RESUMO:
Os resultados de uma pesquisa realizada com pedagogos atuantes na educação básica em escolas estaduais, municipais e privadas do município de Curitiba e região metropolitana, por meio de um programa de formação continuada, levaram ao objetivo deste artigo que é reconhecer na história de vida de pedagogos escolares a construção de sua identidade profissional. O estudo, de enfoque fenomenológico hermenêutico (Ricoeur, 2013), analisou as histórias de vida de 16 pedagogos. Observou-se experiências e aprendizagens que, ao longo da trajetória, nos diferentes espaços de socialização, desde a educação básica, passando pela formação acadêmica e, principalmente, atuação profissional, contribuíram para a profissionalidade do pedagogo escolar (Libâneo, 2010; Nóvoa, 2019). Nos resultados, relatos indicam que referências familiares, vivências da infância, como brincadeiras relacionadas à escola, e o convívio com bons professores na educação básica foram importantes para a escolha da Pedagogia. Por sua vez, experiências com os colegas em diferentes contextos de atuação profissional exerceram influência no desenvolvimento de comportamentos, habilidades, atitudes e valores que definem maneiras de ser e estar na profissão. Evidencia-se que as aprendizagens no contexto familiar e profissional influenciaram na escolha da carreira e no modo como compreendem e exercem a função atualmente, ou seja, nos elementos que constituem a identidade profissional.
Palavras-chave: história de vida; pedagogo escolar; identidade profissional; aprendizagem
RESUMEN:
Los resultados de una investigación realizada con pedagogos actuantes en la educación básica en escuelas estaduales, municipales y privadas del municipio de Curitiba y región metropolitana, por medio de un programa de formación continuada, llevaron al objetivo de este artículo que es reconocer en la historia de vida de pedagogos escolares la construcción de su identidad profesional. El estudio, de enfoque fenomenológico hermenéutico (Ricoeur, 2013), analizó las historias de vida de 16 pedagogos. Se observó experiencias y aprendizajes que, a lo largo de la trayectoria, en los diferentes espacios de socialización, desde la educación básica, pasando por la formación académica y, principalmente, actuación profesional, contribuyeron para la profesionalidad del pedagogo escolar (Libâneo, 2010; Nóvoa, 2019). En los resultados, relatos indican que referencias familiares, vivencias de infancia, como juegos relacionados a la escuela, y el convivio con buenos profesores en la educación básica fueron importantes para la elección de la Pedagogía. Sin embargo, experiencias con los colegas en diferentes contextos de actuación profesional ejercieron influencia en el desarrollo de comportamientos, habilidades, actitudes y valores que definen maneras de ser y estar en la profesión. Se evidencia que los aprendizajes en el contexto familiar y profesional influyeron en la elección de carrera y en el modo como comprenden y ejercen la función actualmente, o sea, en los elementos que constituyen la identidad profesional.
Palabras clave: historia de vida; pedagogo escolar; identidad profesional; aprendizaje
ABSTRACT:
The results of a study conducted with pedagogues working in basic education in state, municipal, and private schools in the city of Curitiba and the metropolitan region, through a continuous training program, led to the objective of this article, which is to recognize the construction of their professional identity in the life stories of school pedagogues. The study, with a phenomenological hermeneutic approach (Ricoeur, 2013), analyzed the life stories of 16 pedagogues. It was observed that experiences and learnings throughout their journey, in different socialization spaces, from basic education through academic training and, primarily, professional practice, contributed to the professional identity of the school pedagogue (Libâneo, 2010; Nóvoa, 2019). The results indicate that family references, childhood experiences such as school-related play, and interactions with good teachers in basic education were important for choosing Pedagogy. In turn, experiences with colleagues in different professional contexts influenced the development of behaviors, skills, attitudes, and values that define ways of being in the profession. It is evident that learnings in both family and professional contexts influenced career choice and the way they understand and perform their roles today, that is, the elements that constitute professional identity.
Keywords: life history; school pedagogue; professional identity; learning
INTRODUÇÃO
Este artigo é proveniente da pesquisa Aprendizagem e Conhecimento na Identidade Profissional do Pedagogo, desenvolvida pelo grupo de pesquisa Aprendizagem e Conhecimento na Prática Docente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUCPR, que ofereceu um programa de formação continuada a diferentes pedagogos escolares. Ainda que as diretrizes e leis da educação caracterizem a função do pedagogo como o profissional que faz a articulação entre professores, estudantes e família (Paraná, 2010), estudos na área (Bonafé, 2015; Janz, 2015; Machado, 2015; Lins, 2016; Haddad, 2016) apontam que não há clareza por parte desse profissional em relação a sua função. Assim, acumulam atribuições que cabem a outras áreas de conhecimento, tais como suprir a ausência na falta de professores, realizar funções de assistência social, diagnosticar patologias, etc. Diante desse cenário, fica evidenciada a importância de o pedagogo conhecer os seus deveres, levando em consideração o contexto escolar em que atua.
