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Capacitações dinâmicas, coordenação e cooperação interfirmas: as visões Freeman-Lundvall e Teece-Pisano

Resumos

Este artigo pretende mostrar que o enfoque das "capacitações dinâmicas" da firma, quando aborda o tema da cooperação interfirmas, pode ser dividido em duas vertentes razoavelmente distintas, no que se refere a desenvolvimentos teóricos sobre sua coordenação: (i) uma análise denominada "Freeman-Lundvall", que teoricamente busca interfaces com abordagens da sociologia; e (ii) uma análise denominada "Teece-Pisano", teoricamente bastante próxima da abordagem dos custos de transação. Conclui-se que a visão "Teece-Pisano" é a única entre as duas que é compatível com uma teoria dos contratos, o que a permite considerar uma importante fonte de vantagem competitiva - a economia de custos de transação. Por isso, é analiticamente mais relevante se a cooperação é tratada, em termos teóricos, como uma estratégia subordinada ao processo de concorrência capitalista.

capacitações dinâmicas; cooperação interfirmas; contratos


This article shows that the "dynamic capabilities" approach - when treated in respect to inter-firm cooperation - can be divided into two distinct views for theoretical analysis about coordination: (i) the "Freeman-Lundvall" view searches for interfaces with sociology analysis; and (ii) the "Teece-Pisano" view is in theoretical perspective very near transaction costs analysis. This article concludes that the "Teece-Pisano" view is the unique between both that is compatible with a contract theory, and that allow for considering an important source of competitive advantage - the economy of transaction costs. Thus, the "Teece-Pisano" view is more relevant if cooperation is treated, in theoretical perspective, as a subordinated strategy in the capitalist competition process.

dynamic capabilities; inter-firm cooperation; contracts


Capacitações dinâmicas, coordenação e cooperação interfirmas: as visões Freeman-Lundvall e Teece-Pisano* * Agradeço os comentários de um parecerista anônimo. Quaisquer incorreções remanescentes são de minha inteira responsabilidade.

Robson Antonio Grassi** ** Endereço para contato: Rua João Nunes Coelho, 53/ap. 102 - Ed. Solar di Venezza - Mata da Praia - Vitória - ES - CEP: 29065-490. Tel: (0 XX 27) 3325-6270.

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). E-mail: ragrassi@uol.com.br.

RESUMO

Este artigo pretende mostrar que o enfoque das "capacitações dinâmicas" da firma, quando aborda o tema da cooperação interfirmas, pode ser dividido em duas vertentes razoavelmente distintas, no que se refere a desenvolvimentos teóricos sobre sua coordenação: (i) uma análise denominada "Freeman-Lundvall", que teoricamente busca interfaces com abordagens da sociologia; e (ii) uma análise denominada "Teece-Pisano", teoricamente bastante próxima da abordagem dos custos de transação. Conclui-se que a visão "Teece-Pisano" é a única entre as duas que é compatível com uma teoria dos contratos, o que a permite considerar uma importante fonte de vantagem competitiva – a economia de custos de transação. Por isso, é analiticamente mais relevante se a cooperação é tratada, em termos teóricos, como uma estratégia subordinada ao processo de concorrência capitalista.

Palavras-chave: capacitações dinâmicas, cooperação interfirmas, contratos

ABSTRACT

This article shows that the "dynamic capabilities" approach - when treated in respect to inter-firm cooperation - can be divided into two distinct views for theoretical analysis about coordination: (i) the "Freeman-Lundvall" view searches for interfaces with sociology analysis; and (ii) the "Teece-Pisano" view is in theoretical perspective very near transaction costs analysis. This article concludes that the "Teece-Pisano" view is the unique between both that is compatible with a contract theory, and that allow for considering an important source of competitive advantage - the economy of transaction costs. Thus, the "Teece-Pisano" view is more relevant if cooperation is treated, in theoretical perspective, as a subordinated strategy in the capitalist competition process.

Key words: dynamic capabilities, inter-firm cooperation, contracts

JEL Classification L20 e O30

INTRODUÇÃO

O tema da cooperação entre firmas apresenta uma relevância cada vez maior para o entendimento do comportamento e do desempenho das empresas no mundo atual. Inclusive porque num ambiente de acirramento da concorrência e globalização dos mercados, juntar esforços pode ser uma estratégia fundamental na busca de competitividade.

Este artigo pretende contribuir para o entendimento deste tema a partir da abordagem das capacitações dinâmicas da firma. Considera-se que, com as grandes transformações que a estratégia cooperar vem passando nas duas últimas décadas, significando uma crescente exigência de requisitos de capacitação e aprendizado para um agente integrar qualquer rede cooperativa, a abordagem das capacitações dinâmicas tem grandes contribuições a oferecer a este debate.

Porém o artigo pretende mostrar que, se é verdade que cooperação é uma estratégia da firma individual em busca da criação (ou ampliação) de vantagens competitivas, os autores da abordagem das capacitações dinâmicas não se apresentam como possuidores de apenas uma visão da cooperação. Dizendo de outra forma, se é verdade que estes autores contribuem para o debate ao explicar que a cooperação interfirmas é uma estratégia importante na busca de inovações, por outro lado, no que se refere a aspectos relacionados com a coordenação de arranjos cooperativos, fica claro que há uma certa divisão na corrente no tratamento do tema em questão.

Neste último ponto, considera-se que num relacionamento cooperativo, que em muitos casos envolve um longo período de tempo, a estabilidade da relação é importante, e isto somente pode ser entendido em todas as suas implicações a partir de uma abordagem contratual. Além disto, este tipo de análise é essencial para a avaliação da competitividade da firma que coopera, pois a questão da coordenação está diretamente relacionada com a magnitude dos custos de transação e, portanto, com a eficiência (e a possibilidade de criação ou ampliação de vantagens competitivas) de um arranjo cooperativo.

O objetivo do artigo é mostrar que a abordagem das capacitações dinâmicas, quando estuda o tema da cooperação interfirmas, embora apresente grande convergência de opiniões no tratamento da importância do aprendizado e da inovação, nos mecanismos relativos à coordenação, e conseqüentemente naqueles voltados para obtenção de vantagens competitivas por meio de economias de custos de transação, pode ser dividida em duas vertentes distintas:

  • Uma análise, que chamaremos "Freeman-Lundvall", que teoricamente busca interfaces com abordagens da sociologia;

  • Uma análise, que chamaremos de "Teece-Pisano", teoricamente bastante próxima da abordagem dos custos de transação.

Vale ressaltar que apesar de não possuir uma análise detalhada dos contratos (o que é comum na abordagem das capacitações como um todo), veremos que a visão "Teece-Pisano" é inteiramente compatível com uma abordagem contratual – no caso a de Williamson (1985 e 1996) –, chegando até mesmo a usar alguns de seus elementos teóricos, ao contrário da abordagem Freeman-Lundvall, que em certos casos mostra-se bastante crítica desta visão da firma.

Conclui-se que a visão "Teece-Pisano", por incorporar questões relacionadas com a economia de custos de transação, é analiticamente mais relevante se a cooperação é tratada, em termos teóricos, como uma estratégia subordinada ao processo de concorrência capitalista. Isto não significa negar a importância da visão "Freeman-Lundvall", que apresenta contribuições interessantes em temas como o aprendizado "por interação", por exemplo; mas veremos que a visão "Teece-Pisano", por causa de sua dimensão contratual, é mais completa em termos analíticos e por isso deve ser considerada a base da abordagem das "capacitações dinâmicas" sobre cooperação interfirmas.

O artigo está dividido da seguinte forma: a primeira seção resume alguns dos principais desenvolvimentos teóricos da abordagem das capacitações dinâmicas sobre cooperação. Feito isto, nas seções 2 e 3 são discutidas as idéias das duas correntes definidas anteriormente, a "Freeman-Lundvall" e a "Teece-Pisano". Por fim, são apresentadas as conclusões do trabalho.

1. COOPERAÇÃO INTERFIRMAS E CAPACITAÇÕES DINÂMICAS

Devido à sua ampla utilização ao longo dos anos, e com sentidos os mais variados possíveis, uma observação inicial sobre o conceito de cooperação interfirmas é necessária. Uma distinção importante é entre os termos "cooperação" e "rede de firmas". Embora ambos sejam importantes e complementares (sobre redes de firmas, ver Britto, 1999), cooperação é o termo mais utilizado neste trabalho, por estar diretamente relacionado com o processo decisório das empresas, ou seja, sendo visto como uma estratégia empresarial em busca de competitividade. É neste sentido que a firma individual pode ser considerada um interessante ponto de partida da análise, sujeita a uma abordagem a partir de teorias da firma. E é com esta orientação que neste trabalho estamos mais interessados na ótica do agente individual.

