reformas implantadas desde a década de 1990, em consonância com as indicações sugeridas pela Conferência Mundial de Educação para Todos, atingiam diretamente a formação e o trabalho docente. A mesma autora afirmou que o slogan Educação para Todos direcionou esforços principalmente para a educação básica, por meio do predomínio da escolarização para o trabalho simples. A Conferência teve a participação de representantes de 155 países e, em seu artigo 3º, no item 5, determinou que

As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiências requerem atenção especial. É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte integrante do sistema educativo (Unesco, 1998UNESCO. Declaração Mundial Sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, 1998. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf>. Acesso em: nov. 2019.
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).

Especificamente no Brasil, essa declaração passou a influenciar e reforçar as políticas educacionais em prol da universalização da educação básica. Porém, suas ideias foram produzidas pelas OMs, que seguiam uma visão pragmática de qualidade de ensino, fortemente baseadas nos pressupostos do mercado. Com a influência do ideário neoliberal3 3 Desde o final dos anos 1980, o termo neoliberalismo vem sendo utilizado para se referir a um novo tipo de ação estatal, a uma nova configuração da economia e a um novo tipo de pensamento político e econômico. Dentre suas principais características, destacam-se a privatização de empresas estatais, a desregulamentação dos mercados (de trabalho e financeiro) e a transferência de parcelas crescentes da prestação de serviços sociais para o setor privado (Galvão, 2008). no Brasil, as políticas educacionais passaram a substituir o ideal de igualdade de condições pelo de equidade de oportunidades. O aluno tornou-se responsável pelo seu sucesso ou fracasso escolar e somente o fato de estar na escola, já aparecia como garantia da diminuição das desigualdades sociais, encobrindo o debate sobre a finalidade e a baixa qualidade de aprendizagem que eram oferecidas (Pletsch, 2010PLETSCH, Márcia Denise. Repensando a Inclusão Escolar: diretrizes políticas, práticas curriculares e deficiência intelectual. Rio de Janeiro: Nau: Edur, 2010.).

Ainda sobre a Conferência Mundial de Educação para Todos, Padilha (2014)PADILHA, Caio Augusto Toledo. Educação e inclusão no Brasil (1985-2010). 2014. 391 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. afirmou que o documento originário do encontro atentava para a questão da problemática da realidade educacional mundial. Neste documento, foi destacado que era necessário que os países buscassem combater conjuntamente as disparidades econômicas, direcionando os recursos financeiros e humanos para o âmbito educacional e que desenvolvessem políticas sociais e econômicas que respaldassem as ações educacionais.

Formação Docente Para a Educação Especial no Contexto das Políticas Inclusivas

No Brasil, durante a década de 1990 e o início dos anos 2000, os atendimentos da modalidade da Educação Especial poderiam ser realizados tanto na escola regular quanto na escola especial, assim como em ambientes não escolares, como em classes hospitalares e por meio de atendimento domiciliar. Nesse contexto, o atendimento especializado tinha como objetivo apoiar, suplementar ou substituir os serviços educacionais comuns. Garcia (2017)GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Disputas Conservadoras na Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. In: GARCIA, Rosalba Maria Cardoso (Org.). Políticas de Educação Especial no Brasil no Início do Século XXI. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. aponta que tal diversificação justificava-se como forma de contemplar uma grande variedade de necessidades apresentadas pela heterogeneidade do alunado dessa modalidade educacional.

Especificamente sobre a formação docente para atuação junto aos alunos público-alvo da Educação Especial, Michels (2017)MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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aponta que durante a década de 1990, com a influência dos organismos internacionais, a discussão sobre a inclusão passou a ter centralidade no Brasil, destacando-se a questão da política de inclusão, a flexibilização curricular, a preparação da escola regular para recebimento dos alunos considerados diferentes e, consequentemente, da necessidade da criação de técnicas e recursos que poderiam auxiliar nesse processo. Nesse contexto, a formação docente para atuação junto a esse público também ganhou destaque, uma vez que os professores passaram a ser considerados os principais agentes do processo inclusivo desse alunado no ensino regular (Michels, 2017MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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).

Vaz e Michels (2017)VAZ, Kamille; MICHELS, Maria Helena. O Escárnio de uma Política: a formação para os professores da Educação Especia l no Brasil no século X X I. In: MICHELS, Maria Helena (Org.). A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 59-88. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
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apontaram que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) pode ser considerada um importante marco para a formação desses professores, uma vez que estabeleceu que os sistemas de ensino deveriam assegurar aos educandos com necessidades especiais professores com especialização adequada em nível médio ou superior para o atendimento especializado, assim como professores capacitados para atuação no ensino regular, com vistas a promover a integração desses discentes nas classes comuns. Tal normativa estabeleceu que o apoio especializado deveria ser ofertado preferencialmente nas escolas regulares, incentivando a matrícula desses alunos nos estabelecimentos educacionais comuns, apesar da permanência da oferta do atendimento em classes e escolas especiais.

Assim, enquanto a Educação Especial era entendida na LDBEN de 1996 como uma modalidade educacional que desenvolveria um trabalho específico sobre as deficiências dos alunos público-alvo, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) configurava-se como um conjunto de recursos dentro de um espaço físico nas escolas regulares, com a função de desenvolver e aplicar técnicas que pudessem auxiliar a adaptação desse público ao ensino regular. Sobre esse ponto, Vaz (2013)VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. apontou que a forma como a Educação Especial passou a ser exposta na legislação brasileira poderia incentivar o pensamento de que a modalidade de ensino se reduziria ao AEE enquanto um serviço ofertado no ensino regular.