A partir dessa constatação, surge o problema: como o pedagogo pode reconhecer na sua história de vida a construção da sua identidade profissional? Com a finalidade de contribuir para o fortalecimento dessa identidade, em um processo de tomada de consciência e autorregulação de sua prática, foi ofertado um programa de formação continuada a um grupo de profissionais da cidade de Curitiba e região metropolitana, estado do Paraná. O critério de inclusão no programa foi de que os participantes deveriam atuar como pedagogos em escolas públicas ou privadas.
A pesquisa foi estruturada em três etapas. A primeira, realizada em 2018, refere-se ao programa de formação propriamente dito, composto por oito encontros com duração de duas horas, num intervalo de 15 dias, realizado presencialmente na PUCPR. A segunda, em 2019, foi caracterizada pelo assessoramento presencial aos pedagogos na elaboração de um projeto de formação a ser desenvolvido com os docentes das respectivas instituições de ensino onde eles atuavam. Por fim, a terceira etapa, ocorrida em 2020 e 2021, consistiu na supervisão ao pedagogo durante o desenvolvimento do projeto de formação continuada na instituição de origem. Nesta fase, apenas dois participantes, de escolas estaduais, continuaram no projeto, sendo acompanhados on-line devido ao enfrentamento contingencial das questões decorrentes da pandemia de covid-19.
No primeiro encontro da formação continuada foi solicitada a construção de um memorial para ser entregue no segundo encontro, instrumento este elaborado pelo grupo de pesquisa. Ao destacarem a importância dessa ferramenta, Portilho e Parolin (2017) afirmam que:
O memorial é um documento que relata e anuncia a trajetória pessoal e profissional do sujeito, a origem das suas escolhas, os acontecimentos que o deflagraram e em que momento da sua história ele percebe e confirma essas escolhas, entremeadas pelos acontecimentos da vida e das reflexões que decorreram a partir desse percurso e que resultaram em transformações e em novas demandas (Portilho; Parolin, 2017, p. 73).
A escrita do memorial foi direcionada à realização de uma narrativa sobre a história de vida dos participantes, rememorando as aprendizagens que tenham contribuído para a escolha e o exercício da profissão, possibilitando, assim, a tomada de consciência sobre os elementos que compõem a identidade profissional. Esse instrumento permite, por meio da reflexão sobre a própria história de vida, ressignificar experiências e produzir sentidos para a prática profissional (Nascimento, 2018).
Sendo assim, este artigo apresenta como objetivo reconhecer na história de vida de pedagogos escolares a construção da identidade profissional. Ao acreditar que a pessoa é constituída a partir do ser profissional e do ser pessoal (Flickinger, 2010), os memoriais podem ajudar a esclarecer as escolhas realizadas em direção às atuações pedagógicas.
Este texto está organizado em seções, nas quais inicialmente apresenta-se o conceito de identidade profissional do pedagogo escolar, a base legal e, em especial, as características desse profissional no estado do Paraná. Na continuidade, encontra-se a metodologia de pesquisa, seguida pela descrição e interpretação dos dados.
A IDENTIDADE PROFISSIONAL DO PEDAGOGO ESCOLAR: ENTRE O LEGAL E O REAL
Para este estudo, consideram-se alguns marcos contextuais sobre a identidade profissional do pedagogo escolar na atualidade, a partir de um breve referencial teórico sobre essa profissão. Segundo Libâneo (2010, p. 52), “[...] o pedagogo é um profissional que lida com fatos, estruturas, contextos, situações, referentes à prática educativa em suas várias modalidades e manifestações”. Esse profissional tem grande importância dentro da escola, pois é o elo entre professores, alunos e familiares. A organização do seu trabalho envolve diferentes dimensões, como o projeto político-pedagógico, o plano de ação, o planejamento de ensino, a avaliação da aprendizagem, a organização do trabalho na hora-atividade e nos conselhos de classe. É ele também o responsável por informar os pais sobre o aproveitamento escolar dos alunos, assim como fazer os encaminhamentos necessários para atender às necessidades de cada estudante. Sua atuação é imprescindível nas situações peculiares do processo de ensino: implicações psicológicas, sociais e culturais, bem como na detecção de problemas de aprendizagem (Libâneo, 2010) e de relacionamento dos alunos entre si e com os professores, etc.
A construção da identidade profissional do pedagogo não se restringe apenas ao âmbito da formação acadêmica, mas, de acordo com Nóvoa (1992), constitui-se ao longo da carreira, considerando as relações interpessoais, as questões culturais, econômicas e sociais, além dos contextos em que os profissionais estão inseridos. O autor defende que “[...] a identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão” (Nóvoa, 1992, p. 16). A identidade é, portanto, compreendida a partir da disposição do sujeito; construída pela cultura e pelos discursos que fazem mediação entre as formas como ele se percebe; e permeada pelas representações que exerce sobre seu papel na educação e em diferentes processos culturais.
Tendo em vista o sujeito desta pesquisa, o pedagogo do estado do Paraná é um profissional de carreira, atuante em escola pública, admitido por concurso público. Como exigência mínima, deve ter licenciatura em Pedagogia ou Curso Normal Superior com complementação de estudos (Brasil, 2006). Logo, é egresso dos cursos de Pedagogia das instituições superiores públicas ou privadas.
