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DEFICIÊNCIA, DIVERSIDADE E DIFERENÇA: IDIOSSINCRASIAS E DIVERGÊNCIAS CONCEITUAIS

DISCAPACIDAD, DIVERSIDAD Y DIFERENCIA: IDIOSINCRASIAS Y DIVERGENCIAS CONCEPTUALES

RESUMO:

Desde 1980, a Organização das Nações Unidas (ONU) assume um papel preponderante na difusão de diretrizes contra exclusão, violência, discriminação e privação de direitos humanos e liberdades fundamentais. Diante disso, o marco político e legal brasileiro para a inclusão expandiu-se consideravelmente nas últimas décadas, trazendo regulamentações transversais em favor de grupos identitários específicos como pessoas com deficiências, mulheres e coletivos etnicorraciais. Assim, há o consenso público de que a inclusão é um princípio regulador das políticas nacionais. Embora sejam partes da pauta emergente, diante do complexo quadro de barreiras e exclusões sociais, os discursos oficiais em defesa da inclusão e diversidade apresentam idiossincrasias e contradições que, inclusive, camuflam intencionalidades políticas, muitas vezes, desconectadas das lutas dos coletivos que são focos das políticas de inclusão. Problematizando este contexto, o presente artigo tem como objetivo caracterizar diferenças conceituais entre deficiência, diversidade e diferença humana. Conclui-se que as definições, objetos de análise, ora alinham-se às perceptivas críticas do discurso, ora reproduzem a visão normativa de sujeitos-corpos-mentes, camuflando, de forma muitas vezes sutil, na retórica oficial sobre inclusão e diversidade, a construção social assimétrica das diferenças humanas.

Palavras-chave:
Deficiência; Diversidade; Diferença Humana; Política de Inclusão

RESUMEN:

Desde 1980, la Organización de las Naciones Unidas (ONU) ha desempeñado un papel central en la difusión de directrices contra la violencia, la discriminación y la privación de derechos humanos y libertades fundamentales. Frente a eso, el marco político y legal brasileño para la inclusión se ha ampliado considerablemente en las últimas décadas, y ha traído regulaciones transversales a favor de grupos identitários específicos como las personas con discapacidad, las mujeres y los colectivos étnico-raciales. Así, hay el consenso público de que la inclusión es un principio regulador de las políticas nacionales. Aunque sean partes de la pauta emergente frente a la compleja situación de barreras y exclusiones sociales, los discursos oficiales en defensa de la inclusión y de la diversidad presentan idiosincrasias y contradicciones que, incluso, camuflan intenciones políticas, muchas veces desconectadas de las luchas de los colectivos que son focos de las políticas de inclusión. En este contexto, este artículo tiene como objetivo caracterizar diferencias conceptuales entre discapacidad, diversidad y diferencia humana. Se concluye que las definiciones, objetos de análisis, a veces se alinean con las percepciones críticas del discurso, a veces reproducen la mirada normativa de sujetos-cuerpos-mentes, camuflando, de manera sutil, en la retórica oficial sobre inclusión y diversidad, la construcción social asimétrica de las diferencias humanas.

Palabras clave:
Discapacidad; Diversidad; Diferencia humana; Política de inclusión

ABSTRACT:

Since 1980, the United Nations (UN) has played a leading role in disseminating international guidelines against violence, discrimination, and deprivation of human rights and fundamental freedoms. Considering this, the Brazilian political and legal framework for inclusion has expanded considerably in recent decades, bringing transversal regulations in favor of specific identity groups, such as people with disabilities, women, and ethnic-racial collectives. Although they are part of the emerging agenda, when confronted by the complex framework of barriers and social exclusions, official inclusion and diversity discourses present idiosyncrasies and contradictions that can even camouflage political intentions, often disconnected from the struggles of the collectives focused by inclusion policies. In this context, this article aims to characterize conceptual differences between disability, diversity, and human differences. We conclude that the definitions and objects of analysis sometimes align with the critical perceptions of the discourse, while at other times reproduce the normative view of subjects-body-minds, camouflaging, often subtly, the asymmetric social construction of human differences in official rhetoric about inclusion and diversity.

Keywords:
Disability; Diversity; Human Difference; Inclusion Policy

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente artigo é caracterizar diferenças conceituais entre deficiência, diversidade e diferença humana. Tais termos começam a ser incorporados nas agendas internacionais a partir da década de 1980 com a publicação de uma série de documentos pela ONU. Acompanhando a discussão sobre deficiência, diversidade e diferença, a inclusão social surge como tema transversal nas metas internacionais com o propósito de estabelecer acordo com Estados-Partes para o investimento em ações contra todas as formas de discriminação e exclusão social, incluindo a eliminação de barreiras no processo de escolarização de crianças e jovens em condição de deficiência e outras vulnerabilidades (ONU, 1990ONU. Declaração Mundial sobre Educação para Todos, 1990. Disponível em: < Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990 >. Acesso em: 20/01/2017.
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; 1994ONU. Declaração de Salamanca: Sobre princípios, políticas e Práticas na área de Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 24/01/2017.
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/...
; 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
; 2015ONU. Agenda ONU 2015-2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em < Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ >. Acesso em: 02/02/2020.
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).

Mais recentemente, a Agenda ONU 2030 reconhece a inclusão social nos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável-ODS (ONU, 2015ONU. Agenda ONU 2015-2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em < Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ >. Acesso em: 02/02/2020.
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-2030). Em específico, o princípio da inclusão compõe o ODS 10 para a redução da desigualdade em âmbito local e no contexto internacional:

Objetivo 10. Redução das Desigualdades: [...] até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos , independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra. Garantir a igualdade de oportunidades e reduzir as desigualdades de resultados, inclusive por meio da eliminação de leis, políticas e práticas discriminatórias e da promoção de legislação, políticas e ações adequadas a este respeito (ONU, 2015ONU. Agenda ONU 2015-2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em < Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ >. Acesso em: 02/02/2020.
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, art. 10).

Esta meta da ONU, para até 2030, reforça a necessidade dos países investirem em um projeto amplo de inclusão, focando a igualdade, sobretudo, em favor de grupos em condição de vulnerabilidade como crianças com deficiência, grupos étnicos-raciais e imigrantes (ONU, 2015ONU. Agenda ONU 2015-2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em < Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ >. Acesso em: 02/02/2020.
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). No âmbito da educação, a Agenda da ONU sinaliza para o investimento na melhoria das instituições educacionais para que sejam “apropriadas para crianças e sensíveis às deficiências e ao gênero, e que proporcionem ambientes de aprendizagem seguros e não violentos, inclusivos e eficazes para todos” (ONU, 2015ONU. Agenda ONU 2015-2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em < Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ >. Acesso em: 02/02/2020.
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, art. 4). Todos é abertura para que os outros, à margem, sejam unificados na mesma categoria com o intuito de atingir um propósito comum, neste caso, o acesso à educação.

O trecho da ONU “inclusivos e eficazes para todos” é ponto crucial para reflexão acerca do sentido da diversidade no discurso internacional sobre inclusão. Nas diretrizes internacionais, a inclusão é um conceito otimista que ganha sentido quando relacionado à diversidade humana (ONU, 2015ONU. Agenda ONU 2015-2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em < Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ >. Acesso em: 02/02/2020.
https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda...
; UNESCO, 2002UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/2001%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20sobre%20a%20Diversidade%20Cultural%20da%20UNESCO.pdf >. Acesso em: 22/04/2022.
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; 2009UNESCO. Informe mundial de la UNESCO: Investir en la diversidad cultural y el diálogo intercultural, 2009. Disponível em: < Disponível em: https://oibc.oei.es/uploads/attachments/73/Invertir_en_la_diversidad_cultural_y_el_di%C3%A1logo_intercultural_2009.pdf >. Acesso em: 18/10/2021.
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). Nesta lógica, uma sociedade somente torna-se inclusiva quando é tolerante e valoriza a diversidade humana, sendo, com isso, a inclusão e o respeito à diversidade propósitos interdependentes das nações e, em particular, das instituições escolares.

