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Conflito distributivo, inflação inercial e pactos sociais: revisitando os trabalhos de Persio Arida, Edmar Bacha e André Lara-Resende Agradeço à Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - pela concessão de bolsa de iniciação científica que permitiu a realização da pesquisa que culminou neste trabalho (Processo 2017/05173-1). Agradeço também ao professor Fernando Rugitsky pela atenciosa orientação que guiou esta pesquisa e aos colegas João Pedro Haddad, André Mazur, Vinícius Cícero, Gabriel Poveda e João Cândido Cartocci pelas leituras e valiosos comentários durante o desenvolvimento deste estudo. Os erros e omissões ficam inteiramente a cargo do autor.

Resumo

No contexto antecedente ao Plano Cruzado, as formulações teóricas de Persio Arida, André Lara-Resende e Edmar Bacha ganharam destaque por tratarem do fenômeno inflacionário sob a ótica do conflito distributivo entre trabalhadores e empresários. Conforme esses primeiros esforços passaram a dar ensejo a propostas de políticas de estabilização, costuma-se apontar para uma diminuição de importância do elemento distributivo nos trabalhos dos autores citados, indicando uma convergência teórica em direção ao paradigma novo-keynesiano. Embora o conflito distributivo deixe de ser mencionado explicitamente como causa da inflação brasileira - sobretudo após o fracasso do Cruzado - ele segue mobilizado nos esforços dos autores em pensar planos de estabilização. Mais do que uma evolução conceitual, haveria uma mudança na avaliação sobre as possibilidades de gestão dos conflitos distributivos através de pactos sociais e reformas monetárias, podendo se recorrer a políticas de demanda para moderar as ambições de renda dos diversos grupos sociais.

Palavras-chave:
Conflito distributivo; Inflação inercial; Plano Cruzado

Abstract

In the context prior to the Cruzado Plan, the theoretical formulations of Persio Arida, André Lara-Resende and Edmar Bacha gained prominence for dealing with the inflationary phenomenon from the perspective of the distributive conflict between workers and businessmen. As these first efforts gave rise to proposals for stabilization policies, it is customary to point to a decrease in the importance of the distributive element in the works of the aforementioned authors, which would indicate a theoretical convergence towards the New-Keynesian paradigm. Despite the distributive conflict not being as much explicitly informed as the cause of Brazilian inflation - especially after the failure of the Cruzado - it continues to be mobilized in the authors’ efforts to think about stabilization plans. More than a conceptual evolution, there would be a change in the assessment of the possibilities of managing distributive conflicts through social pacts and monetary reforms, using demand policies to moderate income ambitions of different social groups.

Keywords:
Distributive conflict; Inertial inflation; Cruzado Plan

1. Introdução

Em 28 de fevereiro de 1986, o governo brasileiro surpreendeu sua população lançando um radical plano de estabilização baseado no congelamento de todos os preços da economia e na desindexação de contratos com prazos inferiores a um ano. Era um passo ambicioso em direção à recuperação econômica brasileira, afastando a herança de “(...) um país ferido por anos de recessão e desemprego”, cuja economia era “(...) governada pela dívida externa e tutelada pelo estrangeiro”. Tratava-se, enfim, da realização de um enérgico combate a uma inflação em aceleração que, se deixada às próprias forças, “(...) geraria um só resultado: recessão, desemprego e baixa do salário real” (Funaro 1986Funaro, Dilson. 1986. “Prefácio”. In Inflação Inercial, Teorias sobre Inflação e o Plano Cruzado, organizado por José Marcio Rego. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.).

O Plano Cruzado seria o primeiro de uma série de planos de estabilização que ficariam conhecidos como heterodoxos. A nomenclatura se justificaria em contraposição às estratégias convencionais de combate à inflação adotadas na primeira metade dos anos 80 no Brasil, cujos resultados haviam sido pouco substanciais na redução do patamar inflacionário1 1 “Nos últimos quatro anos, particularmente, foram adotadas medidas severas de contenção na área monetária e, mais recentemente, na área fiscal na esperança de controlar o processo inflacionário dentro das boas regras da ortodoxia. Não obstante, a inflação continuou a subir e a principal consequência das medidas foi uma severa recessão” (Lopes 1984b, 27). .1

Por trás desses desenhos não convencionais de política econômica encontrava-se uma visão sobre a natureza da inflação brasileira, conhecida como inflação inercial. Francisco Lopes sintetiza a formulação: “Nossa teoria alternativa enfatiza a natureza inercial da tendência inflacionária: na ausência de choques inflacionários, a inflação corrente é determinada pela inflação passada, independentemente do estado das expectativas” (Lopes 1984b, 9). Para uma estratégia eficaz de estabilização, fazia-se necessário compreender os mecanismos que geravam a inércia inflacionária, o que motivou intenso debate nos anos que antecederam o Cruzado.

Com efeito, a pauta inflacionária suscitava importantes discussões no âmbito da teoria econômica no Brasil desde o pós-guerra. Segundo Fernando de Holanda Barbosa, o debate teria sido marcado pela divisão dos economistas latino-americanos e, em particular, brasileiros, em dois grandes grupos - monetaristas e estruturalistas:

“Os monetaristas atribuem ao crescimento exagerado da oferta de moeda o motivo principal por trás do processo inflacionário. Os estruturalistas afirmam que a inflação é gerada dentro do sistema econômico através da mudança de preços relativos resultantes do crescimento econômico, e que ela não tem suas origens na política monetária, que é passiva e acomoda as variações da renda nominal da economia” (Barbosa 1983Barbosa, Fernando de H. 1983. A inflação brasileira no pós-guerra: monetarismo versus estruturalismo. Rio de Janeiro: IPEA/INPES., prefácio).

Apesar do longo tempo entre as controvérsias iniciadas na década de 1950 e o debate inflacionário dos anos 80, existem desdobramentos teóricos que podem ter partido de conclusões anteriores, por vezes fazendo menção explícita a determinada linha de pensamento. É o caso de autores como Bresser-Pereira e Nakano, que se colocam como seguidores do pensamento de Ignácio Rangel, sobretudo o de "A Inflação Brasileira", de 1963Rangel, Ignácio. 1963. A Inflação Brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro..2 2 “Nosso maior débito intelectual em relação aos problemas da inflação contemporânea, entretanto, continua a ser para com Ignácio Rangel, que em 1963, com a publicação de "A Inflação Brasileira", estabeleceu um marco na história do pensamento econômico sobre a inflação” (Bresser-Pereira e Nakano 1984, 9). ,3 3 Outros trabalhos citados com frequência como pioneiros na visão inercialista da inflação são Sunkel (1958) e Simonsen (1970). Buscando reconstituir essa longa tradição de controvérsias, Carvalho (2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.) efetua uma releitura teórica do conceito de “inércia inflacionária”, remetendo às noções iniciais trazidas pela chamada “primeira geração estruturalista”, somadas a adaptações teóricas de trabalhos estrangeiros, a partir da década de 1970.

O objetivo do presente artigo, contudo, não é de reapreciar todo debate inflacionário brasileiro até os anos 1980. Diversamente, o foco será direcionado às discussões conceituais efetivadas especificamente no contexto da elaboração do Plano Cruzado enfatizando, sobretudo, a relação entre conflito distributivo e pactos sociais, que se destacam como elementos pouco comuns de figurarem em políticas econômicas desinflacionarias.

Carvalho (2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.) será uma referência fundamental, na medida em que sua interpretação da evolução do conceito de inflação inercial coloca em primeiro plano o elemento distributivo, ao menos quando tratando dos artigos de André Lara-Resende, Edmar Bacha e Persio Arida publicados nos primeiros anos da década de 1980Bacha, Edmar L. 1980. “Notas sobre inflação e crescimento: um texto didático”. Revista Brasileira de Economia 34(4): 541-555.. Cunha (2006Cunha, Patrícia. H. F. 2006. “Resenha: a estabilização em dois registros”. Estudos econômicos 36(2): 383-402.), cujo objeto de estudo privilegia as obras de Arida, ressalta a preocupação metodológica do autor, dando valor a possíveis direcionamentos retóricos dos textos anteriores ao Plano Cruzado. Bastos e Mello Neto (2014Bastos, Carlos P. e Mario Rubens de Mello Neto. 2014. “Moeda, Inércia, Conflito, o Fisco e a Inflação: Teoria e Retórica dos Economistas da PUC-RJ”. Texto para discussão 229. UFF.) estendem seu escopo aos economistas da PUC-Rio em geral, argumentando sobre uma inversão de paradigma observada entre as publicações mais próximas ao Plano Cruzado e os trabalhos posteriores, no contexto do Plano Real. Serrano (2010Serrano, Franklin. 2010. “O Conflito distributivo e a teoria da inflação inercial”. Revista de Economia Contemporânea. Rio de Janeiro 14(2): 395-421.), por sua vez, explora inconsistências teóricas da dita teoria da inflação inercial, para justificar o suposto abandono de algumas premissas pelos autores entre os anos 80 e 90.

Lourdes Sola, por outro lado, coloca ênfase na esfera política, com especial atenção ao contexto histórico brasileiro: “As experiências recentes de transição à democracia na América Latina têm se desenvolvido em condições que obrigam a uma mudança de perspectiva no tratamento das dimensões política e social da inflação” (Sola 1988, 13).

A breve descrição dos artigos anteriores já indica a existência de uma literatura consolidada cuja análise é centrada na trajetória conceitual das ideias que motivaram a construção da teoria da inflação inercial. De outro lado, abordagens como a de Lourdes Sola privilegiam uma narrativa focada em elementos sociais e políticos como determinantes tanto do desenho das terapias anti-inflacionárias, quanto dos resultados efetivamente obtidos.

Sem dúvidas, todo estudo sobre a história das ideias traz consigo desafios metodológicos particulares. Como interpretar o que um autor disse, sem trazer alguma expectativa sobre o que o autor deveria ter dito, de acordo com as expectativas do pesquisador? Segundo Skinner (1969Skinner, Quentin. 1969. “Meaning and Understanding in the History of Ideas”. History and Theory 8(1): 3-53.), são dificuldades que se intensificam quando o estudo dirige seu foco apenas aos textos teóricos.

Isso não significa, todavia, que a solução inversa, cujo foco recai apenas sobre o contexto histórico e político, seja preferível. Aceita-se, aqui, a complementariedade entre contexto e ideias, dando peso aos debates em que os autores estão inseridos historicamente - ou seja, ao alcance comunicativo dos textos.

O desafio colocado, que certamente não será esgotado neste trabalho, é o de aproximar e contrapor os aspectos teóricos e políticos do debate sobre a estabilização no Brasil, com enfoque no Plano Cruzado. O esforço consistirá em aproximar a literatura de cunho predominantemente teórico e aquela cujo foco recai sobre a análise política do Plano Cruzado e do confronto de ideias que o precedeu. A atenção especial para o conflito distributivo e os pactos sociais se justifica à medida que oferece um importante elo entre essa dimensão política e a teoria econômica. Espera-se que essa abordagem permita uma leitura mais rica da evolução do pensamento de autores como Lara-Resende, Bacha e Arida a respeito da inflação brasileira e suas terapias.4 4 A escolha dos três autores citados justifica-se por algumas razões. Em primeiro lugar, todos contribuíram para a construção de uma visão da inflação brasileira enquanto resultado do conflito distributivo, principalmente em suas obras dos primeiros anos da década de 1980, assim como continuaram escrevendo sobre inflação nos anos posteriores - o que abre possibilidade para a comparação de suas obras em diferentes períodos. Ademais, participaram direta ou indiretamente da administração do Plano Cruzado: Arida ocupava cargo no Ministério do Planejamento, chefiado por João Sayad, Lara-Resende estava no Banco Central, comandado por Fernão Bracher, e Bacha era presidente do IBGE. .