Na construção de sua identidade, esse profissional constantemente enfrenta desafios e mudanças legais que afetam o curso de Pedagogia, o qual oferece a formação inicial. Quando foram elaboradas as Diretrizes Curriculares Nacionais - Resolução CNE/CP n.º 1, de 15 de maio de 2006 -, de acordo com o artigo 4.º do curso de graduação em Pedagogia:
O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Brasil, 2006).
Definiu-se, portanto, que a formação do pedagogo deveria ter como foco a docência. Treze anos depois, ocorreu a mais recente mudança em relação à formação inicial de professores para a educação básica por meio da Resolução CNE/CP de 02 de dezembro de 2019, que instituiu a Base Nacional Comum para a formação inicial de professores para a educação básica - BNC-Formação. Essa resolução encontra-se vinculada à Lei n.º 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - e pretende garantir a qualidade da educação e a formação dos profissionais da educação básica (Brasil, 1996). Nesse ínterim, a comunidade científica do campo educacional preocupou-se com a formação de pedagogos e professores privilegiando uma perspectiva tecnicista e padronizada, visando atender aos objetivos do mercado, o que demandou constante atenção e análise sobre o coletivo desses profissionais das escolas de educação básica e ensino superior. Com a nova normativa, passou a ser escolha do estudante fazer uma extensão para atuar na administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional, após a formação inicial ofertada no curso de Pedagogia.
Em posição divergente ao que disciplina a Resolução CNE/CP n.º 02/2019 (Brasil, 2020), Lima e Gomes (2010) defendem que os cursos que ofertam formação aos educadores devem considerar a gestão pedagógica, ou a coordenação, como espaço e tempo oportunos para autoformação e desenvolvimento profissional, sem perder a dimensão da docência. Desse modo, apresentam a ideia de tríplice função do pedagogo: de docente, de pesquisador e de gestor.
A função docente é considerada basilar para a atuação dos profissionais da educação, e é por meio dela que se adquire o conhecimento necessário para o exercício da profissão. Nesse cargo o pedagogo é um intelectual em contínua formação em busca do domínio do processo e do produto do seu trabalho. A atividade de pesquisador é essencial à formação e ao desenvolvimento do pedagogo, pois diz respeito à problematização das práticas docentes a partir de um olhar atento para a realidade educacional, a fim de que assuma uma atitude reflexiva e crítica, ultrapassando o senso comum, o que não está sendo devidamente contemplado pela Resolução CNE/CP n.⁰ 02/2019 (Brasil, 2020). Já como gestor, é importante que o pedagogo considere “[...] as relações existentes entre escola e sociedade de forma contextualizada [...]”, a fim de proporcionar a participação de toda a comunidade escolar em ambientes democráticos. Ademais, “[...] criar condições para que a escola cumpra a sua função que é a de ensinar” (Lima; Gomes, 2010, p. 182).
Sendo assim, ao pedagogo escolar cabe auxiliar os professores no desenvolvimento do trabalho em sala de aula, articulando escola, família e comunidade em geral. Para tanto, se faz necessário que ele cuide da sua formação por meio de cursos, grupos de estudos e leituras que possibilitem a troca de experiências com os pares, de modo a ir além das questões burocráticas do dia a dia, que limitam o pensar e o agir sobre sua identidade na instituição.
Nesse sentido, é necessário interrogar qual é a responsabilidade das mantenedoras em relação à oferta de formação continuada a esses profissionais. No estado do Paraná, programas de formação continuada como o Formação em Ação, a Semana Pedagógica e o Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE são oferecidos aos professores e pedagogos. O programa mais recente, denominado Tutoria Pedagógica, foi criado em 2019 pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná - SEED/PR para atender às equipes gestoras - direção e equipe pedagógica. O foco do programa é a implementação das políticas públicas voltadas para aprendizagem, frequência e aprovação dos estudantes, sendo desenvolvidos pelos técnicos dos Núcleos Regionais (Paraná, 2019).
Na pesquisa realizada por Carvalho (2022), os pedagogos não consideram esse sistema de tutoria como formação continuada, pois o foco desse programa está direcionado ao controle dos índices de frequência escolar e ao acesso dos estudantes às plataformas oferecidas pela mantenedora. Compreende-se, nesse sentido, que a formação continuada ofertada pela SEED/PR a professores e pedagogos deveria estar mais atrelada à escola como espaço de troca, construção e reconstrução de conhecimentos.
Para Marin (2003), a formação do pedagogo deve acontecer de modo contínuo por meio da interação entre os aspectos interpessoais e profissionais, pois, ao apropriar-se dos próprios processos de formação, as histórias de vida dos educadores assumem um novo sentido. Requer, portanto, estar atrelada a uma instituição aprendente, aquela que valoriza a experiência desses profissionais da educação, e cria condições para que eles participem da tomada de decisões - princípio de uma escola democrática que considera todos e cada um com suas diferenças e possibilidades. Assim, Carvalho (2022) e Marin (2003) ressaltam a importância da formação do pedagogo ser realizada na instituição escolar, de modo a oportunizar a construção de conhecimentos e a tomada de decisões por meio da partilha entre os envolvidos no trabalho pedagógico.