No texto da Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (UNESCO, 2002UNESCO. Informe mundial de la UNESCO: Investir en la diversidad cultural y el diálogo intercultural, 2009. Disponível em: < Disponível em: https://oibc.oei.es/uploads/attachments/73/Invertir_en_la_diversidad_cultural_y_el_di%C3%A1logo_intercultural_2009.pdf >. Acesso em: 18/10/2021.
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, Art. 1), o conceito de diversidade cultural é entendido como “patrimônio comum da humanidade” e caracteriza-se como “originalidade e pluralidade de identidades de grupos que compõem a humanidade”. Há, neste sentido, por parte dos órgãos das Nações Unidas a percepção horizontal das relações humanas, presentes, por exemplo, na definição de todos e humanidade (ONU, 2015ONU. Agenda ONU 2015-2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em < Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ >. Acesso em: 02/02/2020.
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-2030; UNESCO, 2002UNESCO. Informe mundial de la UNESCO: Investir en la diversidad cultural y el diálogo intercultural, 2009. Disponível em: < Disponível em: https://oibc.oei.es/uploads/attachments/73/Invertir_en_la_diversidad_cultural_y_el_di%C3%A1logo_intercultural_2009.pdf >. Acesso em: 18/10/2021.
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). O ponto de tensão desta retórica está na ideia de que a originalidade dos povos parte do pressuposto do essencialismo plural das identidades, isto é, o que é naturalmente original ou próprio das diversas identidades faz com que o todo da diversidade torne-se um dado fixo, natural e equiparado não, sendo portanto, questionado na sua construção social (WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 1-48.).

No entanto, quem, de fato, está circunscrito na noção de todos? A palavra todos, na retórica sobre diversidade induz, muitas vezes, ao simplismo discursivo de que somos todos humanos. Essa lógica opera, por exemplo, na contestação corriqueira de que é suficiente uma consciência humana em oposição ao Dia da Consciência Negra ou, igualmente, que o direito constitucional à educação de todos é suficiente para a garantia do acesso e da permanência de grupos específicos, sem que com isso haja a necessidade de criação de políticas afirmativas. O discursivo homogeneizador da diversidade acaba por reduzir a inclusão do outro nos mesmos sistemas normativos e, com isso, apaga os significados políticos das diferenças culturais (SKILIAR; SOUZA, 2000SKILIAR, Carlos; SOUZA, Regina Maria de. O debate sobre as diferenças e os caminhos para (re)pensar a educação. In: AZEVEDO, J. C.; GENTILI, P.; KRUG, A.; SIMON, C. (Orgs.). Utopia e Democracia na Educação Cidadã. V.1. Porto Alegre: Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre, 2000, p.259-276.).

A noção de diversidade humana nas diretrizes internacionais para inclusão é mais do que um texto oficial, pois é contraponto para entender a subjetividade dos arranjos culturais e fronteiras humanas - ainda que essas últimas não sejam mencionadas diretamente na categoria todos. Segundo Lopes (2004LOPES, Maura Corcini. A inclusão como ficção moderna. Pedagogia: A Revista do Curso. v.3, n. 1, p. 7-20, 2004.), a narrativa de diversidade é constituinte da ordem reguladora das relações humanas que exclui para incluir e inclui excluindo. Em outras palavras, mais do que naturalizar a diversidade humana como referência para as políticas de inclusão, é necessário pensá-la como parte da ordem social de organização e funcionamento das relações humanas frente à materialização da inclusão/exclusão, uma vez que

[...] Inclusão e exclusão estão articuladas dentro de uma mesma matriz epistemológica, política, cultural e ideológica. Todo o espaço determinado por uma determinada ordem é delimitado e governado pela norma. Norma esta que classifica, compara, avalia, inclui e exclui. Toda a lei mantém aqueles que denominamos de excluídos fora de seu controle, pois não cabe a ela pensar o excluído, mas cabe prever o incluído (LOPES, 2004LOPES, Maura Corcini. A inclusão como ficção moderna. Pedagogia: A Revista do Curso. v.3, n. 1, p. 7-20, 2004., p. 11).

Com isso, é a pertença naturalizada de sujeito/grupo da cultura dominante no espaço social que cria o ponto de referência para a exclusão de características humanas não ou pouco aceitas na estrutura social. Neste caso, a subjetividade que molda o lugar da inclusão - ou mesmo aquele que já está incluído - é, inevitavelmente, o que forma a fronteira da não-pertença. Na análise de Foucault (1979FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.), pode-se pensar a inclusão da diversidade pelo prisma do poder em que ninguém é propriamente o titular do poder, mas este é legitimado por uma direção, criando oposições, isto é, a dualidade de quem é o incluído e o excluído: não se sabe ao certo quem detém o poder, mas se sabe quem não o possui. Para Sawaia (2001SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. V.2. Petropóles: Editora Vozes, 2001.), a exclusão é um processo complexo e multifacetado, com dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas, no entanto, a exclusão não é uma oposição da inclusão, mas sim uma parte dela, constituindo-se assim em um:

[...] processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é processo que envolve o indivíduo por inteiro e suas relações com os outros. Não tem única forma e não é uma falha no sistema, devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ela é produto do funcionamento do sistema (SAWAIA, 2001SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. V.2. Petropóles: Editora Vozes, 2001., p. 9).

Nas palavras de Sawaia (2001SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão: Análise psicossocial e ética da desigualdade social. V.2. Petropóles: Editora Vozes, 2001.), a exclusão é parte do sistema, não sendo uma reação externa, mas uma das faces de determinada ordem social. Portanto, a reivindicação por inclusão da diversidade é necessariamente indicativo de que há uma ordem normativa estabelecida. Especificamente, a dicotomia “inclusão versus exclusão” é o marco de referência para refletir sobre a experiência da deficiência. Neste caso, a supervalorização dos atributos da não-deficiência contribui para a noção de incapacidade relacionada às pessoas com deficiência e, consequentemente, para a exclusão desse grupo. Com isso, é o processo de legitimidade da não-deficiência (SILVA, 2019SILVA, Jackeline Susann Souza da. Indicadores de accesibilidad para la educación superior desde la perspectiva de la equidad de género. Tese (Doutorado em Educação). Salamanca: Universidad de Salamanca, 2019.) que estabelece padrões aceitos de corponormatividade (MELLO; FERNANDES, 2017MELLO, Anahi. FERNANDES, Felipe. Guia de Orientações Básicas sobre Gênero, Deficiência e Acessibilidade no Seminário Internacional Fazendo Gênero 10. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO 10. 2013. Comissão de Acessibilidade do Seminário Internacional Fazendo Gênero 10, 2013, Santa Catarina. Disponível em: <Disponível em: https://filosofia.paginas.ufsc.br/files/2017/08/Guia-de-orienta%C3%A7%C3%B5es-b%C3%A1sicas-sobre-g%C3%AAnero-defici%C3%AAncia-e-acessibilidade-1.pdf >. Acesso em: 18/09/2021, 2013.
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) e isso, forçosamente, designa a outra face da inclusão: os critérios subjetivos para a exclusão daquilo que enquadra-se em deficiência.

Prevendo isso, Hughes (1999HUGHES, Bill. The contitution of impairment:modernity and the aesthetic of op-pression. Disability & Society. v.14, n. 2, p. 155-172, 1999. <https://doi.org/10.1080/09687599926244>
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) assume que é preciso desestabilizar a cultura dominante (lê-se cultura da não-deficiência), pois ela não é neutra e está, na verdade, relacionada a “uma mitologia da normalidade, da verdade, da beleza e da perfeição” (HUGHES, 1999HUGHES, Bill. The contitution of impairment:modernity and the aesthetic of op-pression. Disability & Society. v.14, n. 2, p. 155-172, 1999. <https://doi.org/10.1080/09687599926244>
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, p.164). Pinto (2014PINTO, Paula. Deficiência, sociedade e direitos: a visão do sociólogo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/723-1116.pdf >. Acesso em: 20/10/2018.
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) acrescenta que é fundamental perceber como a cultura vem construindo pressupostos que se assumem como naturais na forma do direito, mas que mantêm a distinção entre as pessoas com e sem deficiência (eles/as e nós).