Para a análise da cooperação enquanto estratégia da firma individual, considera-se que é necessário separar as questões referentes a este tema em dois tipos, mesmo correndo o risco da simplificação excessiva: as relativas à eficiência, e as relativas aos mecanismos de coordenação.1 1 De certa forma, aqui estamos tomando por base o trabalho de Jarillo (1988), que, partindo do princípio de que "redes estratégicas" permitem a firmas que as integram ganhar ou sustentar vantagem competitiva ante seus competidores fora da rede, divide as questões principais sobre cooperação nestes dois grupos, embora com nomes e definições diferentes. Podemos passar a um breve detalhamento destes dois grupos de questões.

  • Em primeiro lugar, quanto à eficiência, uma construção teórica que leve em conta os mais diversos tipos de cooperação deve partir do princípio de que as firmas cooperam em busca de inovações lato sensu (no sentido schumpeteriano do termo, incluindo não somente a inovação tecnológica, mas também a inovação organizacional etc.), o que caracteriza a eficiência como sendo dinâmica2 2 Neste texto, apenas por razões de simplificação da análise, nos dedicaremos somente à inovação tecnológica. . Mas, por outro lado, questões relativas à economia de custos de produção (por exemplo, economias de escala e de escopo) e de custos de transação não devem ser deixadas de lado, pois a eficiência estática também é importante. Sua importância aumenta se levarmos em conta que nem sempre um arranjo cooperativo tem objetivos inovadores, e mesmo quando os possui, em muitos casos o seu potencial inovador pode não se realizar plenamente. Nestes casos, a competitividade daquele arranjo acaba sendo decidida por critérios estáticos de eficiência.

  • Em segundo lugar, os aspectos relativos à coordenação devem ter como ponto de partida de análise o fato de que normalmente a cooperação é um jogo de soma positiva, ao contrário da concorrência, normalmente visualizada como um jogo de soma zero (ver Jarillo, 1988). Por isto, a questão da estabilidade do relacionamento passa a ser crucial, já que a própria durabilidade de um arranjo está ligada ao fato de cada um dos integrantes considerar que obtém no mesmo maiores ganhos do que obteria em outras formas de governança (mercado ou hierarquia). Ou seja, a distribuição da quase-renda gerada tem que ser satisfatória para todos os integrantes do arranjo.

Isso significa que a análise dos dispositivos de coordenação entre agentes econômicos deve ser feita a partir da noção de contrato . Considera-se que os agentes usam contratos para superar problemas de alocação de recursos e os referentes ao processo de criação dos mesmos (problemas como os oriundos da repartição da quase-renda gerada; das assimetrias de poder, tamanho, informação e de capacitação; dos incentivos e monitoração dos parceiros etc.), causados por fatores como a incerteza e a racionalidade limitada, presentes nas economias capitalistas. Levando-se em consideração contratos implícitos ou explícitos entre as partes, uma teoria dos contratos permite o entendimento de como os parceiros agem para resguardar seus interesses numa relação de cooperação, e de como isso se reflete na magnitude dos custos de transação e da própria eficiência da relação cooperativa.

Portanto, no que se refere à eficiência e à coordenação, quando uma firma coopera, ao lidar com estes dois grupos de questões, ela na verdade está buscando eficiência estática (economia de custos de produção e transação) e dinâmica (inovações) e, portanto, vantagens competitivas. Mas deve-se considerar que estas formas de busca de vantagem competitiva se modificam com a época na qual a firma coopera.

Assim, acordos de cooperação entre firmas existem há séculos. Mas, se até os anos 1980, ao se falar em cooperação, cartéis eram os mais citados, hoje, com o quadro de globalização e mudança radical de paradigma tecnológico, a cooperação se apresenta mais pelo seu caráter "benévolo" de acordos visando à inovação (o que não quer dizer que práticas colusivas tenham sido abandonadas), sendo um fenômeno muito comum em setores de grande dinamismo tecnológico.

É importante, então, detalhar o que surgiu de novo sobre o tema nos anos 1980 e 1990, que fez com que o mesmo despertasse o enorme interesse acadêmico que chega aos dias atuais. Mais que isso, é importante responder o que mudou na motivação que leva as firmas a cooperarem. Freeman (1991) ressalta mudanças quantitativas e qualitativas. Segundo este autor, ao mesmo tempo que se assistiu, nas duas últimas décadas, a um grande incremento no número de acordos cooperativos, tanto formais como informais, incluindo alguns tipos novos de redes, notou-se também transformações importantes em tipos de cooperação já existentes, motivadas pelas tecnologias de informação, por exemplo (ver Freeman, 1991). Todas estas mudanças obviamente exigem uma redefinição na análise das razões que levam uma firma a cooperar.

Se critérios de eficiência estática (economia de custos de produção e transação) continuam tendo sua importância, é verdade que em muitos casos a busca pela eficiência dinâmica é o fator preponderante na elaboração de acordos de cooperação no mundo atual. Com isto, uma análise que leve em conta o compartilhamento de aprendizado e capacitações em busca da inovação tecnológica, comuns em acordos cooperativos como alianças estratégicas, distritos industriais e redes de fornecedores (ver Grabher, 1993a), tem que ser considerada na explicação deste fenômeno atualmente.

Entre as diversas visões da firma existentes, a única que apresenta elementos teóricos para explicar este tipo de cooperação, reunindo um já razoável esforço de análise nesta direção, ao levar em conta a crescente exigência de requisitos de capacitação e aprendizado para um agente integrar qualquer rede cooperativa, é a abordagem das Capacitações Dinâmicas.

Tal visão da firma, que a conceitua como um repositório de ativos e capacitações, é na verdade um paradigma de visões convergentes, integrado por pelo menos dois grupos de autores, a partir dos trabalhos pioneiros de Penrose (1959) e Chandler (1992):3 3 No caso de Chandler, é importante ressaltar que suas contribuições pioneiras sobre o assunto estão contidas em obras clássicas como "Scale and Scope" (1990) e "The Visible Hand" (1977). O texto acima apresenta de forma resumida algumas destas idéias.

  • Autores neo-schumpeterianos, como R. Nelson, S. Winter e G. Dosi, que interpretam a presença da firma no mercado sob uma perspectiva evolucionária, a partir dos processos de busca e seleção (ver Nelson e Winter, 1982); e

  • Autores oriundos da visão resource-based da firma, como D. Teece e G. Pisano, visão, por sua vez, tributária do texto clássico de Penrose (1959), que considerava a firma individual uma coleção de recursos (ver Foss, 1993).

A convergência entre as duas visões é grande, com influências de Schumpeter (1943) amplamente reconhecidas por ambos os grupos de autores.4 4 Neste trabalho, dada esta influência, os termos "teoria da firma neo-schumpeteriana", "teoria evolucionista da firma" e "das capacitações dinâmicas" serão tratados como equivalentes. Nelson (1996, p. 119), por exemplo, considera que a visão das capacitações dinâmicas, embebida em uma teoria evolucionária da mudança econômica, ajuda a responder à pergunta por ele considerada a mais importante para uma visão da firma, e que é totalmente esquecida pelas abordagens ortodoxas: por que as firmas diferem?

Estes autores consideram (ver Teece e Pisano, 1994) que os vencedores nos mercados globais têm sido firmas que apresentam inovações, juntamente com a capacitação de gerenciamento para efetivamente coordenar e transferir competências internas e externas, notando que só recentemente os pesquisadores passaram a levar em conta o desenvolvimento de capacitações específicas à firma e a maneira pela qual as competências são renovadas para responder a mudanças no ambiente de negócios. Para esta nova visão da firma, a vantagem competitiva reside nas capacitações dinâmicas enraizadas em rotinas de alta performance operando dentro da firma, inseridas nos seus processos, e condicionadas por sua história.

Considera-se que uma competência/capacitação difícil de copiar ou difícil de imitar pode ser considerada uma competência distintiva. Então, competências e capacitações são ativos especiais porque precisam ser construídos, já que não podem ser comprados. Assim, as capacitações dinâmicas são o subconjunto das competências/capacitações que permitem à firma criar novos produtos e processos, e responder a circunstâncias de mercados em mudança.5 5 Os principais desenvolvimentos teóricos da abordagem das capacitações dinâmicas não serão apresentados aqui. Para mais detalhes, ver Teece e Pisano (1994) e Baptista (1997).

