RESUMO
Neste artigo, analiso o apagamento de intelectuais negras na construção do conhecimento científico, considerando como caso emblemático a (in)visibilização de Lélia Gonzalez no Pensamento Social Brasileiro. Para investigar a recepção da obra leliana, adoto uma abordagem qualitativa-quantitativa, articulando análise bibliométrica de produções acadêmicas com entrevistas narrativas com docentes. Os resultados indicam que as agendas de ensino e pesquisa da área reproduzem um cânone majoritariamente branco, masculino e historicamente circunscrito, marginalizando autoras como Gonzalez. Por outro lado, observam-se também indícios de abertura, especialmente no ensino, impulsionados pelas ações afirmativas, que têm favorecido a ampliação de vozes e temas anteriormente invisibilizadas.
PALAVRAS-CHAVE:
Lélia Gonzalez; Pensamento Social Brasileiro; Intelectulidade Negra; Invisibilidade
ABSTRACT
This article analyzes the erasure of Black women intellectuals in the construction of scientific knowledge, taking as an emblematic case the (in)visibility of Lélia Gonzalez in Brazilian Social Thought. To investigate the reception of Gonzalez’s work, I adopt a qualitative-quantitative approach, combining a bibliometric analysis of academic publications with narrative interviews conducted with teachers. The results indicate that teaching and research agendas in the field largely reproduce a predominantly white, male, and historically restricted canon, thereby marginalizing authors such as Gonzalez. On the other hand, there are also signs of openness, especially in teaching, fostered by affirmative action policies, which have contributed to amplifying voices and themes previously rendered invisible.
KEYWORDS:
Lélia Gonzalez; Brazilian Social Thought; Black Intellectuality; Invisibility
RESUMEN
En este artículo analizo el borramiento de intelectuales negras en la construcción del conocimiento científico, considerando como caso emblemático la (in)visibilización de Lélia Gonzalez en el Pensamiento Social Brasileño. Para investigar la recepción de la obra leliana, adopto un enfoque cualitativo-cuantitativo, articulando un análisis bibliométrico de producciones académicas con entrevistas narrativas realizadas con docentes. Los resultados indican que las agendas de enseñanza e investigación del área reproducen en gran medida un canon predominantemente blanco, masculino e históricamente restringido, lo que marginaliza a autoras como Gonzalez. Por otro lado, también se observan indicios de apertura, especialmente en la enseñanza, impulsada por las políticas de acción afirmativa, que han favorecido la ampliación de voces y temas anteriormente invisibilizados.
PALABRAS CLAVE:
Lélia Gonzalez; Pensamiento Social Brasileño; Intelectualidad Negra; Invisibilidad
INTRODUÇÃO
O manejo e o controle do debate racial constituem um pilar fundamental do Pensamento Social Brasileiro (PSB). A tradição ensaísta, formada entre o fim do século XIX e início do XX, desenvolveria suas interpretações em um contexto de emergência de um Estado-nação que fosse capaz de acompanhar a marcha da “modernidade”. Para isso, seria necessário “resolver” os aspectos “bárbaros” e “selvagens” atribuídos aos povos outrora escravizados e colonizados, e a intelectualidade se incumbiria ativamente do papel de pensar esse projeto nacional, cuja intenção tinha no horizonte superar a “mancha indelével da cor” (Cardoso, 2022).
Ao tornar o/a negro/a um objeto de seu interesse (Moura, 1978) essa tradição constrói um repertório conceitual que o/a confinou em um complexo jogo de poder epistêmico. Nesse enquadramento, a negritude seria tratada como um fóssil que deveria ter ficado no passado escravocrata, preso às estruturas coloniais. À pessoa negra restaria, portanto, o lugar de objeto de análise, raramente o de sujeito de enunciação e produção de conhecimento (Figueiredo; Grosfoguel, 2007).