Assim, se por um lado, a diversidade é compreendida como abordagem positiva para o diálogo horizontal e apaziguador no discurso oficial em defesa da inclusão de todos (ONU, 1990ONU. Declaração Mundial sobre Educação para Todos, 1990. Disponível em: < Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990 >. Acesso em: 20/01/2017.
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; 1994ONU. Declaração de Salamanca: Sobre princípios, políticas e Práticas na área de Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 24/01/2017.
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/...
; 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
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; 2015ONU. Agenda ONU 2015-2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em < Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ >. Acesso em: 02/02/2020.
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; UNESCO, 2002UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, 2002. Disponível em: <Disponível em: https://www.oas.org/dil/port/2001%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20sobre%20a%20Diversidade%20Cultural%20da%20UNESCO.pdf >. Acesso em: 22/04/2022.
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; 2008); por outro, este mesmo conceito é analisado, na teoria crítica, como uma categoria que camufla o processo o embate entre culturas e as assimetrias entre diferenças humanas (SKILIAR; SOUZA, 2000SKILIAR, Carlos; SOUZA, Regina Maria de. O debate sobre as diferenças e os caminhos para (re)pensar a educação. In: AZEVEDO, J. C.; GENTILI, P.; KRUG, A.; SIMON, C. (Orgs.). Utopia e Democracia na Educação Cidadã. V.1. Porto Alegre: Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre, 2000, p.259-276.; WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 1-48.; SILVA, 2019SILVA, Jackeline Susann Souza da. Indicadores de accesibilidad para la educación superior desde la perspectiva de la equidad de género. Tese (Doutorado em Educação). Salamanca: Universidad de Salamanca, 2019.). A respeito desse último aspecto, o campo dos Estudos da Deficiência constitui-se como vertente crítica para contestação das estruturas de desigualdades próprias das relações entre diferenças humanas, especificamente, quando tratam-se de marcadores sociais da deficiência e não-deficiência - muito além de parâmetros fixados na diversidade biológica (SILVA, 2019SILVA, Jackeline Susann Souza da. Indicadores de accesibilidad para la educación superior desde la perspectiva de la equidad de género. Tese (Doutorado em Educação). Salamanca: Universidad de Salamanca, 2019.).

Segundo Tom Shakespeare (1996SHAKESPEARE, Tom. Disability, Identity and Difference: Exploring the Divide. Edited by Colin Barnes and Geof Mercer. Leeds: The Disability Press: Leeds, 1996.), a teoria social coloca em evidência o dualismo entre biologia e sociedade para contestar o determinismo biológico das interpretações acerca do corpo-mente. Nos Estudos da Deficiência, a deficiência não é tomada como uma categoria fixa da diversidade humana em que os aspectos biológicos e naturais são as principais referências - tal como categoriza-se a diversidade entre diferentes espécies de animais ou plantas. Ao invés disso, a deficiência é compreendida no “mundo social; na vida […]. A deficiência é um fenômeno sociocultural e pessoal corporificado de forma fisiológica ou psicológica” (GOODLEY, 2017GOODLEY, Dan. Disability Studies: An interdisciplinary introduction. V.2. Los Angeles: SAGE Publications, 2017., p. 1). Essa percepção da deficiência contextualiza a experiência social e evidencia outras marcas de identidades associadas às dimensões culturais, econômicas, geográficas, de gênero, de raça/etnia, de nacionalidade (BISH, 2015BISH, Mason. Beyond the Silo: Rethinking hate crime and intersectionality. In: The Routledge International Handbook on hate crime. V.1. New York: Routledge, 2015.). É justamente para refletir acerca deste amplo debate que este artigo tem o intuito caracterizar variações conceituais entre deficiência, diversidade e diferença humana nas seções a seguir.

DEFINIÇÃO DA DEFICIÊNCIA NO MARCO POLÍTICO-LEGAL

Esta seção tem como objetivo conceituar a deficiência nas diretrizes nacionais e internacionais. O critério de escolha dos documentos delimitados aqui foi o recorte do período pós Declaração de Salamanca (ONU, 1994ONU. Declaração de Salamanca: Sobre princípios, políticas e Práticas na área de Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 24/01/2017.
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), no qual, em virtude da influência dessa Declaração, houve uma ampla adoção de orientações em favor da inclusão educacional no Brasil, especificamente, focando o coletivo de pessoas com deficiência. Neste marco, a educação inclusiva fundamenta-se no Capítulo V da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n° 9394/1996; na Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, promulgada pelo Decreto brasileiro n° 3956/2001BRASIL. Decreto n° 3956 de 08 de outubro 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Brasília, 2001.; no Decreto de Acessibilidade n° 5296/2004; na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
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); na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008); no Relatório Mundial da Deficiência (OMS, 2001) e, mais recentemente, no Estatuto da Pessoa com Deficiência, regido pela Lei n° 13146/2015.

Os documentos delimitados contemplam abordagens diferentes da deficiência que, em alguns momentos, aproximam-se do modelo médico e, em outros do modelo social (OLIVER, 1983OLIVER, Mike. Social work with disabled people. London: MacMillan, 1983.). No entanto, há também definições que tentam equilibrar ambos modelos, tal como aparece no Relatório Mundial da Deficiência (OMS, 2010). Neste ponto, Carol Thomas (2008THOMAS, Carol. Disability: getting it “right” Journal of Medical Ethics, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1136/jme.2006.019943 > Acesso em 23/04/2022.
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) destaca que, embora sejam inegáveis as contribuições do modelo social da deficiência, este modelo não pode anular o que ela denomina de “impairment effects”, isto é, os aspectos empíricos da vivência da deficiência que não se resumem às opressões próprias das barreiras sociais. Dessa maneira, nota-se que o conceito de deficiência não é consensual, existindo abordagens divergentes, assim como aproximadas.

Apesar disso, o modelo social da deficiência tem grande reconhecimento por parte de representantes do movimento internacional das pessoas com deficiência (ONU, 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
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). Este modelo é estabelecido em oposição ao modelo médico. A principal crítica ao modelo médico da deficiência está no fato de que essa abordagem focaliza o problema na própria pessoa e, com isso, compreende a deficiência isoladamente (OLIVER, 1983OLIVER, Mike. Social work with disabled people. London: MacMillan, 1983.), não considerando barreiras, discriminações e impedimentos sociais, sendo esses reais incapacitantes na experiência da deficiência (PINTO, 2014PINTO, Paula. Deficiência, sociedade e direitos: a visão do sociólogo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/723-1116.pdf >. Acesso em: 20/10/2018.
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).

No modelo médico, a segregação, a exclusão e as opressões que historicamente afetam as pessoas com deficiência acabam sendo justificadas pela condição individual e biológica deste grupo, não sendo, portanto, questionadas como produção social e cultural. Em oposição, o modelo social rejeita a perspectiva de culpabilização do indivíduo com deficiência em virtude da sua condição físico-cognitiva e a justificativa do recorte social deste grupo em razão da discriminação das suas mentes-corpos. Este modelo transfere a responsabilidade de supressão das barreiras para a sociedade:

[...] As dificuldades e a marginalização experimentadas por tantas pessoas com deficiência não são mais explicadas com base nas suas incapacidades individuais ou em patologias do foro biológico, mas pela incapacidade da sociedade responder adequadamente às suas necessidades e características diversas. Por outras palavras, tal como a classe social, o gênero, ou a pertença étnica, a experiência da deficiência é reinterpretada como sendo mais pela incapacidade da sociedade responder adequadamente às suas necessidades e características diversas (PINTO, 2014PINTO, Paula. Deficiência, sociedade e direitos: a visão do sociólogo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/723-1116.pdf >. Acesso em: 20/10/2018.
http://www.icjp.pt/sites/default/files/m...
, p. 12).

Como afirma Pinto (2014PINTO, Paula. Deficiência, sociedade e direitos: a visão do sociólogo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/723-1116.pdf >. Acesso em: 20/10/2018.
http://www.icjp.pt/sites/default/files/m...
), a deficiência é uma questão social, não sendo uma característica restritamente biológica. É importante destacar que, no âmbito dos Direitos Humanos - embora seja reconhecida as diferenças identitárias entre próprias pessoas com deficiência (ONU, 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
) -, a conceituação da deficiência, como categoria unitária, representa a demarcação da história de luta social e de (auto)afirmação dos direitos, das liberdades fundamentais e das contribuições coletivas deste grupo no percurso da humanidade (SILVA, 2014SILVA, Jackeline Susann Souza da. Acessibilidade, Barreiras e Superação: Estudo de Caso de Experiências de Estudantes com Deficiência na Educação Superior. Dissertação (Mestrado em Educação). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2014.). A (auto)afirmação da identidade da deficiência representa, portanto, um processo de reconhecimento coletivo e visibilidade social (FERREIRA, 2004; SOARES, 2010SOARES, Marcia. Programa educação inclusiva direito à diversidade: estudo de caso sobre estratégia de multiplicação de políticas públicas. Dissertação (Mestrado em educação). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2010.).