As orientações das OMs que influenciaram fortemente o desenvolvimento das políticas educacionais no Brasil, principalmente a partir da década de 1990, também expressaram a necessidade do desenvolvimento de políticas sociais inclusivas. A partir de análise documental dos discursos que sustentaram as políticas de inclusão, Garcia (2017)GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Disputas Conservadoras na Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. In: GARCIA, Rosalba Maria Cardoso (Org.). Políticas de Educação Especial no Brasil no Início do Século XXI. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. apontou que tais orientações eram permeadas por três matizes discursivos: gerencial, humanitário e pedagogizante. Com relação ao matiz gerencial, a autora destacou que pôde identificar tal concepção a partir dos discursos que defendiam mudanças no âmbito da administração pública, e, nesse contexto, a educação passou a ser afirmada como um serviço e, portanto, poderia ser ofertada pelos setores privados por meio do estabelecimento de um contrato de gestão com o Estado. Já o matiz humanitário pôde ser percebido a partir da identificação da utilização dos conceitos de justiça social, solidariedade e pertencimento, que por serem identificados como politicamente corretos, eram utilizados no sentido de divulgar uma sociedade inclusiva e equitativa. Por fim, o matiz pedagogizante relaciona-se ao discurso de que as mudanças ocorridas na sociedade requereriam a promoção de “[...] aprendizagens adequadas aos novos tempos” (Garcia, 2017GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Disputas Conservadoras na Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva. In: GARCIA, Rosalba Maria Cardoso (Org.). Políticas de Educação Especial no Brasil no Início do Século XXI. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017., p. 23). Nesse sentido, os discursos políticos sobre a inclusão passaram a apontar um determinado padrão de aprendizagens e um perfil com a definição de competências para a formação dos professores.

A proposta inclusiva ganhou destaque nas políticas educacionais brasileiras por meio da inserção compulsória do público-alvo da Educação Especial nas redes de ensino regular e da implantação de um modelo padrão de AEE. Vaz (2013)VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. afirma que o termo inclusão passou a ser amplamente difundido nos documentos oficiais visando à construção e manutenção do projeto de sociedade da classe dominante, marcando presença nos debates da área da educação e nas políticas brasileiras de Educação Especial na perspectiva inclusiva, principalmente, a partir dos dois mandatos do governo Lula (2003-2010) e no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff (2011-2014). Borowsky (2010)BOROWSKY, Fabíola. Fundamentos Teóricos do Curso de Aperfeiçoamento de Professores para o Atendimento Educacional Especializado: novos referenciais? 2010. 142 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. destaca que a palavra inclusão passou a ser utilizada nas normativas brasileiras enquanto oposição ao conceito de exclusão, aparecendo, em muitos casos, associada a outros conceitos que descrevem inúmeras situações de grupos historicamente considerados segregados da sociedade. Nesse contexto, a Educação Especial passou a ser considerada nas políticas educacionais como educação inclusiva.

No conjunto de políticas implementadas no início do século XXI, no final do governo Fernando Henrique Cardoso, era sugerido que o professor de Educação Especial fosse diferenciado dos demais da escola, pela necessidade de uma formação específica, que poderia ser realizada por meio da licenciatura em Educação Especial4 4 Na década de 1980, o curso de Licenciatura em Educação Especial passou a ser uma opção para a formação de professores de Educação Especial, contando inicialmente com as habilitações em deficiência mental e deficiência da audiocomunicação (Michels, 2017). , licenciatura em Pedagogia com habilitação em Educação Especial ou, ainda, por meio de especialização em nível de pós-graduação lato sensu na área. Porém, a formação de professores nos cursos de Pedagogia sofreu uma significativa alteração no ano de 2006, com a divulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (DCNP) (Brasil, 2006BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. Acesso em: nov. 2019.
http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
), que extinguiram todas as habilitações específicas nas licenciaturas, inclusive a habilitação em Educação Especial. A partir de então, a formação docente passou a ser assentada sobre três eixos: docência, gestão e produção de conhecimento. De acordo com Evangelista e Triches (2009)EVANGELISTA, Olinda; TRICHES, Jocemara. Reconversão, Alargamento do Trabalho Docente e Curso de Pedagogia no Brasil. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 4., 2009, São Luís. Anais... São Luís: Universidade Federal do Maranhão, 2009., a resolução que regulamentou as DCNP expressa uma concepção de docência instrumental, uma vez que o professor foi considerado como executor de tarefas para as quais não teria formação consistente. Assim, o alargamento dessa formação corresponderia também a um alargamento das funções docentes. As autoras ainda destacaram que

[...] a Resolução n. 1/2006 expressa as diretrizes para um processo de reconversão docente que, por um lado, amplia o campo de atuação do Licenciado em Pedagogia, por outro, este alargamento da formação, desprovido de fundamentação teórica, conduz à indefinição de seu perfil profissional (Evangelista; Triches, 2009EVANGELISTA, Olinda; TRICHES, Jocemara. Reconversão, Alargamento do Trabalho Docente e Curso de Pedagogia no Brasil. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 4., 2009, São Luís. Anais... São Luís: Universidade Federal do Maranhão, 2009., p. 1).

Nesse contexto, para que os professores pudessem ser capazes de formar sujeitos que futuramente iriam desempenhar predominantemente funções simples no mercado de trabalho, seria necessário reconverter seu perfil profissional (Evangelista; Triches, 2009EVANGELISTA, Olinda; TRICHES, Jocemara. Reconversão, Alargamento do Trabalho Docente e Curso de Pedagogia no Brasil. In: JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, 4., 2009, São Luís. Anais... São Luís: Universidade Federal do Maranhão, 2009.). As reformas na formação docente, em conformidade com as demandas do capital, exigiam um profissional polivalente e flexível, estando ancoradas na teoria do capital humano. Triches (2016)TRICHES, Jocemara. A Internalização da Agenda do Capital em Cursos de Pedagogia de Universidades Federais (2006-2015). 2016. 400 f. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. aponta que o trabalho humano, quando qualificado por meio da educação, se constituiria em um dos mais importantes meios para a ampliação da produtividade econômica, e, consequentemente, do lucro do capital. Nesse sentido, aplicada ao âmbito educacional, a ideia de capital humano

[...] gerou toda uma concepção tecnicista sobre o ensino e sobre a organização da educação, o que acabou por mistificar seus reais objetivos. Sob a predominância desta visão tecnicista, passou-se a disseminar a ideia de que a educação é o pressuposto do desenvolvimento econômico, bem como do desenvolvimento do indivíduo, que, ao educar-se, estaria ‘valorizando’ a si próprio, na mesma lógica em que se valoriza o capital (Triches, 2016TRICHES, Jocemara. A Internalização da Agenda do Capital em Cursos de Pedagogia de Universidades Federais (2006-2015). 2016. 400 f. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016., p. 48).