Nesse marco, alguns mitos fundadores do PSB - como o da democracia racial, o da mestiçagem como símbolo nacional e o da superioridade branca sustentada pelo racismo científico - favoreceriam a construção de interpretações distorcidas sobre a participação de povos negros e indígenas na formação da sociedade brasileira, retratando-os/as frequentemente como partícipes passivos dos processos históricos, sociais, políticos e culturais (Gonzalez, 2020).
No solo teórico de Lélia de Almeida Gonzalez (1935-1994) colhemos outro modo de ler e teorizar o Brasil. Ao confrontar as narrativas da “história oficial”, ela desmantela o projeto discursivo dominante e resgata os brasis silenciados. Figura central da tradição intelectual negra brasileira do século XX, ao articular carreira acadêmica, engajamento político e docência, legou-nos uma teoria social crítica, profundamente enraizada no antirracismo, no antissexismo e no projeto de descolonização (Barreto, 2018).
Notável por sua multiplicidade, a obra de Gonzalez tem se consolidado como tema de estudo em diversas áreas do conhecimento - psicologia, filosofia, antropologia, história, ciências da saúde (Ambra, 2019; Ratts, 2022; Tolentino, 2019). Ademais, nos últimos anos, observa-se projeção significativa de seu nome, impulsionado por iniciativas recentes de publicação de coletâneas e reedição seus textos1. Se esse reconhecimento está ocorrendo, ele é fruto de um esforço coletivo de política da memória conduzido pelos movimentos negros, especialmente pelo Feminismo Negro, bem como por estudantes e pesquisadores/as signatários da política de ações afirmativas para ingresso no ensino superior, que têm (re)cobrado a contribuição da autora nos currículos acadêmicos, impedido que sua obra seja relegada ao esquecimento.
Nas ciências humanas e sociais, Gonzalez tem sido reivindicada como “intérprete do Brasil” (Barreto, 2018; Rios; Lima, 2020) - título historicamente reservado a alguns poucos autores do PSB. Será principalmente por meio do diálogo crítico em relação às ideias de setores dessa tradição que ela assegura seu lugar como uma das nossas “grandes intérpretes”.
Uma de suas principais contribuições está na formulação de uma leitura original sobre a constituição do racismo na sociedade brasileira. Em diálogo crítico com autores como Oliveira Vianna e Gilberto Freyre, Gonzalez concebe o conceito de “racismo à brasileira”, caracterizado pela lógica da “denegação” - ou negação -, como resultado da articulação entre a ideologia do branqueamento e o mito da democracia racial (Gonzalez, 2020 [1979], [1981], [1983]).
Em Oliveira Vianna, a autora identifica um dos principais ideólogos da “ideologia do branqueamento” (Gonzalez, 2020: 83). Inspirado pelas teses eugenistas do século XIX, Vianna via na miscigenação um mecanismo de arianização, associando o desenvolvimento nacional à aproximação dos padrões brancos europeus. Já o mito da democracia racial, ela atribui a gênese a Gilberto Freyre, que, embora tenha reconhecido os antagonismos entre escravizados/as e colonizadores, exaltava a mestiçagem como traço da formação nacional, negligenciando a violência inerente às relações coloniais. Nesse sentido, Gonzalez argumenta que Freyre teria auxiliado na elaboração de um mito que, ao suavizar as relações racistas que moldaram as interações sociais, teria promovido a crença de que o Brasil seria uma espécie de paraíso racial. Para ela, a sofisticação do racismo brasileiro decorre justamente da conjugação entre o anseio por branqueamento - descrito por Vianna - e a (falsa) percepção de uma convivência racial harmônica - iniciada em Freyre. Esses contornos tornariam o racismo uma opressão de difícil desarticulação, na medida em que sua existência implica sua negação.