A fim de dar conta dos objetivos enunciados, o presente trabalho organiza-se da seguinte forma: após esta introdução, a primeira seção fará uma breve contextualização do Plano Cruzado, explorando sua evolução após seu lançamento em fevereiro de 1986. Serão introduzidas algumas linhas interpretativas consolidadas sobre as razões para o fracasso em reduzir permanentemente o nível inflacionário. A segunda seção apresenta a discussão central do artigo, contrapondo as visões dos autores estudados sobre inflação e conflito distributivo, bem como as consequências de tais elaborações em matéria de política econômica. Ao final, uma conclusão será elaborada, sintetizando os elementos centrais apresentados e indicando possíveis desdobramentos futuros para o objeto de estudo.

2. Cruzado: uma breve recapitulação

2.1. A euforia: março-junho/1986

O lançamento do Plano Cruzado teve adesão popular instantânea, surpreendendo até os mais otimistas membros do governo. De fato, a estratégia do presidente em convocar os “fiscais do Sarney” para controlar a remarcação de preços teve um efeito psicológico imediato: nas primeiras horas após o anúncio, já chegavam denúncias populares contra estabelecimentos que infringiam as normas consolidadas (Sardenberg 1987Sardenberg, Carlos A. 1987. Aventura e Agonia - nos bastidores do Cruzado. São Paulo: Companhia das Letras., 295).

O festejo popular contrastava com a crescente preocupação da equipe econômica composta por André Lara-Resende, Persio Arida, Luiz Gonzaga Belluzzo e João Manuel Cardoso de Mello,5 5 A entrada desses economistas e de suas teses no governo não se deu de maneira rápida e unânime. Segundo Sardenberg (1987), Chico Lopes chegou a apresentar para Tancredo Neves, em 1984, um programa de estabilização moderado em comparação a suas propostas anteriores. A recepção do político, todavia, teria sido marcada por forte ceticismo. , entre outros, com um provável cenário de excesso de demanda, além de desabastecimentos por conta de desalinhamentos de preços relativos no momento do congelamento. Se houvesse qualquer defasagem no preço de um bem, seria provável que a produção não acompanhasse uma eventual elevação de demanda - esperada em virtude da política salarial adotada, com a concessão de ganhos reais aos assalariados.6 6 De fato, diversos mercados foram atingidos pela escassez, como os de carne, leite e automóveis. Para o primeiro caso, o governo optou por uma política de liberalização de importações e no segundo caso, foram concedidos subsídios aos produtores (Modiano 2014). Nada foi feito em relação ao comércio de automóveis, que passou a operar com longas filas de espera. .

Uma mudança de rota não era simples de ser concebida dentro da equipe econômica. Funaro e Sayad acreditavam que o impulso no consumo seria temporário e benéfico ao crescimento da economia. Já Lara-Resende e Arida vocalizavam a necessidade de um pacote fiscal corretivo que reduzisse o déficit público (Sardenberg 1987Sardenberg, Carlos A. 1987. Aventura e Agonia - nos bastidores do Cruzado. São Paulo: Companhia das Letras.).

O Presidente da República, alternativamente, almejava lançar um Plano de Metas para a economia, com grandes projetos de investimento, não concordando com a possibilidade de correção fiscal naquele momento. Após alguma negociação, Sarney lançou um pacote fiscal,7 7 O pacote, que ficou conhecido como Cruzadinho, era baseado no recolhimento de empréstimos compulsórios sobre gasolina, álcool, automóveis e viagens internacionais - equivalentes a novas taxações indiretas que deveriam ser restituídas após três anos. , em 23 de julho de 1986, acoplado a seu Plano de Metas. Ao final das contas, a atitude desagradou a todos os lados - ao presidente, que teve de lançar um plano menos ambicioso do que pretendia, e a parte da equipe econômica, que entendia serem insuficientes as cifras do pacote para conter o excesso de demanda na economia.8 8 Como comentou o general Ivan de Souza Mendes, acabava ali a “lua de mel” do Cruzado (Sardenberg 1987, 313). .

2.2. O colapso: julho/86-fevereiro/87

O anúncio de um pacote fiscal, junto à decisão do governo em expurgar alguns aumentos de preços do IPC, passou uma imagem à população de que o congelamento de preços se encontrava fragilizado. Isso constituiu novo fator acelerador de demanda especulativa, pressionando mais as firmas que já operavam próximas à plena capacidade produtiva (Modiano, 2014Modiano, Eduardo M. 2014. “A ópera dos três cruzados, 1985-1990”. In A Ordem do Progresso, organizado por Marcelo de Paiva Abreu, 281-312. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier.).

Com o contínuo crescimento do consumo interno, somado à queda das exportações por motivos especulativos e pela apreciação da taxa de câmbio real,9 9 O ano de 1986 foi de inflação especialmente baixa (1,9%, segundo dados do FMI) nos Estados Unidos. Enquanto isso, a variação do INPC, no Brasil, registrou inflação acumulada de 14,8% entre março e novembro de 1986. Com a taxa de câmbio nominal fixa, houve apreciação real da moeda brasileira. a balança comercial deteriorou-se rapidamente (Carneiro 1987Carneiro, Ricardo. 1987. “A trajetória do Plano Cruzado”. In A política econômica do Cruzado, organizado por Ricardo Carneiro, 1-43. 1ed. São Paulo: Ed. Bienal). O ágio no mercado paralelo de dólar atingiu 90%, com a expectativa de uma iminente maxidesvalorização cambial. Ainda assim, o governo optou por uma modesta minidesvalorização de 1,8%, vista como tímida para sanar as especulações do setor exportador.

Após o resultado das eleições de novembro de 1986, o governo anunciou um amplo pacote de ajustes econômicos, que ficou conhecido como Cruzado II: “Tratava-se de um ‘pacote fiscal’ que objetivava aumentar a arrecadação do governo em 4% do PIB, através do reajuste de alguns preços públicos (...) e do aumento de impostos indiretos10 10 O aumento dos preços públicos foi voltado principalmente para a gasolina, energia elétrica, telefone e tarifas postais, enquanto as alíquotas dos impostos indiretos subiram para automóveis, cigarros e bebidas. ” (Modiano 2014Modiano, Eduardo M. 2014. “A ópera dos três cruzados, 1985-1990”. In A Ordem do Progresso, organizado por Marcelo de Paiva Abreu, 281-312. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier., 295). O ajuste fiscal marcaria, também, intenção do governo de reverter o agravamento da situação comercial por meio da redução da absorção interna e, consequentemente, das importações (Carneiro 1987Carneiro, Ricardo. 1987. “A trajetória do Plano Cruzado”. In A política econômica do Cruzado, organizado por Ricardo Carneiro, 1-43. 1ed. São Paulo: Ed. Bienal).

O impacto inflacionário do Cruzado II (ver Tabela 1) foi imediato, pressionando os índices de preços11 11 Neste momento, o governo trocou o índice oficial - IPC - pelo INPC, que atribuía menor peso aos preços reajustados. e ameaçando ativar o gatilho salarial.12 12 O gatilho salarial consistia em um reajuste automático dos salários sempre que a inflação acumulasse 20%. Junto com o aumento dos preços, a indexação voltou com força na economia, inicialmente a partir da taxa de câmbio, que retornou ao regime de minidesvalorizações diárias. Em fevereiro, foi reintroduzida a correção monetária mensal da OTN (Obrigação do Tesouro Nacional).

Com o descongelamento dos preços, houve relevante queda do salário real, além de elevação das taxas de juros, colocando a economia em rota de recessão para 1987. A situação externa tampouco apresentou melhoras, o que motivou o anúncio da suspensão do pagamento dos juros da dívida externa em fevereiro de 1987.

Tabela 1
Inflação Mensal - % (INPC - IBGE)

2.3. Avaliações e críticas

Definidas as linhas gerais do Cruzado,13 13 Entre elas: a taxa de câmbio seria fixa, sem maxidesvalorização prévia; os salários seriam corrigidos pela média - acrescidos de um abono - e o controle de preços deveria atingir todos os produtos básicos. Mantinha-se alguma forma de indexação para contratos com duração superior a um ano. as condições políticas para a implementação do plano foram enfrentadas pela equipe econômica. Havia receio de que o plano não tivesse suficiente apelo popular e que eventualmente a fórmula de conversão salarial fosse mal interpretada. Segundo Sardenberg (1987Sardenberg, Carlos A. 1987. Aventura e Agonia - nos bastidores do Cruzado. São Paulo: Companhia das Letras.), os momentos imediatamente anteriores ao lançamento do Cruzado teriam sido marcados por fortes concessões políticas por parte da equipe econômica. Essas flexibilizações, em especial a adoção do abono salarial,14 14 O abono salarial foi concedido no momento do congelamento, com 8% de reajuste para todos os salários, com exceção do salário mínimo, que foi elevado em 16,1%. foram posteriormente apontadas com frequência como inconsistências que levariam o Plano ao fracasso15 15 Franco (1987a) e Modiano (1987) avaliam a política salarial durante o Cruzado. Bodin de Moraes (1988) apresenta dados da evolução do salário real no ano de 1986. .

De certa forma, o diagnóstico de que desvios de natureza política dos objetivos originais do Plano Cruzado tiveram papel central em seu fracasso foi muito presente entre os economistas. Além das inconsistências na política salarial, uma condução errática das políticas monetária16 16 Em relação à política monetária no Cruzado, ver Carneiro (1987), Carneiro Netto (1987) e Bodin de Moraes (1988). e fiscal17 17 A política fiscal é analisada em Modiano (2014). Um debate relevante é travado em torno do chamado “Efeito Tanzi” (Tanzi 1978) - Bastos e Mello Neto (2014) apresentam uma interpretação dessas discussões, que também podem ser encontradas em Franco (1986). costumam figurar entre as razões principais para a impossibilidade de se reduzir permanentemente o patamar inflacionário.18 18 As frustrações associadas à meta fiscal do governo teriam atingido a equipe econômica de maneira heterogênea. Arida e Lara-Resende estavam entre os que advogavam um ajuste mais firme, que acabou sendo flexibilizado até o lançamento do Cruzadinho, em julho de 1986 (Sardenberg 1987). Com a interferência do Presidente da República no projeto elaborado pela equipe econômica, foi sendo consolidada uma visão entre os economistas de que os objetivos políticos do governo desvirtuavam a administração correta, do ponto de vista técnico, do programa de estabilização.

Considerando a robusta dimensão da intervenção econômica do Plano Cruzado, é possível que uma avaliação que leve em conta os aspectos únicos de mediação social e econômica pelo Estado presentes no Plano possibilite uma compreensão mais profunda do processo descrito. Isto é, os planos de estabilização propostos parecem estar baseados em uma determinada relação de arbitragem de conflitos distributivos pelo Estado, condensadas na perseguição de um “choque neutro”, cuja execução seria mais complexa e assimétrica do que era imaginado inicialmente. Tratava-se, como coloca Sola (1988Sola, Lourdes. 1988. “Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem transdisciplinar”. In O Estado da Transição: política e economia na nova república, organizado por Lourdes Sola, 13-62. 1ed. São Paulo: Vértice.), de uma intervenção estatal de cunho paradoxal:

(...) a julgar pelos cálculos subjacentes àquela estratégia, tratava-se de promover um tipo muito especial de intervenção do Estado na economia e sociedade bastante paradoxal. Ou seja, uma hiperestabilização preventiva, via reforma monetária. O aprofundamento da ação do Estado, condição para proceder à recontratualização da economia deveria ter por objetivo, precisamente o de ampliar a esfera de mercado em relação à esfera negociada e/ou administrada da economia” (Sola 1988Sola, Lourdes. 1988. “Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem transdisciplinar”. In O Estado da Transição: política e economia na nova república, organizado por Lourdes Sola, 13-62. 1ed. São Paulo: Vértice., 34)

O contexto brasileiro de redemocratização política certamente delimitava o espaço de atuação para qualquer intervenção econômica. Bresser-Pereira (1990Bresser-Pereira, Luiz Carlos. 1990. “Da inflação à hiperinflação: uma abordagem estruturalista”. In Inflação e Hiperinflação: interpretações e retórica, organizado por José Marcio Rego, 7-28. 1ed. São Paulo: Bienal.), a título de exemplo, defende que os conflitos distributivos entre trabalhadores e capitalistas estavam em franco acirramento a partir de 1985, pela demanda de reposição salarial por parte dos assalariados.19 19 Hirschman (1987) nota que o Brasil não seria o único caso de aceleração inflacionária após a instauração de um governo civil, indicando que a entrada de novos grupos sociais, com novas demandas de renda (e grupos antigos reprimidos no governo anterior), poderia explicar esse movimento.