Referente ao que está proposto na legislação e o que está fundamentado pelos autores aqui apresentados, as pesquisas de Silva (2021) e Carvalho (2022) revelam que os pedagogos paranaenses, em especial os da escola pública, demonstram clareza em relação à importância de desenvolver seu trabalho na dimensão pedagógica. Ambas as pesquisas indicam que esses profissionais realizam, a contragosto, a mediação de conflitos e a substituição de professores, a fim de garantir o cumprimento dos dias letivos, deixando de realizar tarefas que são de suas competências.
Durante o programa de formação continuada oferecido pela pesquisa Aprendizagem e Conhecimento na Identidade Profissional do Pedagogo, os profissionais admitiram carência de formação continuada específica e apresentaram uma atitude queixosa sobre o trabalho que realizam, percebendo-se presos a ações voltadas ao controle da utilização de plataformas, busca ativa de estudantes e atividades desenvolvidas a partir dos resultados das avaliações externas, como a Prova Paraná1. Mesmo com a oportunidade que tiveram de participar do programa de formação com uma metodologia voltada para a reflexão e atuação pedagógica, o grupo, em sua maioria, não conseguiu sair do lugar da queixa, levando a não continuidade da ação formativa que previa mais duas etapas além do programa de formação.
PERCURSO METODOLÓGICO
Este estudo, cujo método é a fenomenologia hermenêutica, não apenas descreve e analisa as vozes, as falas e a linguagem do sujeito, mas também interpreta o que esse meio comunica rumo à transformação da prática profissional (Ricoeur, 2013). Como metodologia foi adotada a metacognição, uma vez que favorece o desenvolvimento de um olhar crítico e sensível sobre as próprias atitudes, o que permite ajustes sobre procedimentos, estratégias e instrumentos de modo a realizar a interpretação do fenômeno pesquisado em sua essência. Em outras palavras, essa maneira de proceder oportunizou a compreensão de sentido dos relatos de vida pessoal e profissional dos participantes da pesquisa (Portilho; Silva; Batista, 2023).
A investigação apresentada neste artigo desenvolveu um programa de formação continuada realizado em oito encontros semanais, com pedagogos atuantes da rede pública e privada de Curitiba e região metropolitana, no ano de 2018. As reuniões ocorreram no campus da PUCPR, na capital. Cada encontro foi estruturado de modo a privilegiar atividades que contemplassem temas pertinentes à atuação profissional do pedagogo, sendo eles: formação continuada e autoformação; identidade profissional; comunicação inovadora e integradora; a expressão da cultura no ambiente educativo; e grupo - unidade em funcionamento, mediação no processo de aprendizagem e ensino, avaliação e registro.
O primeiro momento de cada reunião foi denominado de “disparador”, em que os participantes foram convidados a desenvolver, em grupo, uma dinâmica a respeito do tema trabalhado naquela ocasião. O segundo, intitulado de “fundamentação teórica”, tinha como objetivo apresentar teoricamente os fundamentos do assunto trabalhado no dia. Já o terceiro momento, a “roda de conversa”, foi caracterizado como espaço de reelaboração em grupo sobre o tema do encontro, alimentado por uma questão de carácter reflexivo, denominada de “consigna inicial”. Na parte final, os participantes foram convidados a responder um questionário metacognitivo composto por 15 questões de caráter reflexivo. Cada encontro teve como período de duração duas horas e aconteceu uma vez na semana, quinzenalmente.
Participaram do programa 16 pedagogos, sendo 15 do sexo feminino e 1 do sexo masculino. Suas identidades foram preservadas mediante a utilização da letra P seguida de um número. Em relação ao local de atuação profissional, 12 deles trabalhavam no ensino público, 1 no ensino privado e 3 no ensino público e privado. O tempo de atuação profissional ficou entre 5 e 25 anos, todos com curso de especialização lato sensu, três com mestrado e um com doutorado em educação. Quanto ao segmento em que atuavam, duas pedagogas trabalhavam apenas na educação infantil; uma somente no ensino fundamental II; duas na educação infantil e ensino fundamental I; seis no ensino fundamental II e ensino médio; quatro somente no ensino médio; e uma pessoa trabalhava com programa de formação de professores.
O instrumento de pesquisa utilizado para este artigo foi o memorial, aplicado como tarefa do primeiro encontro de formação. O memorial consiste em um relato realizado pelo pedagogo sobre a sua trajetória pessoal e profissional (Portilho; Parolin, 2017; Nascimento, 2018). Para a sua construção, foi apresentada a seguinte consigna: “Você fará uma narrativa escrita, contando sua história profissional, de tal forma que destaque os momentos mais importantes da aprendizagem que viveu (em família, com amigos, na escola - desde a educação infantil até sua formatura e primeiras ações profissionais) que tenham contribuído para a formação do profissional que você é hoje”.
Para a descrição e interpretação dos dados coletados, a partir do memorial, foram elaboradas duas categorias de análise, sendo a primeira denominada Profissionalidade e a segunda Aprendizagens, junto de suas respectivas subcategorias, como podem ser verificadas no Quadro 1.