Outro aspecto central de sua práxis teórico-política é sua contribuição para o debate sobre interseccionalidade no Brasil. Embora o termo tenha ganhado projeção no final dos anos 1990, com os trabalhos da jurista Kimberlé Crenshaw, Gonzalez já mobilizava, décadas antes, uma leitura articulada das opressões de gênero, raça e classe. Ao pensar a imbricação dessas dimensões, ela pode ser considerada uma precursora nos estudos sobre interseccionalidade, tendo ampliado as ferramentas analíticas das ciências sociais e desafiado os paradigmas unidimensionais herdados das teorias clássicas, como a marxista (Rodrigues; Freitas, 2021). Confrontando tais limitações, seu esforço analítico concentrou-se na construção de um modelo teórico-político sensível às experiências e lutas das mulheres negras tratando raça, gênero e classe como dimensões inseparáveis para compreender as desigualdades sociais, a formação cultural e o tipo de capitalismo - racializado e sexista - que se consolidou no Brasil (Gonzalez, 2020). Dito de outro modo, as lentes oferecidas por Lélia Gonzalez não permitem enxergar o Brasil, compreender os seus dilemas do passado e do presente, sem a (re)existência do povo negro, menos ainda sem as mulheres negras.
Pesquisas anteriores indicam que a recepção de Gonzalez tem se concentrado, sobremaneira, nos estudos de gênero, raça e relações raciais (Moura; Santos, 2020). A maior circulação da autora nessa agenda de pesquisa é inquestionavelmente positiva. No entanto, é igualmente fundamental expandir as perspectivas pelas quais sua obra pode ser abordada. A densidade crítica de seu pensamento oferece chaves interpretativas para diversas áreas das ciências sociais, sendo relevante incorporá-la em debates que extrapolam os nichos onde ela já é consagrada (Rios; Klein, 2022).
Partindo desse cenário, neste artigo proponho uma inflexão: Lélia Gonzalez tem sido referenciada em outros setores da produção e ensino acadêmico para além dos estudos de raça e gênero? Mais precisamente: suas contribuições têm sido mobilizadas como referência teórica no ensino e na produção acadêmica do PSB?
Para responder a essas questões, adoto uma abordagem metodológica mista (quali-quanti), estruturada em dois eixos analíticos que juntos possibilitam visualizar qual o espaço ocupa a obra leliana no âmbito da produção de conhecimento e ensino em Pensamento Social Brasileiro.
No primeiro eixo, a partir do levantamento de papers apresentados em grupos de trabalhos (GT’s), disponibilizados nos sites dos encontros anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS) e os congressos bianuais da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), entre os anos 2012 e 2022, examino os/as autores/as mais citados/as e os temas predominantes na produção contemporânea da área. A busca resultou em um banco de dados de 155 trabalhos, que foram analisados mobilizando técnicas de pesquisa bibliométricas, e em diálogo com estudos bibliométricos recentes (Carvalho; Brasil Jr., 2020). A partir disso, busquei compreender em que medida Gonzalez é (ou não) reconhecida como referência, abrindo espaço para uma reflexão sobre as razões que sustentam a invisibilização de intelectuais negras na sociologia brasileira contemporânea.
No segundo eixo, oriento a análise para a dimensão do ensino. Primeiramente, com auxílio da Plataforma Sucupira mapeei a oferta de disciplinas com enfoque temático no PSB e/ou Sociologia Brasileira, oferecidas em programas de pós-graduação em Sociologia e Ciências Sociais no Brasil. Entre os 52 programas de pós-graduação da área avaliados pela Capes2, 28 ofereciam em seus currículos as referidas disciplinas, dos quais selecionei e encontrei 22 ementas que dispunham de informações suficientes para análise (indicação de bibliografia básica e complementar). Com esses dados, articulados à realização entrevistas com docentes responsáveis pelas disciplinas, busquei compreender principalmente os critérios de seleção de autores/as para leituras obrigatórias e complementares e a inserção (ou não) de Gonzalez nesse panteão.