De acordo com Vaz (2013)VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013., a Teoria do Capital Humano vincula a educação ao projeto de desenvolvimento econômico do país, com o objetivo de submeter o processo educacional aos anseios do mercado, formando os sujeitos para os novos postos de trabalho e vinculando sua formação ao setor produtivo. Nesse contexto, os alunos público-alvo da Educação Especial deveriam também ser escolarizados para tornaremse produtivos ao capital, e a inserção desses alunos no âmbito escolar deveria “[...] garantir uma formação que possibilitasse ao sujeito ser produtivo na sociedade da qual faz parte, além de esse ter condições, mesmo que mínimas, de prover sua subsistência” (Vaz; Michels, 2017VAZ, Kamille; MICHELS, Maria Helena. O Escárnio de uma Política: a formação para os professores da Educação Especia l no Brasil no século X X I. In: MICHELS, Maria Helena (Org.). A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 59-88. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/...
, p. 64).

Triches (2016)TRICHES, Jocemara. A Internalização da Agenda do Capital em Cursos de Pedagogia de Universidades Federais (2006-2015). 2016. 400 f. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. teceu críticas às DCNP ao afirmar que essa proposta de formação pôde contribuir para o processo de intensificação do trabalho docente, em razão do alargamento das funções que um determinado professor poderia ter que exercer em uma jornada de trabalho5 5 De acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno n. 1/2006, o estudante formado no curso de Pedagogia poderia atuar como docente na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos norma is e de Educação Profissional de nível médio, na Educação Especial, na Educação de Jovens e Adultos, e na Educação Indígena e Quilombola; como gestor, na área de especialistas, em orientação ou supervisão educacional e, por fim, como pesquisador em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Brasil, 2006). . Esse fato exigiria a disponibilização de profissionais polivalentes, denominados pela autora como superdocentes, que atuariam para manutenção das relações capitalistas pelo fato de esses sujeitos serem responsabilizados por sua adaptação às demandas e por sua condição profissional. A mesma autora apresenta duas principais faces da superdocência: por um lado, o docente apresenta-se enquanto um profissional que deve ser resistente no trabalho devido à característica polivalente da docência, para que, assim, consiga exercer funções e tarefas variadas, flexíveis e adaptáveis às demandas do Estado e do mercado; por outro lado, o superdocente apresenta-se fragilizado devido, principalmente, à sua formação fragmentada e esvaziada teoricamente, pela quantidade de temas, disciplinas e cargas horárias restritas (Triches, 2016TRICHES, Jocemara. A Internalização da Agenda do Capital em Cursos de Pedagogia de Universidades Federais (2006-2015). 2016. 400 f. Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.).

Com a extinção das habilitações, a formação do professor para atuação na Educação Especial ficou a cargo, principalmente, da formação continuada, em cursos de especialização e pós-graduação, geralmente à distância, possibilitando que profissionais formados em diversas áreas atuassem no AEE. Nesse cenário, a formação de professores para o AEE, e não especificamente para a Educação Especial, foi amparada por uma série de documentos produzidos pelo Ministério da Educação, com orientações sobre o desenvolvimento de políticas de educação inclusiva especificamente voltadas para os alunos público-alvo dessa modalidade.

Novas Configurações na Formação Docente para a Educação Especial

Com a crescente incorporação do discurso inclusivo nas políticas educacionais brasileiras, a formação docente para atuação na Educação Especial firmou-se como uma importante estratégia para a consolidação da inclusão dos alunos público-alvo dessa modalidade nas escolas regulares. Uma das ações para alcance desse objetivo foi o lançamento do programa Educação Inclusiva: direito à diversidade no ano de 2003, tendo como principal objetivo capacitar os professores das escolas regulares para o trabalho junto a esse alunado. Vaz (2013, p. 121)VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. afirma que esse programa se constituiu como uma “[...] estratégia de convencimento e disseminação da política de inclusão escolar, no contraponto à segregação e à discriminação presente nas escolas”.

Borowsky (2010)BOROWSKY, Fabíola. Fundamentos Teóricos do Curso de Aperfeiçoamento de Professores para o Atendimento Educacional Especializado: novos referenciais? 2010. 142 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010., ao analisar as diretrizes do Curso de Aperfeiçoamento de Professores para o Atendimento Educacional Especializado oferecido pelo Ministério da Educação e que se constitui uma ação dentre as previstas no Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, sinaliza que os cursos de formação continuada são pautados em uma perspectiva prática, instrumental e tecnicista, já que há grande enfoque nos métodos, instrumentos e técnicas de trabalho no AEE, reduzindo o trabalho do professor a funções práticas. A primeira edição do curso aconteceu no ano de 2007, sendo desenvolvido um software pelo Ministério da Educação, permitindo que o curso tivesse cerca de 87% de sua carga horária organizada na modalidade a distância. Nesse mesmo ano, foi divulgado o documento Atendimento Educacional Especializado – Orientações Gerais e Educação à Distância, que apontava alguns benefícios com relação à Educação a Distância (EaD), como por exemplo, oferta de formação para um maior número de pessoas, independente do espaço físico; abrangência de grande extensão territorial e a oferta da possibilidade de os professores e alunos conseguirem planejar sua rotina de estudos em conciliação com suas atividades particulares. Porém, a disseminação da formação ao maior número de pessoas possível produz como uma de suas principais consequências uma formação aligeirada e precarizada (Vaz, 2013VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.).

