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Implicações das políticas educacionais no contexto do ensino fundamental de nove anos

Implications of the educational policies in the context of a nine year elementary school

Resumos

Tendo em vista o contexto da implantação do Ensino Fundamental de nove anos nas escolas públicas do país, este texto busca refletir sobre algumas implicações de três ações de uma política educacional desenvolvida nos últimos anos, com o objetivo de melhorar os índices de alfabetização e letramento. Os objetivos principais da reflexão aqui apresentada são, então: 1. analisar alguns impactos das avaliações sistêmicas nas práticas de alfabetização; 2. discutir as mudanças nos livros didáticos das séries iniciais; 3. discutir as possibilidades e os limites no processo de formação de professores que atuam nos anos iniciais da escola básica. Essa reflexão pode contribuir para a compreensão do adensamento dessas políticas e de seus efeitos na qualidade do ensino público no país, além de agregar ao debate conceitual (em momento de efervescência teórica) questões vividas pelos professores por meio do processo da institucionalização dessas ações.

Ensino Fundamental de Nove Anos; Alfabetização e Letramento


This text discusses the range of educational programs developed by the Brazilian Ministry of Education to implement nine years of elementary schooling as obligatory. The objectives of the ideas presented are: 1. examine some impacts of systemic early literacy acquisition evaluation, 2. reflect on the changes in the textbooks of the initial series, 3. discuss the educational policies concerned to teacher development. This discussion also aims to contribute to the ongoing conceptual debate that takes place while these policies are implemented across different levels of the educational system.

Education to Implement 9 Years; Literacy


ARTIGOS ARTICLES

Implicações das políticas educacionais no contexto do ensino fundamental de nove anos

Implications of the educational policies in the context of a nine year elementary school

Ceris Salete Ribas da SilvaI; Delaine CafieroII

IDoutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE/UFMG). E-mail: cerisrs@gmail.com

IIDoutora em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE/UFMG). E-mail: delainecafierobicalho@yahoo.com.br

Contato

RESUMO

Tendo em vista o contexto da implantação do Ensino Fundamental de nove anos nas escolas públicas do país, este texto busca refletir sobre algumas implicações de três ações de uma política educacional desenvolvida nos últimos anos, com o objetivo de melhorar os índices de alfabetização e letramento. Os objetivos principais da reflexão aqui apresentada são, então: 1. analisar alguns impactos das avaliações sistêmicas nas práticas de alfabetização; 2. discutir as mudanças nos livros didáticos das séries iniciais; 3. discutir as possibilidades e os limites no processo de formação de professores que atuam nos anos iniciais da escola básica. Essa reflexão pode contribuir para a compreensão do adensamento dessas políticas e de seus efeitos na qualidade do ensino público no país, além de agregar ao debate conceitual (em momento de efervescência teórica) questões vividas pelos professores por meio do processo da institucionalização dessas ações.

Palavras-chave: Ensino Fundamental de Nove Anos; Alfabetização e Letramento.

ABSTRACT

This text discusses the range of educational programs developed by the Brazilian Ministry of Education to implement nine years of elementary schooling as obligatory. The objectives of the ideas presented are: 1. examine some impacts of systemic early literacy acquisition evaluation, 2. reflect on the changes in the textbooks of the initial series, 3. discuss the educational policies concerned to teacher development. This discussion also aims to contribute to the ongoing conceptual debate that takes place while these policies are implemented across different levels of the educational system.

Keywords: Education to Implement 9 Years; Literacy.

Introdução

O governo federal sancionou, em 2006, o projeto que amplia de oito para nove anos a duração do ensino fundamental no país, nível de ensino que, pela legislação brasileira, deve ser universal e obrigatoriamente ofertado pelo Estado. Essa ampliação complementa a Lei 11.274, de 06/02/2006, já em vigor, que prevê a entrada nesse nível de ensino das crianças com seis anos de idade e um período de transição de quatro anos para as redes públicas se adequarem a essa nova normatização do ensino básico. Essa medida aumenta o tempo de escolarização com a intenção de pensar a cultura pedagógica da alfabetização no ensino fundamental e reverter resultados negativos das avaliações nacionais e regionais da Educação Básica. Para alcançar esses objetivos, o governo federal tem definido diversas diretrizes para as políticas educacionais do país nesse segmento de ensino e, ao mesmo tempo, colocado em prática decisões e ações para reverter o quadro do fracasso na alfabetização. Parte desse esforço do Ministério da Educação (MEC) está registrado na publicação - Ensino fundamental de nove anos: orientações gerais e Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade (2006) -, que apresenta as diretrizes para a reorganização desse nível de ensino, em termos legais, administrativos, curriculares e pedagógicos. Os documentos subsidiam diversas ações do governo federal, como, por exemplo, a aplicação da Provinha Brasil1 1 Avaliação proposta pelo governo federal desde 2008 e disponibilizada para os municípios. Foi concebida com o caráter de diagnóstico, para que cada escola pudesse ter um instrumento padronizado de medida. Seus resultados não interferem no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). e as avaliações de livros didáticos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)2 2 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC). Seus objetivos básicos são a aquisição e a distribuição, universal e gratuita, de livros didáticos para os alunos das escolas públicas do Ensino Fundamental brasileiro. e a formação dos professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental.

Diante desse novo cenário educacional, neste texto, são tomadas como objeto de reflexão três ações de políticas educacionais vigentes, duas delas promovidas pelo MEC, no Brasil, e uma por secretarias estaduais de educação, com o objetivo de melhorar os índices de alfabetização e letramento. Os objetivos principais perseguidos, em cada uma seções a seguir, são, então: 1. analisar alguns impactos das avaliações sistêmicas nas práticas de alfabetização; 2. refletir sobre as mudanças nos livros didáticos das séries iniciais; e 3. discutir as possibilidades e os limites no processo de formação de professores que atuam nos anos iniciais da escola básica.

Avaliação em larga escala: da vontade política aos impactos da ação

As avaliações em larga escala buscam verificar as habilidades que os alunos foram capazes de desenvolver num determinado período de sua escolarização. Com esse tipo de avaliação os gestores podem organizar políticas educacionais informadas, definindo novas ações com vista à obtenção de resultados mais positivos na aprendizagem. Duas grandes avaliações são aplicadas nacionalmente para verificar a aprendizagem dos alunos brasileiros: o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e a Prova Brasil, que, juntas, ajudam a compor o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Dessas duas avaliações tomam parte alunos que estão no final do primeiro segmento do Ensino Fundamental (antiga 4ª. série, atual 5º. ano). Depois da implementação do Ensino Fundamental de nove anos, foi ficando cada vez mais evidente a necessidade de um acompanhamento mais próximo do processo de alfabetização das crianças. Isto é, como as informações do SAEB e da Prova Brasil se referem ao final do primeiro segmento, houve a necessidade de informações sobre os níveis de alfabetização das crianças quando elas estivessem no segundo ou terceiro ano de escolaridade, momento em que seriam possíveis intervenções mais eficazes. No âmbito federal, a Provinha Brasil surgiu como uma avaliação que permite ao próprio professor fazer um diagnóstico de sua turma de alfabetização por meio de um instrumento padronizado. Em sua concepção original, a Provinha deveria servir apenas como um instrumento balizador para as ações no processo de alfabetização em sala de aula, mas, na prática, os impactos da aplicação desse instrumento nem sempre têm sido positivos, principalmente porque o professor tem sido pressionado por melhores resultados e, até mesmo, responsabilizado na ausência deles (MAIA, 2010; ESTEBAN, 2009). Também em busca de informações que orientem os gestores públicos no processo de tomada de decisões e na gestão dos sistemas educacionais, alguns estados instituíram avaliações da alfabetização. Alguns deles, como, por exemplo, Minas Gerais, Ceará, Espírito Santo e Pernambuco, incluíram em seus calendários avaliações da alfabetização de crianças com dois ou três anos de escolaridade. Essas avaliações têm gerado modificações na escola e produzido efeitos, nem sempre os desejados, tanto na prática docente quanto nas práticas de avaliação. Para refletir sobre a efetiva contribuição dessas avaliações para a organização da prática escolar nas turmas de alfabetização, são tomadas, neste trabalho, as experiências de Minas Gerais, Ceará e Espírito Santo. Os dados desses estados são utilizados como exemplo pela possibilidade de diálogo que permitem por possuírem objetivos e metodologias semelhantes.