Para esta abordagem da firma, a cooperação interfirmas é vista como uma estratégia que visa à aglutinação e ao desenvolvimento de capacitações/competências complementares, permitindo maiores oportunidades de aprendizado conjunto (dos mais diversos tipos, como learning-by-doing, learning-by-using, learning-by-interacting etc.) e reforçando mutuamente a competitividade dos integrantes do arranjo cooperativo. Esta idéia vem desde o trabalho pioneiro de Richardson (1972) que, influenciado por Penrose (1959), já ressaltava a importância das capacitações em acordos cooperativos.

Outro ponto importante a respeito da abordagem das capacitações é que, como em qualquer análise de cunho schumpeteriano, que procura superar dinamicamente a dicotomia estratégia-estrutura, a análise da cooperação destes autores tem apresentado contribuições no sentido de se entender melhor tal interação. Partindo-se do pressuposto de que cooperação é uma estratégia em busca do sucesso competitivo, esta visão teórica procura entender como as características do mercado específico (trajetória tecnológica e padrão de concorrência, por exemplo) no qual a firma atua podem influenciar suas estratégias.6 6 Vários estudos e tipologias têm surgido com este intuito. É o caso dos trabalhos de Dosi et alii (1992) e Malerba e Orsenigo (1993).

Todas estas características da abordagem das capacitações dinâmicas (e outras que serão detalhadas nas duas próximas seções, como a ênfase na questão do aprendizado) podem ser vistas como comuns aos diversos autores da referida corrente. Mas existem pontos nos quais, mesmo não havendo uma divisão explícita entre os pesquisadores, nota-se uma nítida divergência de interpretação quando se trata da cooperação interfirmas.

Um destes pontos refere-se a certos aspectos da coordenação de arranjos cooperativos, como a distribuição da quase-renda gerada, a questão dos incentivos, da monitoração, os vários tipos de assimetrias existentes (de tamanho, poder, capacitação, informação) etc., que ainda não encontraram tentativas abrangentes de explicação em teorias da firma neo-schumpeterianas de modo geral (ver Brousseau, 1996). Esta corrente teórica, apesar de levar em consideração a importância das instituições para a explicação das economias capitalistas (ver Dosi e Orsenigo, 1988, por exemplo), no caso mais específico da instituição "contratos" ainda precisa de maiores avanços teóricos. Embora alguns autores até analisem questões contratuais (é o caso de Teece, 1988; e Pisano, 1990), não se chega a nada que se aproxime de uma teoria dos contratos. Isto evidentemente prejudica o estudo da eficiência estática de um arranjo cooperativo (da sua possibilidade de economizar custos de transação) e, portanto, de sua capacidade de gerar vantagens competitivas.

É necessário então saber como os diversos autores desta visão da firma se comportam quanto a estas questões. Este trabalho procura explicitar uma certa divisão de tal abordagem em duas vertentes quanto a desenvolvimentos teóricos, partindo da questão da coordenação dos arranjos cooperativos:

  • Uma análise, que chamaremos "Freeman-Lundvall", teoricamente buscando interfaces com abordagens da sociologia, que ressalta a questão do aprendizado sob as mais diferentes formas (enfatizando a questão do "aprendizado por interação", no caso de Lundvall), e que é bastante crítica no que se refere à incorporação de elementos da abordagem dos custos de transação na análise da cooperação.

  • Uma análise, que chamaremos de "Teece-Pisano", que também considera a importância do aprendizado, e que teoricamente ressalta a necessidade de se levar em conta o regime de apropriabilidade dos arranjos cooperativos, procurando destacar a importância dos ativos complementares necessários à apropriação dos frutos do processo inovador. Esta visão é bastante próxima da abordagem dos custos de transação, cujos elementos teóricos são inclusive utilizados na análise da cooperação interfirmas.

Assim, embora nenhuma das duas vertentes tenha uma teoria dos contratos para tratar, de forma detalhada, dos vários aspectos relacionados com a coordenação dos arranjos cooperativos, será mostrado nas duas próximas seções que a segunda visão mencionada pelo menos incorpora alguns elementos contratuais na análise, ao contrário da visão Freeman-Lundvall, bastante crítica deste procedimento teórico. Conforme veremos, isto acaba tendo conseqüências importantes para a explicação da cooperação interfirmas enquanto estratégia competitiva por parte da abordagem das capacitações dinâmicas como um todo.

2. A ABORDAGEM FREEMAN-LUNDVALL7 7 Podem ser incluídos aqui, além dos estudos de Freeman (1991) e Lundvall (1988, 1993), os trabalhos de Foray (1991), DeBresson e Amesse (1991), Saxenian (1991), Grabher (1993a e 1993b), Mansell e Wehn (1998) e do "enfoque sueco sobre redes" (o texto de Hakansson e Johanson, 1993, por exemplo).

Esta abordagem, em termos teóricos, parte do princípio de que o comportamento dos agentes econômicos é afetado pela estrutura de relações sociais nas quais os mesmos estão inseridos, responsáveis pela consolidação de instituições que oferecem suporte para o seu comportamento. Tendo influências claras de elementos teóricos da sociologia (as noções de embeddedness e principalmente de "confiança mútua") a partir de autores como Granovetter (1985), ao mesmo tempo é bastante crítica no que se refere à incorporação de elementos teóricos da abordagem dos custos de transação (ver Williamson, 1985 e 1996) à análise. É este o caso, por exemplo, de Freeman (1991), Grabher (1993a), DeBresson e Amesse (1991) e Lundvall (1988 e 1993).8 8 No caso de Lundvall, no seu texto de 1993, a crítica à abordagem dos custos de transação já fica clara no título do artigo.

Autores como Freeman resumem com propriedade estas características. Segundo este autor, embora o debate sobre o futuro das redes e da concentração industrial deva ser relacionado ao debate em economia teórica sobre mercados, hierarquias e custos de transação, ele considera insatisfatória a dicotomia mercado/hierarquia e recomenda que as redes " não deveriam ser explicadas primariamente em termos de ‘custos’, de transação ou outros, mas deveriam em vez disso ser examinadas em termos de comportamento estratégico, apropriabilidade, complementaridade tecnológica e outros ativos complementares e fatores sociológicos tais como relações interpessoais de confiança, e ética profissional de cooperação. " (Freeman, 1991, p. 512).

A certa rejeição à análise de Williamson (ou minimização de sua importância) que se pode constatar, em muitos casos, é contraposta na análise destes autores à utilização da noção de embeddedness , que se refere ao fato de que a ação econômica e os seus resultados são afetados por relações diádicas dos atores e pela estrutura da rede total das relações (ver Grabher, 1993a). Juntamente com a noção de embeddedness , comportamentos de confiança mútua também são ressaltados e comparados com a abordagem de Williamson. Para DeBresson e Amesse, por exemplo, redes de firmas duráveis envolvem um conjunto de formas de governaça multilaterais, nas quais evoluem a reciprocidade informal e o desenvolvimento de confiança mútua. Segundo estes autores, " a análise dos custos de transação, porém, tem enfocado principalmente o comportamento oportunista e não examinado seu oposto, a confiança, em qualquer grau significativo. " (DeBresson e Amesse, 1991, p. 366).9 9 Porém, conforme veremos, a análise Freeman-Lundvall comete o erro oposto, ao não destacar de form a clara a possibilidade de surgimento de comportamentos oportunistas em relações de cooperação, e, quando surgem, as diferentes formas dos agentes lidarem com eles.

Outra questão importante tratada por esta corrente é a do aprendizado, que em muitos casos acaba sendo o tema central ao qual cooperação deve se referir, principalmente para aqueles autores que centram sua análise na questão do "aprendizado interativo". É o caso de Lundvall, para o qual o aprendizado é predominantemente um processo interativo e socialmente inserido que não pode ser entendido sem se levar em consideração seu contexto institucional e cultural.

Para este autor, o fato de que inovações de produto são freqüentes no mundo real demonstra que muitos mercados reais são "mercados organizados" em vez de mercados puros. (Lundvall, 1988, p. 352). Especialmente em períodos quando oportunidades tecnológicas e as necessidades dos usuários estão em fluxo, o mercado organizado tende a formar um set-up institucional mais atrativo do que o da hierarquia pura. (Lundvall, 1993, p. 56).