Com ênfase ao reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência, a LDB (BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, Brasília, 1996.) determina que é dever do Estado garantir a matrícula das pessoas com deficiência no sistema de ensino regular, bem como facilitar a oferta do Atendimento Educacional Especializado (AEE) - serviço transversal a todos os níveis e as modalidades de ensino (BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, Brasília, 1996., art. 4°). Os critérios para a definição do perfil de estudantes-públicos da inclusão, nas determinações legais brasileiras, alinham-se às orientações internacionais, como a Convenção de Guatemala (OEA, 1999OEA. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, 1999. Disponível em: < Disponível em: http://www.faders.rs.gov.br/legislacao/6/29 >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.faders.rs.gov.br/legislacao/6...
). Esta Convenção reafirma os direitos humanos e liberdades das pessoas com deficiência e, principalmente, assume o compromisso de eliminar e prevenir todas as formas de discriminação em razão de deficiência. O artigo primeiro deste documento define deficiência como uma condição individual influenciada por fatores externos, sendo, portanto, uma “restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social” (OEA, 1999OEA. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, 1999. Disponível em: < Disponível em: http://www.faders.rs.gov.br/legislacao/6/29 >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.faders.rs.gov.br/legislacao/6...
, art. 1°).

No início do presente século, com a publicação das leis de acessibilidade - Lei n° 10.048/2000 que dá prioridade de atendimento às pessoas que específica e Lei n° 10.098/2000 que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade - o Brasil avança acerca da inclusão ao determinar modificações estruturais, focando a construção de ambientes acessíveis para as demandas de pessoas com deficiência e outros coletivos denominados de pessoas com mobilidade reduzida, sendo essas últimas qualquer indivíduo “que, não se enquadra no conceito de pessoa com deficiência, mas que tem, por qualquer motivo, dificuldade de movimentar-se, permanente ou temporariamente, gerando redução efetiva da mobilidade, flexibilidade, coordenação motora e percepção” (BRASIL, 2004BRASIL. Decreto n° 5296 de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048/2000 e 10.098/2000. Brasília, 2004., art. 5°). O avanço na legislação está no fato de que antes era a pessoa com deficiência que deveria adaptar-se à sociedade ou este grupo era excluído totalmente da experiência social. Entretanto, com publicação das leis de acessibilidade (BRASIL, 2000BRASIL. Lei n° 10.098, de 19 de desembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. Brasília, 2000.; 2004BRASIL. Decreto n° 5296 de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048/2000 e 10.098/2000. Brasília, 2004.), é a estrutura social que deve ser modificada para incluir pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida.

O Decreto n° 5296/2004 traz definições detalhadas sobre o significado da deficiência, caracterizando esse grupo como aquelas pessoas que possuem limitação ou incapacidade para o desempenho de atividade e enquadram-se nas seguintes categorias:

[...] Deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. Deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. Deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores. Deficiência mental: Funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: 1. Comunicação; 2. Cuidado pessoal; 3. Habilidades sociais; 4. Utilização dos recursos da comunidade; 5. Saúde e segurança; 6. Habilidades acadêmicas; 7. Lazer; e 8. Trabalho. Deficiência múltipla: associação de duas ou mais deficiências (BRASIL, Decreto n° 5296/2004BRASIL. Decreto n° 5296 de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048/2000 e 10.098/2000. Brasília, 2004., art. 5°).

Embora haja a mudança de foco, com a publicação da legislação de acessibilidade, que passa do ajuste/exclusão/segregação da pessoa com deficiência (visibilidade da condição individual da deficiência) à transformação do ambiente de modo acessível (visibilidade das barreiras externas), o detalhamento das categorias da deficiência extraídas, anteriormente, do Decreto de Acessibilidade (BRASIL, 2004BRASIL. Decreto n° 5296 de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048/2000 e 10.098/2000. Brasília, 2004.) remete ao modelo médico. No mencionado decreto há o enquadramento físico, cognitivo, comportamental e comunicacional aos padrões de percepção corporal, visual, auditiva e intelectual (FERREIRA, 2004). Esse modelo é útil para a conceituação no campo biológico, no entanto, traz forte influência para a naturalização de estereótipos limitantes e essencialistas sobre as pessoas com deficiência, principalmente, aquelas pessoas definidas pela categoria de deficiência mental, particularmente, porque o texto do decreto afirma que tais pessoas são caracterizadas “pelo funcionamento intelectual significativamente inferior à média” (Decreto n° 5296/2004BRASIL. Decreto n° 5296 de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048/2000 e 10.098/2000. Brasília, 2004., art. 5°), sendo a ideia de sujeito médio o suposto padrão de normalidade.

Justamente, em oposição às formas diretas e sutis de discriminação contra as pessoas com deficiência que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006, p. 1) reconhece o conceito deficiência como uma definição “em evolução”, uma vez que tal condição é parte da diversidade humana e resulta “da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas” (ONU, 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
, p. 22). A Convenção fundamenta seu conteúdo nos direitos humanos e por isso agrega princípios importantes para a definição de deficiência como barreiras atitudinais, participação social e igualdade de oportunidade (ONU, 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
).

No texto da Convenção (ONU, 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
), pessoas com deficiência são aquelas com impedimento “físico, mental, intelectual ou sensorial, os quais em interação com diversas barreiras, obstruem a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas” (ONU, 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
, art. 1). Desta forma, a condição de deficiência caracteriza-se na relação da pessoa com os ambientes e os demais; interação esta que pode favorecer ou não o usufruto pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais.

Quase dois anos após a publicação da Convenção da ONU (2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
), o Ministério da Educação lançou a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEpEI) com o objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantia do acesso ao ensino regular, bem como a participação e a aprendizagem (BRASIL, 2008BRASIL. Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, 2008. Disponível em:<Disponível em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192 >. Acesso em 20/01/2014.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
). Com a implementação desta política, as escolas receberam do MEC e das Secretarias Municipais e Estaduais uma série de orientações acerca da oferta do AEE e da abertura das Salas de Recursos Multifuncionais no sistema de ensino regular. A Política de Inclusão (BRASIL, 2008BRASIL. Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, 2008. Disponível em:<Disponível em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192 >. Acesso em 20/01/2014.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
) apresenta definições acerca do público alvo do AEE, acrescentando parâmetros para as deficiências, os transtornos globais do desenvolvimento e as altas habilidades e superdotação:

[...] consideram-se alunos com deficiência àqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os estudantes com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo estudantes com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Estudantes com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse (BRASIL, 2008BRASIL. Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, 2008. Disponível em:<Disponível em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192 >. Acesso em 20/01/2014.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
, p. 11).

A definição de deficiência da PNEEpEI (BRASIL, 2008BRASIL. Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, 2008. Disponível em:<Disponível em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192 >. Acesso em 20/01/2014.
http://portal.mec.gov.br/index.php?optio...
) retoma o texto da Convenção da ONU (2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/a...
) ao reconhecer as características corporais e cognitivas da deficiência no contexto da interação com barreiras sociais. Além disso, o texto desta política incorpora outros coletivos como público-foco da política de inclusão, como os estudantes com altas habilidades e superdotação, que não necessariamente, são pertencentes à categoria deficiência.

No marco das diretrizes internacionais, o Relatório Mundial da Deficiência (OMS, 2011), documento elaborado sob coordenação da Organização Mundial da Saúde (OMS), tornou-se referência nacional para categorização das deficiências na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIFS). A CIFS foi desenvolvida por profissionais de diversas áreas entre eles, acadêmicos, médicos e técnicos com deficiência. A conceituação de deficiência parte da junção do modelo médico e o modelo social. A OMS (2011) reconhece as barreiras nos ambientes, nos contextos e nas relações como fatores agravantes na experiência de interação da pessoa com deficiência.