As entrevistas cumpriram um papel de aprofundamento qualitativo, a fim de perscrutar alguns dos processos sociais e epistemológicos que envolvem a construção curricular: qual o nível de discussão está sendo proposto? Quais os/as autores são considerados fundamentais para serem apresentados aos estudantes? Quais ficam dentro e quais ficam de fora das leituras obrigatórias e complementares, e por quê?
Nas considerações finais retomo a indagação/inquietação que conduz o artigo: por que certas vozes seguem sendo marginalizadas na produção intelectual acadêmica? A partir de Lélia Gonzalez, reflito sobre o racismo epistêmico que marca a consolidação de campos disciplinares, os mecanismos de silenciamento e as possibilidades de ruptura no âmbito do PSB.
LÉLIA GONZALEZ NA PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DO PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO
Um dos objetivos centrais da pesquisa que originou este artigo era analisar a recepção de Lélia Gonzalez e sua influência nas discussões contemporâneas do Pensamento Social Brasileiro. No entanto, ao examinar os dados coletados, um fato inviabilizaria a consecução desse objetivo: entre os 155 trabalhos identificados nos GTs da área, apresentados nos eventos da SBS e da ANPOCS, apenas dois referenciavam textos da autora.
Nessas duas únicas ocorrências, a obra de Gonzalez é mobilizada de forma pontual: no primeiro caso, como referência introdutória à abordagem decolonial (Portela, 2021); no segundo, como aporte conceitual para a discussão sobre a escrevivência - termo cunhado pela escritora Conceição Evaristo, que orienta as produções de pesquisadores/as negros/as, a partir da experiência encarnada e da memória (Pereira, C.; Pereira, A., 2021).
Diante da escassez de materiais que contemplassem a obra de Gonzalez, fui impelida a reorientar os rumos da pesquisa. Passei, então, a buscar compreender por que intelectuais como ela permanecem praticamente impenetráveis ao PSB. Como explicar que uma autora cuja obra é fundamental para compreender as relações sociais e raciais no país siga ausente das discussões da área? A análise passou a se concentrar, então, na identificação das principais características da produção do PSB, com o intuito de entender as razões pelas quais ela não é referenciada, a despeito de sua relevância. Ou seja, me voltei para o que está passível de observação: onde não vejo Lélia Gonzalez, o que posso enxergar de sua ausência?
A explicação mais direta para esse silenciamento remete ao racismo epistêmico que estrutura as instituições e o conhecimento acadêmico. Ramón Grosfoguel (2016) define essa manifestação do racismo como resultado do processo histórico ocidental que atribuiu privilégio epistêmico a um circuito provinciano de homens brancos, garantindo-lhes o poder e controle dos dispositivos da produção e validação do conhecimento. Esse privilégio teria sido impulsionado pela dominação e imperialismo europeus, que colocou em marcha processos redefinição e classificação do mundo sob os preceitos da cosmologia cristã, caracterizando os outros sistemas de conhecimento como pagãos, demoníacos e primitivos. Aliado a isso, a crença de que somente por meio da tradição greco-romana, que passou pelos estágios do Renascimento e Ilustração, se poderia alcançar a verdade científica. Tais premissas deram origem à instituição de uma lógica excludente, que fundamenta, entre outras coisas, a realidade que intelectuais negros/as dificilmente sejam legitimados e vistos como produtores de epistemologias válidas.
Uma outra explicação que deve ser considerada exige mais tempo de explicação e guarda relação com o que tem sido mais destacado no interior da agenda de pesquisa da área. Isso incluiu esquadrinhar os temas e objetos de análise mais relevantes, bem como os/as “intérpretes do Brasil” mais referenciados/as etc. Para visualizar esse panorama, dialogo com outros estudos bibliométricos que examinam a produção de conhecimento da área, cujas tendências oferecem um retrato das referências e enfoques temáticos preponderantes.