O aspecto mais fundamental do mercado organizado é o processo de troca entre usuários e produtores de informação qualitativa. A informação trocada envolve uma mudança na base de conhecimento de ambas as partes e mais corretamente se pode caracterizar tal mudança como um processo de aprendizado interativo que incrementa a capacitação inovadora do produtor e a competência do usuário, caracterizando uma certa "cooperação direta" durante o processo de inovação.

Assim, nos mercados organizados, uma relação hierárquica entre os agentes é insuficiente, e a confiança mútua e códigos mutuamente respeitados de comportamento normalmente serão necessários para se superar a incerteza envolvida. (Lundvall, 1988, p. 352). Aqui a análise de Lundvall aproxima-se da dos autores suecos que tratam de redes (ver Hakansson e Johanson, 1993), que têm como um dos pressupostos básicos o fato de que, ao longo do tempo, os parceiros em redes se envolvem em um processo de troca social que gradualmente constrói a confiança mútua (ver Lundvall, 1993, p. 57).

Apresentadas as principais características da análise Freeman-Lundvall, podemos agora tentar identificar alguns pontos que evidenciam que a mesma apresenta lacunas quando trata da coordenação de arranjos cooperativos. Em primeiro lugar, se partimos, como neste artigo, do pressuposto de que os agentes econômicos atuam num contexto de concorrência capitalista, a abordagem da visão Freeman-Lundvall do comportamento de confiança que surge na relação de cooperação merece vários questionamentos.

Antes de tudo, deve ser dito que a noção de confiança pertence àquele grupo de questões em que são comuns muitas definições, das mais diferentes áreas do conhecimento, daí surgindo um debate muito fragmentado. Assim, enquanto é amplamente sugerido que a confiança desempenha um significativo papel em relações de troca, e muito tem sido escrito sobre isto, pouco tem sido feito para se desenvolver um modelo rigoroso dos mecanismos que sustentam a confiança, e para se construir uma teoria que explique tanto sua presença como sua ausência. (Lyons e Mehta, 1997, p. 239).

Uma abordagem que se revela interessante para os objetivos deste trabalho é a de Lyons e Mehta (1997). Segundo estes autores, confiança é questão de grau, indo da confiança completa até sua total ausência, em que o comportamento oportunista será a regra. Eles analisam o papel da confiança em facilitar relações de troca eficientes quando agentes são vulneráveis ao comportamento oportunista. Dois mecanismos distintos que dão suporte à confiança são abordados:

  • Em primeiro lugar, podemos mencionar a "confiança socialmente orientada", que tem sua raiz no passado ( backward-looking ). O enfoque de sociólogos e antropólogos costuma analisar os mecanismos sociais que, intencionalmente ou inadvertidamente, engendram e sustentam a confiança, e as conseqüências da confiança quando eles são realizados pela comunidade de indivíduos. O reconhecimento de que o comportamento é localizado dentro de uma arena social leva a noção de confiança para uma orientação baseada em normas; as relações sociais são experimentadas em certos modos normativos, ou mutuamente entendidos.10 10 Esta visão da confiança costuma aparecer de forma semelhante na literatura sob a denominação " goodwill trust" (ver Dodgson, 1993b).

  • Além disso, os autores mencionam a "confiança auto-interessada", que é a única fonte de confiança reconhecida na literatura econômica ortodoxa. Para esta visão da confiança, este comportamento precisa ser entendido instrumentalmente, com a teoria dos jogos sendo usada para modelar a interação entre agentes cujos interesses parcialmente conflituam e parcialmente convergem. Onde a confiança surge é porque é cuidadosamente calculada, ou incentivos são criados intencionalmente, em direta resposta à presença de risco comportamental. Os custos e benefícios relativos de ser confiante ou confiável são mensuráveis, e eles são avaliados dentro dos limites da relação de troca. Portanto, a confiança auto-interessada, ao contrário da anterior, é fundamentalmente forward-looking,11 11 Aqui é importante ressaltar que na teoria dos jogos, além da confiança ser forward-looking, os agentes também atuam de forma backward-looking, no caso por meio de reputação (ver Parkhe, 1993). Porém, a reputação difere da confiança socialmente orientada (ou goodwill trust) por ser direcionada para a criação de compromissos críveis, e portanto completamente voltada para o auto-interesse do agente. com agentes sendo confiantes ou confiáveis somente até o ponto em que eles esperam que tal comportamento renda um retorno direto no futuro.12 12 Apesar deste tipo de comportamento ser comumente associado a autores ortodoxos, este artigo parte do princípio de que o mesmo pode ser analisado também num contexto marcado por incerteza forte e complexidade, como ressaltado por autores neo-schumpeterianos. A confiança continuaria relacionada a fatores como a obtenção de compromissos críveis, comuns numa abordagem auto-interessada, mas perderia a "calculatividade" associada à presença de risco.

É importante ressaltar que os autores, ao distinguirem os dois tipos de confiança acima descritos, não propõem que um seja universalmente verdadeiro e o outro não, nem que há lugar para somente um tipo de confiança em cada relacionamento. Eles podem ser usados para reforçar um ao outro, apesar de estarem provavelmente presentes em diferentes combinações de importância relativa. Seria errado propor que eles são igualmente importantes. É possível que um tipo seja dominante em um grupo de firmas e o outro em outros. É também amplamente possível que os mesmos indivíduos venham a agir com confiança socialmente orientada com respeito a um parceiro comercial, mas somente com confiança auto-interessada com respeito a outro. (Lyons e Mehta, 1997, p. 254).

Porém, neste artigo partimos do princípio de que, se num contexto de concorrência (qualquer que seja a visão teórica sobre este conceito, ortodoxa ou heterodoxa) por definição o comportamento dos agentes é predominantemente auto-interessado (relacionado diretamente com a busca de lucratividade), o tipo de confiança que aparecerá mais comumente é a confiança auto-interessada, embora isto não signifique excluir de todo a confiança socialmente orientada. Podemos ilustrar este último tipo de confiança com um exemplo hipotético. Supõe-se que dois irmãos (que nunca brigaram entre si) são proprietários de duas empresas diferentes, e resolvem fazer um arranjo cooperativo entre as duas empresas. A confiança que surgirá entre eles possivelmente será socialmente orientada, da mesma forma que a que surge nas atividades econômicas em sociedades com elevado grau de coesão étnica. Mas seguramente casos como estes são menos comuns num processo de concorrência capitalista. O mais comum é a confiança ser alcançada a partir de algum compromisso crível firmado.

Voltando à análise da visão Freeman-Lundvall, e situando-a na conceituação do comportamento de confiança acima detalhado, o que na verdade acontece é que estes autores, até por causa da reconhecida influência de elementos da sociologia (e ausência de abordagem contratual), possuem uma visão que pode ser enquadrada como predominantemente de "confiança socialmente orientada", pois não destacam que a confiança que surge em acordos de cooperação (em ambientes concorrenciais) pode ser auto-interessada. Isto acaba se refletindo também num tratamento apenas superficial da questão do comportamento oportunista. Vejamos como:

No que se refere à presença da confiança auto-interessada, para Lundvall, por exemplo, se considerações estratégicas fossem a base exclusiva para a construção de confiança, e se os parceiros fossem calcular os custos e benefícios de mais cooperação continuamente, as relações seriam frágeis e extremamente instáveis. Para ele, " confiança não pode ser comprada, e se pudesse, seria de pouco valor. Os custos de transação se manteriam altos porque a necessidade de fazer contratos específicos e formais continuaria a existir ." (Lundvall, 1993, p. 57).13 13 Em outro texto, Lundvall afirma que a incerteza envolvida na relação usuário-produtor é considerável. Isto implica que a "confiabilidade" torna-se um parâmetro decisivo de competição, implicando limites para o comportamento oportunista. Além disso, a troca de informação entre usuário e produtor também envolve incerteza e margem para fraude e comportamento desleal. Outra vez, o abuso pode somente ser restringido se códigos de comportamento e confiança mútua formam um elemento das relações. Segundo o autor, com tais restrições, os custos de transação se tornariam proibitivos e a integração vertical se tornaria um resultado necessário. (Lundvall, 1988, p. 353).