O estado de Minas Gerais criou seu próprio sistema de avaliação e utiliza-o como um dos principais aparatos de regulação das ações da sua política educacional: O Programa de Avaliação da Alfabetização (Proalfa). A meta definida pela Secretaria de Educação é que toda criança esteja alfabetizada aos oito anos. Para tanto, a ampliação do tempo de escolarização articula-se a outras políticas que visam à melhoria da oferta de ensino público no estado. Em Minas Gerais, os alunos com seis anos de idade ingressaram na escola em 2004 e foram avaliados pela primeira vez em 2005, quando cursavam o segundo ano. O Programa de Avaliação da Alfabetização foi instituído com o objetivo de auxiliar o governo estadual e os professores das escolas públicas mineiras a obterem um diagnóstico da aprendizagem dos estudantes do segundo, terceiro e quarto anos do ensino fundamental. Avaliações amostrais, realizadas no 2º e 4º anos de escolaridade, e avaliações censitárias, realizadas no 3º. ano, são base para esse diagnóstico. Como a primeira avaliação indicou alunos abaixo do desempenho esperado para o ano/série, nas avaliações seguintes, os alunos de baixo desempenho passaram a ser submetidos a avaliações censitárias para que seu desenvolvimento pudesse ser acompanhado.

No Espírito Santo, a avaliação em larga escala da alfabetização nas escolas públicas foi realizada, pela primeira vez, em 2008, com previsão de término para 2011. Aplicam-se avaliações em duas etapas (ou ondas): a 1ª Onda ou Avaliação de Entrada, realizada em maio de 2008, e a 2ª Onda ou Avaliação de Saída, realizada em novembro do mesmo ano. Nas duas ondas, as avaliações foram aplicadas de forma censitária, em turmas de 1º e 2º anos de escolas públicas de todo o estado, ou seja, em crianças de 6/7 anos e 8/9 anos de idade. A avaliação realizada assemelha-se, na metodologia e nos pressupostos, à usada em Minas Gerais. O tipo de avaliação utilizado nos dois estados possibilita análises longitudinais dos desempenhos dos alunos e seu objetivo é o de comparar o desenvolvimento das crianças em diferentes momentos de sua escolarização.

No Ceará, o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará - Spaece-Alfa - foi ampliado a partir de 2007 para incorporar a avaliação da alfabetização. Além de avaliar outros anos de ensino, o sistema incluiu uma avaliação censitária dos alunos de 2º. ano do ensino fundamental das escolas da rede pública. A avaliação procurou construir um índice de qualidade sobre a habilidade em leitura, permitindo estabelecer comparações com os resultados das avaliações realizadas pelos municípios e pela Provinha Brasil, do Governo Federal (LIMA et al., 2008).

As avaliações nos três estados se aproximam pelo objetivo de apresentar um diagnóstico das turmas de alfabetização, permitindo fornecer subsídios para formulação, reformulação e monitoramento das políticas educacionais, além de dados para reorientar a prática de professores e de dirigentes escolares. Cada uma das avaliações se apoia naquilo que compreende sobre as concepções de alfabetização e letramento nos primeiros anos de escolarização e concretiza essas concepções em matrizes4 4 Matriz do Space-Alfa disponível em: < http://www.portalavaliacao.caedufjf.net/repositorio/spaece/pdf/MatrizReferenciaAlfabetizacaoSPAECE.pdf>, acessado em 15 de maio de 2010; Matriz PAEBs disponível em: < http://www.sedu.es.gov.br/download/Matriz_alfa.pdf>, acessado em 15 de maio de 2010-05-15; Proalfa MG disponível em < http://www.portalavaliacao.caedufjf.net/repositorio/simave/pdf/MatrizReferenciaLinguaPortuguesaSIMAVE.pdf>, acessado em 15 de maio de 2010. que descrevem as capacidades avaliadas. Essas matrizes deixam entrever que essas concepções mais se aproximam do que se distinguem. Todas as três apontam parâmetros semelhantes para a construção do instrumento de avaliação, indicando capacidades relativas à apropriação do sistema de escrita (conhecimento de letras do alfabeto, relação fonema-grafema, decodificação e codificação de palavras); à compreensão de palavras, de frases e de textos (localização e inferência de informações, identificação de assunto e de finalidade). Os resultados apurados são apresentados em uma escala de proficiência, na qual diferentes níveis são identificados e interpretados de acordo com o desempenho dos estudantes. Os níveis de proficiência são apresentados com terminologias variadas no conjunto das avaliações. Mas, em todas elas, esses níveis põem em destaque se a proficiência dos alunos está abaixo do esperado para o ano de escolaridade, se é intermediária ou se seria a esperada ou desejável.

Os resultados do Proalfa 2008, em Minas Gerais, por exemplo, indicam 72,5% dos alunos do terceiro ano de escolaridade em um nível recomendável de alfabetização. Estar nesse nível significa, entre outras capacidades, já saber ler pequenos contos, localizando informações explícitas, reconhecendo assunto e finalidades deles. Em 2008, embora 27,5% (13,7% do nível Baixo e 13, 8% do nível Intermediário) ainda não tenham alcançado o nível Recomendável, foi considerado que o trabalho "na rede estadual de ensino em Minas está dando certo" (cf. BOLETIM, 2008, p. 20). Com isso, a meta instituída pelo estado de "Toda criança lendo e escrevendo aos oito anos" parece próxima de ser alcançada. É interessante observar também que, de 2007 para 2008, o percentual de alunos no nível Recomendável de alfabetização, em Minas Gerais, subiu de 65,8% para 72,5%. No percentual de crianças nos níveis de desempenho Baixo (18.9% em 2007 para 13.8% em 2008) e Intermediário (15,3% em 2007 para 13.7 em 2008), não houve queda expressiva. Mas o fato de esses percentuais estarem diminuindo, mesmo que em pequena proporção, é um indicativo positivo de que o ensino fundamental de nove anos tem trazido bons resultados no processo de alfabetização.

A análise dos resultados da avaliação realizada no Espírito Santo, em 2008, também evidencia pontos favoráveis à inclusão das crianças de 6 anos no ensino fundamental. O estudo de Rocha e Martins (2009), realizado a partir da avaliação de 2008, mostra um crescimento significativo nas proficiências médias dos alunos nos dois primeiros anos de escolaridade, quando se comparam os desempenhos obtidos pelos alunos de uma etapa (onda) da avaliação para a outra. As autoras destacam que, entre a primeira e a segunda etapa, passaram-se aproximadamente seis meses, sendo possível observar um crescimento de 21% no primeiro ano de escolarização, bem maior do que o obtido no 2º ano, que ficou em torno de 12%. As autoras consideram que, nos anos iniciais de escolarização, é previsível maior avanço na aprendizagem das crianças, tendo em vista que, nesse período, o mais comum é a escola fazer grande investimento em práticas voltadas para a apropriação do sistema de escrita. As escolas capixabas têm tomado como meta aumentar as possibilidades de aprendizagem de suas crianças.