É possível que a participação dos economistas envolvidos na elaboração de políticas heterodoxas de estabilização na administração do Plano Cruzado tenha explicitado os limites de tais estratégias em contexto de abertura política. Certamente, isso coloca no centro do debate as possibilidades e os desafios de se buscar administrar os conflitos distributivos por meio da política econômica.

3. Conflito Distributivo e Pacto Social: da teoria aos planos de estabilização

Ainda que este artigo limite seu escopo temporal de análise ao entorno do Plano Cruzado, seria possível argumentar pela existência de três momentos que marcariam as contribuições de André Lara-Resende, Edmar Bacha e Persio Arida. O primeiro deles congrega artigos publicados entre 1979Lara-Resende, André. 1979. “Incompatibilidade distributiva e inflação estrutural”. Texto para discussão 1, Departamento de Economia. PUC-Rio. e 1983, em que é apresentado um diagnóstico para a inflação brasileira no qual a dinâmica distributiva é fator determinante do próprio patamar inflacionário. Em seguida, entre 1984 e 1986, formulam-se os planos de estabilização, entre eles o “Larida” e o choque heterodoxo, com as produções dos autores assumindo grande preocupação programática. O terceiro período, após 1986, concentra as avaliações dos autores sobre o Plano Cruzado, que levariam a algumas reformulações em suas concepções iniciais do fenômeno inflacionário.

3.1. Descobrindo a inflação inercial: 1979-1983

Bacha (1980Bacha, Edmar L. 1980. “Notas sobre inflação e crescimento: um texto didático”. Revista Brasileira de Economia 34(4): 541-555.) buscou estruturar um modelo que tratasse da relação entre inflação e crescimento econômico sob a ótica do conflito distributivo.20 20 Magalhães (1996) classifica o trabalho de Bacha dentro da tradição inspirada em Kalecki (1980). Há um esforço de formalização teórica, cujo objetivo, nas palavras do autor, é de “(...) integrar aspectos da macroeconomia kaleckiana com a tradição estruturalista latino-americana, dando-se atenção a desenvolvimentos recentes na análise monetária e financeira” (Bacha 1980, 541).

A inflação surgiria da tentativa da classe trabalhadora de se apropriar de uma renda maior que aquela disponibilizada pela renda global e pela apropriação de lucros pelos capitalistas. O argumento parte da estruturação de um modelo para o curto prazo, com taxa de investimento exógena, e outro para o médio prazo, com o relaxamento da hipótese anterior, bem como a introdução do mercado monetário às equações.

Carvalho (2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.) chama atenção à forma de exposição do artigo. A formalização matemática do autor estaria alinhada a um movimento mais amplo, que reaparecerá em outros textos que serão analisados mais à frente, cuja raiz encontra-se na interação com o estruturalismo norte-americano 21: 21 21 Entende-se o “estruturalismo norte-americano” como uma tradição que aparece com as contribuições de autores como Hollis Chenery, Lance Taylor, Rudiger Dornbusch, Franco Modigliani e James Tobin, no final da década de 1970 (Carvalho 2015, 105). “(…) A economia do desenvolvimento tornou-se matematizada nas mãos dos Estruturalistas Norte-Americanos e, a partir disso, uma influência renovada achou caminho no debate brasileiro sobre estabilização” (Carvalho 2015, 135 - tradução própria).22 22 “(...) Development economics turned mathematical in the hands of North American Structuralists and, from there, a renewed influence found its way into Brazilian debates on stabilization” (no original).

Lara-Resende (1979Lara-Resende, André. 1979. “Incompatibilidade distributiva e inflação estrutural”. Texto para discussão 1, Departamento de Economia. PUC-Rio.) também pode ser visto como uma contribuição cujo foco recai sobre a compreensão do processo inflacionário à luz do conflito distributivo, como o próprio autor reconhece: “Este trabalho apresenta uma teoria da inflação de acordo com a percepção dos processos inflacionários como expressão de um impasse social. O conflito distributivo é entendido como causa motora da inflação” (Lara-Resende 1979, 1, grifos próprios).

O autor apresenta um modelo assumindo uma economia oligopolista, na qual a renda é dividida entre lucros (firmas) e salários (trabalhadores). A propensão marginal a poupar das empresas seria maior que a dos trabalhadores. O conflito distributivo é sintetizado no que denomina “hiato de incompatibilidade”. Em uma primeira rodada de negociações entre trabalhadores e firmas divide-se a renda global: ΠN=1WN, em que ΠN representa a parcela negociada da renda destinada às firmas e WN a parcela negociada pelos trabalhadores. Todavia, as firmas ainda poderiam reajustar preços, reduzindo o salário real efetivamente pago: “Este grau de liberdade adicional que possuem as empresas de um setor industrial com características oligopísticas permite que as parcelas reais da renda atribuídas aos dois grupos difiram das parcelas nominais ou ‘negociadas’” (Lara-Resende 1979Lara-Resende, André. 1979. “Incompatibilidade distributiva e inflação estrutural”. Texto para discussão 1, Departamento de Economia. PUC-Rio., 7). Segue daí o “hiato da incompatibilidade”: ΠT+WN>1, em que ΠT é a parcela das rendas efetivamente almejada pelas empresas.

Caso os reajustes de todos os salários fossem simultâneos, o nível de preços provavelmente saltaria imediatamente após a rodada de negociação, com o aumento de preço das firmas. Porém, há uma continuidade nos reajustes ao longo do tempo e a inflação de um período é função do hiato descrito:

P ˙ = Ω [ Π T Π N ] (1)

Nota-se, conforme já ressaltado, que o aumento de preços surge em função da diferença entre a renda almejada e a renda efetiva dos grupos sociais. O próprio autor conclui, ensaiando considerações a respeito do enfrentamento de um cenário inflacionário: “O controle da inflação está, portanto, associado à superação do impasse social que ela reflete” (Lara-Resende 1979Lara-Resende, André. 1979. “Incompatibilidade distributiva e inflação estrutural”. Texto para discussão 1, Departamento de Economia. PUC-Rio., 25).

Arida (1982Arida, Persio. 1982. “Reajuste salarial e inflação”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 12(2): 311-342.) apresenta uma interpretação semelhante do fenômeno inflacionário, mas, partindo da mesma noção de que os preços respondem a um impasse distributivo, discute um ponto ainda pouco explorado por seus colegas, sobre diferentes mecanismos de reajustes salariais: com periodicidade fixa ou periodicidade endógena.

A estratégia da periodicidade endógena consistiria em estabelecer um teto para a inflação acumulada entre reajustes, ou então um piso para o salário real. A frequência dos reajustes estaria condicionada ao nível inflacionário, sendo maior para inflações mais elevadas. Ambas estratégias seriam preferíveis à periodicidade determinada exogenamente, justamente pela capacidade que o governo teria de explorar o trade-off entre taxa de inflação e periodicidade dos reajustes: “Uma vez adotada a segunda estratégia de regulação (periodicidade endógena),23 23 Em que D é a periodicidade dos reajustes. ,torna-se possível induzir os empresários a aceitarem uma posição com menor inflação, sem que para tanto seja necessário revisar a norma legal ou alterar os termos do impasse distributivo” (Arida 1982Arida, Persio. 1982. “Reajuste salarial e inflação”. Pesquisa e Planejamento Econômico, 12(2): 311-342., 320).

Embora cada autor trabalhe aspectos diferentes do conflito distributivo, os três apontam para uma mesma direção: a persistência inflacionária seria um fenômeno esperado de se verificar em cenário de incompatibilidade entre as aspirações de renda de diferentes grupos e a renda efetiva global. Não há, ainda, uma formulação clara sobre estratégias de combate à inflação. Durante esse primeiro período, o objetivo consiste em incorporar em modelos formais particularidades institucionais do caso brasileiro24 24 Bacha e Lopes (1979) fazem um esforço importante na direção de preparar o terreno para o que seria a busca por um “paradigma brasileiro”. A inadequação dos modelos teóricos estrangeiros para a explicação da inflação no Brasil estaria associada a particularidades institucionais da economia brasileira, entre as quais destaca-se a periodicidade fixa dos reajustes salariais. Bacha (1983a) expande a crítica ao “monetarismo do Cone Sul”. Basicamente, o grande obstáculo do monetarismo na América Latina estaria associado à formação salarial em contextos de alta inflação, cujas particularidades seriam negligenciadas pela teoria monetarista dominante. .

As primeiras propostas mais claras de política econômica aparecem somente em Bacha (1983bBacha, Edmar L. 1983b. “Por uma política econômica positiva”. In Dívida externa, recessão e ajuste estrutural: o Brasil diante da crise, organizado por Persio Arida, 171-180. 2ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) e Arida (1983Arida, Persio. 1983. “Austeridade, Autotelia e Autotomia”. In Dívida externa, recessão e ajuste estrutural: o Brasil diante da crise, organizado por Persio Arida, 189-206. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). A tônica comum era a crítica à austeridade praticada pelo governo brasileiro nos anos anteriores em contexto de escassez de divisas.25 25 A situação externa seria agravada em 1982, por conta das crises na Argentina e no México. O México declarou moratória em agosto de 1982, enquanto a Argentina passava por um período de forte recessão, com quedas no Produto Interno Bruto da ordem de 5,69% e 4,96% em 1981 e 1982, respectivamente (Fonte: World Bank Data). . Arida chega a propor uma alternativa heterodoxa, baseada em seis pontos centrais:

  • Redução substancial do diferencial de juros.

  • Racionalização do investimento público.

  • Imposição de controle de preços.

  • Implementação de uma substantiva desvalorização cambial.

  • Estímulo à demanda efetiva.

  • Aumento dos impostos de renda de um modo socialmente justo.

As soluções dos autores, todavia, ainda não atacavam diretamente a chamada inércia inflacionária - suas propostas aceitavam alguma elevação de preços no curto prazo, possibilitando uma queda na taxa de inflação no médio prazo. Nota-se uma mudança nessa abordagem nos anos seguintes, quando o debate se centra na elaboração daqueles que ficaram conhecidos como planos de estabilização heterodoxos.

3.2. Do papel à política: neutralizando a inércia inflacionária (1984-86)

O ponto de inflexão na controvérsia sobre as medidas de combate à inflação brasileira foi a publicação de “Só um choque heterodoxo pode derrubar a inflação”, de Chico Lopes (1984aLopes, Francisco L. 1984a. “Só um choque heterodoxo pode curar a inflação”. Economia em perspectiva. CORECON: São Paulo.). A reação de André Lara-Resende e Persio Arida veio por meio da proposta de uma reforma monetária, sem congelamento de preços, que ficou conhecida como “Plano Larida”. Cabe compreender qual a natureza teórica que produziu essa divergência entre economistas que, em tese, compartilhavam do mesmo diagnóstico para a questão inflacionária no país.

Lopes (1984aLopes, Francisco L. 1984a. “Só um choque heterodoxo pode curar a inflação”. Economia em perspectiva. CORECON: São Paulo.) justificou o choque heterodoxo, argumentando que a estratégia seria adequada para o enfrentamento de uma inflação com características inerciais “(...) em que a principal causa da inflação é a própria inflação passada (...). O choque heterodoxo acaba com a inflação quase que por definição” (Lopes 1984a, 118-19).

O programa baseava-se em quatro pontos essenciais:

  • Congelamento de preços: congelamento total de 6 meses seguido de um congelamento parcial de 18 meses, com teto de reajuste de 1,5% ao mês.