O que este autor não parece levar em conta é que, em relações de cooperação, a confiança mútua pode ser construída aos poucos com o estabelecimento de compromissos críveis sem a necessidade de formalização de contratos e, portanto, sem a necessidade do aumento dos custos de transação. Conforme o trabalho de autores como Parkhe (1993) e Dyer (1997)14 14 Estes autores explicam a cooperação interfirmas a partir da integração teórica entre elementos da abordagem dos custos de transação e da teoria dos jogos (mais precisamente o "dilema do prisioneiro" com repetições). mostra, compromissos criados, por exemplo, a partir do comprometimento mútuo de ativos específicos, permitem o surgimento de confiança (e conseqüentemente menores riscos de oportunismo) com baixos custos de transação, o que se revela uma importante fonte de vantagens competitivas para as empresas do arranjo cooperativo em questão.15 15 Todas estas questões são analisadas em detalhes em Grassi (2004).

Ao mesmo tempo, o tratamento dado ao comportamento oportunista é bastante superficial,16 16 Às vezes tal comportamento nem aparece na análise. No livro editado por Mansell e Wehn (1998), por exemplo, em um dos capítulos é abordada a questão das alianças estratégicas entre empresas, mas no que se refere ao comportamento dos agentes, é feita referência apenas à confiança mútua que surge durante a relação de cooperação. Ao final do volume, olhando-se o índice remissivo, constata-se que nele não aparecem as palavras "oportunismo" e "contrato". pois não são explicadas as causas e como evitar o surgimento de comportamentos oportunistas. Mais uma vez, aparece aqui a completa ausência de uma abordagem contratual e a consideração de que na maioria dos casos os relacionamentos entre os atores dos arranjos tendem a gerar naturalmente, no decorrer da relação, comportamentos de confiança mútua, facilitada ainda mais pela proximidade entre os participantes (ver Saxenian, 1991) e pela longa duração dos arranjos (ver DeBresson e Amesse, 1991, p. 368). Além disso, tais opiniões significam que não é levado em conta de forma clara o caráter radical da incerteza na economia capitalista e a diversidade cognitiva daí decorrente, que em muitos casos é a responsável pela adoção de comportamentos oportunistas.17 17 Uma observação interessante de Pondé em outro contexto vai no mesmo sentido. Criticando Langlois (1992), que afirma que os custos de transação podem diminuir ao longo do tempo com o aprendizado, Pondé sugere que esta visão simplesmente ignora o caráter radical da incerteza e da instabilidade das economias capitalistas, que tornam as instituições apenas modos imperfeitos e precários para enfrentar a emergência de fatos imprevistos (ver Pondé, 1993).

Assim, se autores como Foray (1991) e DeBresson e Amesse (1991) consideram que para os integrantes de um arranjo cooperativo é necessário que os ganhos associados à quase-renda gerada sejam repartidos de maneira a gerar os benefícios que as firmas esperam obter, remetendo tal questão para a discussão sobre os condicionantes da repartição eqüitativa da "quase-renda" gerada, como avançar nesta discussão sem uma abordagem que leve em conta algum tipo de compromisso firmado entre os agentes?18 18 Isto sem falar de outras questões pertinentes a uma abordagem contratual, como as assimetrias de poder, tamanho, informação, capacitação etc., e questões como as do incentivo e monitoração dos parceiros, que têm presença marcante em certos tipos de arranjos cooperativos. Como evitar o surgimento de comportamentos oportunistas, principalmente em alianças estratégicas internacionais, que segundo a literatura sobre o assunto são muito mais voláteis que as redes regionais normalmente analisadas por estes autores? São questões que somente podem ser respondidas adequadamente com o aporte de uma teoria dos contratos à análise.19 19 Que permitirá entender melhor que, mesmo no "aprendizado por interação", os agentes envolvidos (produtores e usuários) estão antes de tudo atuando num processo de concorrência capitalista. E que, provavelmente, mesmo que de forma implícita, podem estar comprometendo algum tipo de ativo específico na relação.

Portanto, dos três tipos de comportamento dos agentes acima mencionados (confiança socialmente orientada, confiança auto-interessada e oportunista), estes autores acabam dando destaque somente àquele que é menos comum em ambientes nos quais os agentes atuam predominantemente com comportamento auto-interessado, ou seja, o comportamento de confiança socialmente orientada. Além desta deficiência, que significa a ausência de uma teoria dos contratos, nota-se também, por conseqüência, uma análise incompleta da eficiência estática, já que a consideração da importância da economia de custos de transação para um arranjo cooperativo fica prejudicada.

Por fim, resta assinalar que estes autores não detalham (embora mencionem) a presença de regimes de apropriabilidade e de ativos complementares nos acordos de cooperação, pelo menos no que se refere à importância destes elementos para as decisões de cooperar ou integrar verticalmente, como no caso dos trabalhos de D. Teece e G. Pisano (que veremos a seguir). Até porque a análise detalhada de tais questões, vitais para o entendimento da cooperação enquanto estratégia competitiva, requereria elementos da teoria dos custos de transação, que a presente abordagem não incorpora.

Por isso, autores como Dodgson (1993a), embora reconhecendo que o enfoque de DeBresson e Amesse (1991) e Freeman (1991) aborda de forma interessante assuntos tecnológicos e a questão da incerteza na análise da colaboração, afirmam que o mesmo na verdade " é vago sobre as razões competitivas para, e resultados da, colaboração. " (Dodgson, 1993a, p. 44). Mais precisamente, ele sofre, particularmente em comparação com o enfoque de autores como Teece e Pisano, em termos de clareza e profundidade da análise dos motivos da colaboração tecnológica. Para Dodgson, "a colaboração tecnológica é um meio para um fim – sobrevivência competitiva de longo prazo, crescimento e lucratividade – e não um fim em si mesmo como muito desta análise implica. " (Dodgson, 1993a, p. 46, grifos meus).20 20 Não era objetivo de Dodgson avançar nesta questão, mas podemos perguntar: tal deficiência não estaria relacionada à ausência de uma abordagem auto-interessada da cooperação? Acreditamos que a resposta é afirmativa se levarmos em conta que agentes que cooperam num contexto de concorrência (qualquer que seja a noção de concorrência) por definição são auto-interessados.

Assim, apesar das importantes contribuições em questões como a do aprendizado, podemos concluir que na abordagem Freeman-Lundvall predominam deficiências no estudo dos mecanismos de coordenação que inviabilizam sua utilização como base teórica para o entendimento da cooperação da abordagem das capacitações dinâmicas. Tais deficiências são de dois tipos básicos: a completa ausência de uma abordagem contratual e, a partir daí, a ausência de elementos teóricos que permitam relacionar a cooperação diretamente com a busca de vantagens competitivas por parte dos agentes no que se refere à questão da economia de custos de transação.

Nesta ausência de uma abordagem contratual, considera-se neste artigo que tais autores acabam criticando Williamson exatamente no ponto em que este autor apresenta importante contribuição teórica. Ou seja, em vez de se referirem a críticas comuns de autores evolucionários à abordagem deste autor, como o pouco destaque dado por Williamson às questões da mudança tecnológica ou do aprendizado, ou mesmo a respeito de como os contratos evoluem ao longo do tempo, ele é criticado exatamente pelo fato de ter uma abordagem contratual (e portanto auto-interessada), que pode iluminar questões importantes a respeito da coordenação de arranjos cooperativos.

3. A ABORDAGEM TEECE-PISANO21 21 Podem ser incluídas nesta abordagem os textos de Teece (1986, 1988, 1992), Pisano (1990), Teece e Pisano (1994), Jorde e Teece (1992), Hobday (1994) e os autores que dividem com Teece a abordagem da "coerência corporativa". (Dosi et alii, 1992).

Neste enfoque, considera-se que a firma dispensa a organização de mercado porque dentro das firmas se podem organizar certos tipos de atividades econômicas em formas nas quais não se pode usar os mercados. Isso não é somente por causa de custos de transação, como Williamson tem enfatizado, mas também porque existem muitos tipos de arranjos em que injetar incentivos de mercado poderia ser destrutivo para as atividades cooperativas e o aprendizado (ver Teece e Pisano, 1994, p. 539-40).

Como no enfoque de Freeman e Lundvall, parte-se do princípio de que o conceito de capacitações dinâmicas como um processo coordenativo de gerenciamento abre a porta para o potencial do aprendizado interorganizacional. Assim, colaborações e parcerias podem ser veículos para novo aprendizado organizacional, ajudando as firmas a reconhecer rotinas disfuncionais, e prevenindo a "cegueira estratégica". (Teece e Pisano, 1994, p. 544-5).22 22 Para estes autores, um importante aspecto da inovação é que ela requer uma articulação intensa entre o criador da nova tecnologia e o usuário (ver Teece, 1988 e 1992; e Jorde e Teece, 1992). É importante ressaltar, porém, que tal relação aqui não merece o destaque a ela dado por Lundvall (1988, 1993).