Finalmente, são também bastante otimistas as conclusões apresentadas no estudo de Lima et al. (2008) quanto aos resultados das avaliações no Ceará. E, embora esse estudo chame a atenção para os problemas e desafios particulares enfrentados pela educação na região Nordeste do país, seus autores reconhecem evidências de avanços na aprendizagem das crianças. De forma simplificada, pode-se concluir que, a partir dos critérios adotados pela avaliação Spaece-Alfa, as crianças de seis anos, no Ceará, após o primeiro ano de escolaridade, encontram-se no nível intermediário da escala dessa proficiência. Isso significa que são capazes de decodificar, embora ainda não apresentem as habilidades consolidadas para que sejam consideradas alfabetizadas. Lima et al. (2008) explicam que, embora a média de proficiência do estado situe os alunos no nível intermediário da escala, significando que se encontram em processo de consolidação das competências básicas necessárias para serem considerados alfabetizados, não é possível desconsiderar os dados preocupantes relativos ao significativo percentual de alunos (32,8%) que não conseguem sequer conhecer letras. Acrescentando-se a esses o percentual de alunos em estágio de alfabetização incompleta, verifica-se, no Ceará, que 47,4% dos alunos concluíram o 2º. ano do ensino fundamental sem atingir, pelo menos, o nível intermediário. Os resultados da avaliação nos três estados sinalizam que a ampliação do ensino fundamental em mais um ano tem produzido um salto na qualidade da educação. Paralelamente a essa constatação, é possível questionar alguns aspectos sobre a organização das práticas de alfabetização no contexto da política de ampliação do ensino fundamental: i) Que medidas pedagógicas e administrativas estão sendo tomadas pelos gestores para promover o avanço dos grupos de alunos que apresentam os mais baixos desempenhos? ii) Quais os impactos das avaliações em larga escala na organização das práticas de alfabetização?

(i) Medidas para reverter o baixo desempenho dos alunos: promoção e reprovação

A intenção do Ministério da Educação (MEC) com a implantação do ensino fundamental de nove anos é fazer com que, aos seis anos de idade, a criança esteja no primeiro ano do ensino fundamental e termine essa etapa de escolarização aos 14 anos. Nesse sentido, esta pode ser vista como uma política pública afirmativa de equidade social. Segundo o Plano Nacional da Educação (PNE), a inclusão das crianças de seis anos de idade tem duas intenções: "oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade" (2004, p. 3). Ao assegurar às crianças um tempo mais longo de convívio escolar, são fornecidas maiores oportunidades de aprender e, como consequência, podem ser maiores também as chances de que essas crianças prossigam em seus estudos. Para além da democratização do conhecimento e do acesso aos níveis escolares mais elevados, espera-se também que, com mais tempo para aprender, possa haver o respeito aos diferentes tempos, ritmos e formas de aprender dos alunos. É exatamente esse respeito às diferenças que se pode questionar quando se constata que há elevado percentual de crianças que não alcançaram a alfabetização aos oito anos de idade. O que tem sido feito por essas crianças que não chegaram aos patamares desejados ou por aquelas que não atingiram a meta estabelecida?

É preciso reconhecer que há um esforço bastante acentuado nesse sentido. As secretarias estaduais têm realizado várias iniciativas. Em Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Educação, entre outras ações, criou o Programa Alfabetização no Tempo Certo, que envolve professores, especialistas pedagógicos e analistas educacionais para atender necessidades educacionais das crianças. Há também investimento na capacitação de professores, orientadores e supervisores, além de investimento em instrumentos de apoio ao professor, congressos e seminários. No Espírito Santo, além de aquisição de materiais pedagógicos, investimento em formação de professores, entre outras ações do governo, há também o projeto Ler, Escrever e Contar, cujo objetivo é potencializar o processo da alfabetização dos alunos da rede pública estadual. Também no Ceará, visando a promover a alfabetização, o governo propôs um conjunto de ações de modo a modificar os baixos índices de aprendizagem: O Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) é um pacto entre governo estadual e prefeitos do município que visa à alfabetização dos alunos. Contudo, infelizmente, tem surgido outro problema com a ampliação do ensino fundamental: muitas crianças de seis anos estão sendo reprovadas pelas escolas. Essa informação vem de dados sobre os rendimentos dos alunos - apresentados nos Censos Escolares, referentes aos períodos de 2007 e 20085 5 O levantamento do desempenho das crianças pelo Censo Escolar, aprovação e reprovação em cada ano da escolaridade, é realizado com base em informações de todas as redes de ensino, públicas e privadas, do país. , divulgados pelo INEP/MEC - ao serem cruzados com os desempenhos dos alunos nas avaliações em larga escala. Muitas escolas têm optado por reprovar as crianças de seis anos que chegam com baixos desempenhos ao final do primeiro ano de escolaridade. Optar por uma decisão desse tipo significa viver um retrocesso na educação, pois assim se confirmaria o que muitos especialistas da área da educação infantil alertaram sobre um provável equívoco que poderia ocorrer com a entrada das crianças aos seis anos de idade: a antecipação das metas de aprendizagens, antes previstas para a idade de sete anos, levaria ao que denominam de uma "aceleração e segmentação da infância" (MOLLO-BOUVIER, 2005).6 6 In: Santos e Vieira (2006).

Desde que a política de ampliação do ensino fundamental começou a ser implementada, cresce o número de redes de ensino que adotam o novo modelo. De acordo com os dados do INEP/MEC, em 2008, cerca de 64,95% das escolas públicas do país já estavam funcionando com essa nova organização. Esse número cresce para 75,24% no ano de 2009, indicando que está próximo um atendimento universal. Contudo, os dados dos últimos Censos Escolares7 7 O Censo Escolar capta informações detalhadas sobre cada estudante, professor, turma e escola pública e privada do ensino fundamental de nove anos. As matrículas por estados e por regiões estão no mapa do Censo Escolar de 2007 e 2008 da Educação Básica. (2007 e 2008) revelam que uma parte significativa das crianças que ingressaram aos seis anos nas escolas públicas está sendo reprovada. Isso significa que muitas escolas estão desconsiderando que o primeiro ano é apenas o início do processo de alfabetização e não a única uma etapa para a sua conclusão.

Uma análise comparativa das taxas de reprovação do Censo de 2008 permite concluir que, embora a reprovação das crianças de seis anos venha se tornando uma prática comum em muitas redes públicas, ela ocorre de forma diferenciada no país. É possível, por exemplo, identificar quais são as regiões e os estados que apresentam as mais altas taxas de reprovação: fazem parte desse grupo os estados do Acre, Amapá, Pará, Maranhão, Amazonas, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Bahia e Rio de Janeiro, todos apresentando índices acima de 3%. Os dados mais graves desse grupo são os referentes aos estados pertencentes às regiões Norte e Nordeste do país: o Pará apresenta o índice de 8%, o Piauí, 11,4% e a Bahia, 6,9%. As taxas das escolas públicas do Rio de Janeiro (10, 1%) se assemelham às dos estados da região Norte e Nordeste com os maiores índices de reprovação. O Quadro 1 dá uma visão da situação nacional de reprovação de crianças aos seis anos.


Desse grupo, apenas os estados do Amazonas, Maranhão e Bahia mostram, no ano seguinte, 2008, uma pequena tendência de redução desses índices ao apresentarem queda de 1%. O Rio de Janeiro, ao contrário, apresenta tendência crescente de um ano para outro, pois eleva a taxa de 9,3%, em 2007, para 10, 1%, em 2008. Uma comparação desses índices de reprovação aos resultados das avaliações externas, realizadas nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, mostra que, embora os dois estados apresentem, em 2007 e 2008, taxas abaixo das médias nacionais (respectivamente, 1,7%, 1,8%, MG, e 1,2%, 1,6% ES), enfrentam dificuldades para controlar e reverter esse quadro de exclusão. Além disso, em

Minas Gerais, no ano de 2007, as redes públicas municipais (1,8%) e estadual (1,3%) reprovaram muito mais crianças que as redes de ensino particular (0,9%) e federal (0%). Esses dados evidenciam que a ampliação do tempo de escolarização nem sempre vem acompanhada da implementação de ações pedagógicas que favoreçam o avanço contínuo da aprendizagem de todas as crianças. Também com base nesses dados do Censo Escolar, é possível pressupor que a entrada das crianças mais cedo nas escolas tem significado uma simples antecipação do trabalho antes realizado na primeira série com crianças de 7 anos. É possível concluir, então, que tem havido grandes dificuldades do sistema de ensino para gerenciar mecanismos capazes de, após diagnosticar os problemas no processo de alfabetização das crianças nas avaliações em larga escala, fazer face a eles, proporcionando alternativas adequadas para alterar procedimentos de ensino que se mostrem inadequados para os alunos em dificuldade.