Nesse sentido, Borowsky (2010)BOROWSKY, Fabíola. Fundamentos Teóricos do Curso de Aperfeiçoamento de Professores para o Atendimento Educacional Especializado: novos referenciais? 2010. 142 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. aponta que as políticas para a Educação Especial e para formação de professores dessa área expressam as contradições que permeiam o Estado e o sistema capitalista, uma vez tais políticas se materializam, principalmente, por meio da formação continuada, realizada durante o serviço, “[...] o que garante economia de tempo e dinheiro ao Estado, e na modalidade a distância, sob o discurso da democratização do ensino, oferecendo uma formação rápida e com custos menores a milhares de professores no país” (Borowsky, 2010BOROWSKY, Fabíola. Fundamentos Teóricos do Curso de Aperfeiçoamento de Professores para o Atendimento Educacional Especializado: novos referenciais? 2010. 142 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010., p. 17). Em acordo com essa afirmação, Vaz (2013, p. 132)VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. afirma que a formação de professores para a Educação Especial baseiase na corrente que visa “[...] formar esses profissionais de forma rápida e barata para o Estado”. Tal corrente consolida-se como uma estratégia para a realização da política de inclusão escolar que prioriza a formação continuada e em serviço para atuação no AEE.

Como consequência da extinção das habilitações, coube aos cursos de licenciatura em Educação Especial a possibilidade de formação inicial desses profissionais. Reforçou-se, assim, a formação de professores especializados nesse campo para atuação tanto na escola quanto nos espaços previstos para a Educação Especial, tendo como direcionador o modelo médico-psicológico, ao centrar a preocupação no diagnóstico das deficiências. Destarte, a precarização da formação torna-a uma ação sem retorno pedagógico pelo seu caráter superficial, uma vez que se direciona para o conhecimento técnico das deficiências, eliminando-se o caráter teórico que possibilitaria a reflexão sobre os processos vivenciados na escola (Vaz, 2013VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.).

Assim, com o objetivo de traçar um panorama das Instituições de Ensino Superior (IES) que ofertam o curso de Licenciatura em Educação Especial no Brasil, assim como identificar o quantitativo de matrículas realizadas nessas instituições, foram selecionados como instrumentos para a coleta de dados o Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior/E-ME C e as Sinopses Estatística s da Educação Superior – Graduação divulgadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Para identificação das IES foi utilizado o recurso de Consulta Avançada disponível no site do E-MEC6 6 Disponível em: <https://emec.mec.gov.br/>. , selecionada a opção Curso de Graduação e, em seguida, utilizado o descritor Educação Especial na opção Curso. Também foi selecionada a opção Em atividade, no item Situação para busca de IES que estavam ativas no momento da busca, sendo desprezados os resultados que indicavam a suspensão do funcionamento do curso de Licenciatura em Educação Especial ou o status de Não iniciado.

Assim, como primeira ação, foi realizada uma consulta no dia 19 de março de 2020 no site do E-MEC, sendo nela encontrados 28 cursos de graduação em Licenciatura em Educação Especial atualmente em atividade, distribuídos da seguinte forma:

Tabela 1 Instituições que Ofertam Licenciatura em Educação Especial na Modalidade Presencia
Presencial
Instituição UF Região Ca tegoria administrativa
1. Faculdade de Desenvolvimento do Norte MG Sudeste Privada com fins lucrativos
2. Faculdade Verde Norte MG Sudeste Privada com fins lucrativos
3. Instituto Superior de Educação Ibituruna MG Sudeste Privada com fins lucrativos
4. Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí SC Sul Privada sem fins lucrativos
5. Universidade do Contestado SC Sul Privada sem fins lucrativos
6. Universidade do Sul de Santa Catarina SC Sul Privada sem fins lucrativos
7. Universidade Federal de São Carlos SP Sudeste Pública/Federal
8. Universidade Federal de Santa Maria RS Sul Pública/Federal
9. Universidade Regional de Blumenau SC Sul Pública/Municipal
  • Fonte: Elaboração própria com base nos dados disponibilizados no site https://emec.mec.gov.br/.
  • Em análise dos dados apresentados, é possível afirmar que cerca de 67% das instituições que ofertam o curso de Licenciatura em Educação Especial na modalidade presencial são privadas, com ou sem fins lucrativos, e 33% são públicas. A seguir, serão apresentados os dados com relação às instituições que ofertam esse curso na modalidade a distância no Brasil:

    Tabela 2 Instituições que Ofertam Licenciatura em Educação Especial na Modalidade a Distância
    A distância
    Instituição UF Região Categoria administrativa
    1. Centro Universitário Cidade Verde PR Sul Privada com fins lucrativos
    2. Centro Universitário Claretiano SP Sudeste Privada sem fins lucrativos
    3. Centro Universitário da Serra Gaúcha RS Sul Pr ivada com fins lucrativos
    4. Centro Universitário de Excelência Eniac SP Sudeste Privada com fins lucrativos
    5. Centro Universitário de Jaguariúna SP Sudeste Privada com fins lucrativos
    6. Centro Universitário Facvest SC Sul Privada com fins lucrativos
    7. Centro Universitário Faveni SP Sudeste Privada com fins lucrativos
    8. Centro Universitário Internacional PR Sul Privada com fins lucrativos
    9. Centro Universitário Leonardo Da Vinci SC Sul Privada com fins lucrativos
    10. Centro Universitário São Lucas RO Norte Privada com fins lucrativos
    11. Faculdade de Ciências, Educação, Saúde, Pesquisa e Gestão RJ Sudeste Privada com fins lucrativos
    12. Universidade Cidade de São Paulo SP Sudeste Privada com fins lucrativos
    13. Universidade Cruzeiro do Sul SP Sudeste Privada com fins lucrativos
    14. Universidade de Franca SP Sudeste Privada com fins lucrativos
    15. Universidade de Taubaté SP Sudeste Pública/Municipal
    16. Universidade do Contestado SC Sul Privada sem fins lucrativos
    17. Universidade Federal de Santa Maria RS Sul Pública/Federal
    18. Universidade Metropolitana de Santos SP Sudeste Privada sem fins lucrativos
    19. Universidade Santa Cecília SP Sudeste Privada sem fins lucrativos
  • Fonte: Elaboração própria com base nos dados disponibilizados no site https://emec.mec.gov.br/.
  • Cabe destacar que dentre as instituições que ofertam o curso, tanto na modalidade presencial quanto a distância, somente a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade Regional de Blumenau (FURB) e a Universidade de Taubaté (UNITAU) são públicas. Com base na análise das tabelas apresentadas, é possível identificar que, majoritariamente, a oferta atual do curso de Licenciatura em Educação Especial concentrase em instituições privadas com fins lucrativos, na modalidade a distância, localizadas nas regiões sul e, principalmente, sudeste do país. Este último fenômeno citado é denominado por Ristoff (2008, p. 43)RISTOFF, Dilvo. Educação Superior no Brasil: 10 anos pós-LDB: da expansão à Democratização. In: BITTAR, Mariluce; OLIVEIRA, João de; MOROSINI, Marília (Org.). Educação Superior no Brasil: 10 anos pós LDB. Brasília: INEP, 2008. P. 39-50. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/informacao-da-publicacao/-/asset_publisher/6JYIsGMAMkW1/document/id/492421>. Acesso em: set. 2020.
    http://portal.inep.gov.br/informacao-da-...
    como Sudestificação da educação superior, demonstrando a existência de grande desequilíbrio regional na disponibilização das IES no país. Esse fato ainda aponta que a abordagem sobre a ampliação do acesso possibilitada pela expansão das IES no Brasil deve também considerar a desigualdade regional. Em análise dos dados apresentados nas Sinopses Estatísticas da Educação Superior – Graduação, divulgadas pelo INEP, no ano de 2018, foram reconhecidas 2.537 IES, dentre públicas e privadas em todo território nacional, sendo que somente a região sudeste é responsável pela disponibilização de 1.126 IES, ou seja, aproximadamente 44% das instituições de todo o país (Brasil, 2018BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Sinopses Estatísticas da Educação Superior – Graduação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior>. Acesso em: set. 2020.
    http://portal.inep.gov.br/web/guest/sino...
    ).

    Sobre a expansão do ensino superior no Brasil, Borges (2015, p. 260)BORGES, Maria Célia. A Formação de Professores nos Projetos de Expansão das Universidades Públicas – desafios e possibilidades. Revista Científica e-Curriculum, São Paulo, v. 13, n. 2 p. 252-279, abr./jun. 2015. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/curriculum/article/download/13849/16971>. Acesso em: set. 2020.
    https://revistas.pucsp.br/curriculum/art...
    destaca que, impulsionada principalmente nos governos do Partido dos Trabalhadores, esse fenômeno se deu, prioritariamente nas instituições privadas, por meio de um processo de crescimento desordenado, em detrimento da qualidade, uma vez que “[...] muitas escolas foram criadas sem corpo docente especializado e qualificado, sem infraestrutura mínima e necessária ao funcionamento e, ainda, com acesso restrito a uma camada da população”.

    É necessário destacar que, com exceção da UFSM, que foi criada na década de 1980, ainda pôde ser verificado por meio da consulta ao EMEC que os cursos de Licenciatura em Educação Especial em todas as demais IES foram criados a partir do ano de 2008. Em análise do Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Especial da UFSCar, é possível encontrar uma série de justificativas sobre a necessidade da existência das graduações de formação docente para atuação na referida modalidade, uma vez que

    [...] se as oportunidades de formação no nível superior em nível de graduação já são escassas, elas se afunilam ainda mais no âmbito da pós-graduação [...] esse nível potencializaria tanto uma melhor qualificação do profissional em relação ao nível médio, quanto uma ampliação nas oportunidades de formação, em comparação com a exigência do nível de especialização (Ufscar, 2012UFSCAR. Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Especial. Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2012. Disponível em: <http://www.cleesp.ufscar.br/curso/projeto-politico-pedagogico>. Acesso em: nov. 2019.
    http://www.cleesp.ufscar.br/curso/projet...
    , p. 9).

    No mesmo documento analisado, ainda é citado que diante da extinção das habilitações em Educação Especial dos cursos de Pedagogia, a única solução possível para o futuro da formação docente para atuação nessa modalidade seria o abandono da formação híbrida, tanto para o ensino regular quanto para o especial e a adoção de uma proposta de licenciatura exclusiva e específica em Educação Especial (Ufscar, 2012UFSCAR. Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura em Educação Especial. Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2012. Disponível em: <http://www.cleesp.ufscar.br/curso/projeto-politico-pedagogico>. Acesso em: nov. 2019.
    http://www.cleesp.ufscar.br/curso/projet...
    ). Especificamente com relação à licenciatura em Educação Especial, Vaz (2013)VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. tece críticas ao curso uma vez que propõe a diferenciação entre os profissionais que poderão atuar na sala de aula regular ou exclusivamente com os alunos público-alvo da modalidade.

    De acordo com a autora, essa dicotomização profissional seria no mínimo contraditória, uma vez que os documentos oficiais já indicavam a inclusão dos alunos da Educação Especial preferencialmente no âmbito regular de ensino e, nesse caso, os professores que atuavam nas classes regulares também deveriam atuar com esse alunado. A autora prossegue sua crítica afirmando que, para esses docentes, também seria necessária uma formação que possibilitasse a atuação juntamente a esse público e que a formação com sólida base pedagógica seria indispensável para os que iriam atuar exclusivamente com os alunos da Educação Especial (Vaz, 2013VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.).