  • Acordo salarial: durante os 6 meses do congelamento total os salários seriam reajustados a 0,5% ao mês para recompor o salário real, abandonando o reajuste semestral, visto como um dos mecanismos perpetuadores da inflação. Seriam concedidos abonos salariais para as categorias com reajustes em datas próximas à do congelamento. Em uma segunda fase, imperaria a livre negociação salarial.

  • Política cambial: feita de modo a estabilizar o preço em cruzeiros dos insumos importados.

  • Política monetária e déficit público: busca da retomada do crescimento, com algum crescimento de liquidez real (queda da taxa de juros) e subordinação do controle fiscal às necessidades de investimento público.

A crítica à elaboração de Chico Lopes fez com que André Lara-Resende apresentasse uma solução distinta, baseada em uma ampla reforma monetária, com circulação de uma nova moeda atrelada à ORTN26 26 Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional - Título público federal emitido com a característica de pagar remuneração acrescida de correção monetária. O valor unitário do título passou a representar indexador largamente utilizado na economia brasileira (Fonte: Banco Central do Brasil). . Embora o diagnóstico fosse semelhante27 27 “A inflação é agora essencialmente inercial, isto é, os preços sobem hoje porque subiram ontem, de acordo com o mecanismo perverso da catraca da economia indexada” (Lara-Resende 1984a, 4). , havia forte descrença sobre a operacionalidade do Choque Heterodoxo28 28 André Lara-Resende foi um dos primeiros a reagir à proposta de seu colega. “Ao ler o artigo de Chico (...) fiquei horrorizado. Sempre resisti à ideia do congelamento de preços. Disse ao Chico que aquilo seria um desastre. Senti-me obrigado a produzir uma alternativa” (Biderman, Cozac e Rego 1996, 302-03). , a começar pelas dificuldades associadas ao alinhamento de preços relativos no momento do congelamento dos preços.

A partir dessas considerações, Lara-Resende (1984aLara-Resende, André. 1984a. “A moeda indexada: uma proposta para eliminar a inflação inercial”. Texto para discussão 75. Departamento de Economia, PUC-Rio.) elenca os pontos principais de sua reforma monetária:

  • Criação de uma nova moeda indexada, o Novo Cruzeiro (NC), com paridade fixa em relação à ORTN, mas reajustado diariamente em relação ao Cruzeiro.

  • Política de câmbio fixo.

  • Plena conversibilidade entre o Cruzeiro e a nova moeda.

  • Conversão de todo depósito bancário para a nova moeda.

  • Realização das transações financeiras pela nova moeda.

  • Conversão facultativa de contratos para a nova moeda.

  • Conversão de preços administrados à nova moeda com base no preço médio em cruzeiro entre períodos de reajuste.

  • Cotação de um índice de preços na nova moeda, cuja inflação seria, por definição, nula. Acredita-se que em até três meses a nova moeda já teria se consolidado como unidade de conta, de modo que a cotação de um índice de preços em Cruzeiro deixaria de fazer sentido. Ao fim, a taxa de conversão de Cruzeiros para a nova moeda seria fixada com base na taxa de inflação média observada em Cruzeiro nos seis meses anteriores.

  • Manutenção da política salarial de reajuste semestral para contratos estipulados em Cruzeiros e conversão salarial facultativa para a nova moeda.29 29 Porém, como explica Lara-Resende (1984a): “Basta que a depreciação da taxa de conversão do cruzeiro, em relação ao NC fixada para o futuro pelo Banco Central, não seja inferior à inflação média dos últimos seis meses para que haja vantagem em optar pela conversão” (Lara-Resende 1984a, 7). .

A frequente interlocução entre os autores envolvidos na disputa pelas propostas de estabilização produziu uma paulatina aproximação entre os planos apresentados.30 30 Vale citar a participação de Persio Arida nas controvérsias, a partir de seu artigo “Economic Stabilization in Brazil”, de 1984. Lopes (1984bLopes, Francisco L. 1984b. “Inflação inercial, hiperinflação e desinflação: notas e conjecturas”. Texto para discussão 77. Departamento de Economia, PUC-Rio.) busca sistematizar sua concepção de inflação inercial, além de fornecer mais detalhes de sua proposta de estabilização, reagindo às primeiras críticas.31 31 Cabe destacar que Lopes (1984a) é um artigo bastante enxuto, de ampla circulação, de modo que é em Lopes (1984b) que o autor deixará mais clara sua visão do fenômeno inflacionário, assim como defenderá com maior rigor sua proposta de estabilização. Entre as concessões, admite algum realinhamento de preços relativos após certo período do congelamento.32 32 Realinhamento que não poderia ser feito antes do choque, pois qualquer prenúncio do congelamento inviabilizaria o plano. Passa a defender a “força psicológica” da reforma monetária, mas volta a enfatizar a necessidade do congelamento de preços, evitando aceleração inflacionária na velha moeda.33 33 Em relação à moeda indexada de Lara-Resende, o autor afirma que a pretensa superioridade da última proposta por seu caráter voluntário seria apenas aparente. Isto é, o caráter arbitrário da moeda indexada residia justamente na imposição de uma taxa de conversão obrigatória, sem a qual ocorreriam acelerações inflacionárias na velha moeda, contaminando a nova moeda. Daí a necessidade de se manter o congelamento de preços, mesmo que acompanhada de uma reforma monetária. Modiano e Carneiro Netto (1984) também apontam a possibilidade da nova moeda ser contaminada pela inflação em cruzeiros. A aceitação da reforma monetária poderia ser interpretada como um tímido passo de Chico Lopes em direção a alguns pontos do “Larida”, embora as divergências centrais em torno do congelamento de preços persistissem.

Para Chico Lopes (1984bLopes, Francisco L. 1984b. “Inflação inercial, hiperinflação e desinflação: notas e conjecturas”. Texto para discussão 77. Departamento de Economia, PUC-Rio.), a inércia inflacionária surgiria do comportamento defensivo dos agentes, que a cada rodada de reajuste salarial buscavam recompor os picos reais de suas rendas - Lopes utiliza uma estrutura de jogo não-cooperativo para descrever o movimento de reajuste pelos picos reais. Na possibilidade de algum agente reajustar pelo pico da renda real, a melhor resposta para todos os jogadores passaria a ser também reajustar pelo pico da renda real, o que já dava pistas para o imperativo de Chico Lopes da intervenção firme do governo em seu programa de estabilização, coordenando as reivindicações dos diferentes agentes: “No caso do choque heterodoxo, a compatibilidade distributiva é imposta através dos controles de preços e rendimentos” (Lopes 1984b, 38, grifo próprio).

Ao enfatizar a necessidade do congelamento de preços, Chico Lopes estaria sinalizando seu entendimento da melhor maneira que o Estado poderia coordenar o impasse distributivo, sem recorrer às políticas recessivas praticadas nos anos anteriores. Como o conflito distributivo também figurava nos trabalhos anteriores de Persio Arida e André Lara Resende como impulso da inflação brasileira, era de se supor que a proposta da moeda indexada apresentasse uma maneira alternativa de coordenar o conflito distributivo, descartando o controle de preços para esse fim.

Em Arida (1984Arida, Persio. 1984. “Economic Stabilization in Brazil”. Texto para discussão 84, Departamento de Economia, PUC-Rio.) fica visível sua preocupação com a neutralidade distributiva como condição central para o sucesso da reforma monetária. Para assegurar que após a reforma pressões distributivas não se convertessem em pressões inflacionárias, apresenta uma visão sobre os pactos sociais necessários à estabilização: “Um pacto social, neste sentido, pode ser definido como uma acomodação explícita e voluntária das frações desejadas do produto nacional, de forma que essa soma seja igual a um” (Arida 1984, 18 - tradução própria).34 34 “A social pact in this connection may be defined as an explicit and voluntary accommodation of desired shares of national product that would render the sum equal to one” (no original).

Os pactos sociais eram divididos em duas categorias: pactos moderados e pactos fortes. Nos primeiros, grupos teriam de suportar perdas temporárias na participação da renda global.35 35 O caso típico é da conversão dos contratos salariais pelas médias reais entre períodos de reajustes. Adaptando o exemplo apresentado por Arida (1984), pode-se tomar um contrato que seja reajustado a cada 6 meses, de modo que seu valor real no momento de reajuste é de 20 cruzeiros e, no final, é de 10 cruzeiros, simplesmente pela elevação dos preços, enquanto o valor nominal do contrato é constante. A média real é de 15 cruzeiros, que será o valor pelo qual será feita a conversão. Para agentes que reajustaram seu contrato às vésperas da reforma, será efetivada uma redução do valor real do contrato de 20 para 15 cruzeiros. O efeito contrário ocorreria para aqueles que estivessem, digamos, no 5º mês após o último reajuste. Esse efeito poderia causar a impressão de ganhadores e perdedores durante a reforma monetária. Em relação aos pactos fortes, tais perdas poderiam ser permanentes.36 36 Um pacto social forte seria esperado em relação aos bancos comerciais: “First and foremost, losers will be commercial banks because they have gotten an important share of the inflation tax through their noninterest bearing deposit liabilities” (Arida 1984, 20).

Considerando as possibilidades de uma solução negociada para os desafios distributivos do “Larida”, Arida não deixa de manifestar preocupação sobre as condições políticas necessárias para avançar em negociações de pactos sociais. Uma dificuldade central seria a falta de representatividade política clara dos grupos a serem envolvidos nas tratativas: “Com a notável exceção do PT, a falta de representatividade dos partidos políticos, sob a ótica dos grupos econômicos de interesse, é endêmica" (Arida 1984, 22 - tradução própria).37 37 “With the notable exception of PT, the unrepresentativeness of political parties when judged from the standpoint of economic interests groups is endemic” (no original) .

A preocupação de Arida com as possíveis pressões distributivas que a reforma monetária enfrentaria constitui uma evidência do ceticismo do autor sobre as possibilidades de uma transição completamente neutra, tal como destacado por Paulani (1997Paulani, Leda. 1997. “Teoria da Inflação Inercial: um episódio singular na história da ciência econômica no Brasil?” In 50 anos de ciência econômica no Brasil, organizado por Maria R. Loureiro, 1ed, 159-179. São Paulo: Editora Vozes.). Isso, todavia, ao invés de indicar algum relaxamento do imperativo da neutralidade, parece apenas reforçar tal visão, apontando a insuficiência da reforma, em si, para gerar tal resultado. Nota-se que essa preocupação é elemento constante na produção de Persio Arida, não configurando ruptura entre seus trabalhos anteriores e posteriores ao Plano Cruzado.

A insistência dos autores, em especial de Persio Arida, em discutir pactos que evitassem disputas por conversões contratuais acima da média real parece ser uma evidência da preocupação em garantir compatibilidade distributiva após a estabilização. Mesmo entre os autores que não se preocuparam em enfatizar o conflito distributivo enquanto causa do processo inflacionário,38 38 Mesmo assim, existe em Arida (1984) menção aos conflitos distributivos como geradores das pressões inflacionárias: “No attentive observer of Brazilian inflation would deny the role of distributive conflicts. Since the sum of the demands for shares of national income is larger than one, the several groups try to impose their desired share by increasing the prices of their goods and services” (Arida 1984, 18). é inegável que a dimensão distributiva tem grande peso na formulação das políticas de estabilização.

A formulação final do Plano Cruzado reflete em parte a evolução das divergências expostas acima. Segundo Marques (1988Marques, Maria Silvia B. 1988. “O Plano Cruzado: teoria e prática”. Revista de Economia Política 8(3): 101-130.), o conjunto de medidas anunciadas em fevereiro de 1986 corroboraria as premissas sobre a economia brasileira tais quais formuladas por Arida e Lara-Resende (1985Arida, Persio, e André Lara-Resende. 1985. “Inertial inflation and monetary reform in Brazil”. Texto para discussão 85, Departamento de Economia, PUC-Rio.).39 39 “A ausência de diretrizes para as políticas monetária e fiscal corroborava a tese de que não existiam pressões de demanda na economia” (Marques 1988, 114). Deve-se destacar, todavia, que essas premissas eram compartilhadas por Chico Lopes, não configurando grande impasse entre defensores do choque heterodoxo e da moeda indexada.