(ii) Alguns impactos das avaliações nas práticas de alfabetização

Todas as ações governamentais no sentido de mudar o quadro da alfabetização no país só serão significativas se puderem promover impactos positivos na sala de aula. É nesse sentido que é possível perguntar: até que ponto os resultados das avaliações em larga escala têm impactado positivamente as práticas de alfabetização?

Nos últimos anos as escolas públicas estão sendo submetidas a diversas avaliações externas federais, estaduais e municipais. Um impacto positivo nas práticas de alfabetização poderia ser previsto, já que os resultados dessas avaliações poderiam funcionar como um diagnóstico para a escola. A consequência esperada seria a de que todas as crianças se alfabetizassem, no máximo, aos 8 anos de idade. Outra consequência positiva seria a de os resultados servirem de diagnósticos para reorientação da prática pedagógica, por exemplo.

No entanto, são vários os fatores que contribuem para a recepção negativa nas práticas escolares. Em primeiro lugar, está o fato de que essas avaliações têm sido, de certa forma, impostas às escolas pelo sistema educacional do qual fazem parte. É uma avaliação diferente daquela a que a escola está acostumada, é um olhar externo, e, por isso mesmo, nem sempre é legitimada pelo coletivo da escola. As avaliações são vistas com desconfiança, como sinônimas de fiscalização e ingerência sobre a autonomia da escola. O fato de o professor não participar do processo de elaboração e de ser, muitas vezes, responsabilizado pelos maus resultados faz com que haja uma recepção negativa da avaliação no espaço escolar. Um segundo impacto negativo diz respeito à divulgação dos resultados. São frequentes os efeitos classificatórios e as punições, o que, inevitavelmente, provoca o surgimento de relações de força dentro e fora das instituições. Mesmo que a aplicação e a análise dos resultados das avaliações sejam para uso interno das escolas, como, por exemplo, preconiza a Provinha Brasil, estas representam um grande desafio, pois os profissionais não estão acostumados com modelos objetivos de avaliação. A pesquisa realizada por Maia (2010) em algumas escolas públicas de Belo Horizonte, no período de 2008 e 2009, acompanhou a aplicação da Provinha Brasil para investigar os impactos dessa avaliação nas escolas. A pesquisadora destaca, entre outros aspectos, dois efeitos das avaliações em larga escala nas escolas pesquisadas: um (externo) é a criação de hierarquias de excelência entre as escolas; e outro (interno) relaciona-se às apropriações que os profissionais fazem dos instrumentos de avaliação para reorganizarem suas práticas de ensino. O efeito externo da avaliação é interpretado por Maia como um aspecto negativo da avaliação, pois as escolas com baixo desempenho se queixam do controle que passa a ser exercido sobre seu trabalho e criticam o julgamento negativo que lhes é atribuído quando os resultados são divulgados. A avaliação passa a ser interpretada, por alguns professores, não como uma ferramenta para auxiliar seu trabalho, mas como uma ameaça, mesmo quando não são determinadas ações punitivas pelas secretarias de educação. As classificações ou rankings, seja entre as escolas, seja no seu interior, entre as diversas turmas de alunos, cria uma reputação de excelência dentro e fora das escolas que afasta ou atrai professores, criando mecanismos ocultos de competição. O efeito interno da avaliação é interpretado como um aspecto reducionista, pois, em diversas escolas, surgem estratégias pedagógicas voltadas apenas para melhorar os desempenhos dos alunos nas avaliações. Nesse caso, é comum os profissionais utilizarem as atividades dos testes e as matrizes de referência que os subsidiam, como as principais orientações de seu trabalho. Todavia uma matriz é criada para subsidiar os testes de avaliação e, por isso mesmo, não esgota o repertório de conteúdos e conhecimentos que devem fazer parte do currículo escolar. O aluno precisa desenvolver muitas outras competências, além daquelas que são avaliadas.

Por fim, considerando-se que as políticas de avaliação da alfabetização são relativamente novas, é possível pressupor que muitas ações ainda estão por vir. É preciso, no entanto, que o futuro seja orientado por um olhar atento sobre o processo como um todo, no sentido de corrigir rotas e ampliar os impactos positivos dos resultados das avaliações em larga escala.

As mudanças na política de materiais didáticos de alfabetização

No processo de avaliação pedagógica das obras inscritas em 2009, o MEC decidiu rever suas ações do PNLD, de modo a atender às demandas de materiais, tendo em vista a atual política de ampliação do ensino fundamental e as diretrizes curriculares definidas para o primeiro segmento. Para isso, uma das medidas tomadas foi a ampliação do programa, visando a atender melhor as necessidades dos primeiros anos de escolarização. Outra medida foi eleger como eixos principais o letramento, a alfabetização e a alfabetização matemática. Assim, a partir de 2010, o MEC passou a oferecer para as escolas de todo o país um conjunto diversificado de materiais específicos para os dois primeiros anos de escolarização. Além da coleção de livros didáticos de Alfabetização para uso individual, também passou a ofertar conjuntos de Materiais Complementares8 8 Os Materiais Complementares de Alfabetização reúnem um conjunto de cinco acervos, cada um composto por 30 obras das diferentes disciplinas que compõem o currículo nos anos iniciais da escolarização (MEC/2010). , com temas relativos a todas as disciplinas, além de dicionários e jogos específicos para essa faixa etária. As escolas também podem fazer uso dos livros de literatura infantil ofertados pelo Programa Nacional de Biblioteca Escolar (PNBE)9 9 O PNBE atende, em anos alternados, a distribuição de acervos de obras de literatura à educação infantil, ao primeiro segmento do ensino fundamental e ao segundo segmento do ensino fundamental e ensino médio. , destinados às salas de leitura e bibliotecas das escolas. Esta seção se atém às mudanças introduzidas pelo PNLD-2010 na produção de livros didáticos, buscando refletir sobre a relação existente entre essas mudanças e a inserção das crianças de seis anos na escola.

(i) Os novos livros didáticos de Alfabetização

A necessidade de reformulação do PNLD, em 2009, objetiva auxiliar as redes públicas de ensino no processo de transição da política de ampliação do ensino fundamental e, ao mesmo tempo, de reorganização da escola. Essas novas exigências encontram-se representadas no Guia do PNLD10 10 Documento que apresenta um conjunto de resenhas dos livros didáticos aprovados pelo MEC (disponível em www.fnde.gov.br). , que qualifica a entrada das crianças de seis anos nesse novo contexto educacional como "uma demanda de grande potencial renovador: reorganizar a vida escolar prevista para o aluno do ensino fundamental de forma a acolhê-lo ainda como criança; mas colaborar de forma significativa, ao longo de nove anos, para a sua formação como jovem cidadão" (BRASIL, 2009, p. 15). Para atender às orientações da alfabetização nesse contexto, foi necessário adotar novos princípios e critérios de avaliação que demarcaram também novos padrões de qualidade para os livros didáticos brasileiros de alfabetização. Na definição desses critérios avaliativos, as metas de ensino e aprendizagem da língua escrita, para os dois primeiros anos de escolarização, deveriam privilegiar a convivência e a familiarização da criança com objetos típicos da cultura letrada, de modo a permitir experiências significativas de uso social da linguagem escrita e matemática.

Uma primeira mudança importante foi substituir o volume único de alfabetização por uma coleção de dois volumes, com organização que possibilite ao aluno uma inserção qualificada no mundo da escrita. Além disso, consolida-se uma concepção de livro didático cujos pressupostos teóricos e metodológicos articulem os processos de letramento e alfabetização como metas da formação que se inicia no primeiro ano de escolarização e se consolida ao final do segundo ano. Assim, o letramento fica relacionado à "inserção no mundo da escrita", e a alfabetização, nos dois primeiros anos de escolarização, passa a ser entendida como "domínio da escrita alfabética", uma e outra se articulando como condição para a consecução do mesmo objetivo educacional (BRASIL, 2009, p. 19).