Carvalho e Brasil Jr. (2020) realizaram um levantamento acurado de autores que submeteram trabalhos nos GTs de PSB da Anpocs e da SBS (2002-2020), tendo constituído um corpus de 664 artigos. No contexto desse levantamento dois aspectos são aqui particularmente relevantes: o primeiro refere-se ao/as autores/as mais citados/as e o segundo sinaliza os principais temas e objetos de estudo.
A partir da análise da rede de cocitação, Carvalho e Brasil Jr. evidenciam que há, na produção bibliográfica da área, um reforço a um conjunto de intelectuais ligados ao período ensaísta e ao momento da institucionalização da disciplina:
O maior grupo, em azul, reúne nomes como Antonio Candido (173 citações), Gilberto Freyre (131), Mario de Andrade (82), Sérgio Buarque de Holanda (61), Alceu Amoroso Lima (35) e Caio Prado Jr. (26). O nosso ensaísmo estaria aí bem representado, com os nomes mais “canônicos” do pensamento social no Brasil. Já o grupo verde reúne basicamente os principais nomes da geração pioneira das ciências sociais institucionalizadas no Brasil, como Florestan Fernandes (191 citações, o mais citado de todos), Fernando Henrique Cardoso (50), Roger Bastide (41), Octavio Ianni (37), Maria Isaura Pereira de Queiroz (35), Charles Wagley (32) e Donald Pierson (29). Por fim, o grupo laranja, mais centrado no “pensamento político brasileiro”, ainda que não exclusivamente, congrega Raymundo Faoro (91 citações), Guerreiro Ramos (89), Joaquim Nabuco (51), Oliveira Vianna (48), Afonso Arinos de Melo Franco (47), Celso Furtado (36), entre outros. Ainda chamam a atenção mais dois grupos: um em rosa, com nomes de escritores como Lima Barreto (30 citações), e outro na cor vinho, abarcando autores ligados ao debate racial no primeiro terço do século XX, como Edgard Roquette-Pinto (43 citações) Euclides da Cunha (21) e Renato Kehl (17) (Carvalho; Jr., 2020: 605)
Não passa despercebida a centralidade assumida por autores considerados clássicos - os “grandes ensaístas” das décadas de 1930 e 1940, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e Caio Prado Jr. Em todos os balanços publicados, esses três nomes figuram entre os mais citados (Botelho; Schwarcz, 2011; Brasil Jr. et al., 2020; Carvalho; Brasil Jr., 2020). Em síntese, o panteão que conforma a agenda do PSB segue sendo composto majoritariamente por intelectuais homens, brancos, situados em uma temporalidade histórica que vai até, no máximo, a produção intelectual dos anos 1970.
Essa configuração reflete o que Connell (2012: 311) aponta como característico da formação dos cânones disciplinares: a ideia de um conjunto de “textos clássicos disciplinares definidores escritos por um pequeno grupo de autores brilhantes e uma linha direta que descende deles para nós”. Em outras palavras, reproduz-se uma concepção que legitima um repertório restrito de autores e perspectivas.
Aqui, é pertinente incorporar debates contemporâneos que problematizam os critérios que definem o que se entende por “clássico” ou “canônico” nas ciências sociais. Hamlin, Weiss e Brito (2022), ao discutirem o apagamento de mulheres no cânone sociológico, convocam Alan How e, sobretudo, Peter Beher, para introduzirem discussões sobre o tema. Grosso modo, identificam em ambos os autores uma distinção entre os conceitos de “clássico” e “canônico”: enquanto o primeiro diz respeito a textos com valor intrínseco, reconhecidos ao longo do tempo por uma comunidade intelectual, o segundo contemplaria os processos institucionais e sociais de consagração, marcados pela seleção e sacralização de um grupo restrito de autores e textos. Ao questionarem essa distinção, elas chamam atenção para as condições e dinâmicas de poder que conectam o reconhecimento de uma obra como clássica à sua inclusão em um cânone. Nesse sentido, para elas o valor de uma obra, por si só, não bastaria, seria necessário um ambiente cultural disposto a recebê-la para que tenha oportunidade de circular, ser lida, debatida e transmitida para gerações posteriores (2022: 44-45). Sem desconsiderar a relevância dos debates em torno de “clássico” e “cânone” para a identidade da disciplina, as autoras propõem repensá-los por meio da ideia de “polifonia”, que pressupõe a coexistência contrapontística de vozes e perspectivas historicamente apagadas da narrativa oficial da sociologia.