A categoria 1, Profissionalidade, compreende o processo desenvolvido pelos pedagogos ao longo de sua trajetória, nos diferentes espaços de socialização, desde a educação básica, passando pela formação profissional e, principalmente, atuação profissional, onde os docentes exercem e aprendem a profissão (Gorzoni; Davis, 2017). Por sua vez, a subcategoria Motivo da escolha profissional refere-se aos principais fatores que influenciaram na escolha pelo curso de Pedagogia. Exemplos: “Da educação infantil à formação em magistério, cresci numa única escola. Eu sempre me senti em casa, acolhida pelos professores. Sempre admirei a competência dos mesmos” (P1); “Morei com minha tia que era diretora de uma escola. Sob influência dela, decidi que queria fazer magistério” (P6).
A subcategoria Trajetória profissional descreve as diferentes experiências profissionais realizadas pelos pedagogos ao longo dos anos no campo da pedagogia. Exemplos: “Tenho 20 anos de carreira de magistério. Nesse período atuei na educação infantil, na educação de jovens e adultos, ensino fundamental e como pedagoga” (P7); “Em 1999 comecei a trabalhar como instrutora de cursos profissionalizantes na Linha de Ofícios da prefeitura de Curitiba, atuando por quatro anos. Em 2003 passei a trabalhar no Senac, também como instrutora de cursos técnicos e profissionalizantes até 2010. Foram boas experiências!” (P5).
A categoria 2, Aprendizagens, diz respeito às principais aprendizagens construídas pelos pedagogos ao longo da trajetória pessoal e profissional. Já a subcategoria Contexto familiar corresponde às principais aprendizagens oriundas de interações no ambiente em que a participante da pesquisa cresceu e se desenvolveu. Exemplos: “Uma coisa que não esqueço é que foi com o meu pai que aprendi a escrever o meu nome com carvão no chão bruto” (P7); “Cresci sempre cercada de muitas crianças. Penso que este foi meu primeiro grande ambiente de aprendizagem” (P1).
Por fim, a subcategoria Contexto profissional representa as principais aprendizagens adquiridas durante o período de graduação e/ou advindas de diferentes contextos de atuação profissional do pedagogo. Exemplos: “A experiência de estudar Pedagogia na Universidade Federal do Paraná encorpou minha identidade profissional de política e engajamento social. Tenho certeza de que muito do que hoje assumo como meu perfil foi reflexão e espelhamento dos profissionais que ali eu conheci” (P1); “A cada nova situação e conversas com os meus pares, fui aprendendo caminhos para auxiliar colegas professores, orientar alunos e mediar conflitos” (P12).
A pesquisa pautou-se em considerações éticas - garantidas a partir da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da PUCPR (CAAE n.º 87390517.8.0000.0020), sob o número do parecer 2.632.541, com data da relatoria de 03 de maio de 2018 - tais como o respeito à liberdade e privacidade dos participantes, assim como o caráter confidencial dos dados.
DESCRIÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Os achados apresentados a seguir referem-se à concepção que os participantes apresentam a respeito das categorias Profissionalidade e Aprendizagens, resultantes dos relatos pessoais e profissionais. Na categoria Profissionalidade foi possível identificar momentos da história de vida que influenciaram na escolha do curso de Pedagogia, bem como locais de atuação que exerceram influência na prática profissional dos participantes da pesquisa. Já em Aprendizagens, reconhecem-se os aprendizados oriundos do contexto familiar em que o pedagogo cresceu, bem como aquelas advindas de diferentes ambientes em que atuou profissionalmente.
Categoria 1 - A Profissionalidade do Pedagogo
A profissionalidade diz respeito aos conhecimentos, comportamentos, habilidades, atitudes e valores que definem o ser pedagogo. A construção de uma identidade profissional influencia e é influenciada pelas experiências adquiridas no contexto familiar e de atuação profissional (Nóvoa, 2019). Dentre os elementos que exercem influência na profissionalidade do pedagogo está o motivo de opção pelo curso de Pedagogia. De modo específico, evidenciou-se na pesquisa o papel do contexto familiar na escolha dessa carreira, como pode ser verificado na fala dos participantes P7 e P9.
P7 - Minha trajetória histórica profissional, simplesmente, se traduz a grandes pessoas que tive como referência e grandes exemplos dentro da família.
P9 - Foi na infância, em meio às bonecas e ursos de pelúcia que comecei a tratá-los como alunos, lendo livros de histórias infantis e fazendo minis cadernos para eles, que me identifiquei com a profissão.
Dessa maneira, pode-se verificar na fala das pedagogas P7 e P9 referências positivas do contexto familiar que exerceram influência na escolha pelo curso de Pedagogia, seja em relação a referências de atitudes pessoais ou mesmo na construção de ambientes que permitiram a criação de vínculos positivos com essa profissão. Isso está de acordo com os estudos de Almeida e Pinho (2008), ao destacarem que, desde criança, cada pessoa carrega consigo uma série de expectativas da família, que ela deverá - ou não - cumprir ao longo da vida.