A conversão dos salários pelas médias reais, apesar dos abonos concedidos, bem como de contratos de aluguéis, além da introdução de uma nova moeda, poderia indicar a presença de elementos marcantes das primeiras formulações do “Larida” no Plano Cruzado. Deve-se fazer a ressalva, contudo, de que Lopes (1984bLopes, Francisco L. 1984b. “Inflação inercial, hiperinflação e desinflação: notas e conjecturas”. Texto para discussão 77. Departamento de Economia, PUC-Rio.) já aceitava a relevância de uma nova moeda, com potencial efeito psicológico positivo para a estabilização, além da necessidade de conversão dos contratos pelas médias reais, caso não houvesse acordo voluntário entre as partes envolvidas.

A divergência fundamental se dava pelo entendimento do congelamento de preços enquanto mecanismo mais eficaz para garantir a compatibilidade distributiva,40 40 “No caso do choque heterodoxo, a compatibilidade distributiva é imposta através dos controles de preços e rendimentos” (Lopes 1984b, 38). posição defendida por Lopes, mas rechaçada por Arida e Lara-Resende. Com a aceitação da equipe econômica de congelar os preços, pode-se afirmar que o Cruzado apostou na receita de Chico Lopes como forma de coordenar os impasses distributivos.

3.3. O caminhar da teoria: pós-1986

Não foram muitas as publicações por parte de Arida, Bacha ou Lara-Resende que propusessem uma ressignificação conceitual de suas ideias apresentadas nos anos anteriores. Parte dos artigos apresentados nesse período elencam críticas à condução do Plano Cruzado, dando ênfase a pontos menos explorados até então. Uma importante exceção é Arida (1992), como será exposto adiante.

Carvalho (2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.) sustenta que a teoria inercialista foi se distanciando da abordagem conflitiva que marcou seu início, em direção a modelos determinados pelo comportamento da política fiscal. Serrano (2010Serrano, Franklin. 2010. “O Conflito distributivo e a teoria da inflação inercial”. Revista de Economia Contemporânea. Rio de Janeiro 14(2): 395-421.) explora algumas dessas dificuldades teóricas que permeavam os modelos de inflação apresentados pelos autores da PUC-Rio.41 41 Para Serrano (2010), estava assumido na hipótese inercialista que qualquer aumento de salário nominal era repassado para os preços, de modo que o salário real dos trabalhadores nunca seria afetado por mudanças nominais. Isto corresponderia à afirmação de que o mark-up real das firmas é fixo, impedindo qualquer alteração na distribuição da renda. Essa rigidez no padrão de distribuição causava dificuldade em justificar o comportamento dos trabalhadores de insistirem em reajustes dos salários nominais pela recomposição do pico anterior. A solução encontrada à época era justamente associada à justaposição de contratos de trabalho, em típico problema de Teoria dos Jogos, no qual o trabalhador escolhe uma estratégia defensiva maximin, recompondo seu pico anterior, para evitar uma perda de renda relativa ao outro trabalhador, que poderia pedir o salário de pico. Bastos e Mello Neto (2014Bastos, Carlos P. e Mario Rubens de Mello Neto. 2014. “Moeda, Inércia, Conflito, o Fisco e a Inflação: Teoria e Retórica dos Economistas da PUC-RJ”. Texto para discussão 229. UFF.) sustentam a ocorrência de uma “guinada ortodoxa” por parte dos autores da PUC-Rio, que passariam a dar peso crescente à dimensão fiscal. Inicialmente, tanto razões empíricas - principalmente as estimativas imprecisas de um déficit operacional baixo - como teóricas justificariam certa negligência em relação às variáveis fiscais.

Bacha (1994Bacha, Edmar L. 1994 “O fisco e a inflação: uma interpretação do caso brasileiro”. Revista de Economia Política 14(1): 5-17.) é constantemente invocado como evidência de que o autor teria aderido ao discurso da inevitabilidade de um ajuste fiscal profundo para o sucesso de políticas de estabilização. Nesse artigo, o autor efetua uma crítica sobre a viabilidade geral do efeito Tanzi, se um país contasse com receitas tributárias indexadas, mas o mesmo não ocorresse com suas despesas, haveria um déficit reprimido, que emergiria com o fim da inflação.42 42 Tratar-se-ia, portanto, de um “efeito Tanzi às avessas”. Lara-Resende (1988Lara-Resende, André. 1988. “Da inflação crônica à hiperinflação: observações sobre o quadro atual”. Texto para discussão 209, Departamento de Economia. PUC-Rio.) apontaria na mesma direção, na qual “(...) o equacionamento do déficit público (passa a ser) questão central para a compreensão e combate da inflação” (Lara-Resende 1988, 19).

Carvalho (2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.) contrapõe a noção da “guinada ortodoxa” argumentando que as mudanças nas visões dos autores teriam sido graduais. Bacha (1983bBacha, Edmar L. 1983b. “Por uma política econômica positiva”. In Dívida externa, recessão e ajuste estrutural: o Brasil diante da crise, organizado por Persio Arida, 171-180. 2ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), em específico, já demonstrava preocupações com aspectos fiscais, quando comentando os efeitos da crise mexicana de 1982 no Brasil.

É inegável que a dimensão fiscal ganha protagonismo em Lara-Resende (1988Lara-Resende, André. 1988. “Da inflação crônica à hiperinflação: observações sobre o quadro atual”. Texto para discussão 209, Departamento de Economia. PUC-Rio.), mas ainda é apontada como condição insuficiente para redução significativa da inflação em cenário de inflação crônica.43 43 A evidência apontada pelo autor é justamente a redução do déficit público brasileiro entre 1981 e 1984, que cai de 8,3% do PIB, em 1981, para 2,4%, em 1984, com a inflação dobrando de patamar, atingindo quase 200% em 1984. A solução, alternativamente, seria pela complementariedade entre componentes heterodoxos, controle monetário e disciplina fiscal, em movimento análogo ao que será proposto em Dornbusch e Simonsen (1987Dornbusch, Rudiger e Mário Henrique Simonsen. 1987. “Inflation stabilization with incomes policy support: a review of the experience in Argentina, Brazil and Israel”. NBER Working Paper Series 2153.).

Todavia, cabe ressaltar que em Arida e Lara-Resende (1985Arida, Persio, e André Lara-Resende. 1985. “Inertial inflation and monetary reform in Brazil”. Texto para discussão 85, Departamento de Economia, PUC-Rio.) a inflação brasileira foi caracterizada como predominantemente inercial. Isto é, mesmo que não fosse inteiramente inercial, a reforma monetária era condição necessária, embora não suficiente, para o sucesso da estabilização. Nesse sentido, embora não houvesse uma menção explícita sobre a complementariedade entre políticas de rendas - expressas nas cláusulas de conversão de rendimentos pelas médias reais - e políticas fiscal e monetária, o imperativo da neutralidade da reforma monetária dificilmente implicaria em uma recusa prévia de políticas de administração de demanda.

O movimento mais acentuado de Lara-Resende ocorre na elaboração mais detalhadade sua taxonomia tripla da inflação, que ganha destaque nas leituras de Carvalho (2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.) e Bastos e Mello Neto (2014Bastos, Carlos P. e Mario Rubens de Mello Neto. 2014. “Moeda, Inércia, Conflito, o Fisco e a Inflação: Teoria e Retórica dos Economistas da PUC-RJ”. Texto para discussão 229. UFF.). A distinção entre inflações moderadas, crônicas e hiperinflações abre espaço maior à variável fiscal, no caso das hiperinflações: “O déficit público passa, efetivamente, a ser a mola propulsora da inflação, pois qualquer déficit, por menor que seja, torna-se infinanciável” (Lara-Resende 1988, 12).

Chama atenção o diagnóstico de que a economia brasileira se aproximava rapidamente deste último cenário descrito, após o colapso do Cruzado. Neste caso, a solução para o impasse inflacionário passaria por “(...) adequar o desequilíbrio orçamentário do setor público à capacidade de financiamento não-inflacionário que, ao menos do ponto de vista das fontes domésticas, se reduz a zero” (Lara-Resende 1988Lara-Resende, André. 1988. “Da inflação crônica à hiperinflação: observações sobre o quadro atual”. Texto para discussão 209, Departamento de Economia. PUC-Rio., 13).

Não parece razoável, no entanto, comparar essa visão com a proposta anterior da moeda indexada. Se a hiperinflação puder ser caracterizada por instaurar sincronia nos reajustes nominais e suprimir o desalinhamento de preços relativos, faria pouco sentido propor uma reforma nos moldes do “Larida”. A maior mudança parece ocorrer, portanto, em relação ao diagnóstico de André Lara-Resende sobre o estágio do processo inflacionário brasileiro,44 44 É importante ressaltar que a noção de uma taxonomia tripla da inflação já estava presente em Arida e Lara-Resende (1985), não configurando, assim, novidade no pensamento do autor. agora próximo de uma hiperinflação, seguindo a caracterização do autor, em comparação ao período de 1984/85.

A preocupação de Persio Arida, diferentemente de seus colegas citados, ainda parece passar mais claramente pela questão da neutralidade distributiva da estabilização. Sua tese de doutorado, de 1992, manifestaria pessimismo em relação à possibilidade de uma reforma monetária neutra, essencialmente pelas mudanças de estratégias de portfolios dos agentes em virtude do fim da inflação. Conforme já argumentado, existem elementos expressos em Arida (1984) que indicariam esse ceticismo em relação a uma “desinflação neutra” - o que explicaria sua preocupação em discutir a adoção de pactos sociais moderados e fortes.

Carvalho (2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.) argumenta que a relação com o conflito distributivo é peculiar nos trabalhos de Persio Arida. Arida (1992Arida, Persio. 1992. “Essays on Brazilian stabilization programs”. PhD thesis, MIT.), em contraposição a seus textos anteriores, teria tratado o impasse social como um elemento secundário de sua análise - uma dentre as diversas variáveis que explicariam a dinâmica dos preços.

O conflito distributivo passaria a ser um elemento ativo na determinação da taxa de inflação em um caso específico, no qual o orçamento público estivesse equilibrado, mas as demandas salariais superassem o salário de equilíbrio da economia. Seria constituída, assim, uma espiral salários-preços, com inflação acelerando:

“Inflação por conflitos torna-se, portanto, uma instância extrema da espiral salário-preço, em contraste com a posição inicial de Arida em relação ao papel desempenhado pelo poder de barganha dos trabalhadores e das empresas na determinação do nível dos salários reais, bem como na frequência de ajustes salariais e preços (...) (Carvalho 2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo., 179, tradução própria)45 45 “Conflict inflation thus becomes but an extreme instantiation of the wage-price spiral, in stark contrast to Arida’s early stand on the role played by worker’s and firms’ bargaining power in determining the level of real wages as well as the frequency of wage and price adjustments (…)” (no original)

Cunha (2006Cunha, Patrícia. H. F. 2006. “Resenha: a estabilização em dois registros”. Estudos econômicos 36(2): 383-402.) destaca os elementos retóricos invocados por Arida e seus colegas na defesa do “Larida” em contraposição às propostas concorrentes46 46 Segundo Cunha (2006) as críticas iniciais de Arida e Lara-Resende (1985) às terapias convencionais anti-inflacionárias seriam guiadas menos pela suposta ineficácia destas e mais pelo alto custo em termos de emprego e renda. . 46 O aspecto central da pretensa superioridade da reforma monetária seria sua neutralidade distributiva, o que é paulatinamente relaxado, até a tese de doutoramento de Arida (1992).