Embora fossem respeitadas as eventuais diferenças de ênfase e/ou de princípios teóricos e metodológicos adotados para a organização geral das obras, todas as coleções inscritas para avaliação tiveram que obedecer aos seguintes critérios avaliativos: contemplar, nos dois volumes, tanto a perspectiva do letramento quanto a da aquisição do sistema da escrita; apresentar propostas pedagógicas para cada um dos eixos de ensino-aprendizagem - leitura, produção de textos escritos, aquisição do sistema da escrita, linguagem oral; articular entre si as propostas para cada eixo de ensino-aprendizagem; e revelar, na sequência adotada, progressão de complexidade nos conteúdos e/ou nas atividades propostos (Guia PNLD/2010, p. 28). Como consequência desses critérios, os objetivos iniciais da avaliação de inserir como proposta para os primeiros anos de escolarização o letramento inicial e alfabetização como momentos específicos de um processo mais amplo de ensino e aprendizagem da língua escrita são ampliados. Os resultados finais da avaliação do PNLD possibilitam perceber uma tendência nas propostas pedagógicas das obras e a consolidação de uma orientação curricular. Isso significa que há um investimento dos autores na organização de propostas cujos objetivos, conteúdos, procedimentos, entre outros, envolvidos nessa etapa da escolarização, buscam organizar um processo específico que, de certa forma, comanda e regula o que e como se deve trabalhar nos quatro eixos de ensino de língua portuguesa (RANGEL, 2010). Além disso, pode-se afirmar que, pela primeira vez, no âmbito do PNLD, as demandas específicas dos dois primeiros anos de escolarização, no que diz respeito aos processos de letramento e alfabetização, passam a ser entendidas como organizadoras de todo o processo de ensino-aprendizagem. Em consequência, no campo da produção editorial, constata-se que o PNLD-2010 demarca novos padrões de melhor qualidade para os livros didáticos de alfabetização. Os resultados finais da avaliação contribuíram para uma ampla renovação da produção didática brasileira, evidenciada tanto pelo grande número de obras excluídas, quanto pelo surgimento de um novo modelo de propostas didáticas para as escolas11 11 Ver os dados sobre os resultados finais da avaliação do PNLD de 2010 de alfabetização e os novos critérios de avaliação adotados pelo Ministério da Educação no texto introdutório do Guia de livros didáticos: PNLD; 2010: Letramento e Alfabetização. Brasília: MEC; SEB, 2009. .

O trabalho de Silva (2009)12 12 Trabalho apresentado por Silva (2009) no Congresso Ibero-Americano de Literacias, realizado em Portugal, intitulado "O Programa Nacional de Avaliação de Livros Didáticos -PNLD - no Brasil", no qual se analisa, a partir de documentos como as fichas de avaliação e a base de dados gerada por esse Programa, a relação dos resultados dos PNLD de alfabetização com as alterações teóricas e metodológicas introduzidas nos livros didáticos, além de se destacar os resultados do PNLD de 2010 como um importante marco para na renovação das obras avaliadas. analisa as dificuldades das obras avaliadas no PNLD 2010 para se adequarem aos novos critérios de avaliação, que passam a exigir, entre outros aspectos, a organização de propostas pedagógicas que articulem as práticas de alfabetização e letramento e, ao mesmo tempo, considerem a introdução do ensino da língua escrita no primeiro ano de escolarização, seu desenvolvimento de forma contínua durante os dois primeiros anos e sua consolidação no final do segundo ano. Tendo em vista essas novas exigências, a autora destaca que, diante dos altos índices de exclusão, é possível concluir que as editoras e os autores se defrontaram com o grande desafio de organizar materiais com propostas adequadas a essa nova realidade do ensino. Isso pode ser comprovado pelos seguintes dados da última avaliação apresentados por Silva (2009): do conjunto de 59 coleções de alfabetização inscritas em 2010, 40 (67,79%) foram excluídas e apenas 19 (32,20%) foram aprovadas. Esses dados são significativos se comparados aos dos PNLDs passados. Por exemplo, no PNLD/2007, do conjunto de 52 obras inscritas, apenas 9,6% foram excluídas e, em 2004, 31,7% foram excluídas, de um conjunto de 41 obras avaliadas. Por outro lado, apesar do alto índice de reprovação do conjunto das obras inscritas em 2010 (67,79%), verifica-se, ao mesmo tempo, um índice significativo de renovação da produção editorial: entre as 19 coleções aprovadas, oito (42,10 %) aparecem no Guia pela primeira vez; e outras duas (10,52 %) anunciam-se como bastante remodeladas, num total que supera a metade da amostra avaliada. O restante das obras aprovadas, nove títulos, são obras avaliadas anteriormente que se apresentam associadas a um novo volume produzido para compor a coleção.

A avaliação pedagógica das coleções excluídas também é elucidativa quando, por meio da identificação dos principais problemas metodológicos e conceituais, aqueles em que mais incorrem, explicita as principais limitações e os equívocos de algumas das tendências pedagógicas colocadas em foco para o ensino da língua escrita. Segundo Silva (2009), na análise dos pareceres elaborados pelos especialistas que participam da avaliação, é possível destacar os principais problemas que levaram à exclusão: 38,4% das coleções excluídas apresentaram propostas apenas com ênfase no processo de alfabetização (predominam as atividades para estudo do sistema de escrita, em detrimento das habilidades inerentes à leitura, à produção de textos escritos e à compreensão de textos orais); 10% das coleções apresentaram propostas com ênfase apenas no processo de letramento (predominam as atividades para desenvolvimento das habilidades de leitura e produção de textos escritos); e a grande maioria, 51% das coleções, foi reprovada por não desenvolver de forma adequada as competências inerentes a um dos eixos de ensino (leitura, produção de textos escritos e compreensão de textos orais). Também pesou como fator de exclusão para muitas obras pertencentes a esses três grupos o fato de que suas propostas tendiam a concentrar o processo de alfabetização apenas em um dos volumes da coleção. Essa tendência apontava para uma desconsideração do critério avaliativo que exigia uma perspectiva temporal mais ampla para as práticas de alfabetização, tendo em vista a proposição da lógica de organização de um ciclo de dois anos para o ensino da língua escrita.

Considerando-se que essa foi a primeira avaliação sob novo enfoque, é possível concluir que o critério da coerência e adequação metodológicas mostrou-se decisivo e fundamental tanto para delimitar, no ensino-aprendizagem de língua portuguesa, o campo da alfabetização, quanto para propor descritores para a análise da dimensão do letramento nas propostas pedagógicas das obras aprovadas (SILVA, 2010). Outras repercussões positivas do PNLD, que se consolidam em 2010, apontadas no trabalho de Silva, também merecem destaque. Uma delas refere-se à crescente qualidade dos textos selecionados para a composição das obras aprovadas, destacando-se uma melhoria significativa desses repertórios em relação às avaliações anteriores. Ao contrário do que se verificava, com frequência, nos PNLDs de 1998, 2001 e 2004, os textos selecionados para o trabalho com o letramento e a alfabetização iniciais são predominantemente autênticos em 2010. Ou seja, foram escritos e publicados, originalmente, para atender a uma demanda social de leitura, e não para ensinar a ler. Além disso, chama a atenção a qualidade da apresentação visual de parte significativa das obras aprovadas, aspecto que tem importância pedagógica, se considerado o público a que se destinam as obras, por contribuir para torná-las um objeto de interesse e motivação da aprendizagem. Ao lado desses indicadores, observa-se ainda investimento das coleções nos itens que se referem à formação da cidadania, embora se considere que esse item ainda necessite de maior atenção para que as propostas pedagógicas efetivamente contribuam para a convivência democrática. Esse investimento pode ser identificado, por exemplo, na qualidade da seleção textual tanto na leitura quanto na escrita, por meio da diversidade e da variedade de textos e pela inclusão de textos complementares. Ao procurar proporcionar às crianças de seis anos oportunidades de interação com a diversidade da escrita que circula na sociedade, as obras favorecem também a participação nas práticas sociais letradas, o reconhecimento dos problemas sociais e o acesso aos bens culturais de nossa sociedade. Outro aspecto positivo refere-se à presença significativa de textos literários. Mesmo que eles não componham um painel representativo, trazem a possibilidade da fruição e da apreciação estética em leitura.

