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O trabalhador nacional-temporário na formação do mercado de trabalho paulista Resenha do livro: TESSARI, Cláudia Alessandra. Braços para colheita: sazonalidade e permanência do trabalho temporário na agricultura paulista (1890-1915). São Paulo: Alameda Editorial, 2012.

TESSARI, Cláudia Alessandra. Braços para colheita: sazonalidade e permanência do trabalho temporário na agricultura paulista (1890-1915). São Paulo: Alameda Editorial, 2012

O livro de Cláudia Alessandra Tessari, Braços para colheita: sazonalidade e permanência do trabalho temporário na agricultura paulista (1890-1915), publicado em 2012, propõe-se a encarar, corajosamente, certa área cinzenta recorrente nos estudos acerca da formação do mercado de trabalho em São Paulo. Para tanto, procura rearranjar parte da história desse importante e abrangente tema direcionando seus esforços, por meio de meticulosa pesquisa, para a análise do trabalhador nacional-temporário, seja dentro do sistema de colonato, seja em associação com ele. Faz isso mantendo sempre no horizonte a necessidade de flexibilização da absorção de mão de obra infligida pelas exigências sazonais, as quais perpassam o cultivo dos principais gêneros agrícolas do Oeste

Ao empreender este movimento, desconstrói mitos e edifícios sólidos – tal como a tese de que os trabalhadores nacionais eram vadios, inaptos, desinteressados e, em última instância, dispensáveis; ocupando apenas um lugar marginal ou residual no mercado de trabalho em razão de variáveis sócio e psico-comportamentais, além dos obstáculos físicos-territoriais ao seu recrutamento – que sombreavam a apreensão de aspectos relevantes sem os quais não podemos abarcar, propriamente, o fadário da transição entre a quase total rigidez do trabalho, durante a escravidão, e uma configuração permeada por maior flexibilidade, conformada pela associação entre colonato e trabalho temporário sazonal, responsável por permitir melhores condições para os fazendeiros incorporarem, em momentos particulares, os braços necessários ao eito. Desta perspectiva, o trabalhador nacional-temporário não desempenhou papel marginal na dinâmica econômica. A avaliação de sua relevância não deve ser cotejada com base apenas na comparação entre a sua contribuição e a dos demais agentes envolvidos no processo de produção. O seu significado deve ser observado, isto sim, por meio do papel que teve como excedente de mão de obra barata e disponível.

Resgatando a linha de continuidade e ruptura interpretativa que marca a história da formação do mercado de trabalho paulista, Cláudia Tessari traz a evidência de esta maior flexibilidade ter se traduzido em aumento da rentabilidade das unidades produtivas, desoneração do fazendeiro do pagamento da mão de obra nos momentos de não trabalho na produção comercial, gerando a possibilidade de rebaixamento do preço da mão de obra e entendimento de que o progresso técnico não fosse conveniente apenas nos momentos de maior demanda de trabalho. Resumidamente: o crescimento da elasticidade da mão de obra permitiu ao capital maior maleabilidade na aplicação dos fatores de produção e, portanto, maior racionalidade na administração dos seus custos.

O 'resgate' dos trabalhadores nacionais-temporários, "homens esquecidos" nas histórias que perscrutaram a passagem do XIX para XX, foi feito por meio de certo recorte temporal e espacial arguto. O marco cronológico estabelecido para esta pesquisa se estende de 1890 a 1915. Este foi eleito, por um lado, em virtude da abolição da escravidão, mudança do regime político, expansão dos cafeeiros e estradas de ferro e da grande imigração estrangeira em massa subsidiada pelo Estado de São Paulo; e, por outro, em decorrência da primeira Guerra Mundial e consequente diminuição da imigração para o Brasil. Além disso, segundo Tessari, foi a partir desse ano que os fazendeiros paulistas e seus porta-vozes deram início a um processo de revalorização do trabalhador nacional-temporário, com o fito de corroborar o seu uso mais sistemático na lavoura e nos centros urbanos. Com relação ao recorte espacial, a autora escolheu, como lócus privilegiado, dois importantes municípios do Oeste Velho Paulista: Itu e Piracicaba. Esses municípios foram escolhidos em virtude de certas características que dificultavam o uso de mão de obra colona, quais fossem: policultura, alta densidade populacional, cafeeiros menos produtivos e menor capacidade de atração da corrente imigratória. Conforme a autora, esta delimitação espacial também se justifica pelo fato de estes municípios, sobretudo Itu e região, preservarem importante acervo documental, praticamente não utilizado para o estudo da formação do mercado de trabalho no âmbito da 'locomotiva do país'.