Pode-se argumentar, alternativamente, que esse ceticismo já era flagrante nos trabalhos do autor ao menos desde 1984. A mudança estaria no mecanismo capaz de garantir a compatibilidade distributiva após a transição para um estado não-inflacionário. Se em um primeiro momento os pactos sociais eram colocados como uma alternativa viável, no momento posterior ao Plano Cruzado a administração de ganhos e perdas, temporários ou não, deixa de demandar um acordo explícito entre os grupos envolvidos:

“A viabilidade política significa não mais depender de um pacto social, mas, sim, da constituição de um grupo homogêneo sob liderança” (Cunha 2006Cunha, Patrícia. H. F. 2006. “Resenha: a estabilização em dois registros”. Estudos econômicos 36(2): 383-402., 393).47 47 Arida reconhece certa ingenuidade política de suas ideias no início do debate sobre a estabilização: “Na época era muito jovem, 33 anos. Padecia, penso que todos nós padecíamos, da falta de uma visão plena do processo de estabilização. Toda estabilização bem-sucedida tem que ter uma coalizão política que apoie o núcleo-chave de políticas. Se não houver na partida um time econômico com ideias homogêneas, uma liderança política clara e uma certa maturidade no mundo político e na sociedade sobre o que é necessário fazer, não adianta tentar. [...] A solução Larida estava fora do horizonte intelectual da época, parecia mágica” ( Biderman, Cozac e Rego 1996 , 324-335).

Uma possível explicação para a descrença sobre a viabilidade de se administrar um pacto social amplo pode passar pela experiência dos autores durante o Cruzado. Sendo inevitável fazer a ressalva de que o Plano lançado em outubro de 1986 seguiu mais próximo do receituário de Chico Lopes (em virtude do amplo congelamento de preços), sua gestão, que contou com a participação de Arida em cargo-chave, parece ter mostrado que a administração dos conflitos na sociedade ia além da mera repartição da renda global, implicando em dificuldades crescentes e variadas com as quais a equipe econômica deveria lidar. O exame dessa complexidade de variáveis distributivas da economia brasileira parece ter motivado a continuação dos trabalhos de Persio Arida, sobretudo.

Sola (1988Sola, Lourdes. 1988. “Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem transdisciplinar”. In O Estado da Transição: política e economia na nova república, organizado por Lourdes Sola, 13-62. 1ed. São Paulo: Vértice.) aponta que a circunstância política brasileira, de euforia associada à redemocratização, exigia que uma estratégia econômica para a estabilização fosse acordada e, mais do que isso, fosse compatível com “(...) reivindicações dos setores sociais que integram o pacto antiautoritário” (Sola 1988, 14). Certamente, um plano que se apresentava como distributivamente neutro, coordenando ganhos e perdas na sociedade, teria grande apelo para se legitimar perante a opinião pública.

Outra condição que facilitou a aceitação política e social do Cruzado estaria ligada à forma de ascensão social dos “economistas da nova safra”, vistos como tecnicamente competentes e críticos do velho regime, propondo políticas econômicas distintas daquelas convencionais que haviam legado ao Brasil recessão nos anos anteriores48 48 “Com efeito, um rápido escrutínio da situação na época nos revela, de um lado, segmentos da burguesia industrial com demandas particularistas e capacidade relativamente limitada de generalização em franco divórcio com a orientação dominante da política econômica; de outro, um grupo de intelectuais altamente sofisticado lutando denodadamente para conquistar espaços de poder e influência, armados de uma visão global dos dilemas do capitalismo brasileiro da qual derivavam propostas congruentes com os interesses daqueles setores. Os requisitos para que a ‘filtragem’ se produzisse estavam atendidos. O encontro acenava com perspectivas de ganhos para ambas as partes” (Cruz 1988, 263). . Do ponto de vista objetivo, um aspecto particularmente sensível era a percepção de que o processo de elaboração e implementação da política econômica durante o período militar era profundamente centralizado e tecnocrático (Sola 1988Sola, Lourdes. 1988. “Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem transdisciplinar”. In O Estado da Transição: política e economia na nova república, organizado por Lourdes Sola, 13-62. 1ed. São Paulo: Vértice., 20).

O que se percebeu pela narração das intensas disputas durante a elaboração do Cruzado, foi uma contínua centralização das decisões na “área econômica”, inclusive com a atribuição de tarefas de outros ministérios à Fazenda. A contrapartida dessa centralização foi: “(...) a quase completa exclusão da classe política (com exceção do Presidente e de membros de seu círculo próximo), e a inclusão apenas à última hora tanto do Ministro do Trabalho, quanto dos ministros militares” (Sola 1988Sola, Lourdes. 1988. “Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem transdisciplinar”. In O Estado da Transição: política e economia na nova república, organizado por Lourdes Sola, 13-62. 1ed. São Paulo: Vértice., 26).

Esse processo de isolamento da equipe econômica, contrastante com as demandas políticas vigentes, pode ser compreendido à luz da preocupação dos economistas com a garantia da neutralidade distributiva do choque. Havia o claro receio de que a inclusão de outros atores políticos pudesse desvirtuar os objetivos econômicos do plano:

“Em suma, existia uma sequência esperada pelos artífices do plano: a ação estabilizadora efetiva deveria preceder quaisquer políticas redistributivas. A cada uma delas correspondiam instrumentos à redistribuição; uma sequência que correspondia também a atos diversos de política econômica, monetários, para pôr a casa em ordem, e fiscais, para redistribuir” (Sola 1988Sola, Lourdes. 1988. “Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem transdisciplinar”. In O Estado da Transição: política e economia na nova república, organizado por Lourdes Sola, 13-62. 1ed. São Paulo: Vértice., 31).

As diversas concessões efetivadas no Cruzado em relação às propostas iniciais deixam claro que, embora a arena decisória econômica fosse bastante restrita, seus membros buscavam incorporar os possíveis constrangimentos políticos. Olhando para as primeiras repercussões do plano, Sardenberg (1987Sardenberg, Carlos A. 1987. Aventura e Agonia - nos bastidores do Cruzado. São Paulo: Companhia das Letras.) afirma:

O PMDB, os movimentos sindicais e o conjunto das forças progressistas não foram assim consultados, nem participaram da elaboração da reforma monetária. Mas permaneceram como referência durante todo o processo de preparação do programa. Depois, quando a população saiu às ruas para fiscalizar supermercados e lanchonetes, o pacto social estava feito” (Sardenberg 1987Sardenberg, Carlos A. 1987. Aventura e Agonia - nos bastidores do Cruzado. São Paulo: Companhia das Letras., 291).

Apreende-se daí o grande paradoxo do Plano Cruzado: era imperativo que os conflitos distributivos estivessem apaziguados e que o choque fosse integralmente neutro. Na impossibilidade de uma “tacada perfeita”, caberia ao Estado administrar os conflitos inerentes à estabilização, por meio de pactos sociais moderados e fortes, tomando de empréstimo os termos de Arida (1984Arida, Persio. 1984. “Economic Stabilization in Brazil”. Texto para discussão 84, Departamento de Economia, PUC-Rio.). Todavia, isso seria feito sem a negociação com as efetivas partes envolvidas nessas disputas, devendo ser administrado a partir de dentro da equipe econômica.

Como os trabalhos dos autores estudados nesse período estão intensamente influenciados pela necessidade de “proposição de soluções” (Bacha 1998Bacha, Edmar L. 1998 “Memória Acadêmica”. Economia Aplicada 2(1): 197-210.)49 49 Principalmente os trabalhos que surgiram após a publicação de Lopes (1984a). , parece plausível imaginar que a frustração política sobre a capacidade de mediação dos conflitos distributivos tenha contribuído, também, para o arrefecimento da lógica conflitiva no argumento posterior dos autores.Nesse sentido, há uma acentuação do movimento que ganhara força com as propostas de estabilização apresentadas a partir de 1984. O conflito distributivo aparece mais claramente nos debates sobre a viabilidade política e econômica da estabilização, deixando de ser mencionado explicitamente e com a mesma frequência enquanto força causadora da inflação.

O sentimento de que “nada mudou” (Sola 1988Sola, Lourdes. 1988. “Choque heterodoxo e transição democrática sem ruptura: uma abordagem transdisciplinar”. In O Estado da Transição: política e economia na nova república, organizado por Lourdes Sola, 13-62. 1ed. São Paulo: Vértice.), que teria afetado a sociedade logo após o Cruzado, poderia também ter repercutido sobre seus mentores intelectuais. Se, antes, alinhavam-se ao “pacto antiautoritário” (Sola 1988, 14), aos poucos aceitaram as dificuldades intrínsecas à abertura das arenas decisórias na economia. Possibilitava-se, assim, uma paulatina reconciliação, não apenas com o mainstream acadêmico, mas principalmente com a gestão tecnocrática da política econômica - na qual a consistência técnica da execução das políticas econômicas seria imperativa para atingirem seus resultados previstos nos modelos.

4. Conclusão

Ao longo deste trabalho, foi analisado o desenvolvimento do debate econômico brasileiro sobre inflação no contexto da década de 1980, com foco nas produções de Edmar Bacha, Persio Arida e André Lara-Resende. Buscou-se trilhar um caminho duplo, atentando à evolução da teoria, com a contraposição de trabalhos realizados antes do Cruzado com trabalhos posteriores, assim como à aplicação de alguns aspectos estudados a propostas concretas de estabilização.

Iniciando por uma breve exposição da trajetória do Cruzado, foram apresentados os embates teóricos que constituíram o paradigma da inflação inercial, a partir dos primeiros artigos que relacionavam a inflação brasileira com um conflito distributivo em torno da participação na renda global.

O teor das proposições sofreu importante inflexão com a proposta do choque heterodoxo, de Chico Lopes, em agosto de 1984. André Lara-Resende e Persio Arida se juntaram para oferecer uma alternativa ao plano de Lopes, introduzindo a proposta da moeda indexada no debate econômico. Neste momento, as discussões extrapolaram os limites estritamente acadêmicos, com várias das publicações sendo divulgadas em veículos de ampla circulação, como a Gazeta Mercantil. Não surpreendentemente, termos como “inflação inercial” passaram a ser empregados com maior frequência no debate, em esforço de convencimento de que a inflação brasileira apresentava características muito particulares que geravam seu comportamento rígido, pouco sensível a políticas contracionistas.

Apesar das condições iniciais favoráveis à aplicação de uma terapia anti-inflacionária alternativa, era preciso garantir que o repentino declínio na inflação não gerasse pressões distributivas que comprometessem a sustentabilidade da queda nos índices de preços. Persio Arida, em especial, preocupou-se em endereçar esse ponto, enfatizando a necessidade de pactos sociais que coordenassem eventuais perdas temporárias ou permanentes de grupos que eram beneficiados pelo comportamento inflacionário.

Carvalho (2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo.) aponta para uma convergência teórica marcada pelo distanciamento dos economistas em relação aos esquemas analíticos baseados no conflito distributivo do começo da década de 80. Ao mesmo tempo, a dimensão fiscal ganharia maior peso, principalmente nos trabalhos de Edmar Bacha e André Lara-Resende, com certo contraste aos trabalhos anteriores destes mesmos autores.

A sugestão aqui é que tal movimento no pensamento dos autores teria sido facilitado pela frustração da experiência do Cruzado. A busca por formas não-convencionais de se reduzir a inflação, sem gerar queda nas taxas de crescimento econômico, dependia da capacidade de criar mecanismos de controle das demandas de grupos sociais no interior do Estado. Com o Cruzado ficam muito nítidas as dificuldades intrínsecas dessa coordenação, o que possibilita compreender a resignação dos autores em aceitar a inevitabilidade de políticas de demanda centralizadas para reduzir o poder de barganha de diversos grupos nas rodadas de reajustes nominais.

O Plano Cruzado, ao optar pelo congelamento de preços, apostou que o choque heterodoxo seria a melhor forma de coordenar as incompatibilidades distributivas da economia brasileira. Nesse processo, economistas que não compartilhavam dessa visão, como Lara-Resende e Arida, passavam a manifestar a aceitação pela complementariedade entre políticas de renda e de administração de demanda - o que não era explícito em suas formulações anteriores. Corrobora-se, assim, com a leitura de que a passagem desses economistas pela equipe econômica durante o Cruzado, por si só, teria reduzido suas expectativas sobre a possibilidade de coordenação do conflito distributivo por meio de políticas econômicas não-convencionais.