Por fim, deve-se lembrar que os impactos do PNLD 2010 não ficam restritos ao ensino da língua escrita, uma vez que promovem um movimento semelhante na relação entre o ciclo de letramento alfabetização e de alfabetização matemática, de um lado, e as disciplinas (Português, Matemática, Ciências, Geografia e História), de outro. Essa articulação e a integração das diferentes disciplinas são concretizadas, particularmente, na avaliação de diferentes acervos de "materiais complementares" voltados para as grandes áreas do conhecimento. Assim, colocam diretamente à disposição das salas de aula materiais de leitura que, ao mesmo tempo, ampliam as práticas e alternativas de letramento para as quais o professor pode contar com suportes e orientações adequados e introduzem os alunos no universo dos conhecimentos especializados (RANGEL, 2010). Apesar desses avanços, entretanto, o Programa apresenta problemas que merecem a atenção do MEC, seja em razão da própria dinâmica do processo de avaliação e distribuição de livros didáticos, seja em razão das alterações ocorridas, nos últimos anos, no contexto educacional brasileiro. O Programa pode ampliar suas ambições, de modo a contribuir, de maneira mais decisiva, para a qualidade da educação brasileira. Além disso, é preciso investigar como esses impactos da avaliação em relação à produção editorial brasileira repercutem nas escolas: estariam as práticas de alfabetização sendo guiadas e orientadas pelas novas propostas dos livros didáticos, como consequência da escolha e do uso dos livros didáticos recomendados pelo MEC? A escolha e o uso de livros didáticos recomendados significam tendências de mudança nas práticas de ensino e aprendizagem das escolas? Como as políticas de formação continuada se articulam de forma propositiva com o PNLD e as outras políticas de material didático?

Políticas de formação continuada de professores alfabetizadores

Diversas iniciativas de formação continuada de professores da educação básica são colocadas em prática pelas secretarias de educação de estados e municípios do país, seja por meio de parcerias com universidades e organizações não-governamentais que atuam na área da formação, seja pela mobilização e pela reorganização de seu quadro de profissionais. Podem ser citadas como exemplo as ações desenvolvidas pela Secretaria de Educação de Minas Gerais, que, em 2005, firmou parceria com o Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE) com o objetivo de definir orientações curriculares para as práticas de alfabetização e qualificar os profissionais que atuam nos anos iniciais. Outro exemplo são as ações do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), que atua principalmente no estado de São Paulo junto às escolas públicas e a espaços educativos de caráter público. Contudo, é no âmbito da política federal que se definem ações mais amplas de formação continuada e voltadas diretamente para a melhoria da qualidade do ensino nas escolas públicas. O Pró-letramento - um dos projetos de formação continuada implementado pelo MEC - fornece elementos para uma reflexão sobre o alcance dessa modalidade de formação e os problemas que precisam enfrentar na pesquisa e na condução dessa política.

Em novembro de 2006, após os resultados críticos do SAEB, o governo federal sugeriu uma ação emergencial às universidades que integram a Rede Nacional de Formação Continuada13 13 A Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica consolidou a criação de vários Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação (CPDE), com o objetivo de institucionalizar o atendimento à demanda de formação continuada no país. para que se minimizassem os problemas referentes aos letramentos linguístico e matemático, especialmente onde o índice de desenvolvimento humano - IDH - é bastante baixo. Assim, foi lançado pelo MEC o Programa Pró-letramento, que tem por objetivo oferecer suporte à ação pedagógica dos professores das séries iniciais do ensino fundamental de modo a elevar a qualidade do ensino de Língua Portuguesa e Matemática, por meio da formação continuada de professores na modalidade a distância. Para tanto, são realizados simultaneamente dois modelos de cursos - formação de tutores e formação de professores - destinados à construção de conhecimentos pelos professores, a fim de que possam estabelecer novas compreensões e reflexões, à medida que estiverem inseridos numa rede de formação. A demanda nacional por essa formação cresceu de forma significativa desde o início do Programa. Em 2009, grande parte das demandas das regiões Norte e Nordeste foi atendida e, atualmente, estão sendo ofertados cursos em todos os estados brasileiros14 14 Os dados sobre os atendimentos do Pró-Letramento nos municípios e secretarias estaduais do país estão disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15827, em 19 dezembro de 2010. .

O curso se apoia em um formato de educação semipresencial, que prevê a formação de tutores locais em seminários presenciais em cada estado. Esses tutores planejam e executam o mesmo curso que realizam com as universidades para turmas de no máximo 50 professores de sua região, com apoio de coordenadorias criadas pelas secretarias de educação. Embora, a adoção do modelo tutorial represente uma perspectiva antiga e muito criticada de formação - pois apoia-se no princípio equivocado dos "multiplicadores" -, sua forma de implementação pelo Próletramento procurou romper com as principais características negativas desse modelo, ao adotar o seguinte formato: as ações de formação desenvolvidas são presenciais, em grande parte da carga horária desenvolvida; privilegia a participação de todos os professores que atuam em sala de aula, e não de coordenadores ou seus representantes; promove a abordagem das temáticas e conteúdos vinculados aos projetos pedagógicos das escolas e com as práticas que fazem parte da tradição escolar; procura estabelecer um diálogo em torno das questões vividas e experiências na prática de alfabetização; e articula teorias e práticas, como pressupostos da abordagem dos conteúdos. Assim, no conjunto dos dois anos iniciais, letramento e alfabetização desempenham diferentes e relevantes funções, ao lado de alfabetização matemática. Para isso, o fascículo 1 apresenta os eixos organizadores15 15 Os outros fascículos da coleção abordam as seguintes temáticas: Avaliação diagnóstica da aprendizagem dos alunos (fascículo2); Organização e uso da biblioteca escolar (fascículo4); Competências comunicativas dos alunos (fascículo 7); O uso do livro didático (fascículo 6), planejamento do trabalho (fascículo 3); Elaboração de projetos e atividades (fascículo 5). Dois fascículos complementares apresentam os fundamentos do trabalho do tutor como formador e um que traz relatos de professores sobre sua experiência como alfabetizadores. (compreensão e valorização da cultura escrita, apropriação do sistema de escrita, leitura, produção de textos escritos, desenvolvimento da oralidade) do ensino-aprendizagem de todo o primeiro segmento. Por outro lado, figuram, na organização curricular, seja como um ciclo inicial, seja, ainda, como componente curricular, associado, mas independente das "disciplinas", que só aparecem como tais a partir do segundo ano. Outro aspecto importante refere-se às orientações apresentadas para o início e a consolidação dos processos de alfabetização e letramento. A proposta do Pró-letramento oferece ao professor a definição das capacidades linguísticas que as crianças devem desenvolver gradualmente nos primeiros anos do ensino fundamental, com ênfase naquilo que cada criança deve ser capaz de realizar em cada uma dessas fases da escolarização. Com isso, busca possibilitar ao docente uma visualização mais clara dos objetivos de seu trabalho em sala de aula e das metas que deve procurar atingir. Noutras palavras, definindo o que as crianças precisam aprender, a cada segmento do ciclo, a proposta estará também, ao mesmo tempo, estabelecendo o que deve ser ensinado.

Na leitura do fascículo 1 da coleção do Pró-letramento, o professor é orientado a adotar alguns procedimentos para planejar seu trabalho ao longo do ciclo de alfabetização considerando determinados níveis de intensidade do trabalho: introduzir - levando os alunos a se familiarizarem com conteúdos e conhecimentos - ou retomar eventualmente, quando se tratar de conceitos ou capacidades já consolidadas em período anterior; as capacidades que deverá trabalhar sistematicamente para favorecer o desenvolvimento pelos alunos ao longo do ano letivo; e procurar consolidar o processo de aprendizagem dos alunos, sedimentando os avanços em seus conhecimentos e capacidades (Fascículo 1, p. 15). Para o uso desses procedimentos, a proposta pressupõe que os professores e a escola realizem adaptações das indicações propostas nos fascículos considerando as condições e necessidades de seus alunos. O professor precisa, portanto, ser capaz de definir, por exemplo, quais atividades sugeridas para o primeiro ano são apropriadas ou não para seus alunos.