O núcleo de documentos compulsado por Tessari é constituído, principalmente, por duas frentes: (i) anúncios de jornais dos municípios mencionados, buscando trabalhadores temporários, apontando o tipo de trabalhador necessário e as formas que o ajuste dos afazeres poderia tomar; (ii) documentação de cunho mais geral, como os Relatórios da Secretaria da Agricultura, Almanaques, Revistas e Boletins agrícolas. Assim sendo, além dos anúncios, Braços para Colheita é pautado, em grande medida, por documentos já pesquisados por diversos outros autores que se debruçaram sobre o tema da formação do mercado de trabalho paulista. Porém, é importante notarmos, a utilização destes documentos foi motivada por uma questão até então pouco explorada: as exigências sazonais de trabalho na agricultura e seus reflexos na formação daquele mercado de trabalho.2 2 Verena Stolcke & Michael Hall e Brasílio Sallum Jr. são exceções. Os primeiros, mesmo sem explorar detidamente a relação sazonalidade-trabalho temporário, apresentam o colonato como um sistema que satisfazia a dinâmica sazonal do café, pois permitia a manutenção de um exército de reserva (famílias dos colonos) para as épocas de colheita. Sallum Jr., por sua vez, relacionou a permissão dada ao colono e sua família ao cultivo intercalar de alimentos como uma forma de contornar um dos problemas gerados ao capital pela sazonalidade da cultura cafeeira: a garantia da subsistência do colono e do exército de reserva residente no interior da fazenda. (Tessari, 2012: 27-28). A lacuna na bibliografia (sazonalidade –trabalhador nacional-temporário) veio a ser parcialmente preenchida por: Moura, 1998 e Lamounier, 2000.

Tessari, a partir da leitura dos núcleos documentais indicados e de grande parte da bibliografia pertinente, estruturou o seu livro em cinco capítulos, além da introdução e das considerações finais, titulados respectivamente: (i) O trabalhador nacional e as mudanças; (ii) As exigências sazonais de mão de obra na agricultura paulista; (iii) Nem escasso, nem vadio, nem instável. Apenas temporário; (iv) A permanência do trabalho temporário e; (v) Precisa-se de braços fixos ou nômades para as colheitas. As partes são, por sua vez, subdivididas em tópicos dedicados a temas mais específicos.

Os capítulos I e III evidenciam, a partir da análise de parte da bibliografia que aborda aspectos relevantes para o livro ora resenhado, o fato de o trabalhador nacional, por estar dedicado principalmente às ocupações temporárias, ter tido importante papel na estruturação da atividade econômica, não participando, assim, de forma meramente marginal ou residual como já afirmado muitas vezes.

No capítulo II, Tessari estuda as exigências sazonais de trabalho na agricultura paulista. Aí, procura mostrar que a demanda por trabalho no mundo rural paulista era extremamente inconstante e sazonal, gerando necessidade de se contar periodicamente com o trabalho temporário na composição do trabalho total.

No penúltimo capítulo do livro, a autora discute por que e como o trabalho temporário era estruturante da atividade produtiva, permitindo a flexibilidade requerida por uma atividade cujas quantidades de trabalho necessário variavam fortemente ao longo do processo de produção.

Por fim, no capítulo final, há a resposta da seguinte questão: se o trabalhador nacional-temporário era tão importante, por que ainda não havia se tornado predominante?