Isso sugere que não houve exatamente a colocação do conflito distributivo em segundo plano teórico, mas sim uma mudança no papel atribuído ao conflito distributivo no processo de estabilização. Se, em um primeiro momento, o impasse social é apresentado nos modelos como causa da inflação, no momento da formulação de propostas de estabilização, o conflito torna-se implícito, mas ainda presente pela preocupação em garantir uma transição distributivamente neutra. Não se abandona, portanto, a visão de que se as conversões contratuais da reforma monetária poderiam introduzir descompassos entre as rendas desejadas pelos grupos sociais e que isso poderia ser foco de novas pressões inflacionárias.

Com efeito, sendo os trabalhos de Persio Arida mais eloquentes nessa direção, há uma contínua ampliação de foco da compatibilidade distributiva para diferentes setores da economia. Em Arida (1982), bem como nos trabalhos de seus colegas da PUC-Rio, as disputas se dão predominantemente no mercado de trabalho, entre capitalistas e trabalhadores. Aos poucos, essa preocupação começa a se estender a praticamente todos os contratos celebrados na economia brasileira, demonstrando crescente preocupação com a viabilidade prática de suas propostas de estabilização. Em Arida (1992), a problemática se desenvolve sobre o setor financeiro, com as mudanças de portfólio dos agentes econômicos.

A compatibilidade distributiva posterior à necessária reforma monetária passou a ser concebida como de alcance ainda mais difícil que inicialmente pensado pelos autores quando ainda elaboravam suas primeiras propostas de estabilização. A adoção de pactos sociais, tão alinhada com as aspirações democratizantes da primeira metade da década de 1980, mostrou-se politicamente desafiadora - e é provável que a passagem dos economistas pelo governo tenha reforçado essa visão. A possibilidade de lançar mão de políticas de demanda ressurge, assim, como alternativa possível para uma coordenação centralizada das aspirações de rendas dos mais diversos grupos sociais - como uma forma mais convencional de gerir o, ainda presente e incômodo, impasse distributivo.

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  • Agradeço à Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - pela concessão de bolsa de iniciação científica que permitiu a realização da pesquisa que culminou neste trabalho (Processo 2017/05173-1). Agradeço também ao professor Fernando Rugitsky pela atenciosa orientação que guiou esta pesquisa e aos colegas João Pedro Haddad, André Mazur, Vinícius Cícero, Gabriel Poveda e João Cândido Cartocci pelas leituras e valiosos comentários durante o desenvolvimento deste estudo. Os erros e omissões ficam inteiramente a cargo do autor.
  • JEL Classification