Ainda em relação aos autores mais relevantes, Carvalho e Brasil Jr. (2020) observam com um certo otimismo o que consideram “uma expansão gradual” do escopo de intelectuais reconhecidos para orientar os debates sobre o Brasil. Referem-se a algumas exceções notáveis, como Maria Isaura de Queiroz e Alberto Guerreiro Ramos. Para eles, nas últimas décadas, houve um maior reconhecimento de autores/as outrora esquecidos/as e marginalizados/as no desenvolvimento da disciplina.
Sem dúvida, é positivo que o PSB esteja se abrindo, e que esteja ocorrendo o (tardio) reconhecimento de intelectuais como Ramos e Queiroz. Entretanto, a incorporação de um único autor negro e uma autora mulher não me parece suficiente para caracterizar uma verdadeira ampliação do campo.
Em relação às principais temáticas e objetos de estudo, Brasil Jr. e Carvalho (2020), empregando técnicas de acoplamento bibliográfico, mapearam uma rede de 546 artigos científicos, identificando 12 comunidades temáticas que compõem a agenda de pesquisa do PSB, conforme ilustrado na Figura 1. É importante ponderar que o PSB não possui um objeto ou definição únicos, tampouco fronteiras temáticas rígidas, na medida em que é marcada por uma diversidade temática e teórico-metodológica (Botelho, 2015).
Os autores identificaram seis comunidades temáticas preponderantes. A maior delas, em amarelo, corresponde ao conjunto de estudos em sociologia dos intelectuais, sociologia da literatura, sociologia da cultura e campo intelectual. A segunda, em verde claro, é formada por artigos sobre temas como democracia, liberalismo, eleições e autoritarismo, e estudos no campo do pensamento político brasileiro. A comunidade 3, na cor lilás, volta-se para temas como modernidade, mudança social, imigração e desenvolvimento, bem como a história das ciências sociais no Brasil, estudos de comunidade, sociologia no Brasil e memória. A comunidade 4, na cor azul-turquesa, comporta temas como instituições e cultura política, partidos políticos, forças armadas e eleições, democracia, centralização e descentralização. A comunidade 5, destacada na cor azul-escuro, contempla temas relacionados à subárea da sociologia política, movimentos sociais e ativismo transnacional, bem como questões de gênero, sexualidade, mídias digitais e internet. Por fim, a comunidade 6, em vermelho, abrange a história das ciências sociais, a formação do Estado nacional e a história da ciência (Carvalho; Brasil Jr., 2020).
As comunidades 7 e 8, menos acopladas e com menos artigos, apresentam temas relativamente espalhadas pela rede e estariam na interseção com várias outras comunidades, mediando diferentes discussões. A comunidade 7, em preto, os temas orbitam em torno do modernismo e movimentos culturais brasileiros em geral. E, finalmente a comunidade 8, em azul-claro, voltada para discussões sobre raça e relações raciais.
Não é um dado irrisório o debate de raça estar representado com a menor relevância dentro da rede analisada. Por ser um tema fundante nas ciências sociais brasileiras, as discussões relacionadas à raça, relações raciais e racismo careceriam de maior espaço e importância. Não há PSB sem o seu viés racial e as práticas internas de racismo científico que a área reproduziu ao longo de sua constituição (Munanga, 2019; Pereira, 2003).