    Com relação ao marco temporal para a implantação dos cursos de Licenciatura em Educação Especial nas IES brasileiras, dois pontos precisam ser problematizados: como já foi citado anteriormente, no ano de 2006, a habilitação em Educação Especial nos cursos de licenciatura em Pedagogia foi extinta e, no ano de 2008, foi lançada a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI). Com relação ao primeiro ponto, identifica-se que a extinção das habilitações do curso de Licenciatura em Pedagogia impulsionou a criação das Licenciaturas em Educação Especial, prioritariamente em IES de caráter privado, como pode ser verificado nas tabelas previamente apresentadas. Com relação ao segundo, a PNEEPEI apresenta a proposta inclusiva como um novo paradigma para a Educação Especial. A referida política possui como objetivo

    [...] o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo: [...] Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar (Brasil, 2008BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>. Acesso em: nov. 2019.
    http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/...
    , p. 8).

    A partir da delimitação na PNEEPEI sobre a necessidade de formação docente para atuação especificamente na modalidade, identifica-se um aumento expressivo de instituições que passaram a ofertar a Licenciatura em Educação Especial como única alternativa para formação inicial de professores que objetivavam atuar nessa modalidade de ensino, já que as habilitações do curso de Licenciatura em Pedagogia já haviam sido extintas.

    Com vistas a identificar o quantitativo de matrículas realizadas nos cursos de Licenciatura em Educação Especial, nas IES públicas e privadas que funcionam nas modalidades presencial e a distância, e comparar os dados sobre as matrículas no referido curso antes e após 10 anos de divulgação da política, foram consultadas as Sinopses Estatísticas da Educação Superior – Graduação7 7 Os dados coletados estão disponíveis nos itens: 5.2 – Matrículas em Cursos de Graduação Presenciais (2007); 7.1 – Matrículas e Concluintes nos Cursos de Graduação a Distância (2007); 5.2 – Matrículas em Cursos de Graduação Presenciais (2018); 7.6 – Matrículas dos Cursos de Graduação a Distância, (2018). correspondentes aos anos de 2007 e 2018. Após análise dos dados, foram encontrados os seguintes resultados:

    Os dados referentes às matrículas realizadas nas IES públicas representam a soma dos quantitativos informados nas categorias federal, estadual, e, municipal. Já os dados relacionados às IES privadas estavam divididos entre as categorias particular e comunitária/ confessional/filantrópica. Também é válido destacar que as matrículas apresentadas no Quadro1 representam os dados coletados tanto das instituições que funcionam de forma presencial, quanto a distância. Em análise dessas informações, é possível verificar que, no ano de 2007, o número de matrículas nas IES públicas e privadas era equiparado, porém, há expressiva expansão no quantitativo de matrículas nas instituições privadas de ensino comparando-se os anos 2007 e 2018, sendo esse aumento consideravelmente menor entre as IES públicas. Ainda se identifica uma acentuada discrepância entre os números que representam as matrículas realizadas nas IES públicas com relação às IES privadas. Essa diferença também pode ser identificada comparando os números de matrículas nas IES de ensino presencial e nas IES de ensino a distância:

    Quadro 1
    Comparativo do Quantitativo de Matrículas na Graduação em Educação Especial por Categoria Administrativa
    Quadro 2 Comparativo do Quantitativo de Matrículas na Graduação em Educação Especial por Modalidade de Ensino
    Ano 2007 2018 Taxa de crescimento
    Matrícula
    Presencial 444 471 6%
    Educação a distância 110 9.742 8.756%
  • Fonte: Elaboração própria com base nos dados coletados nas Sinopses Estatísticas da Educação Superior – Graduação/INEP.
  • Os dados anteriormente apresentados representam a soma dos números das matrículas das instituições públicas e privadas divididas entre as modalidades presencial e a distância. Um dado relevante que carece análise diz respeito ao fato de que, tanto nas tabelas quanto no quadro anteriormente apresentado, verifica-se que a disponibilização de instituições/matrículas no curso de Licenciatura em Educação Especial em IES públicas de ensino presencial é consideravelmente menor do que nas IES privadas de ensino a distância. Assim, identifica-se um expressivo aumento no quantitativo de matrículas no referido curso em instituições privadas de ensino a distância, comparando-se os anos de 2007, anteriormente à divulgação da PNEEPEI, e 2018, 10 anos após a divulgação da PNEEPEI.

    Compreende-se que a partir da necessidade de formação de um contingente maior de professores para atuação na Educação Especial, principalmente após a divulgação da PNEEPEI, a EaD tornou-se uma alternativa em substituição aos cursos presenciais. Malanchen (2007, p. 61)MALANCHEN, Julia. As Políticas de Formação Inicial a Distância de Professores no Brasil: democratização ou mistificação? 2019. 237 f. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 2007. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/90239/239239.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: nov. 2019.
    https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstr...
    aponta que alguns autores defendem ser necessária a formação de um novo perfil de trabalhador para atender às novas demandas do mercado de trabalho e, nesse sentido, por meio da oferta de cursos na modalidade a distância, torna-se possível que “[...] milhões de excluídos possam ser incluídos na sociedade e assim, pode-se alcançar uma sociedade mais democrática”. Porém, a autora problematiza que, no modo de produção capitalista, todas as formas de inclusão são subordinadas para atender as suas próprias demandas. Nesse sentido, os autores que se utilizam do discurso da EaD como possibilidade de garantir a justiça e a inclusão social, assentam-se largamente nas orientações das OMs que versam sobre a necessidade da implementação de políticas inclusivas (Malanchen, 2007MALANCHEN, Julia. As Políticas de Formação Inicial a Distância de Professores no Brasil: democratização ou mistificação? 2019. 237 f. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 2007. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/90239/239239.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: nov. 2019.
    https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstr...
    ) como citado anteriormente.