Nesse marco de referência, a ideia de deficiência é construída a partir de três fatores principais: “a) alterações das estruturas/funções corporais, por exemplo, paralisia ou cegueira; b) dificuldades para executar atividades, por exemplo, caminhar ou comer e c) restrições à participação em atividades, por exemplo, enfrentar discriminação no emprego ou nos transportes” (OMS, 2011OMS. Relatório Mundial da Deficiência, 2011. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf >. Acesso em: 20/04/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.b...
, p. 5).

O esquema, a seguir, mostra como o conceito de deficiência é definido pela OMS (2011)OMS. Relatório Mundial da Deficiência, 2011. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf >. Acesso em: 20/04/2017.
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:

Figura 1
Representação da Deficiência na CIFS (OMS, 2011OMS. Relatório Mundial da Deficiência, 2011. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf >. Acesso em: 20/04/2017.
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)

Chama atenção que a “atividade” está no centro da representação e não a deficiência ou condição cognitivo-corporal. O esquema demonstra que para medir a execução da atividade examina-se, de forma conjunta, as funções corporais e as condições de participação. Esse processo de mensuração envolve aspectos de saúde, fatores ambientais (barreiras) e pessoais (família, renda, acesso à tecnologia assistiva, entre outros). As variações de dados coletados são a base para classificação da deficiência, tornando-se indispensável a análise interdisciplinar e contextual da experiência da deficiência.

Vale destacar que a OMS cita a CIFS como parâmetro para mensurar elementos positivos da experiência no uso das funcionalidades humanas para, assim, criar novos marcos de referências acerca das “funções corporais, das atividades, da participação e facilitação ambiental” (OMS, 2011OMS. Relatório Mundial da Deficiência, 2011. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf >. Acesso em: 20/04/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.b...
, p. 5). O Relatório Mundial da Deficiência (OMS, 2011OMS. Relatório Mundial da Deficiência, 2011. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf >. Acesso em: 20/04/2017.
http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.b...
) reconhece os diversos ensejos que estão por trás dos discursos sobre deficiência que os aproximam da área de Saúde e, ao mesmo tempo, de âmbitos variados da vida humana, incluindo os fatores individuais, familiares e sociais. O mesmo relatório faz alusão ao termo “diminuição de capacidade” como resultado das condições pessoais e das limitações de saúde, aliadas aos fatores externos: “diminuições de capacidade são diminuições específicas das funções e estruturas corporais, geralmente identificadas como sintomas ou sinais de problemas de saúde. A deficiência surge da interação entre problemas de saúde e fatores contextuais” (OMS, 2011OMS. Relatório Mundial da Deficiência, 2011. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf >. Acesso em: 20/04/2017.
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, p. 5).

Por fim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015BRASIL. Lei n° 13146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília, 1996.), em vigor no Brasil desde 2015, reforça o modelo social da deficiência ao enfatizar as necessidade de eliminação de barreiras e de promoção da participação plena das pessoas com deficiência em igualdade de condições com as demais (BRASIL, 2015BRASIL. Lei n° 13146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília, 1996., art. 2°). O artigo dois, da mesma lei, destaca que a avaliação da deficiência, quando necessária, “será biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, considerando: os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação” (BRASIL, 2015BRASIL. Lei n° 13146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília, 1996., art. 2°). Este trecho vai de encontro com o Relatório da Deficiência da OMS (2011)OMS. Relatório Mundial da Deficiência, 2011. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf >. Acesso em: 20/04/2017.
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ao direcionar o modelo biopsicossocial como parâmetro para medir a deficiência. A conciliação entre modelo médico e modelo social no modelo biopsicossocial é uma tentativa de trazer a dimensão sociológica da experiência da deficiência sem esquecer dos aspectos que estão implicados no corpo ou “lesão” (impairment) (THOMAS, 2007THOMAS, Carol. Sociologies of Disability and Illness: Contested Ideas in Disability Studies and Medical Sociology. V.1. Red Globe Press: London, 2007.). Mas, será que essa conciliação entre os modelos da deficiência é suficiente para resolver o problema da normalidade? Com propósito de aproximação com este debate, as próximas seções abordam a deficiência nas noções de diversidade humana e diferenças culturais, presentes na retórica internacional e nas teorias críticas.

A RETÓRICA DA DIVERSIDADE NA PAUTA SOBRE INCLUSÃO

Como apresentado na seção introdutória deste artigo, o tema da diversidade humana é parte das diretrizes internacionais (ONU, 1948ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: < Disponível em: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf >. Acesso em: 20/10/2021.
https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/...
; 1990ONU. Declaração Mundial sobre Educação para Todos, 1990. Disponível em: < Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-mundial-sobre-educacao-para-todos-conferencia-de-jomtien-1990 >. Acesso em: 20/01/2017.
https://www.unicef.org/brazil/declaracao...
; 1994ONU. Declaração de Salamanca: Sobre princípios, políticas e Práticas na área de Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 24/01/2017.
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/...
; OEA, 1999OEA. Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, 1999. Disponível em: < Disponível em: http://www.faders.rs.gov.br/legislacao/6/29 >. Acesso em: 20/01/2017.
http://www.faders.rs.gov.br/legislacao/6...
). A partir das mudanças globais com o pós Segunda Guerra, o discurso sobre tolerância à diversidade e respeito às diferenças ganha visibilidade, tal como aparece na Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: < Disponível em: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf >. Acesso em: 20/10/2021.
https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/...
):

[...] Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania (ONU, 1948ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: < Disponível em: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf >. Acesso em: 20/10/2021.
https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/...
, art. 2°).

A garantia dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (ONU, 1948ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: < Disponível em: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf >. Acesso em: 20/10/2021.
https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/...
) estão na base da discussão sobre diversidade. Reivindicações coletivas por direitos e inclusão revelam tensões entre diferentes grupos seja, por exemplo, em razão étnica, geracional, de gênero, de deficiência e de nacionalidade. O acirramento entre grupos identitários indica a segmentação plural das relações sociais, antes caracterizada, na teoria moderna, apenas em dois grandes grupos: burguesia e povo. No contexto atual, existe a percepção de um quadro muito mais complexo, de multiplicidades humanas e de fronteiras socioculturais, nas quais as diferenças são interseccionais e tocam em outros fatores além da questão econômica como o gênero, a deficiência e a cor da pele (HALL, 1997HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade. V.6. Rio de Janeiro: DP&A. 1997.).

A expectativa acerca da redução de conflitos entre diferentes grupos sociais é fundamento para a celebração da diversidade humana na busca por uma cultura de paz mundial (ONU, 1948ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: < Disponível em: https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/udhr_translations/por.pdf >. Acesso em: 20/10/2021.
https://www.ohchr.org/en/udhr/documents/...
). Essa positividade na afirmação da diversidade está presente, sistematicamente, nos discursos oficiais e por isso tornou-se objeto de análise da teoria crítica. Tais teóricos desmontam o simplismo por trás do discurso de tolerância à diversidade, pois na verdade, essa retórica camufla o real projeto para os grupos excluídos e discriminados na sua inclusão em demandas geradas pela era da globalização (FERREIRA, 2015FERREIRA, Windyz Brazão. O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p. 299-319, 2015. <http://www.esforce.org.br>
http://www.esforce.org.br...
).

Segundo Ferreira (2015FERREIRA, Windyz Brazão. O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p. 299-319, 2015. <http://www.esforce.org.br>
http://www.esforce.org.br...
), o conceito de diversidade solidificou-se no contexto da globalização e sobressai a própria luta dos movimentos sociais, pois não é apenas uma retórica de interesse dos grupos excluídos, mas sim dos grandes representantes do poder econômico mundial:

O processo da globalização da economia, impulsionado pela revolução tecnológica que se iniciou no século passado, ganha força no século XXI com a realização de grandes eventos mundiais, cujos encontros as comunidades política, econômica e acadêmica internacionais com poder se reúnem para definir movimentos de incorporação de grandes massas humanas [...] em suas agendas econômicas, políticas e também educacionais, porque as massas devem ser preparadas para responder às demandas geradas pela era da informação, da globalização e da sociedade do conhecimento (FERREIRA, 2015FERREIRA, Windyz Brazão. O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p. 299-319, 2015. <http://www.esforce.org.br>
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, p. 301).