(ii) Qualidades e limites do modelo de formação

Após cinco anos da oferta do Pró-letramento para municípios de todo país, já é possível levantar alguns dados sobre os efeitos dos cursos ofertados aos professores, bem como alguns dos principais desafios que as ações de formação dessa natureza precisam considerar. Apesar dos diversos problemas encontrados, é possível evidenciar resultados positivos manifestos tanto pelos tutores quanto pelos professores que participam da formação promovida em seus municípios. Essas evidências são identificadas por meio da análise dos relatórios enviados ao MEC pelas universidades; pelo levantamento das respostas dos tutores nos instrumentos de avaliação propostos pelas equipes de formadores; pela análise dos relatórios dos tutores para registro de suas atividades de formação; e por estudos de caso realizados por pesquisas de monografias de cursos de Pedagogia e de cursos pós-graduação, em desenvolvimento em diversas universidades.

De modo geral, os tutores valorizam os seguintes aspectos positivos do Programa: a oferta gratuita do curso; a boa qualidade do material didático; a possibilidade de acesso a informações sobre publicações recentes na área da alfabetização; a oportunidade de contatos diretos com profissionais que atuam em universidades renomadas; a possibilidade de troca de experiências e materiais didáticos com outros professores nos encontros presenciais; a oportunidade de participar de atividades culturais durante os encontros de formação nas capitais ou nos grandes polos regionais, tais como visitar bibliotecas e universidades. Outro dado importante, que coincide com as pesquisas realizadas por Gatti (2008), refere-se a certa diferenciação nas posturas dos tutores quando se consideram as regiões do país que representam. É comum os profissionais das regiões mais carentes manifestarem posturas mais positivas em relação à possibilidade de participação no curso, justificando os limites socioeconômicos que enfrentam para custear uma formação desse nível, bem como para se locomoverem e se manterem por determinado período em um grande centro urbano. Por outro lado, posturas menos entusiasmadas são mais comuns entre os tutores pertencentes aos grandes centros urbanos, que oferecem mais oportunidades educacionais. Nesse caso, é frequente que esses tutores já tenham participado de diversos cursos de atualização e especialização, muitos dos quais assumidos com investimentos autônomos ou subsidiados pelas secretarias de educação a que pertencem. Em consequência, tendem a assumir posturas mais resistentes em relação aos conteúdos dos materiais didáticos e às dinâmicas de abordagem, colocadas em práticas pelos formadores das universidades. Suas reivindicações incidem, principalmente, na apresentação de "novidades" para além das que lhes são apresentadas no projeto de formação e nos materiais didáticos, justificadas como argumentos de que já dominam os pressupostos das propostas que lhes são apresentadas. Contudo, nem sempre esses argumentos se sustentam quando são colocados defronte às situações práticas do trabalho docente.

Os pontos críticos relatados pelos tutores se referem aos seguintes aspectos: as limitações da infraestrutura para execução dos cursos nos municípios (condições físicas dos locais de encontro, definição de horários adequados para os encontros presenciais, falta de material didático de apoio, dificuldades para mobilizar os professores para participarem dos cursos e atraso no pagamento de diárias pelas secretarias municipais); e os problemas de evasão que ocorrem ao longo do curso. Essa evasão é justificada pela concorrência das agendas dos encontros presenciais previstos - geralmente, os seminários são realizados em horários extraturno de trabalho e ao longo de um semestre - com as de outros projetos de formação, já assumidos pelos professores (cursos de especialização e de graduação) ou de outros programas ofertados pelo próprio governo federal. Essa sobreposição de projetos de formação (que nem sempre se articulam), associada, muitas vezes, a uma dupla jornada de trabalho dos docentes, tem contribuído para o esvaziamento das turmas em diversas regiões do país (SILVA, 2008). Despontam também algumas tensões na relação dos tutores com alguns gestores das secretarias de educação, principalmente no contexto dos períodos eleitorais. Nos casos em que ocorre a alternância política dos partidos eleitos, é comum o surgimento de pressões dos novos administradores para a substituição do tutor, o que ameaça a possibilidade de continuidade do Programa. Também são destacados pelos tutores os seguintes problemas: dificuldades de acesso inicial a informações adequadas sobre as funções e tarefas que deverão assumir, tendo em vista as responsabilidades que lhes são atribuídas para a formação dos professores nos municípios; inexperiência para planejar e desenvolver dinâmicas de estudo dos conteúdos dos fascículos nos encontros presenciais; dificuldades na leitura dos textos da coleção, de modo a obter o domínio necessário para abordá-los com segurança nos encontros de formação que coordenam. Grande parte dos tutores julga que a aquisição dessa competência ocorre apenas na segunda etapa do curso, denominada de Revezamento, quando já encerraram os seminários destinados à sua formação e já adquiriram certa experiência como formadores. Essa constatação leva a refletir sobre os limites de propostas que exigem do tutor uma atuação imediatamente simultânea ao seu processo de formação. Somam-se a esses problemas os desafios de uma proposta que busca articular teoria e prática como princípio da formação. Nesse sentido, algumas questões importantes devem ser objeto de reflexão. Grande parte dos professores solicita uma carga horária maior do curso para que possam vivenciar mais situações de análise das suas práticas, principalmente quando fazem parte da tradição escolar, uma vez que sua realização, tão familiar, ocorre, muitas vezes, de forma automática. Além disso, cabe refletir sobre a forma como os professores se apropriam dos novos conhecimentos veiculados no curso. Embora os fascículos do Pró-letramento assumam um formato mais instrumental com a proposição de orientações práticas para a organização do trabalho em sala de aula, parte significativa de professores tende a considerar o material didático mais teórico que prático. Questionam a falta de orientações mais propositivas que respondam às demandas que lhes são colocadas pelos professores (FRADE, 2010). Nesse sentido, solicitam não só maior diversidade de sugestões de atividades, mas também que elas tenham formato mais próximo daquele que é necessário na sala de aula, ou seja, que sejam adequadas às necessidades de seus alunos e que não demandem tanto sua reelaboração, conforme é proposto pela coleção.

Finalmente, destacam-se, nas avaliações finais dos cursos em todo o país, as solicitações para a ampliação da carga horária presencial de formação desenvolvida pelo Programa. As justificativas são de que é necessário aprofundar as temáticas apresentadas nos materiais didáticos, bem como encontrar soluções para os principais problemas com que se deparam no trabalho. Em contrapartida, novos temas de estudos são demandados pelos docentes: abordagem dos diversos métodos de alfabetização; dificuldades ortográficas, para alunos que já se encontram na fase final do ciclo de alfabetização; gêneros e tipos textuais; dificuldades de aprendizagem dos alunos; educação inclusiva. Embora não haja resultados de estudos sobre os impactos do Programa nas práticas das escolas, os relatórios finais dos tutores, acompanhados de algumas produções realizadas pelos docentes, fornecem algumas pistas sobre de que se apropriam e o que buscam colocar em prática nas escolas. Verifica-se maior investimento na elaboração de atividades que promovem o letramento dos alunos, particularmente as que se referem ao desenvolvimento das habilidades de leitura. Nos planejamentos de atividades aparece maior preocupação com a qualidade da seleção textual que subsidiará a prática, considerando maior diversidade de gêneros, temáticas e o tamanho dos textos, bem como a promoção de situações e projetos que favoreçam ao desenvolvimento de uma cultura letrada nos alunos. São relatados, por meio de relatórios e registrados em vídeos, projetos de práticas de leitura em espaços para além da sala de aula, como em bibliotecas, na comunidade e envolvendo outros atores, como a família, por exemplo. Contudo, poucas experiências são relatadas envolvendo a produção de textos escritos e o desenvolvimento da linguagem oral.