Como se vê, Braços para a Colheita é uma importante contribuição para a compreensão dos meandros da transição do trabalho escravo para o livre, na grande lavoura. Este livro ilustra, de maneira eloquente, como as exigências sazonais de mão de obra permitem apreendermos a importância do trabalho temporário para a estruturação da agricultura de São Paulo, e, a partir daí, a importância do trabalhador nacional, obreiro temporário por excelência. Ao fazer isso, contribui para preencher relevante lacuna existente na bibliografia sobre a força de trabalho da lavoura paulista, cuja parte mais tradicional costuma atribuir à mão de obra nacional, ex-escrava ou não, papel marginal; e a que se dedica a estudar o fenômeno do trabalho volante, só considera o trabalho temporário como estruturante da atividade econômica rural da década de 1960 em diante.

Por fim, do nosso ponto de vista, a obra silencia apenas quanto às observações realizadas, outrora, por Affonso d'Escragnoble Taunay, ao longo da sua extraordinária História do Café no Brasil. No trabalho desse autor, encontramos informações relevantes atinentes à coexistência de trabalhadores nacionais e imigrantes, no bojo da mesma propriedade e relatos que evidenciam casos em que os af(azeres eram, em sua totalidade, realizados por caboclos.3 3 Cf. Taunay, Affonso d'Escragnoble, História do Café no Brasil. Vol. VIII, Págs. 116, 179 a 181 (por exemplo). Rio de Janeiro: Dep. Nacional do Café. 1943, 15v. Claro está que silêncios existem em toda e qualquer obra; de forma alguma, o que acabamos de pontuar diminui a acuidade da pesquisa realizada por Cláudia Alessandra Tessari.

  • Resenha do livro: TESSARI, Cláudia Alessandra. Braços para colheita: sazonalidade e permanência do trabalho temporário na agricultura paulista (1890-1915). São Paulo: Alameda Editorial, 2012.
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    Verena Stolcke & Michael Hall e Brasílio Sallum Jr. são exceções. Os primeiros, mesmo sem explorar detidamente a relação sazonalidade-trabalho temporário, apresentam o colonato como um sistema que satisfazia a dinâmica sazonal do café, pois permitia a manutenção de um exército de reserva (famílias dos colonos) para as épocas de colheita. Sallum Jr., por sua vez, relacionou a permissão dada ao colono e sua família ao cultivo intercalar de alimentos como uma forma de contornar um dos problemas gerados ao capital pela sazonalidade da cultura cafeeira: a garantia da subsistência do colono e do exército de reserva residente no interior da fazenda. (Tessari, 2012: 27-28). A lacuna na bibliografia (sazonalidade –trabalhador nacional-temporário) veio a ser parcialmente preenchida por: Moura, 1998MOURA, D. Saindo das sombras: homens livres no declínio do escravismo. Campinas, SP: Área de Publicações CMU/Unicamp, 1998. e Lamounier, 2000LAMOUNIER, M. L. Ferrovias, agricultura de exportação e mão de obra no Brasil no século XIX" In: História Econômica & História de Empresas, vol. III, n.1, p. 43-76, 2000..
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    Cf. Taunay, Affonso d'Escragnoble, História do Café no Brasil. Vol. VIII, Págs. 116, 179 a 181 (por exemplo). Rio de Janeiro: Dep. Nacional do Café. 1943, 15v.

Referências

  • LAMOUNIER, M. L. Ferrovias, agricultura de exportação e mão de obra no Brasil no século XIX" In: História Econômica & História de Empresas, vol. III, n.1, p. 43-76, 2000.
  • MOURA, D. Saindo das sombras: homens livres no declínio do escravismo Campinas, SP: Área de Publicações CMU/Unicamp, 1998.
  • STOLCKE, V. & HALL, M. A introdução do trabalho livre nas fazendas de café de São Paulo. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 3, n. 6, p. 80-120, set., 1983.
  • SALLUM Jr., B. Capitalismo e cafeicultura: Oeste paulista, 1888-1930. São Paulo: Duas Cidades, 1982.
  • TAUNAY, Affonso d'Escragnoble. História do Café no Brasil Rio de Janeiro: Dep. Nacional do Café, 15v, 1943.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2013
  • Aceito
    03 Jun 2014
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