Além da influência familiar, outro aspecto ressaltado que motivou a escolha pela Pedagogia foi a presença de professores que fizeram parte da história de vida dos participantes:
P12 - Lembro-me de alguns de meus professores, com carinho a professora Ana Maria, professora de Língua Portuguesa que lia e contava causos para a classe, ao longo de seus 1,50m. Sentava-se sobre a mesa do professor, cruzava as pernas e lia com clareza e carinho, e nós viajamos pelo mundo da leitura.
P5 - Fiz meu último ano do ensino fundamental no Colégio Dom Bosco. Durante esse ano, morei com minha tia que era diretora de escola. Sob influência dela, decidi que queria fazer magistério.
As experiências positivas com a escola permitiram a construção de vínculos favoráveis com a docência, o que despertou a motivação e o desejo de seguir nessa profissão. Tal identificação aumenta as possibilidades de que os profissionais sejam mais persistentes, criativos e resilientes frente às adversidades que tendem a surgir, buscando soluções quando se deparam com um problema. Já experiências negativas em relação à docência tendem a despertar medo, raiva, insegurança e tristeza, fazendo com que o pedagogo se sinta incapaz de atingir determinados objetivos. Entretanto, tais emoções podem promover mudanças na forma de agir e de pensar, despertando o desejo de superar obstáculos para exercer profissionalmente práticas diferentes das vivenciadas como estudante (Mlodnow, 2022), como é o caso da pedagoga P1, ao afirmar que:
P1 - Grande parte dos professores reclamava muito que a profissão era ruim, que tinham muito trabalho nos fins de semana e a remuneração salarial era muito baixa.
A compreensão de que poderia atingir satisfação pessoal e financeira, diferente do que lhe foi apresentado no período em que era aluna da educação básica, foi importante para que a pedagoga P1 pudesse escolher o curso de Pedagogia, identificando nessa profissão a possibilidade de transformação da própria realidade, bem como daqueles a sua volta. Em outras palavras, o desejo de mudança da vida pessoal e a vontade de desenvolver práticas mais acolhedoras e motivadoras junto aos professores, estudantes e familiares, sem medo do insucesso diante de situações desafiadoras, a conduziram à escolha pela profissão de pedagoga escolar.
Outro aspecto apontado sobre a profissionalidade durante a construção do memorial foi a trajetória profissional, compreendida como o conjunto de experiências vivenciadas pelos pedagogos a partir do momento em que ingressaram na carreira docente.
P4 - Trabalhei como professora no Colégio Nossa Senhora de Sion por três anos, do início de 1987 ao final de 1989. Experiência maravilhosa! Nessa época percebi que preferia trabalhar como pedagoga.
P5 - No meu primeiro ano do magistério comecei a fazer estágio remunerado em uma escolinha de bairro [...] eu tinha apenas 15 anos e uma turminha de 11 crianças de 1 ano e meio até 2! Eu era a regente!
Ao longo da trajetória docente, o pedagogo tem a oportunidade de construir conhecimentos, valores e atitudes que constituem a sua identidade profissional e influenciam na maneira como compreende e exerce a prática pedagógica. A construção de tais conhecimentos, atitudes e valores, a partir da cultura do ambiente profissional em que está inserido, acontece de modo articulado aos saberes e representações pessoais que ele tem de sua atuação. Essa relação entre os valores culturais da instituição e os individuais possibilita a criação e a recriação da atuação profissional (Valsiner, 2012; Bernardo; Vasconcellos, 2021).
Ao longo da trajetória de vida e profissional, os pedagogos têm a oportunidade de participar de um conjunto de experiências que proporcionam a construção de níveis de compreensão da profissão de modo diversificado. Em outras palavras, a história profissional de cada pedagogo está relacionada à história das instituições em que atuou, especialmente aquelas que exerceram influência na escolha ou no distanciamento de determinadas práticas.
P8 - Trabalhei em diversos setores da escola: zeladoria, merenda escolar, recepção, telefonista, secretaria, coordenação pedagógica, direção e coordenação de rede de escolas.
P11 - Fui pedagoga em empresa, professora, pedagoga em escola e depois no sistema prisional, coordenação do Curso de Formação de Docentes. Fiz uma seleção para o supermercado Big, grupo Sonae, e iniciei um estágio que durou dois anos como pedagoga.
O conjunto de experiências vivenciadas em diferentes ambientes profissionais abre caminhos para uma compreensão mais ampla sobre a atuação do pedagogo escolar, o que inclui não apenas as experiências com o espaço físico e a demanda de trabalho, mas com os tipos de relações estabelecidas com as pessoas nesses diferentes locais. Nos diversos contextos de trabalho, cada profissional tem a oportunidade de compartilhar objetos, valores e costumes que exercem influência na compreensão sobre a atuação do pedagogo escolar. Isso está de acordo com os estudos de Valsiner (2012), quando o autor afirma que a trajetória das pessoas, no passado, dentro de um campo, e as experiências no presente são base para o desenvolvimento de ações futuras.