Mas esta análise vai além da questão do aprendizado. Teece e outros autores próximos destacam a importância dos regimes de apropriabilidade e dos ativos complementares, relacionadas com os possíveis ganhos da inovação que uma atividade cooperativa pode gerar, e com isso, ao mesmo tempo que proporcionam uma abordagem da cooperação mais voltada para a busca do sucesso competitivo, revelam uma visão pelo menos compatível com uma abordagem contratual, que são duas contribuições importantes em relação à visão exposta na seção anterior.

A idéia básica destes autores é que a inovação, para ter seu potencial de ganhos realizado, precisa de outros ativos ou capacitações, denominados de ativos complementares. Tais ativos podem ser genéricos, especializados e co-especializados. (Teece, 1986). Ativos genéricos são os de propósito geral que não necessitam ser adaptados para a inovação em questão. Ativos especializados (ou específicos) são aqueles para os quais há dependência unilateral entre a inovação e o ativo complementar. Ativos co-especializados, por sua vez, são aqueles para os quais há uma dependência bilateral. (Teece, 1986, p. 289).

Assim, ativos complementares genéricos tendem a ser desincorporados e codificados e então são fáceis de se transferir. Mas os ativos específicos, por outro lado, incluem sistemas altamente diferenciados e ativos e habilidades específicos à firma, que não podem ser facilmente acessados por contrato, pois ativos e capacitações específicos são tipicamente inseridos na organização e por isso são de reduzido valor em um contexto organizacional diferente. Ou seja, são difíceis de copiar (ver Teece, 1986, p. 291-2; e Jorde e Teece, 1992, p. 53).

A análise acima indica como o acesso a ativos complementares é critico se o inovador está interessado em evitar que a parte mais considerável dos lucros seja apropriada por imitadores, e/ou por possuidores dos ativos complementares que são especializados ou co-especializados para a inovação. (Teece, 1986, p. 292). Assim, uma vantagem competitiva da firma em pesquisa não necessariamente coincide com uma vantagem em ativos complementares relevantes, e a performance "de especialista" dos parceiros contratuais do inovador em certas atividades-chave complementares para atividades facilmente imitáveis é freqüentemente essencial se o inovador deseja capturar uma considerável porção dos lucros que a inovação gera. (Jorde e Teece, 1992, p. 53).

Com isso, a firma está sempre diante deste dilema, típico de uma abordagem contratual, entre "fazer internamente" ou contratar no mercado ( make-or-buy ). Se a inovação não é fortemente protegida, assegurar o controle de capacidades complementares é provavelmente a chave do sucesso. Por outro lado, contratar, em vez de integrar, é provavelmente a estratégia ótima quando o regime de apropriabilidade dos inovadores é alto e os ativos complementares são avaliáveis em oferta competitiva.

Sobre qual a forma de governança a ser escolhida, a abordagem de Teece parte da relutância verificada historicamente por parte das empresas inovadoras em contar com facilidades da pesquisa externa para obter novos produtos e processos via mercado. (Teece, 1988, p. 256). Neste sentido, constata-se que quando a atividade contratada pode render conhecimentos para a outra parte que são estratégicos, a firma preferirá integrar verticalmente. Então, por que a crescente integração com outras empresas na área de pesquisa em P&D nas últimas décadas?

Aqui é importante lembrar que Teece está entre aqueles autores que sugerem como pista principal para se pensar esta questão o fato de que, em mudanças de regime tecnológico, a colaboração é comum. Quando há tal mudança, e a mesma faz com que o locus institucional da inovação passe a residir externamente à firma incumbente e o novo conhecimento em questão é proprietário e difícil de copiar, então a oportunidade para licenciar e outras formas de colaboração tornam-se manifestas. É o caso da biotecnologia, por exemplo. (Teece, 1988, p. 276).

Mas Teece ressalta que com a evolução da indústria da biotecnologia espera-se que as novas firmas tomarão a forma de uma estrutura de governança mais clássica, ou seja, da integração vertical (ver Teece, 1988, p. 276). Generalizando o argumento para a indústria como um todo, segundo o autor, as últimas décadas têm certamente exibido importantes mudanças no modo como a pesquisa é organizada, mas mesmo as novas empresas parecem rapidamente adotar estruturas que evitam o contrato de pesquisa, exceto em estágios muito iniciais do desenvolvimento industrial. (Teece, 1988, p. 277).

Assim, podemos considerar que Teece está entre aqueles autores que partem do princípio de que o boom recente de acordos de cooperação pode ser passageiro, já que é reflexo de uma mudança tecnológica. Esta visão, como se pode notar na resenha de Freeman (1991) sobre o assunto, contrasta com a de autores que chegam a considerar a cooperação como sendo uma forma organizacional de grande importância no novo paradigma tecno-econômico. Mas o que nos interessa aqui não é esta polêmica, que somente a evolução histórica poderá esclarecer, e sim a visão de Teece e de autores próximos a ele acerca da cooperação como uma forma de governança em busca da competitividade, mas sujeita a fatores como o regime de apropriabilidade e a presença de ativos complementares, que influenciam a tomada de decisão por parte das empresas no sentido de cooperar ou não. Este tipo de decisão, em qualquer época, sempre será relevante para a estratégia das empresas, e portanto para a análise teórica.

Todas estas idéias desenvolvidas pela abordagem de Teece e de autores próximos têm sido testadas empiricamente nos trabalhos de pesquisadores como G. Pisano. Em seu texto de 1990, por exemplo, este autor examina de que maneira fontes de custos de transação, como riscos de "barganha de pequenos números" e considerações sobre apropriabilidade, podem afetar as escolhas de firmas estabelecidas entre fontes internas e externas de P&D quando mudanças tecnológicas alteram o locus da especialização em P&D das firmas estabelecidas para as entrantes, e as empresas estabelecidas têm que enfrentar uma decisão de make-or-buy para projetos em P&D. Utilizando dados sobre projetos de P&D em biotecnologia que grandes companhias farmacêuticas têm realizado, os resultados do estudo de Pisano sugerem que problemas de barganha de pequenos números motivam as firmas a internalizar o P&D, confirmando aspectos importantes da análise vista acima (ver Pisano, 1990).

Portanto, neste exemplo fica claro que a abordagem Teece-Pisano procura analisar firmas que buscam a inovação, e principalmente como assegurar a obtenção dos eventuais frutos deste processo inovador, ao integrar na análise elementos teóricos como a influência do regime de apropriabilidade do setor. Com isto, ao mesmo tempo é levada em conta a questão da economia de custos de transação, refletindo-se na análise contratual que de alguma forma está presente nesta abordagem. É verdade, porém, que esta presença é incompleta, pois não se avança em requisitos importantes a respeito de uma teoria dos contratos,23 23 O máximo que Teece avança aqui é na distinção entre contratos em termos de custos e contratos a preço fixo (ver Teece, 1988). entre eles uma visão sobre o comportamento dos agentes. Considerações sobre o comportamento de confiança, por exemplo, nem aparecem na análise.

Assim, resumindo o que foi visto até aqui (e tomando por base o esquema teórico definido na seção 1 para a análise da cooperação, a partir de requisitos de eficiência e coordenação), podemos constatar como uma limitação da abordagem Teece-Pisano o fato de esta não aprofundar a questão dos contratos rumo a uma abordagem contratual. Mas, por outro lado, se não desenvolve este tipo de análise, pelo menos o enfoque destes autores mostra-se inteiramente compatível com a abordagem de Williamson, que inclusive é utilizada em alguns aspectos, como nas considerações sobre economia de custos de transação e sobre o oportunismo (na análise das decisões make-or-buy ). Neste ponto ela é mais completa do que a análise Freeman-Lundvall, mas, como visto, avança também pelo fato de não centrar sua abordagem somente em questões como as do aprendizado e do conhecimento, mas também por mostrar-se mais adaptada para uma análise a partir de requisitos de concorrência (regime de apropriabilidade etc.).

Por fim, uma outra ilustração empírica, tendo por base as empresas de informática do Vale do Silício, pode indicar a maior abrangência da análise Teece-Pisano em relação à análise Freeman-Lundvall na análise da coordenação de arranjos cooperativos. Assim, passamos a um breve confronto entre as abordagens de Saxenian (1991), que por suas características se encaixa no enfoque Freeman-Lundvall, e a de Hobday (1994), analisada como sendo do enfoque Teece-Pisano.