No sentido expresso pela autora, percebe-se que o conceito de diversidade alicerça-se nos interesses globais do neoliberalismo em um movimento de apropriação das pautas reivindicadas por determinados coletivos. Para Ferreira (2015FERREIRA, Windyz Brazão. O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p. 299-319, 2015. <http://www.esforce.org.br>
http://www.esforce.org.br...
, p. 305), o emergente uso do termo diversidade nas políticas e leis formuladas tanto Brasil como em âmbito internacional assume a retórica do compromisso com as “massas”, mas há a tendência do esvaziamento do termo diversidade e ainda o processo de homogeneização das diferenças humanas para responder aos interesses econômicos. A autora chama atenção a sintonia conceitual entre diversidade e outros termos como inclusão, tolerância, aceitação, igualdade e liberdade; palavras que tornaram-se princípios norteadores para elaboração de materiais didáticos, bases curriculares e planos institucionais (FERREIRA, 2015FERREIRA, Windyz Brazão. O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p. 299-319, 2015. <http://www.esforce.org.br>
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, p. 305). Deste modo, o tema da diversidade é compulsoriamente introduzido na política e práticas educacionais.

Nesta linha, a Declaração de Salamanca (ONU, 1994ONU. Declaração de Salamanca: Sobre princípios, políticas e Práticas na área de Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 24/01/2017.
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) foi um dos documentos importantes na consolidação de políticas para a diversidade porque trouxe o princípio da inclusão associado aos sistemas de ensino comum a partir da ênfase no direito à educação dos estudantes que apresentam algum tipo de necessidade educacional que são

[...] deficientes e superdotados, de rua e que trabalham, de origem remota ou de população nômade, pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e de outros grupos desavantajados ou marginalizados (...). Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e portanto possuem necessidades educacionais especiais em algum ponto durante a sua escolarização (ONU, 1994ONU. Declaração de Salamanca: Sobre princípios, políticas e Práticas na área de Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 24/01/2017.
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, p. 3).

Ao abranger as diversidades de características e condições linguísticas, étnicas, culturais, socioeconômicas e habilidades cognitivas, a Declaração de Salamanca (ONU, 1994ONU. Declaração de Salamanca: Sobre princípios, políticas e Práticas na área de Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 24/01/2017.
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) chama atenção às diferenças humanas e às desigualdades que são geradas pelos sistemas educacionais, principalmente, devido à adoção de um modelo de pedagogia instrumental. No que se refere às características humanas, este documento menciona, como necessidade educacional, as características físicas, sociais ou culturais que marcam os estudantes e os colocam em condição de vulnerabilidade (ONU, 1994ONU. Declaração de Salamanca: Sobre princípios, políticas e Práticas na área de Necessidades Educativas Especiais, 1994. Disponível em: <Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf >. Acesso em: 24/01/2017.
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, p. 3). O conceito de diversidade humana é compreendido na Declaração, portanto, por dimensões biológicas e na sua construção cultural. Gomes (2007GOMES, Nilma Lino. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. In: BEAUCHAMP, Jeanete; PAGEL, Sandra Denise; RIBEIRO, Aricélia do Nascimento (Orgs.). Indagações sobre currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. p. 05-29.) diferencia essas dimensões como:

[...] a diversidade biológica, no caso dos seres humanos, caracteriza-se pela igualdade em nossa condição de gênero humano que possui diferenças, a diversidade cultural está representada exatamente nessas diferenças que são modeladas no processo histórico e cultural e no contexto das relações de poder [e que] recebem leituras estereotipadas e preconceituosas, passando a ser tratadas desigualmente e de forma discriminatória (GOMES, 2007GOMES, Nilma Lino. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. In: BEAUCHAMP, Jeanete; PAGEL, Sandra Denise; RIBEIRO, Aricélia do Nascimento (Orgs.). Indagações sobre currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. p. 05-29., p. 17).

Diferentemente da dimensão do poder expressa por Gomes (2007GOMES, Nilma Lino. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. In: BEAUCHAMP, Jeanete; PAGEL, Sandra Denise; RIBEIRO, Aricélia do Nascimento (Orgs.). Indagações sobre currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. p. 05-29.), ao analisar a diversidade cultural, o termo diversidade biológica sempre “insinua” o reconhecimento da multicultura e o respeito ao pluralismo. No entanto, este mesmo termo é direcionado para aqueles que são vulneráveis à experiência de exclusão e discriminação e não para os que não os são. No caso, o coletivo da diversidade é aquele que é identificado com uma desvantajosa diferença. As teorias críticas (SKLIAR, 2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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; SHAKESPEARE, 1996SHAKESPEARE, Tom. Disability, Identity and Difference: Exploring the Divide. Edited by Colin Barnes and Geof Mercer. Leeds: The Disability Press: Leeds, 1996.; WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 1-48.) - no debate acerca do processo de construção de identidades, coletividades e diferenças - analisam o processo de naturalização e despolitização do conceito de diversidade. Nesta abordagem teórica, desloca-se tanto os sujeitos taxados como diferentes (os coletivos que compõem a diversidade e as chamadas “minorias”) como também aqueles que permanecem intocáveis, ou seja, os sujeitos que atendem à norma. A pergunta é: “Como refletir sobre surdos, indígenas, mulheres, negros, mestiços, desempregados, crianças [em situação] de rua, cegos etc. sem se esconder atrás da máscara da terminologia de natural pluralidade e da natural diversidade dos outros?” (SKLIAR, 2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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, p. 1).

No âmbito da Educação Especial, crianças, jovens e adultos com deficiência, tradicionalmente, foram rotulados por nomenclaturas específicas, como ‘especiais’, ‘excepcionais’ e ‘deficientes’. Agora, essas terminologias foram substituídas pelo termo diversidade ou estudantes públicos do AEE. O que parece um avanço ainda esconde os pressupostos que fundamentam a antiga ideologia da normalidade, conforme dito nas palavras de Skliar e Souza (2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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):

As normas e os valores sobre corpos e mentes completos, autossuficientes, disciplinados e belos, constituem a base dos discursos, das práticas e da organização das instituições especiais. Em geral, a norma tende a ser implícita, invisível e é esse caráter de invisibilidade que a torna inquestionada. Nos documentos oficiais e nos discursos das instituições da educação especial, é frequente encontrar a utilização do termo diversidade. Diversidade neste e em outros contextos mais amplos, retrata uma estratégia conservadora que contêm, obscurece, o significado político das diferenças culturais. A ambiguidade com que se pensa e se constrói a diversidade, gera consequência, no melhor dos casos, a aceitação de um certo pluralismo que se refere sempre a uma norma ideal (SKLIAR; SOUZA, 2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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, p. 7).

Desta forma, o conceito de diversidade é construído para os desajustados, para aquelas pessoas e grupos que são “considerados “diferentes” daquilo que a classe dominante define como “padrão”: uma referência “certa” que passa a ser naturalizada nas relações sociais” (FERREIRA, 2015FERREIRA, Windyz Brazão. O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p. 299-319, 2015. <http://www.esforce.org.br>
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, p. 307). Nesta lógica, resta para os que não são diferentes a perpetuação dos valores que compõem seu domínio e privilégio. Skliar e Souza (2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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) argumentam que o discurso sobre a tolerância à diversidade tende a dissimular o que é político na diferença e não resolve o problema gerador da exclusão e discriminação, ao contrário, mantêm a norma em seu lugar. Neste sentido, a diferença passa a ser definida “como diversidade que é entendida quase sempre como as variantes aceitáveis e respeitáveis do projeto hegemônico da normalidade” (SKLIAR; SOUZA, 2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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, p. 6-7). Segundo Ferreira (2015FERREIRA, Windyz Brazão. O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p. 299-319, 2015. <http://www.esforce.org.br>
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), a maneira como o termo diversidade é exaltado nos discursos oficiais não impulsiona mudanças necessárias para a qualidade da educação brasileira e ainda mantêm “aqueles que são chamados de “diferentes” em um vácuo teórico-conceitual” (FERREIRA, 2015FERREIRA, Windyz Brazão. O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p. 299-319, 2015. <http://www.esforce.org.br>
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, p. 306). Por essa razão, o conceito de diferença humana é indispensável na análise sobre a narrativa da inclusão e diversidade.