Tendo em vista que o Programa está em desenvolvimento há cerca de cinco anos e seu amplo atendimento em todas as regiões do país, é necessário investir em estudos e avaliações sobre seus impactos nas práticas de sala de aula, bem como nos resultados da aprendizagem dos alunos. O levantamento das ações promovidas pelos gestores municipais para o fortalecimento dos tutores como referência para a formação de novos grupos de estudo, as formas de acompanhamento do trabalho desenvolvido nas escolas que passam a ser implementadas e, principalmente, as alterações que são introduzidas nas práticas docentes podem ser alguns indicadores sobre as possibilidades de, a médio prazo, ocorrer algum tipo de mudança. Além disso, o necessário cruzamento dessas informações com os resultados dos desempenhos dos alunos nas avaliações internas e externas à escola poderá revelar o verdadeiro alcance de programas de formação desse tipo.

Considerações finais

Para concluir, os dados sobre as ações educacionais voltadas para a melhoria da qualidade das práticas de alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental no país, com destaque para: ações de avaliação em larga escala, a formação continuada de professor e os programas referentes a materiais didáticos suscitam destacar os aspectos que são mais captados a partir de uma visão relacional dessas políticas.

Em primeiro lugar, não se pretende defender nem condenar essas ações governamentais, mas sim refletir sobre seus limites e possibilidades. A análise de alguns aspectos das ações educacionais voltadas para melhorar os níveis da alfabetização no país evidencia que, ao lado de alguns avanços que podem ser explicitados, há ainda um conjunto de problemas que precisam de solução, como, por exemplo: os dados aqui analisados sobre a qualidade crescente dos livros didáticos distribuídos às escolas precisam ser considerados num contexto mais amplo, em que se analisem as diversas ações colocadas em prática hoje no país para distribuição de materiais didáticos, sem desconsiderar que os livros e os textos, por si mesmos, não mudam pessoas nem suas práticas (BATISTA, 2004); as avaliações externas também precisam ser analisadas sob a perspectiva de sua outra face, ou seja, seus efeitos de classificação que desqualificam o trabalho do professor e abrem espaço para o fortalecimento dos sistemas de controle externo; as evidências empíricas aqui apresentadas, embora apontem para algumas contribuições importantes para a melhoria da qualidade da educação, evidenciam que a magnitude do desafio da qualidade na alfabetização é muito maior do que o alcance das políticas analisadas.

Em segundo lugar, é necessário analisar as políticas públicas, considerando seus possíveis efeitos a curto, médio e longo prazos. Isso significa que seus efeitos e impactos preliminares oferecem principalmente questões das quais os poderes públicos, em todos os níveis, terão de se ocupar para alcançar as metas de qualidade colocadas para a aprendizagem da língua escrita nos anos iniciais do Ensino Fundamental e para que a inserção das crianças de seis anos na escola não signifique, de forma equivocada, uma antecipação das práticas antes realizadas com as crianças de sete anos. Nesse sentido, é possível concordar com Santos e Vieira (2006) quando alertam que o ingresso de crianças mais novas na escola obrigatória também pode representar um movimento de aceleração e segmentação da infância. Além disso, é preciso destacar a necessidade de ampliar as pesquisas nessas áreas e construir instrumentos de avaliação mais amplos sobre os efeitos dessas ações promovidas pelas políticas educacionais, considerando, entre outros aspectos, seus impactos no cotidiano das escolas e na aprendizagem dos alunos. Talvez, assim, seja possível levantar evidências mais consistentes sobre suas contribuições para a melhoria da qualidade da alfabetização no país.

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NOTAS

3 Embora haja algumas diferenças técnicas entre as três experiências, essas não serão aqui discutidas.

Contato:

Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Educação/Ceale

Avenida Antonio Carlos, 6627

CEP 31270-901

Pampulha Belo Horizonte, MG Brasil

Recebido: 12/07/2010

Aprovado: 24/02/2011

  • ANDRÉ, Marli E. D. A. Formação de professores no Brasil: 1990-1998. Brasília: MEC/INEP/COMPED, 2002.
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  • SANTOS, Lucíola Licínio de Castro Paixão; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. "Agora seu filho entra mais cedo na escola": a criança de seis anos no ensino fundamental de nove anos em Minas Gerais. Educação e Sociedade, v. 27, n. 96, p. 775-796, out. 2006.
  • 1
    Avaliação proposta pelo governo federal desde 2008 e disponibilizada para os municípios. Foi concebida com o caráter de diagnóstico, para que cada escola pudesse ter um instrumento padronizado de medida. Seus resultados não interferem no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
  • 2
    O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC). Seus objetivos básicos são a aquisição e a distribuição, universal e gratuita, de livros didáticos para os alunos das escolas públicas do Ensino Fundamental brasileiro.
  • 4
    Matriz do Space-Alfa disponível em: <
    http://www.sedu.es.gov.br/download/Matriz_alfa.pdf>, acessado em 15 de maio de 2010-05-15; Proalfa MG disponível em <
  • 5
    O levantamento do desempenho das crianças pelo Censo Escolar, aprovação e reprovação em cada ano da escolaridade, é realizado com base em informações de todas as redes de ensino, públicas e privadas, do país.
  • 6
    In: Santos e Vieira (2006).
  • 7
    O Censo Escolar capta informações detalhadas sobre cada estudante, professor, turma e escola pública e privada do ensino fundamental de nove anos. As matrículas por estados e por regiões estão no mapa do Censo Escolar de 2007 e 2008 da Educação Básica.
  • 8
    Os Materiais Complementares de Alfabetização reúnem um conjunto de cinco acervos, cada um composto por 30 obras das diferentes disciplinas que compõem o currículo nos anos iniciais da escolarização (MEC/2010).
  • 9
    O PNBE atende, em anos alternados, a distribuição de acervos de obras de literatura à educação infantil, ao primeiro segmento do ensino fundamental e ao segundo segmento do ensino fundamental e ensino médio.
  • 10
    Documento que apresenta um conjunto de resenhas dos livros didáticos aprovados pelo MEC (disponível em
  • 11
    Ver os dados sobre os resultados finais da avaliação do PNLD de 2010 de alfabetização e os novos critérios de avaliação adotados pelo Ministério da Educação no texto introdutório do
    Guia de livros didáticos: PNLD; 2010: Letramento e Alfabetização. Brasília: MEC; SEB, 2009.
  • 12
    Trabalho apresentado por Silva (2009) no Congresso Ibero-Americano de Literacias, realizado em Portugal, intitulado "O Programa Nacional de Avaliação de Livros Didáticos -PNLD - no Brasil", no qual se analisa, a partir de documentos como as fichas de avaliação e a base de dados gerada por esse Programa, a relação dos resultados dos PNLD de alfabetização com as alterações teóricas e metodológicas introduzidas nos livros didáticos, além de se destacar os resultados do PNLD de 2010 como um importante marco para na renovação das obras avaliadas.
  • 13
    A Rede Nacional de Formação Continuada de Professores da Educação Básica consolidou a criação de vários Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Educação (CPDE), com o objetivo de institucionalizar o atendimento à demanda de formação continuada no país.
  • 14
    Os dados sobre os atendimentos do Pró-Letramento nos municípios e secretarias estaduais do país estão disponíveis em:
  • 15
    Os outros fascículos da coleção abordam as seguintes temáticas: Avaliação diagnóstica da aprendizagem dos alunos (fascículo2); Organização e uso da biblioteca escolar (fascículo4); Competências comunicativas dos alunos (fascículo 7); O uso do livro didático (fascículo 6), planejamento do trabalho (fascículo 3); Elaboração de projetos e atividades (fascículo 5). Dois fascículos complementares apresentam os fundamentos do trabalho do tutor como formador e um que traz relatos de professores sobre sua experiência como alfabetizadores.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      12 Jul 2010
    • Aceito
      24 Fev 2011
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