Devido às limitações dos dados coletados, não foi possível realizar um mapeamento detalhado dos autores e autoras mais citados. A plataforma VOSviewer filtra com precisão apenas dados de bases consolidadas, como Scopus ou Web of Science. Como os dados utilizados nesta pesquisa foram extraídos de papers disponíveis nos anais de eventos científicos, esse nível de detalhamento não pôde ser alcançado. A maioria dos trabalhos não apresentava metadados completos, como resumo e palavras-chave, o que dificultou a construção do corpus. Para viabilizar a análise, utilizei o Zotero para revisar e preencher manualmente os metadados de cada trabalho antes da submissão à plataforma.
A título de explicação, o VOSviewer oferece uma métrica a partir de dados bibliográficos, fazendo análise da ocorrência de palavras-chave, que permite identificar padrões nas relações entre os termos de pesquisa. Ao processar os dados, o sistema gera conexões entre as palavras representadas visualmente por meio de clusters (grupos de palavras), que indicam a co-ocorrência ou a proximidade entre os termos na análise de texto (Salmi; Fleury, 2022). Os dados foram submetidos à análise por meio da seleção do filtro de busca de co-ocorrência de todas as palavras (all keywords), com o critério de um número mínimo de quatro ocorrências para cada palavra-chave. A partir disso, o software gerou seis principais clusters, que representarão, portanto, os agrupamentos temáticos mais relevantes no material analisado (Figura 2).
Foi possível destacar cinco grupos de temas principais. O agrupamento mais expressivo, com maior recorrência de palavras-chave tratam do tema da Modernização e Desenvolvimento. O segundo agrupamento contempla estudos sobre Intelectuais e Intelectualidade, o que corrobora, com os estudos bibliométricos anteriores (Brasil Jr.; Jackson; Paiva, 2020; Carvalho; Brasil Jr., 2020), nos quais o tema é bastante expressivo. Os trabalhos desse grupo possuem uma franca abordagem às trajetórias intelectuais e a obras de autores consagrados que explicitaram ou colaboraram para a construção de uma imaginação social para interpretar os fenômenos sociais no país.
O terceiro eixo temático é representado pelas seguintes palavras-chave: Gilberto Freyre (8); formação nacional (4); relações raciais (4). Entre os intelectuais que possuem sua obra ou contribuições como tema principal nos trabalhos analisados, como se pode verificar, Gilberto Freyre se sobressai.
O tipo de documento utilizado nesta análise não permitiu verificar a recorrência de citações, o que dificultou identificar os/as autores/as e intelectuais mais citados/as. Mas, considerando apenas os títulos e as palavras-chave, é notável a recorrência frequência de trabalhos centrados na obra de Gilberto Freyre. Embora se considere que um texto ou um autor possam ser referenciados de diferentes formas, “a análise de citações permite compreender a quem os cientistas sociais vêm recorrendo quando tentam entender determinados temas” (Campos, 2015: 17).
A expressiva presença de Gilberto Freyre no corpus analisado se deve não apenas pelo valor intrínseco de sua obra, como também pelos processos sócio-políticos do conhecimento científico, que preconiza a construção de cânones, como sugerem Hamlin, Weiss e Brito (2022). No material analisado, foram identificados oito papers que trazem como foco central os conceitos e obras do autor (Corção, 2011; Gahyva, 2018; Meucci, 2011, 2012; Picelli, 2021; Silva, 2015; Simões, 2017). Em termos gerais, ao analisar essa bibliografia, percebo que ela se expressa por movimentos de releitura, reabilitação e aprofundamento no aparato teórico de Freyre. Além disso, é notável que esses textos compartilham um ponto comum: reafirmam o lugar do autor como um dos “melhores clássicos” (Silva, 2015) para pensar os dilemas do passado e do presente.
Além de Freyre, outros autores que são recorrentes como objetos de estudo são Florestan Fernandes, Guerreiro Ramos e Roberto Schwarz. É digno de nota a relevância de Alberto Guerreiro Ramos, demonstrando novamente que o campo está iniciando alguma abertura e revisão do cânone ainda que de forma incipiente.