    Tais alternativas propostas para a formação docente ancoram-se na ideia da necessidade do aligeiramento da formação e na constituição de mercado educacional voltado para a formação docente, “[...] com vistas a atingir o máximo de professores da forma mais viável economicamente, seguindo a lógica do projeto social hegemônico” (Vaz, 2013VAZ, Kamille. O Professor de Educação Especial nas Políticas de Perspectiva Inclusiva no Brasil: concepções em disputa. 2013. 237 f. Dissertação (mestrado) – Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013., p. 131). Ainda com relação à análise dos dados existentes no E-MEC, é preciso destacar que a maior parte das IES que ofertam a Licenciatura em Educação Especial são de natureza privada e a distância. Seki, Souza e Evangelista (2017)SEKI, Allan Kenji; SOUZA; Artur; EVANGELISTA, Olinda. A Formação Docente Superior Hegemonia do Capital no Brasil. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 21, p. 447-467, 2017. Disponível em: <http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/viewFile/812/pdf>. Acesso em: nov. 2019.
    http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/...
    apontam que a formação de professores via instituições de ensino privado é vendida como uma oportunidade para um futuro que contará com o desemprego estrutural perpetrado pelas relações capitalistas de produção, sendo esse processo iniciado, segundo os autores, a partir da década de 1990 e intensificado nos anos 2000.

    Assim, o deslocamento da formação docente da esfera pública para a privada foi articulado aos interesses das frações de classe hegemônicas, uma vez que a desregulamentação do ensino superior brasileiro criou amplas condições para a ampliação do setor privado na oferta educacional. O estímulo ao empresariamento do ensino superior, a partir da década de 1990, fortaleceu as frações da burguesia do setor de serviços, que passaram a orientar as políticas educacionais vigentes, buscando consolidar seus interesses. Nesse período, “[...] o Estado passou a adotar estratégias de privatização desse nível de ensino: transformando a educação pública em educação pública não-estatal e estimulando o ‘empresariamento’ desse sistema de ensino” (Neves; Fernandes, 2002NEVES, Lúcia Maria Wanderley; FERNANDES, Romildo Raposo. Política Neoliberal e Educação Superior. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley. O Empresariamento da Educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2002. P. 21-40., p. 29). O termo empresariamento, aqui utilizado, diz respeito ao conjunto de empresas que passam a oferecer a educação de nível superior como um serviço (Neves; Fernandes, 2002NEVES, Lúcia Maria Wanderley; FERNANDES, Romildo Raposo. Política Neoliberal e Educação Superior. In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley. O Empresariamento da Educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2002. P. 21-40.).

    Nesse contexto, os cursos de licenciatura, considerados de menor custo comparado aos que exigem maior estrutura própria, acabaram por figurar como “[...] verdadeiras máquinas de fazer matrículas, especialmente para as grandes escolas particulares, ou seja, instituições de direito privado com fins lucrativos” (Seki; Souza; Evangelista, 2017SEKI, Allan Kenji; SOUZA; Artur; EVANGELISTA, Olinda. A Formação Docente Superior Hegemonia do Capital no Brasil. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 21, p. 447-467, 2017. Disponível em: <http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/viewFile/812/pdf>. Acesso em: nov. 2019.
    http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/...
    , p. 459). Tal contexto ainda foi contemplado com a criação de políticas que impulsionaram a expansão das matrículas nas IES privadas, como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade Para Todos (PROUNI), contribuindo para o aprofundamento do processo chamado pelos autores de financeirização da formação docente (Seki; Souza; Evangelista, 2017SEKI, Allan Kenji; SOUZA; Artur; EVANGELISTA, Olinda. A Formação Docente Superior Hegemonia do Capital no Brasil. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 11, n. 21, p. 447-467, 2017. Disponível em: <http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/viewFile/812/pdf>. Acesso em: nov. 2019.
    http://retratosdaescola.emnuvens.com.br/...
    , p. 453).

    Torna-se necessário destacar que as OMs e o Estado elegeram a educação como chave mágica para a inclusão e a justiça social, e, nesse sentido, de acordo com Malanchen (2007)MALANCHEN, Julia. As Políticas de Formação Inicial a Distância de Professores no Brasil: democratização ou mistificação? 2019. 237 f. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 2007. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/90239/239239.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: nov. 2019.
    https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstr...
    , o discurso disseminado pelas políticas educacionais é o de que, por meio da democratização da educação via EaD, torna-se possível o acesso de todos ao ensino superior, o que supostamente se configuraria enquanto uma estratégia para efetivação de uma sociedade mais justa e democrática. Porém, o interesse na democratização do acesso à educação cria uma ilusão de que todos podem melhorar de vida, mas, na verdade, a intenção por trás desse discurso é o de formação mão-de-obra capacitada tecnicamente, criativa, eficiente e adaptável (Malanchen, 2007MALANCHEN, Julia. As Políticas de Formação Inicial a Distância de Professores no Brasil: democratização ou mistificação? 2019. 237 f. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 2007. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/90239/239239.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: nov. 2019.
    https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstr...
    ).

    Com base no exposto, é possível apreender que os meios ofertados para a formação de professores que irão atuar junto aos alunos da Educação Especial têm contribuído para a manutenção do projeto hegemônico de educação, uma vez que busca a formação de profissionais técnicos, flexíveis e polivalentes que deverão atuar visando à adaptação desses sujeitos no contexto escolar e, consequentemente, ao sistema produtivo. Assim, ressalta-se que a atual opção de formação inicial de especialistas para atuação nessa modalidade são os cursos de Licenciatura em Educação Especial. Esses vêm sendo disponibilizados, substancialmente, em IES de âmbito privado e a distância, o que, de acordo com Malanchen (2007, p. 220)MALANCHEN, Julia. As Políticas de Formação Inicial a Distância de Professores no Brasil: democratização ou mistificação? 2019. 237 f. Dissertação (mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 2007. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/90239/239239.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: nov. 2019.
    https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstr...
    , conduz “[...] a uma formação que, sob a bandeira da democratização do conhecimento, pretende retirar-lhes a capacidade de pensamento”. Portanto, apreende-se que a formação docente para atuação na Educação Especial deve ser reestruturada para formar professores críticos e comprometidos com a transformação da atual realidade escolar, interferindo, assim, também no processo de efetivação da real inclusão dos alunos público-alvo da Educação Especial no âmbito educacional.