A TEORIZAÇÃO SOBRE DIFERENÇA HUMANA PARA DESLOCAR A NORMALIDADE

Três abordagens são predominantes na conceituação da deficiência: o modelo médico que foca a deficiência em características físico-cognitivas (FERREIRA, 2004); o modelo social, no qual a deficiência é entendida como experiência associada às barreiras e aos impedimentos impostos pela sociedade (OLIVER, 1983OLIVER, Mike. Social work with disabled people. London: MacMillan, 1983.) e o modelo biopsicossocial que tenta equilibrar informações no âmbito da Saúde e da funcionalidade humana e aspectos da experiência empírica da deficiência (OMS, 2011OMS. Relatório Mundial da Deficiência, 2011. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_COMPLETO.pdf >. Acesso em: 20/04/2017.
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). Seguindo o fluxo das diretrizes internacionais, o marco político-legal nacional situa esses modelos, mas não apresenta retórica única para definir a categoria deficiência, pois em alguns textos a conceitua dentro de especificações médicas, como no Decreto de Acessibilidade n° 5296/2004 e, em outros momentos, busca-se interpretação no modelo social ou no modelo biopsicossocial, tal como aparece na Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015BRASIL. Lei n° 13146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília, 1996.).

Além desses modelos, as diretrizes para inclusão trazem a tolerância e o respeito à diversidade como princípios-chaves para a formulação de políticas nacionais (ONU, 2015ONU. Agenda ONU 2015-2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em < Disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ >. Acesso em: 02/02/2020.
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-2030), sendo as pessoas com deficiência grupo-foco da denominada diversidade humana. No âmbito global, o termo diversidade surge como alternativa para os Estados resolverem o problema social da exclusão e da intolerância contra grupos específicos e, ao mesmo tempo, unificarem as massas para responderem às exigências neoliberais, sem que isso altere os sistemas de dominância (FERREIRA, 2015FERREIRA, Windyz Brazão. O conceito de diversidade no BNCC: relações de poder e interesses ocultos. Revista Retratos da Escola, v.9, n.17, p. 299-319, 2015. <http://www.esforce.org.br>
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; SKLIAR; SOUZA, 2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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).

Nesta conjuntura, uma terceira via de análise surge para a teorização sobre deficiência: a teoria crítica da diferença presente, por exemplo, nos Estudos Culturais e nos Estudos de Gênero (SILVA, 2000SILVA, Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectivas dos estudos culturais. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.; WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 1-48.; PINTO 2014PINTO, Paula. Deficiência, sociedade e direitos: a visão do sociólogo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/723-1116.pdf >. Acesso em: 20/10/2018.
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; FARIAS, 2011FARIAS, Adenize Queiroz de. Gênero e Deficiência: Vulnerabilidade Feminina, Ruptura e superação. Dissertação (Mestrado em Educação). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2011.; SOARES, 2010SOARES, Marcia. Programa educação inclusiva direito à diversidade: estudo de caso sobre estratégia de multiplicação de políticas públicas. Dissertação (Mestrado em educação). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2010.; MELLO, FERNANDES, 2013MELLO, Anahi. FERNANDES, Felipe. Guia de Orientações Básicas sobre Gênero, Deficiência e Acessibilidade no Seminário Internacional Fazendo Gênero 10. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO 10. 2013. Comissão de Acessibilidade do Seminário Internacional Fazendo Gênero 10, 2013, Santa Catarina. Disponível em: <Disponível em: https://filosofia.paginas.ufsc.br/files/2017/08/Guia-de-orienta%C3%A7%C3%B5es-b%C3%A1sicas-sobre-g%C3%AAnero-defici%C3%AAncia-e-acessibilidade-1.pdf >. Acesso em: 18/09/2021, 2013.
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; SILVA, 2014SILVA, Jackeline Susann Souza da. Acessibilidade, Barreiras e Superação: Estudo de Caso de Experiências de Estudantes com Deficiência na Educação Superior. Dissertação (Mestrado em Educação). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2014.). Nesse viés, a desconstrução da normalidade é o ponto de partida para a reflexão sobre diferenças humanas e identidades. As análises críticas do discurso contestam até que ponto as características biológicas servem de base para justificar valores culturais e reforçar desigualdades humanas (WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 1-48.; SKLIAR, 2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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). Segundo Skliar e Souza (2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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), avalia-se, no discurso crítico, sobre a deficiência que

[...] não é a pessoa que está em uma cadeira de roda ou que usa um aparelho auditivo ou que não aprende segundo o ritmo e a forma como a norma espera, se não os processos sociais, históricos, econômicos e culturais que regulam e controlam a forma acerca de como são pensados e inventados os corpos e mentes dos outros. Para explicá-lo mais detalhadamente: a deficiência não é uma questão biológica e sim uma retórica social, histórica e cultural. A deficiência não é um problema dos deficientes ou de suas famílias ou dos especialistas. A deficiência está relacionada a própria ideia de normalidade e com sua historicidade (SKLIAR; SOUZA, 2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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p. 5).

Portanto, a deficiência não é uma questão reduzida ao âmbito da medicina. Muito mais do que isso, é uma narrativa de ordem coletiva que tem mais relação com o que é estabelecido como normal do que com o que pressupõe-se como anormalidade. Analisando esses aspectos, Pinto (2014PINTO, Paula. Deficiência, sociedade e direitos: a visão do sociólogo, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/723-1116.pdf >. Acesso em: 20/10/2018.
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) afirma que a demarcação do que é deficiência existe dentro de sistemas de representação que valorizam determinados atributos físicos, classificando, definindo e separando pessoas e grupos. Do mesmo modo, Woodward (2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 1-48.) argumenta que o corpo é um dos locais em que são estabelecidas fronteiras ou aproximações a partir do processo de (auto)identificação de diferenças e semelhanças humanas. Tais diferenças são o que constituem as identidades. Em outras palavras, a identidade só existe porque há uma diferença contrastante. Por isso, recorre-se a possível essencialismo biológico ou histórico para justificar e agrupar os sujeitos considerados semelhantes e distinguir aqueles julgados na diferença.

Na abordagem crítica pós-estrutural do discurso, o conceito de diferença parte da noção de que é preciso desnaturalizar qualquer característica humana dita como biológica e essencialista para encontrar as normas sociais que as governam, uma vez que “as diferenças empíricas - como a cor da pele ou a surdez - não possuem, em si mesmas, nenhum valor natural. Não carregam qualquer sentido intrínseco”, no entanto, “recebem significados como efeito das relações históricas e políticas que se articulam nas sociedades onde estas marcas de diferenças estão presentes” (CANGUILHEM, 1995CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995., p. 186). Deste modo, são as representações sociais formadas por discursos, símbolos e práticas de legitimação e significação que fazem com que o indivíduo, por meio de um processo psicossocial, atribua significado a experiência e posicione-se, sendo possível, portanto, encontrar respostas para questões como: Quem sou? De onde sou? Quem é diferente? Quem é igual? (WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 1-48.; SILVA, 2000SILVA, Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectivas dos estudos culturais. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.).

Assim, é a partir do significado das representações de ser diferente e ser igual que a identidade vai constituindo-se na arena cultural. Neste caso, aprendemos, ao longo da vida, a ser quem somos e, nesse sentido, a diferença do outro é base da nossa identidade (SILVA, 2000SILVA, Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectivas dos estudos culturais. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.). Conclui-se, assim, que não existe identidade sem diferença. Somos quem somos porque nos vemos pelo reflexo de quem não nos representa e de quem julgamos ser parecidos com nós. Este jogo de aproximação e exclusão do outro é marcado pela relação de alteridade:

[...] a alteridade permanece reabsorvida em nossa identidade e a reforça ainda mais; a faz possível, mais arrogante, mais segura e mais satisfeita de si mesma. A partir do ponto de vista, o louco confirma e reforça nossa razão; a criança nossa maturidade; o selvagem, nossa civilização; o marginal, nossa integração; o estrangeiro, nosso país e o deficiente, nossa normalidade (LARROSA; PEREZ, 1998LARROSA, Jorge; PÉREZ, Lara Nuria de. Imagens do outro. Petrópoles: Editora Vozes, 1998. , p. 3).