Segundo Saxenian, as firmas de sistemas de computador no Vale do Silício têm respondido aos custos crescentes de desenvolvimento de produto, ciclos de produto mais curtos e mudança tecnológica rápida construindo parcerias com fornecedores, dentro e fora da região. Considera-se que as redes interfirmas são importantes para o sustentado dinamismo tecnológico do Vale do Silício, após aquela região passar por uma crise nos anos 1980. (Saxenian, 1991, p. 423).

Segundo a autora, as firmas do Vale do Silício estão rejeitando o modelo verticalmente integrado de produção de computadores que dominou o período pós-guerra, ao optarem por uma redefinição das relações de fornecimento entre firmas de computadores da região e seus vendedores. A criação de parcerias de longo prazo e baseadas na confiança está "embaçando" os limites entre firmas interdependentes, mas autônomas, na região. Uma rede de longo prazo, com alianças baseadas na confiança entre fornecedores inovadores representa, segundo a autora, uma fonte de vantagem para um produtor de sistemas que é difícil para um competidor copiar. (Saxenian, 1991, p. 430).

Por outro lado, Hobday argumenta que a rede do Vale do Silício é incapaz de realizar os principais ganhos de suas inovações. Embora tal rede dinâmica possa ser apropriada para os primeiros estágios do ciclo de vida do produto, ela não possui os necessários ativos complementares para assegurar os lucros gerados durante os estágios de crescimento e maturidade. A rede necessita das capacitações do processo intensivo em escala, dos distribuidores de marketing globais e dos grandes recursos financeiros necessários para capturar os resultados das inovações de mercado de massa. Estes ativos, porém, tendem a ser localizados em corporações amplamente integradas. (Hobday, 1994, p. 231).

Assim, falta à rede do Vale do Silício a presença de ativos complementares. Estes estão presentes em firmas "chandlerianas" de porte elevado. Isto inclusive explica por que os EUA perderam participação de mercado para o Japão (por meio de seus keiretsus ) durante os anos 1980, apesar do boom no Vale do Silício. Segundo o autor, somente em 1991 os EUA retomariam a liderança. Como conclusão, ele sugere que os eventos recentes têm mais a ver com o ressurgimento de grandes corporações americanas, tais como Intel e AMD, do que com as redes mencionadas. (Hobday, 1994, p. 232).

Do exemplo acima Hobday também considera que tipos de cooperação como as alianças estratégicas são uma forma de colaboração com um enfoque mais definido, e assim preferível pelas grandes corporações, quando comparado com as redes dinâmicas. Considera-se que a própria distribuição de competências nucleares dentro de uma rede dinâmica multifirma exporia uma grande firma ao comportamento predatório da parte de outras grandes firmas. (Hobday, 1994, p. 240). Assim, onde a competitividade depende de investimentos financeiros cumulativos de longo prazo, tecnologia de processo e marketing global, a rede dinâmica será provavelmente inferior à firma amplamente integrada. Segundo o autor, enquanto tal rede pode ter alguns méritos, há pouca esperança de ela vir a formar a base do sucesso no setor de semicondutores ou em muitas outras indústrias globais de larga escala. (Hobday, 1994, p. 241).

Da comparação entre as duas abordagens podemos concluir, mesmo sem entrar na discussão sobre qual delas retrata mais fielmente o Vale do Silício – que não é o objetivo do presente trabalho –, que a abordagem de Hobday incorpora mais elementos teóricos que a de Saxenian, principalmente aqueles que permitem uma avaliação do processo de concorrência no setor estudado (neste caso a questão do ciclo de vida do produto, dos ativos complementares, a consideração da "firma chandleriana", dos seus investimentos financeiros e em marketing etc.), permitindo com isso uma análise mais criteriosa do mesmo.

CONCLUSÃO

Na análise da coordenação de arranjos cooperativos, é ponto pacífico que qualquer autor, seja qual for sua orientação teórica, considera que para o sucesso de um acordo de cooperação é necessário o desenvolvimento de confiança entre seus participantes (e a conseqüente redução do risco de surgimento de comportamentos oportunistas). A questão teórica nesta discussão é: como surge esta confiança? Conforme visto a partir do trabalho de Lyons e Mehta (1997), os diferentes autores costumam reconhecer tanto componentes socialmente orientados como auto-interessados no surgimento da confiança entre os integrantes de um arranjo. O problema então é identificar qual destes tipos de fatores predomina nos acordos de cooperação.

Neste artigo, como visto, parte-se do princípio de que os componentes auto-interessados predominam, sem negar a importância dos fatores socialmente orientados em certas situações. Isto porque supomos a cooperação como uma estratégia da firma individual em busca de vantagem competitiva e, portanto, de maiores níveis de rendimento, o que significa que os agentes possuem um interesse particular na relação a ser levado em conta, que por sua vez é resguardado por meio de contratos, explícitos ou implícitos.

Considerando tal suposto, podemos concluir que a análise Freeman-Lundvall é incompleta para o estudo da cooperação, por levar em conta na análise apenas os casos considerados aqui menos freqüentes. Assim, neste texto a confiança socialmente orientada aparece como o caso menos comum, sendo uma fonte de baixos custos de transação, mas apenas em situações consideradas especiais no ambiente concorrencial das economias capitalistas. Ou seja, em acordos nos quais não precisa haver o estabelecimento de compromissos críveis entre os agentes para ocorrer o surgimento da confiança, dada a presença de certos aspectos sociais e culturais.

Por outro lado, a análise Teece-Pisano, além de levar em conta importantes requisitos concorrenciais (como os esforços para se assegurar a obtenção dos eventuais frutos do processo inovador) que a análise Freeman-Lundvall não considera (ou considera de forma superficial), ao mesmo tempo é compatível com uma análise contratual (como nas considerações sobre custos de transação, oportunismo e decisões make-or-buy ), revelando-se pelo menos implicitamente auto-interessada (no caso da visão Freeman-Lundvall, sua incompatibilidade com a análise contratual é atestada pela sua visão socialmente orientada do comportamento de confiança).

Por isso, apesar de não ter uma teoria dos contratos completa, a visão Teece-Pisano é também compatível com abordagens contratuais nas quais a confiança aparece como resultado do estabelecimento de compromissos críveis, sendo predominantemente auto-interessada, como no caso das análises de Parkhe (1993) e Dyer (1997). Nestas, fica claro que este tipo de confiança, na presença de algum compromisso crível, pode também gerar baixos custos de transação e conseqüentemente maiores chances de criação de vantagem competitiva para os integrantes de um arranjo cooperativo.

Portanto, por causa desta maior abrangência teórica, a visão Teece-Pisano deve ser vista como a base da abordagem das capacitações dinâmicas nos estudos sobre cooperação interfirmas, já que em termos de coordenação de arranjos cooperativos permite a análise dos casos mais freqüentes no relacionamento entre as firmas num ambiente de concorrência capitalista. Mas esta base pode ser ampliada a partir de contribuições da visão Freeman-Lundvall (a noção de aprendizado por interação, por exemplo), desde que inseridas com clareza numa análise que ressalte o processo de concorrência no qual aquela relação cooperativa ocorre. Com isso, e tomando por base o esquema teórico da seção 1, podemos concluir que a abordagem das capacitações dinâmicas da firma, a partir da visão Teece-Pisano, explica a cooperação interfirmas da seguinte forma:

Supõe-se agentes que cooperam procurando obter capacitações e competências por meio de complexos processos de aprendizado (dos mais variados tipos, como o por interação), com o objetivo final de inovar naquela indústria particular e transformar a estrutura de mercado a seu favor. Porém, para uma maior chance de apropriação dos frutos da inovação é necessário o investimento em ativos complementares. Além disto, as estratégias das firmas são influenciadas pelas características particulares do mercado em que atuam, notadamente o padrão de concorrência setorial e a trajetória tecnológica (devendo-se levar em conta todas as suas características, como o regime de apropriabilidade, por exemplo), que por sua vez influenciam os resultados da inovação e conseqüentemente a possibilidade do arranjo cooperativo em questão obter vantagens competitivas (ou ampliar as existentes). Por fim, é importante ressaltar que o sucesso da cooperação depende também do nível de confiança (suposta como sendo predominantemente auto-interessada) entre os agentes durante este processo. Isso tudo é representado no Quadro 1.