Diferente das pedagogas P8 e P11, que tiveram vivências profissionais diferentes do campo pedagógico escolar, a P13 destaca a importância da experiência ao longo dos anos em uma mesma instituição, o que permitiu a construção de um vínculo positivo com a profissão.
P13 - Terminei o ginásio. Minhas irmãs, então professoras em uma cidade pequena, me incentivaram a fazer o magistério, e lá fui eu. No terceiro ano elas arrumaram uma escola para eu começar a dar aulas no município. No começo, não gostei nem um pouco, mas foram se passando os anos e eu percebi que tinha nascido para ser professora.
O contato com pedagogos e professores mais experientes, bem como o enfrentamento de desafios oriundos da prática pedagógica, como o perfil da comunidade educativa em que atua, as condições físicas da escola, o acompanhamento pedagógico junto aos estudantes e professores, entre outros, oportunizam a construção de conhecimentos que ampliam ou mesmo ressignificam a compreensão que se tem da profissão. É nesse processo que a profissionalidade acontece (Bernardo; Vasconcellos, 2021).
Cabe ainda destacar que, ao longo da trajetória familiar e profissional, os participantes tiveram aprendizagens que contribuíram para a escolha e o exercício da Pedagogia como uma possibilidade de superação da realidade social e/ou aperfeiçoamento da atuação profissional, conforme pode ser verificado na categoria a seguir.
Categoria 2 - Aprendizagens do Pedagogo
Neste artigo, a aprendizagem é compreendida como um processo de interação entre o pedagogo e as situações vivenciadas no contexto familiar e profissional que, de alguma maneira, foram significativas e contribuíram para o seu crescimento e de um “vir a ser” em constante movimento, a partir do seu próprio olhar. Para Portilho et al. (2018, p.12), a aprendizagem é “[...] um processo de interação entre aquele que aprende e o objeto a ser aprendido, em um movimento de significação e atribuição de sentido próprio, que o transforma”.
Como elementos indicadores das aprendizagens do pedagogo evidenciaram-se as experiências vividas no contexto familiar que contribuíram para dar valor à profissão, como pode-se perceber nos trechos dos memoriais:
P1 - Mesmo sem ter nenhum auxílio nas lições de casa, pois minha avó era analfabeta, mas sempre valorizou a importância da escola para minha vida, esse foi um aprendizado muito importante para mim. Lembro que ela contava muitas histórias para mim e meus dois irmãos.
P7 - Tive o privilégio de ter como professoras duas tias que além de me alfabetizarem, também me ensinaram o caminho do bem, os valores da humanidade, o respeito que eu e meus colegas de classe deveríamos ter por aqueles que ensinam todos os dias a várias crianças e jovens, o conhecimento para a vida, os professores.
As aprendizagens no contexto familiar contribuíram para a construção da história de vida dos pedagogos, pois foi por meio desses referenciais que a compreensão de valores e a importância da escola e das profissões foram sendo constituídas. Essas aprendizagens se deram por meio das relações interpessoais que se aproximam dos conceitos de “[...] afeto, aceitação, cumplicidade, solidariedade, necessidades e satisfações pessoais, motivos, com ênfase nas pessoas” (Placco, 2004, p. 9).
Outros trechos dos memoriais revelaram que as aprendizagens aconteceram por meio de experiências no contexto profissional, as quais se manifestaram em forma de comprometimento social, como pode-se observar em P4, P9 e P10:
P4 - Quando estava no terceiro ano ginasial, um professor de matemática reprovou 70% de seus alunos, inclusive eu. [...] A Secretaria de Educação do Paraná resolveu elaborar uma nova prova e aplicar para verificar o nível de aprendizagem dos alunos. Fiz a prova e fui aprovada juntamente com a grande maioria dos alunos. Esse fato faz com que eu sempre repense as minhas atitudes profissionais e também as dos professores com que trabalho.
P9 - Durante o magistério encontrei profissionais que me ensinaram o conteúdo programático, necessário à minha profissão e que me fizeram perceber o quanto a docência ia além de papéis e giz, mas era necessário entender o indivíduo que estava atrás da figura do estudante.
P10 - Cada dia de estudo, de pesquisa, de trocas com colegas de trabalho, fizeram de mim, a profissional que sou. E por esse motivo, continuo a busca, pois a geração atual requer da escola cada vez mais atualização e inovação. Me sinto na obrigação de contribuir com o futuro da melhor forma que eu puder.
Essas aprendizagens se deram por meio das relações profissionais que, no âmbito educacional, relacionam-se com as interações e aprendizagens que acontecem a partir da atuação dos profissionais, e envolvem pensamentos, estudos, desafios intelectuais, proposições para a solução de problemas e conflitos (Placco, 2004). Afinal, a pessoa se modifica e modifica o outro por meio das relações, e a qualidade dessa interação é imprescindível para o pleno desenvolvimento humano. Destaca-se nesse processo a formação acadêmica por permitir ao pedagogo a articulação de conhecimentos a partir da união entre a teoria e a prática, que auxiliam a compreender características e possibilidades da atuação profissional.