    Conclusão

    Historicamente, a formação docente para a Educação Especial esteve atrelada, principalmente, aos cursos de Pedagogia, por meio da oferta da habilitação dessa modalidade no referido curso. Porém, como pôde ser brevemente apresentado, alguns autores classificam que a criação das habilitações, inclusive da Educação Especial, foi desenvolvida com base na racionalidade técnica ao instituir a necessidade do parcelamento do trabalho docente. Este tinha por propósito atender às novas exigências profissionais impostas pelo mercado, nas quais a escola deveria formar os indivíduos para o processo produtivo. A partir das orientações dos Organismos Multilaterais internacionais sobre a necessidade da instauração de políticas sociais e educacionais inclusivas, a educação ganhou centralidade como uma das principais formas de efetivar a inclusão.

    Porém, sob orientação dessas mesmas orientações que compreendiam a educação como serviço, a criação de instituições de ensino de caráter privado é impulsionada principalmente a partir da década 2000. Acompanhando essa direção, com a extinção das habilitações do curso de Licenciatura em Pedagogia no ano de 2006, percebe-se que o lócus de formação docente para atuação na Educação Especial é direcionado para as pós-graduações e para as licenciaturas em Educação Especial. A partir da análise de dados oficiais com relação ao ensino superior brasileiro, pôde ser identificado, principalmente a partir do ano de 2008, a considerável expansão de IES e de matrículas nos cursos de Licenciatura em Educação Especial em instituições de caráter privado e na modalidade a distância.

    Em paralelo às novas demandas do mercado de trabalho, foi possível identificar, por meio de revisão de literatura, que tais cursos foram estruturados de forma prática, instrumental e tecnicista, atendendo às exigências da classe dominante. Com relação aos que são ofertados na modalidade a distância, destaca-se que o discurso da democratização do acesso mascara a real estratégia do Estado de reduzir custos e tempo por meio do deslocamento da responsabilidade da formação docente das instituições públicas para as privadas. Por outro lado, visa fortalecer o empresariado do setor educacional, que adquiriu uma importante centralidade nas políticas educacionais nesse contexto. Assim, entende-se que essas questões precisam ser amplamente discutidas e problematizadas, uma vez que a escolarização dos alunos público-alvo da Educação Especial deve ocorrer também no âmbito regular de ensino e, portanto, a oferta de formação especializada de forma aligeirada e precarizada não contribuirá para a efetiva inclusão desses alunos no processo educacional.

    Notas

    • 1
      Ainda no período da Idade Moderna, surgiu o modelo médico individual de deficiência, que consistiu em um conjunto de pressupostos e conhecimentos advindos das Ciências da Saúde, que passou a tratar a deficiência como um desvio do que poderia ser considerado normal, de acordo com padrões bio-fisiológicos. A partir de então, a deficiência adquiriu um status de falha, limitação e incapacidade, sendo explicada nos séculos seguintes segundo as diretrizes da biologia, da indústria, da estatística e da medicina, surgindo então, o indivíduo deficiente (Piccolo, 2012PICCOLO, Gustavo Martins. Contribuições a um Pensar Sociológico Sobre a Deficiência. 2012. 231 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2012.).
    • 2
      Os cursos de Pedagogia que passaram a oferecer habilitação específica para a Educação Especial o fizeram mediante a habilitação em Educação Especial ou por meio de quatro áreas específicas: Deficiência da Audiocomunicação ― ou Deficiência Auditiva ―; Deficiência Física; Deficiência Mental e Deficiência Visual (Michels, 2017MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
      http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/...
      , p. 33).
    • 3
      Desde o final dos anos 1980, o termo neoliberalismo vem sendo utilizado para se referir a um novo tipo de ação estatal, a uma nova configuração da economia e a um novo tipo de pensamento político e econômico. Dentre suas principais características, destacam-se a privatização de empresas estatais, a desregulamentação dos mercados (de trabalho e financeiro) e a transferência de parcelas crescentes da prestação de serviços sociais para o setor privado (Galvão, 2008GALVÃO, Andréia. O Neoliberalismo na Perspectiva Marxista. Revista Crítica Marxista, n. 27, p. 149-156, 2008. Disponível em: <https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxista/arquivos_biblioteca/comentario2015_06_01_18_21_2828.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2019.
      https://www.ifch.unicamp.br/criticamarxi...
      ).
    • 4
      Na década de 1980, o curso de Licenciatura em Educação Especial passou a ser uma opção para a formação de professores de Educação Especial, contando inicialmente com as habilitações em deficiência mental e deficiência da audiocomunicação (Michels, 2017MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores para a Educação Especial no Brasil. In: MICHELS, Maria Helena. A Formação de Professores em Educação Especial no Brasil: propostas em questão. Florianópolis: UFSC/CED/NUP, 2017. P. 23-57. Disponível em: <http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/Livro-Maria-Helena_Formacao-2017.pdf>. Acesso em: set. 2019.
      http://gepeto.ced.ufsc.br/files/2018/03/...
      ).
    • 5
      De acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno n. 1/2006, o estudante formado no curso de Pedagogia poderia atuar como docente na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos norma is e de Educação Profissional de nível médio, na Educação Especial, na Educação de Jovens e Adultos, e na Educação Indígena e Quilombola; como gestor, na área de especialistas, em orientação ou supervisão educacional e, por fim, como pesquisador em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Brasil, 2006BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP nº1, de 15 de maio de 2006. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. Acesso em: nov. 2019.
      http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pd...
      ).
    • 6
      Disponível em: <https://emec.mec.gov.br/>.
    • 7
      Os dados coletados estão disponíveis nos itens: 5.2 – Matrículas em Cursos de Graduação Presenciais (2007); 7.1 – Matrículas e Concluintes nos Cursos de Graduação a Distância (2007); 5.2 – Matrículas em Cursos de Graduação Presenciais (2018); 7.6 – Matrículas dos Cursos de Graduação a Distância, (2018).

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    Editado por

    Editora-responsável: Carla Vasques

    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Mar 2022
    • Data do Fascículo
      2022

    Histórico

    • Recebido
      09 Out 2020
    • Aceito
      18 Maio 2021
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