Porém, no nível teórico fica faltando ainda a incorporação explícita de uma abordagem contratual na análise. Conforme visto, aspectos importantes da coordenação de arranjos cooperativos ainda não encontraram tentativas abrangentes de explicação em teorias da firma neo-schumpeterianas de modo geral. Assim, interações com as abordagens contratuais de autores como Williamson (1985 e 1996), Parkhe (1993) e Dyer (1997) sem dúvida são úteis nesta tarefa de aprimoramento do estudo da coordenação de arranjos cooperativos da abordagem das capacitações dinâmicas, a partir do enfoque Teece-Pisano.

(Recebido em outubro de 2004. Aceito para publicação em fevereiro de 2006).

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  • Pondé, J. L. Coordenação e aprendizado : elementos para uma teoria das inovações institucionais nas firmas e nos mercados. 1993. Dissertação (Mestrado), IE/UNICAMP, Campinas.
  • Richardson, G. The organisation of industry. The Economic Journal , v. 82, set. 1972.
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  • _______. Technological change and the nature of the firm. In : Dosi, G. et al., Technical change and economic theory. London: Pinter Publishers, 1988.
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  • Williamson, O. E. The economic institutions of capitalism. New York: The Free Press, 1985.
  • _______. Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives. In : Mechanisms of governance. Oxford University Press, 1996.
  • *
    Agradeço os comentários de um parecerista anônimo. Quaisquer incorreções remanescentes são de minha inteira responsabilidade.
  • **
    Endereço para contato: Rua João Nunes Coelho, 53/ap. 102 - Ed. Solar di Venezza - Mata da Praia - Vitória - ES - CEP: 29065-490. Tel: (0 XX 27) 3325-6270.
  • 1
    De certa forma, aqui estamos tomando por base o trabalho de Jarillo (1988), que, partindo do princípio de que "redes estratégicas" permitem a firmas que as integram ganhar ou sustentar vantagem competitiva ante seus competidores fora da rede, divide as questões principais sobre cooperação nestes dois grupos, embora com nomes e definições diferentes.
  • 2
    Neste texto, apenas por razões de simplificação da análise, nos dedicaremos somente à inovação tecnológica.
  • 3
    No caso de Chandler, é importante ressaltar que suas contribuições pioneiras sobre o assunto estão contidas em obras clássicas como "Scale and Scope" (1990) e "The Visible Hand" (1977). O texto acima apresenta de forma resumida algumas destas idéias.
  • 4
    Neste trabalho, dada esta influência, os termos "teoria da firma neo-schumpeteriana", "teoria evolucionista da firma" e "das capacitações dinâmicas" serão tratados como equivalentes.
  • 5
    Os principais desenvolvimentos teóricos da abordagem das capacitações dinâmicas não serão apresentados aqui. Para mais detalhes, ver Teece e Pisano (1994) e Baptista (1997).
  • 6
    Vários estudos e tipologias têm surgido com este intuito. É o caso dos trabalhos de Dosi
    et alii (1992) e Malerba e Orsenigo (1993).
  • 7
    Podem ser incluídos aqui, além dos estudos de Freeman (1991) e Lundvall (1988, 1993), os trabalhos de Foray (1991), DeBresson e Amesse (1991), Saxenian (1991), Grabher (1993a e 1993b), Mansell e Wehn (1998) e do "enfoque sueco sobre redes" (o texto de Hakansson e Johanson, 1993, por exemplo).
  • 8
    No caso de Lundvall, no seu texto de 1993, a crítica à abordagem dos custos de transação já fica clara no título do artigo.
  • 9
    Porém, conforme veremos, a análise Freeman-Lundvall comete o erro oposto, ao não destacar de form a clara a possibilidade de surgimento de comportamentos oportunistas em relações de cooperação, e, quando surgem, as diferentes formas dos agentes lidarem com eles.
  • 10
    Esta visão da confiança costuma aparecer de forma semelhante na literatura sob a denominação "
    goodwill trust" (ver Dodgson, 1993b).
  • 11
    Aqui é importante ressaltar que na teoria dos jogos, além da confiança ser
    forward-looking, os agentes também atuam de forma
    backward-looking, no caso por meio de reputação (ver Parkhe, 1993). Porém, a reputação difere da confiança socialmente orientada (ou
    goodwill trust) por ser direcionada para a criação de compromissos críveis, e portanto completamente voltada para o auto-interesse do agente.
  • 12
    Apesar deste tipo de comportamento ser comumente associado a autores ortodoxos, este artigo parte do princípio de que o mesmo pode ser analisado também num contexto marcado por incerteza forte e complexidade, como ressaltado por autores neo-schumpeterianos. A confiança continuaria relacionada a fatores como a obtenção de compromissos críveis, comuns numa abordagem auto-interessada, mas perderia a "calculatividade" associada à presença de risco.
  • 13
    Em outro texto, Lundvall afirma que a incerteza envolvida na relação usuário-produtor é considerável. Isto implica que a "confiabilidade" torna-se um parâmetro decisivo de competição, implicando limites para o comportamento oportunista. Além disso, a troca de informação entre usuário e produtor também envolve incerteza e margem para fraude e comportamento desleal. Outra vez, o abuso pode somente ser restringido se códigos de comportamento e confiança mútua formam um elemento das relações. Segundo o autor, com tais restrições, os custos de transação se tornariam proibitivos e a integração vertical se tornaria um resultado necessário. (Lundvall, 1988, p. 353).
  • 14
    Estes autores explicam a cooperação interfirmas a partir da integração teórica entre elementos da abordagem dos custos de transação e da teoria dos jogos (mais precisamente o "dilema do prisioneiro" com repetições).
  • 15
    Todas estas questões são analisadas em detalhes em Grassi (2004).
  • 16
    Às vezes tal comportamento nem aparece na análise. No livro editado por Mansell e Wehn (1998), por exemplo, em um dos capítulos é abordada a questão das alianças estratégicas entre empresas, mas no que se refere ao comportamento dos agentes, é feita referência apenas à confiança mútua que surge durante a relação de cooperação. Ao final do volume, olhando-se o índice remissivo, constata-se que nele não aparecem as palavras "oportunismo" e "contrato".
  • 17
    Uma observação interessante de Pondé em outro contexto vai no mesmo sentido. Criticando Langlois (1992), que afirma que os custos de transação podem diminuir ao longo do tempo com o aprendizado, Pondé sugere que esta visão simplesmente ignora o caráter radical da incerteza e da instabilidade das economias capitalistas, que tornam as instituições apenas modos imperfeitos e precários para enfrentar a emergência de fatos imprevistos (ver Pondé, 1993).
  • 18
    Isto sem falar de outras questões pertinentes a uma abordagem contratual, como as assimetrias de poder, tamanho, informação, capacitação etc., e questões como as do incentivo e monitoração dos parceiros, que têm presença marcante em certos tipos de arranjos cooperativos.
  • 19
    Que permitirá entender melhor que, mesmo no "aprendizado por interação", os agentes envolvidos (produtores e usuários) estão antes de tudo atuando num processo de concorrência capitalista. E que, provavelmente, mesmo que de forma implícita, podem estar comprometendo algum tipo de ativo específico na relação.
  • 20
    Não era objetivo de Dodgson avançar nesta questão, mas podemos perguntar: tal deficiência não estaria relacionada à ausência de uma abordagem auto-interessada da cooperação? Acreditamos que a resposta é afirmativa se levarmos em conta que agentes que cooperam num contexto de concorrência (qualquer que seja a noção de concorrência) por definição são auto-interessados.
  • 21
    Podem ser incluídas nesta abordagem os textos de Teece (1986, 1988, 1992), Pisano (1990), Teece e Pisano (1994), Jorde e Teece (1992), Hobday (1994) e os autores que dividem com Teece a abordagem da "coerência corporativa". (Dosi
    et alii, 1992).
  • 22
    Para estes autores, um importante aspecto da inovação é que ela requer uma articulação intensa entre o criador da nova tecnologia e o usuário (ver Teece, 1988 e 1992; e Jorde e Teece, 1992). É importante ressaltar, porém, que tal relação aqui não merece o destaque a ela dado por Lundvall (1988, 1993).
  • 23
    O máximo que Teece avança aqui é na distinção entre contratos em termos de custos e contratos a preço fixo (ver Teece, 1988).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      Fev 2006
    • Recebido
      Out 2004
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