É possível reconhecer, nos trechos dos memoriais de P4, P9 e P10, o reconhecimento de aprendizagens adquiridas com colegas de profissão mais experientes, as quais, ao longo do processo, contribuíram para a construção da identidade profissional do pedagogo escolar. Esse fato está de acordo com os estudos de Nóvoa (2019, p. 9), ao afirmar que “[...] é na passagem da universidade para as escolas, e na forma como os professores mais experientes acolhem os mais jovens, que se joga grande parte do futuro profissional de cada um”.
As aprendizagens no contexto profissional ocorreram também por meio de observação do ambiente educacional e do modelo de outros profissionais, geradas de forma não intencional, proporcionando expectativas e modos de fazer a profissão, como podem ser identificados nos excertos de escrita de P11 e P14:
P11 - E nesse cenário de violência, dor, exclusão, invisibilidade social, aprendi que a escola é uma possibilidade para muitos, alguns autores chamam de ‘oásis’.
P14 - Lembro que meus professores, em especial a Prof.ª Norma, nos levavam constantemente para museus e exposições. Hoje como profissional motivo muito aos meus alunos a visitarem os diversos espaços e bens culturais da cidade como experiências de aprendizagem. [...] Creio que essas marcas, mesmo que inconscientemente na época, hoje são constitutivas na minha identidade de pedagogo social e de formação de educadores em temas que marcam a minha docência, pesquisa e práticas: a relação de aprendizagem e pobreza, justiça social curricular, educabilidade [condições sociais para a aprendizagem], entre outras.
Esses trechos exemplificam que o que se vive na escola “[...] só ocorre pela intermediação do afetivo em relação ao cognitivo, ancorado no ético-político [...]” (Placco, 2009, p. 52), pois denotam que houve comunicação e integração entre o aspecto pessoal do pedagogo na relação com algum membro da família, ou profissional com a comunidade educativa para que houvesse outro modo de fazer a sua profissão. A partir das experiências, surgiram outros modos de pensar e agir de forma reelaborada.
As aprendizagens aqui mencionadas refletem a trajetória pessoal e profissional dos pedagogos em interação com a instituição em que trabalharam, com outros professores e familiares, na maneira de ser, agir, sentir e conceber a vida escolar, como um “oásis”, conforme cita P11, e de acordo com o momento histórico em que vivem ou viveram. Essas aprendizagens tomaram forma por meio das memórias e heranças culturais, e atuaram na construção de conceitos como identidade, formação de educadores, justiça social e educabilidade, mencionadas por P14. Os excertos dos memoriais dos pedagogos indicam que as aprendizagens ocorridas durante seus processos de formação foram vivenciadas em espaços de interação entre as dimensões interpessoais e profissionais, possibilitando sentido às suas histórias de vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escolha por discutir como o pedagogo pode reconhecer na sua história de vida a construção da sua identidade profissional, por meio da produção de memoriais durante um programa de formação continuada, foi feita com o intuito de contribuir para o fortalecimento da sua identidade em um processo de tomada de consciência e autorregulação de sua prática.
Como visto, os pedagogos evidenciaram a importância da aprendizagem advinda das relações interpessoais, vividas tanto na família quanto na profissão, como aspecto influenciador da construção das suas identidades. Isso revela que essas duas dimensões repercutem, como parte do processo de identidade, nas experiências, escolhas, necessidades e nos interesses desses profissionais, os quais se modificam continuamente nas suas histórias de vida.
Ressalta-se que os memoriais sinalizaram a influência familiar na escolha da profissão, o que pode ter impactado na profissionalidade, denotando que a identidade é construída na trajetória do profissional. A influência dos pares da profissão e o convívio com professores, ao longo da carreira, apareceram de forma significativa na vida pessoal e profissional.
Considerando os memoriais de 16 pedagogos, observou-se a ausência de respostas claras e objetivas de três profissionais acerca da consigna para a construção do memorial, em que deveriam escrever sobre os momentos mais importantes da história de vida que tenham contribuído para a sua formação profissional. Nesse sentido, pode-se inferir que houve dificuldade, por parte desses profissionais, para realizar o que foi solicitado. Não foi dada a devida importância ao instrumento de pesquisa, buscando apenas cumprir a tarefa, revelando dificuldades para identificar aprendizagens importantes na própria história.
Tais resultados alertam para a necessidade de se pensar os espaços de formação acadêmica de modo que estes possibilitem a construção de conhecimentos dentro de uma perspectiva reflexiva, democrática e que promovam a autonomia sobre o próprio fazer pedagógico. Ou seja, que possam favorecer o olhar sobre si como um elemento de transformação do outro (Flickinger, 2010).
Compreende-se que as interações positivas vividas nos contextos familiares e profissionais podem ser renovadas e mantidas por meio da experiência acumulada e com os trabalhos postos em prática. Nesse caminhar, percebeu-se a importância da formação acadêmica e das interações, transferidas para o contexto profissional, para a construção da identidade do pedagogo. Em razão da pertinência desse tema, entende-se que é possível desenvolver novas pesquisas, em outros contextos, para aprofundar a reflexão acerca dessa construção.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
08 Mar 2023 -
Preprint postado em
30 Dez 2022
10.1590/SciELOPreprints.5292 -
Aceito
31 Jan 2024