A questão é que no processo de alteridade para construção de identidades criam-se normas, estigmas e desigualdades (WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 1-48.). Por exemplo, no caso das pessoas com deficiência, a sociedade considera “determinados corpos como inferiores, incompletos ou passíveis de reparação/reabilitação quando comparados aos padrões hegemônicos funcionais/corporais” (MELLO; FERNANDES, 2013MELLO, Anahi. FERNANDES, Felipe. Guia de Orientações Básicas sobre Gênero, Deficiência e Acessibilidade no Seminário Internacional Fazendo Gênero 10. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO 10. 2013. Comissão de Acessibilidade do Seminário Internacional Fazendo Gênero 10, 2013, Santa Catarina. Disponível em: <Disponível em: https://filosofia.paginas.ufsc.br/files/2017/08/Guia-de-orienta%C3%A7%C3%B5es-b%C3%A1sicas-sobre-g%C3%AAnero-defici%C3%AAncia-e-acessibilidade-1.pdf >. Acesso em: 18/09/2021, 2013.
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). Na sociedade, valorizam-se determinadas formas físicas em detrimento de outras a partir de padrões sociais de funcionalidade, comunicação, estética, gênero, atividade e cognição (SILVA, 2014SILVA, Jackeline Susann Souza da. Acessibilidade, Barreiras e Superação: Estudo de Caso de Experiências de Estudantes com Deficiência na Educação Superior. Dissertação (Mestrado em Educação). João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, Paraíba, 2014.). Consequentemente, isso faz com que a pessoa com um corpo marcado por algum tipo de deficiência seja estigmatizada e colocada em posição de desvantagem social. Tal experiência coloca a pessoa estigmatizada como sujeito desviante da norma(lidade) que ao se sentir “estranho a si mesmo” abre margem à “dominação que se articula ideológica e politicamente através do enfraquecimento das coletividades, de inferiorização, da repressão dirigida, do divisionismo para que deixem de questionar a ordem hegemônica e até passando a identificar-se com ela” (SKLIAR; SOUZA, 2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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, p. 3).

Portanto, as representações de identidade e diferenças humanas criam fronteiras entre as ditas pessoas com deficiência e sem deficiência. No processo de socialização, as pessoas apropriam-se do lugar a elas direcionado e aprendem a falar sobre si, a defender ou resistir a sua identidade. Qualquer discurso que constitua os modelos da deficiência estão embasados em sistemas de representação (WOODWARD, 2000WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 1-48.). Assim, tanto o modelo médico como o modelo social - bem como o modelo biopsicossocial - são operantes nas dinâmicas da normalidade que só ganham sentido nos arranjos culturais em que são construídos. A depender do que é legitimado na coletividade, os modelos da deficiência podem impor estereótipos limitantes, intensificar fronteiras ou, de outra forma, reconstruir significados sociais e novas representações que sejam mais benéficas às pessoas com deficiência no processo involuntário de diferenciação e aproximação na constituição das identidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo caracterizar diferenças conceituais entre deficiência, diversidade e diferença humana. Nota-se que as definições, objetos de análise, ora alinham-se às perceptivas críticas do discurso, ora reproduzem a visão normativa de sujeitos-corpos-mentes, camuflando, de forma muitas vezes sutil, na retórica oficial sobre inclusão e diversidade, a construção social assimétrica das diferenças humanas.

Em resumo, examinou-se que a definição de deficiência não é unitária tanto nas diretrizes nacionais e internacionais como na abordagem da teoria crítica social. Entre os modelos da deficiência disseminados está o modelo médico em que a deficiência é tomada como objeto das Ciências da Saúde e as características físico-cognitivas do indivíduo são deslocadas do contexto social, sendo interpretadas como um dado “natural”. Em oposição, o modelo social tornou-se uma segunda referência para conceituação da deficiência, muito além da marca biológica, sendo um fenômeno coletivo (FERREIRA, 2004). O modelo social denuncia as diferentes barreiras que impedem o usufruto, das pessoas com deficiência, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (ONU, 2006ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2006. Disponível em:<Disponível em:http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/publicacoes/convencaopessoascomdeficiencia.pdf >. Acesso em: 20/01/2017.
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). Mais recentemente, com a publicação da Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015BRASIL. Lei n° 13146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília, 1996.), a retórica oficial brasileira alinha-se a tentativa de conciliação entre a perspectiva médica e sociológica da deficiência na adoção do modelo biopsicossocial. Essa última abordagem aproxima-se daquilo que Carol Thomas (2008THOMAS, Carol. Disability: getting it “right” Journal of Medical Ethics, 2008. Disponível em: <Disponível em: http://dx.doi.org/10.1136/jme.2006.019943 > Acesso em 23/04/2022.
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) reconhece como aspectos empíricos da vivência da deficiência - que não são diretamente barreiras sociais, mas revelam as dimensões pragmáticas e particulares da experiência da deficiência.

Com a disseminação de documentos, por órgãos das Nações Unidas, em defesa da tolerância e do respeito à diversidade houve o crescimento expressivo do marco político-legal para a educação inclusiva no Brasil (BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, Brasília, 1996.; 2000BRASIL. Lei n° 10.098, de 19 de desembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade. Brasília, 2000.; 2004BRASIL. Decreto n° 5296 de 02 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048/2000 e 10.098/2000. Brasília, 2004.; 2008BRASIL. Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, 2008. Disponível em:<Disponível em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=16690-politica-nacional-de-educacao-especial-na-perspectiva-da-educacao-inclusiva-05122014&Itemid=30192 >. Acesso em 20/01/2014.
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; 2015BRASIL. Lei n° 13146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Brasília, 1996.). Para a UNESCO (2002), o conceito de diversidade é entendido como patrimônio da humanidade e compõe o que é original e plural nas identidades humanas. Embora o reconhecimento do valor da diversidade humana induza a positividade no discurso oficial, esta narrativa transmite a ideia ilusória de que há simetria entre grupos sociais e que, supostamente, a ampla tolerância é suficiente para romper as tensões culturais e promover a paz mundial. Além disso, a defesa da diversidade na sua forma essencialista e naturalizante mantêm o status quo e o projeto de normalidade que tanto imagina-se combater (SKLIAR; SOUZA, 2000SKLIAR, Carlos. Discursos y Prácticas sobre la Deficiencia y la Normalidad: Las exclusiones del lenguaje, del cuerpo y de la mente, 2000. Disponível em: < Disponível em: http://canales.org.ar/archivos/lectura_recomendada/Skliar-Santilla-1.pdf >. Acesso em: 22/02/2017.
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).

A teoria crítica da diferença contraria a noção simplista da diversidade para desestabilizar a normalidade. Neste caso, não são apenas os sujeitos marcados por diferenças estigmatizadas que ganham visibilidade no debate, mas também aquele que é intocável pelo privilégio de ser o sujeito normal. No âmbito da educação, a discussão sobre diferença e identidade busca desnaturalizar qualquer valor que estigmatiza um grupo ou pessoa, bem como questiona a posição dominante. Esse processo inicia-se pela desconstrução dos sentidos implicados nas relações escolares e nas normas pedagógicas, nos procedimentos didáticos e nas relações de poder-saber. O normativo na educação escolar beneficia os atributos da não-deficiência e o perfil de aluno-médio - isto é, o estudante previsto pela norma, excluindo aqueles que não se encaixam no padrão estético, de aprendizagem, de comunicação, de comportamento e de interação (SILVA, 2019SILVA, Jackeline Susann Souza da. Indicadores de accesibilidad para la educación superior desde la perspectiva de la equidad de género. Tese (Doutorado em Educação). Salamanca: Universidad de Salamanca, 2019.).

Desta forma, ao colocar em evidência a norma que conduz os corpos e mentes (des)ajustados no lugar comum, o reconhecimento da diferença, como constituinte das identidades, torna-se um marco de referência potente para refletir sobre a experiência da deficiência. Quando refere-se ao tema da deficiência, diversidade e diferenças humanas, a análise crítica é o caminho para compreender quais são as bases conceituais que fundamentam os discursos oficiais. A narrativa da inclusão, de fato, responde aos interesses dos diferentes grupos sociais ou está alinhada ao projeto de normalidade? Cabem às teorias contemporâneas desnaturalizarem e politizarem as categorias deficiência e diferença para, assim, deslocarem a normalidade legitimada - e intocada no discurso de diversidade -, uma vez que é a norma a raiz do fenômeno denominado de (in)exclusão.

Preprint

DOI: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.3012

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2021
  • Aceito
    16 Maio 2022
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