    B22, E31, N16
  • 1
    “Nos últimos quatro anos, particularmente, foram adotadas medidas severas de contenção na área monetária e, mais recentemente, na área fiscal na esperança de controlar o processo inflacionário dentro das boas regras da ortodoxia. Não obstante, a inflação continuou a subir e a principal consequência das medidas foi uma severa recessão” (Lopes 1984bLopes, Francisco L. 1984b. “Inflação inercial, hiperinflação e desinflação: notas e conjecturas”. Texto para discussão 77. Departamento de Economia, PUC-Rio., 27).
  • 2
    “Nosso maior débito intelectual em relação aos problemas da inflação contemporânea, entretanto, continua a ser para com Ignácio Rangel, que em 1963Rangel, Ignácio. 1963. A Inflação Brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro., com a publicação de "A Inflação Brasileira", estabeleceu um marco na história do pensamento econômico sobre a inflação” (Bresser-Pereira e Nakano 1984Bresser-Pereira, Luiz Carlos e Yoshiaki Nakano. 1984. Inflação e recessão. São Paulo: Editora Brasiliense., 9).
  • 3
    Outros trabalhos citados com frequência como pioneiros na visão inercialista da inflação são Sunkel (1958Sunkel, Osvaldo. 1958. “La inflación Chilena: Un enfoque heterodoxo”. El Trimestre Económico 25 (4): 570-599.) e Simonsen (1970Simonsen, Mário Henrique. 1970. Inflação: gradualismo x tratamento de choque. Rio de Janeiro: APEC Editora S/A.).
  • 4
    A escolha dos três autores citados justifica-se por algumas razões. Em primeiro lugar, todos contribuíram para a construção de uma visão da inflação brasileira enquanto resultado do conflito distributivo, principalmente em suas obras dos primeiros anos da década de 1980, assim como continuaram escrevendo sobre inflação nos anos posteriores - o que abre possibilidade para a comparação de suas obras em diferentes períodos. Ademais, participaram direta ou indiretamente da administração do Plano Cruzado: Arida ocupava cargo no Ministério do Planejamento, chefiado por João Sayad, Lara-Resende estava no Banco Central, comandado por Fernão Bracher, e Bacha era presidente do IBGE.
  • 5
    A entrada desses economistas e de suas teses no governo não se deu de maneira rápida e unânime. Segundo Sardenberg (1987Sardenberg, Carlos A. 1987. Aventura e Agonia - nos bastidores do Cruzado. São Paulo: Companhia das Letras.), Chico Lopes chegou a apresentar para Tancredo Neves, em 1984, um programa de estabilização moderado em comparação a suas propostas anteriores. A recepção do político, todavia, teria sido marcada por forte ceticismo.
  • 6
    De fato, diversos mercados foram atingidos pela escassez, como os de carne, leite e automóveis. Para o primeiro caso, o governo optou por uma política de liberalização de importações e no segundo caso, foram concedidos subsídios aos produtores (Modiano 2014Modiano, Eduardo M. 2014. “A ópera dos três cruzados, 1985-1990”. In A Ordem do Progresso, organizado por Marcelo de Paiva Abreu, 281-312. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier.). Nada foi feito em relação ao comércio de automóveis, que passou a operar com longas filas de espera.
  • 7
    O pacote, que ficou conhecido como Cruzadinho, era baseado no recolhimento de empréstimos compulsórios sobre gasolina, álcool, automóveis e viagens internacionais - equivalentes a novas taxações indiretas que deveriam ser restituídas após três anos.
  • 8
    Como comentou o general Ivan de Souza Mendes, acabava ali a “lua de mel” do Cruzado (Sardenberg 1987Sardenberg, Carlos A. 1987. Aventura e Agonia - nos bastidores do Cruzado. São Paulo: Companhia das Letras., 313).
  • 9
    O ano de 1986 foi de inflação especialmente baixa (1,9%, segundo dados do FMI) nos Estados Unidos. Enquanto isso, a variação do INPC, no Brasil, registrou inflação acumulada de 14,8% entre março e novembro de 1986. Com a taxa de câmbio nominal fixa, houve apreciação real da moeda brasileira.
  • 10
    O aumento dos preços públicos foi voltado principalmente para a gasolina, energia elétrica, telefone e tarifas postais, enquanto as alíquotas dos impostos indiretos subiram para automóveis, cigarros e bebidas.
  • 11
    Neste momento, o governo trocou o índice oficial - IPC - pelo INPC, que atribuía menor peso aos preços reajustados.
  • 12
    O gatilho salarial consistia em um reajuste automático dos salários sempre que a inflação acumulasse 20%.
  • 13
    Entre elas: a taxa de câmbio seria fixa, sem maxidesvalorização prévia; os salários seriam corrigidos pela média - acrescidos de um abono - e o controle de preços deveria atingir todos os produtos básicos. Mantinha-se alguma forma de indexação para contratos com duração superior a um ano.
  • 14
    O abono salarial foi concedido no momento do congelamento, com 8% de reajuste para todos os salários, com exceção do salário mínimo, que foi elevado em 16,1%.
  • 15
    Franco (1987aFranco, Gustavo H. 1987a. “Política de estabilização no Brasil: algumas lições do Plano Cruzado”. Texto para discussão 155. Departamento de Economia, PUC-Rio.) e Modiano (1987Modiano, Eduardo M. 1987. “The Cruzado Plan: theoretical foundations and practical limitations”. Texto para discussão 154, Departamento de Economia, PUC-Rio.) avaliam a política salarial durante o Cruzado. Bodin de Moraes (1988Cruz, Sebastião C. V. 1988. “Empresários, economistas e perspectivas da democratização no Brasil”. In A Democracia no Brasil: dilemas e perspectivas, organizado por Reis e O’Donnell, 256-281. São Paulo: Vértice.) apresenta dados da evolução do salário real no ano de 1986.
  • 16
    Em relação à política monetária no Cruzado, ver Carneiro (1987Carneiro, Ricardo. 1987. “A trajetória do Plano Cruzado”. In A política econômica do Cruzado, organizado por Ricardo Carneiro, 1-43. 1ed. São Paulo: Ed. Bienal), Carneiro Netto (1987Carneiro Netto, Dionísio D. 1987. “Heterodoxia e política monetária”. Texto para discussão 179, Departamento de Economia, PUC-Rio.) e Bodin de Moraes (1988Bodin de Moraes, Pedro. 1988. “A condução da política monetária durante o Plano Cruzado”. Texto para discussão 200, Departamento de Economia, PUC-Rio.).
  • 17
    A política fiscal é analisada em Modiano (2014Modiano, Eduardo M. 2014. “A ópera dos três cruzados, 1985-1990”. In A Ordem do Progresso, organizado por Marcelo de Paiva Abreu, 281-312. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier.). Um debate relevante é travado em torno do chamado “Efeito Tanzi” (Tanzi 1978Tanzi, Vito. 1978. “Inflation, Real Tax Revenue, and the Case for Inflationary Finance: Theory with an Application to Argentina”. Staff Papers (International Monetary Fund) 25(3): 417-451.) - Bastos e Mello Neto (2014Bastos, Carlos P. e Mario Rubens de Mello Neto. 2014. “Moeda, Inércia, Conflito, o Fisco e a Inflação: Teoria e Retórica dos Economistas da PUC-RJ”. Texto para discussão 229. UFF.) apresentam uma interpretação dessas discussões, que também podem ser encontradas em Franco (1986Franco, Gustavo H. 1986. “O Plano Cruzado: diagnóstico, performance e perspectivas a 15 de Novembro”. Texto para discussão 144. Departamento de Economia, PUC-Rio.).
  • 18
    As frustrações associadas à meta fiscal do governo teriam atingido a equipe econômica de maneira heterogênea. Arida e Lara-Resende estavam entre os que advogavam um ajuste mais firme, que acabou sendo flexibilizado até o lançamento do Cruzadinho, em julho de 1986 (Sardenberg 1987Sardenberg, Carlos A. 1987. Aventura e Agonia - nos bastidores do Cruzado. São Paulo: Companhia das Letras.). Com a interferência do Presidente da República no projeto elaborado pela equipe econômica, foi sendo consolidada uma visão entre os economistas de que os objetivos políticos do governo desvirtuavam a administração correta, do ponto de vista técnico, do programa de estabilização.
  • 19
    Hirschman (1987Hirschman, Albert. O. 1987. “The Political Economy of Latin American Development: seven exercises in retrospection”. Latin American Research Review 22(3): 7-36.) nota que o Brasil não seria o único caso de aceleração inflacionária após a instauração de um governo civil, indicando que a entrada de novos grupos sociais, com novas demandas de renda (e grupos antigos reprimidos no governo anterior), poderia explicar esse movimento.
  • 20
    Magalhães (1996Magalhães, João Paulo de A. 1996. Paradigmas econômicos e desenvolvimento: a experiência brasileira. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.) classifica o trabalho de Bacha dentro da tradição inspirada em Kalecki (1980Kalecki, Michal. 1980. “Textos diversos”. In Kalecki - Economia, organizado por J. Miglioli. São Paulo: Ed. Ática.).
  • 21
    Entende-se o “estruturalismo norte-americano” como uma tradição que aparece com as contribuições de autores como Hollis Chenery, Lance Taylor, Rudiger Dornbusch, Franco Modigliani e James Tobin, no final da década de 1970 (Carvalho 2015Carvalho, André Roncaglia de. 2015. “The Conceptual Evolution of Inflation Inertia in Brazil”. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo., 105).
  • 22
    “(...) Development economics turned mathematical in the hands of North American Structuralists and, from there, a renewed influence found its way into Brazilian debates on stabilization” (no original).
  • 23
    Em que D é a periodicidade dos reajustes.
  • 24
    Bacha e Lopes (1979Bacha, Edmar L. e Francisco L. Lopes. 1979. “Inflation, growth and wage policy: in search of a brazilian paradigm”. Texto para discussão 10, Departamento de Economia, PUC-Rio.) fazem um esforço importante na direção de preparar o terreno para o que seria a busca por um “paradigma brasileiro”. A inadequação dos modelos teóricos estrangeiros para a explicação da inflação no Brasil estaria associada a particularidades institucionais da economia brasileira, entre as quais destaca-se a periodicidade fixa dos reajustes salariais. Bacha (1983a) expande a crítica ao “monetarismo do Cone Sul”. Basicamente, o grande obstáculo do monetarismo na América Latina estaria associado à formação salarial em contextos de alta inflação, cujas particularidades seriam negligenciadas pela teoria monetarista dominante.
  • 25
    A situação externa seria agravada em 1982, por conta das crises na Argentina e no México. O México declarou moratória em agosto de 1982, enquanto a Argentina passava por um período de forte recessão, com quedas no Produto Interno Bruto da ordem de 5,69% e 4,96% em 1981 e 1982, respectivamente (Fonte: World Bank Data).
  • 26
    Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional - Título público federal emitido com a característica de pagar remuneração acrescida de correção monetária. O valor unitário do título passou a representar indexador largamente utilizado na economia brasileira (Fonte: Banco Central do Brasil).
  • 27
    “A inflação é agora essencialmente inercial, isto é, os preços sobem hoje porque subiram ontem, de acordo com o mecanismo perverso da catraca da economia indexada” (Lara-Resende 1984aLara-Resende, André. 1984a. “A moeda indexada: uma proposta para eliminar a inflação inercial”. Texto para discussão 75. Departamento de Economia, PUC-Rio., 4).
  • 28
    André Lara-Resende foi um dos primeiros a reagir à proposta de seu colega. “Ao ler o artigo de Chico (...) fiquei horrorizado. Sempre resisti à ideia do congelamento de preços. Disse ao Chico que aquilo seria um desastre. Senti-me obrigado a produzir uma alternativa” (Biderman, Cozac e Rego 1996Biderman, Ciro, Luis Felipe L. Cozac e José Marcio Rego. 1996. Conversas com economistas brasileiros. São Paulo: Editora 34., 302-03).
  • 29
    Porém, como explica Lara-Resende (1984aLara-Resende, André. 1984a. “A moeda indexada: uma proposta para eliminar a inflação inercial”. Texto para discussão 75. Departamento de Economia, PUC-Rio.): “Basta que a depreciação da taxa de conversão do cruzeiro, em relação ao NC fixada para o futuro pelo Banco Central, não seja inferior à inflação média dos últimos seis meses para que haja vantagem em optar pela conversão” (Lara-Resende 1984a, 7).
  • 30
    Vale citar a participação de Persio Arida nas controvérsias, a partir de seu artigo “Economic Stabilization in Brazil”, de 1984Arida, Persio. 1984. “Economic Stabilization in Brazil”. Texto para discussão 84, Departamento de Economia, PUC-Rio..
  • 31
    Cabe destacar que Lopes (1984aLopes, Francisco L. 1984a. “Só um choque heterodoxo pode curar a inflação”. Economia em perspectiva. CORECON: São Paulo.) é um artigo bastante enxuto, de ampla circulação, de modo que é em Lopes (1984b) que o autor deixará mais clara sua visão do fenômeno inflacionário, assim como defenderá com maior rigor sua proposta de estabilização.
  • 32
    Realinhamento que não poderia ser feito antes do choque, pois qualquer prenúncio do congelamento inviabilizaria o plano.
  • 33
    Em relação à moeda indexada de Lara-Resende, o autor afirma que a pretensa superioridade da última proposta por seu caráter voluntário seria apenas aparente. Isto é, o caráter arbitrário da moeda indexada residia justamente na imposição de uma taxa de conversão obrigatória, sem a qual ocorreriam acelerações inflacionárias na velha moeda, contaminando a nova moeda. Daí a necessidade de se manter o congelamento de preços, mesmo que acompanhada de uma reforma monetária. Modiano e Carneiro Netto (1984Modiano, Eduardo. M. e Carneiro Netto, Dionísio D. 1984. “A Mágica do Novo Cruzeiro e a geração da nova inflação”. Texto para discussão 78. Departamento de Economia, PUC-Rio.) também apontam a possibilidade da nova moeda ser contaminada pela inflação em cruzeiros.
  • 34
    A social pact in this connection may be defined as an explicit and voluntary accommodation of desired shares of national product that would render the sum equal to one” (no original).
  • 35
    O caso típico é da conversão dos contratos salariais pelas médias reais entre períodos de reajustes. Adaptando o exemplo apresentado por Arida (1984Arida, Persio. 1984. “Economic Stabilization in Brazil”. Texto para discussão 84, Departamento de Economia, PUC-Rio.), pode-se tomar um contrato que seja reajustado a cada 6 meses, de modo que seu valor real no momento de reajuste é de 20 cruzeiros e, no final, é de 10 cruzeiros, simplesmente pela elevação dos preços, enquanto o valor nominal do contrato é constante. A média real é de 15 cruzeiros, que será o valor pelo qual será feita a conversão. Para agentes que reajustaram seu contrato às vésperas da reforma, será efetivada uma redução do valor real do contrato de 20 para 15 cruzeiros. O efeito contrário ocorreria para aqueles que estivessem, digamos, no 5º mês após o último reajuste. Esse efeito poderia causar a impressão de ganhadores e perdedores durante a reforma monetária.
  • 36
    Um pacto social forte seria esperado em relação aos bancos comerciais: “First and foremost, losers will be commercial banks because they have gotten an important share of the inflation tax through their noninterest bearing deposit liabilities” (Arida 1984Arida, Persio. 1984. “Economic Stabilization in Brazil”. Texto para discussão 84, Departamento de Economia, PUC-Rio., 20).
  • 37
    With the notable exception of PT, the unrepresentativeness of political parties when judged from the standpoint of economic interests groups is endemic” (no original)
  • 38
    Mesmo assim, existe em Arida (1984Arida, Persio. 1984. “Economic Stabilization in Brazil”. Texto para discussão 84, Departamento de Economia, PUC-Rio.) menção aos conflitos distributivos como geradores das pressões inflacionárias: “No attentive observer of Brazilian inflation would deny the role of distributive conflicts. Since the sum of the demands for shares of national income is larger than one, the several groups try to impose their desired share by increasing the prices of their goods and services” (Arida 1984, 18).
  • 39
    “A ausência de diretrizes para as políticas monetária e fiscal corroborava a tese de que não existiam pressões de demanda na economia” (Marques 1988Marques, Maria Silvia B. 1988. “O Plano Cruzado: teoria e prática”. Revista de Economia Política 8(3): 101-130., 114).
  • 40
    “No caso do choque heterodoxo, a compatibilidade distributiva é imposta através dos controles de preços e rendimentos” (Lopes 1984bLopes, Francisco L. 1984b. “Inflação inercial, hiperinflação e desinflação: notas e conjecturas”. Texto para discussão 77. Departamento de Economia, PUC-Rio., 38).
  • 41
    Para Serrano (2010Serrano, Franklin. 2010. “O Conflito distributivo e a teoria da inflação inercial”. Revista de Economia Contemporânea. Rio de Janeiro 14(2): 395-421.), estava assumido na hipótese inercialista que qualquer aumento de salário nominal era repassado para os preços, de modo que o salário real dos trabalhadores nunca seria afetado por mudanças nominais. Isto corresponderia à afirmação de que o mark-up real das firmas é fixo, impedindo qualquer alteração na distribuição da renda. Essa rigidez no padrão de distribuição causava dificuldade em justificar o comportamento dos trabalhadores de insistirem em reajustes dos salários nominais pela recomposição do pico anterior. A solução encontrada à época era justamente associada à justaposição de contratos de trabalho, em típico problema de Teoria dos Jogos, no qual o trabalhador escolhe uma estratégia defensiva maximin, recompondo seu pico anterior, para evitar uma perda de renda relativa ao outro trabalhador, que poderia pedir o salário de pico.
  • 42
    Tratar-se-ia, portanto, de um “efeito Tanzi às avessas”.
  • 43
    A evidência apontada pelo autor é justamente a redução do déficit público brasileiro entre 1981 e 1984, que cai de 8,3% do PIB, em 1981, para 2,4%, em 1984, com a inflação dobrando de patamar, atingindo quase 200% em 1984.
  • 44
    É importante ressaltar que a noção de uma taxonomia tripla da inflação já estava presente em Arida e Lara-Resende (1985Arida, Persio, e André Lara-Resende. 1985. “Inertial inflation and monetary reform in Brazil”. Texto para discussão 85, Departamento de Economia, PUC-Rio.), não configurando, assim, novidade no pensamento do autor.
  • 45
    Conflict inflation thus becomes but an extreme instantiation of the wage-price spiral, in stark contrast to Arida’s early stand on the role played by worker’s and firms’ bargaining power in determining the level of real wages as well as the frequency of wage and price adjustments (…)” (no original)
  • 46
    Segundo Cunha (2006Cunha, Patrícia. H. F. 2006. “Resenha: a estabilização em dois registros”. Estudos econômicos 36(2): 383-402.) as críticas iniciais de Arida e Lara-Resende (1985Arida, Persio, e André Lara-Resende. 1985. “Inertial inflation and monetary reform in Brazil”. Texto para discussão 85, Departamento de Economia, PUC-Rio.) às terapias convencionais anti-inflacionárias seriam guiadas menos pela suposta ineficácia destas e mais pelo alto custo em termos de emprego e renda.
  • 47
    Arida reconhece certa ingenuidade política de suas ideias no início do debate sobre a estabilização: “Na época era muito jovem, 33 anos. Padecia, penso que todos nós padecíamos, da falta de uma visão plena do processo de estabilização. Toda estabilização bem-sucedida tem que ter uma coalizão política que apoie o núcleo-chave de políticas. Se não houver na partida um time econômico com ideias homogêneas, uma liderança política clara e uma certa maturidade no mundo político e na sociedade sobre o que é necessário fazer, não adianta tentar. [...] A solução Larida estava fora do horizonte intelectual da época, parecia mágica” ( Biderman, Cozac e Rego 1996 Biderman, Ciro, Luis Felipe L. Cozac e José Marcio Rego. 1996. Conversas com economistas brasileiros. São Paulo: Editora 34. , 324-335).
  • 48
    “Com efeito, um rápido escrutínio da situação na época nos revela, de um lado, segmentos da burguesia industrial com demandas particularistas e capacidade relativamente limitada de generalização em franco divórcio com a orientação dominante da política econômica; de outro, um grupo de intelectuais altamente sofisticado lutando denodadamente para conquistar espaços de poder e influência, armados de uma visão global dos dilemas do capitalismo brasileiro da qual derivavam propostas congruentes com os interesses daqueles setores. Os requisitos para que a ‘filtragem’ se produzisse estavam atendidos. O encontro acenava com perspectivas de ganhos para ambas as partes” (Cruz 1988Cruz, Sebastião C. V. 1988. “Empresários, economistas e perspectivas da democratização no Brasil”. In A Democracia no Brasil: dilemas e perspectivas, organizado por Reis e O’Donnell, 256-281. São Paulo: Vértice., 263).
  • 49
    Principalmente os trabalhos que surgiram após a publicação de Lopes (1984aLopes, Francisco L. 1984a. “Só um choque heterodoxo pode curar a inflação”. Economia em perspectiva. CORECON: São Paulo.).

Editor Responsável:

Rogério Arthmar

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2021
  • Aceito
    24 Dez 2021
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