Finalmente, na quarta posição o agrupamento que gira em torno de temas concernentes à Região e regionalismo, em que sobressaíram estudos sobre a interpretação e representação da Amazônia em textos literários e abordagens intelectuais. O quinto e último grupo temático, menos expressivo que os anteriores, trata de questões relacionadas à discussão de gênero na intersecção com educação.
A partir dos dados e das reflexões mobilizadas nesta seção, depreende-se que, de modo geral, o PSB, como campo disciplinar e agenda de investigação, tem pautado um modo específico de enxergar a realidade, no qual as contribuições e legados de intelectuais negros/as não ocupam ainda um espaço significativo.
Portanto, é evidente a invisibilidade de Lélia Gonzalez na produção bibliográfica recente do PSB, tanto como referência, quanto como objeto de investigação. Isso pode ser interpretado como reflexo das características dessa produção acadêmica, bem como dos pressupostos que constituem a própria disciplina.
A partir da análise dos dados e das discussões sobre o tema, um aspecto que pode elucidar a ausência de reconhecimento de figuras como Lélia Gonzalez na produção acadêmica da área pode guardar relação com a forma como sua história tem sido contada. Geralmente, a cronologia adotada segue uma linearidade histórica que se inicia com a produção intelectual da década de 1930 - às vezes abrangendo o período “pré-científico” - se estendendo até, no máximo, a década de 1970 (Botelho; Schwarcz, 2011; Liedke Filho, 2005). E mesmo considerando essa cronologia, a referenciação ou mesmo a menção a obra de intelectuais negros/as é quase completamente inexistente3.
Foi sobretudo nos anos 1980 que novas pautas e movimentos sociais organizados ganharam força. Nesse cenário, a insurgência do Movimento Negro e do Movimento de Mulheres Negras desempenhou papel determinante ao confrontar análises que restringiam a compreensão das desigualdades e formas de resistência ao critério exclusivo de classe. A contribuição desses setores foi decisiva para redimensionar a compreensão das dinâmicas sociais no Brasil. Ao evidenciarem o caráter sistêmico do racismo e do sexismo, abriram caminho para uma reflexão mais complexa e situada da realidade. Principalmente as intelectuais-ativistas negras, ao destacarem a especificidade da experiência das mulheres negras, trouxeram para o cerne do debate questões relativas à interseção entre raça, gênero e classe (Gonzalez, 2020). Entretanto, ao que tudo indica, essa produção e experiência, esteve e segue sendo excluída das fronteiras disciplinares do PSB.
O sociólogo Enno Liedke Filho (2005), ao traçar o desenvolvimento das ciências sociais no Brasil, chega a afirmar que os temas das “identidades e representações”, marcantes dos anos 1980 e 1990 representaram o enfraquecimento das ciências sociais, pois teriam seguido um caminho teórico-metodológico problemático, ao privilegiarem análises microssociais. Em suas palavras: “a despeito de sua relevância, talvez tenham se tornado, então, obstáculos epistemológicos, dada a imediatez, subjetivismo e empiricismo de parcela significativa dos estudos desenvolvidos” (2005: 425).
Na ótica do autor, o caminho do pensamento sociológico brasileiro se encerra justamente no período em que Gonzalez e outras/os autoras/es estavam tensionando o cânone intelectual e paradigmático das ciências sociais. Como Gonzalez sinaliza (2020), tanto discursos da direita conservadora, até os setores mais progressistas da esquerda e da teoria social enquadraram as questões colocadas por intelectuais e ativistas negros/as como revanchistas, como formas menos robustas para pensar a realidade social. Nomeava-se como “pautas identitárias” tudo o que não fosse considerado uma análise de classe e de aspectos político-econômicos “mais abrangentes” e “macrossociológicos”. Nesse enquadramento do que é e foi considerado verdadeira sociologia, temáticas ligadas à raça e gênero foram sumariamente marginalizadas e taxadas como “não científicas”.
Por fim, um outro fator que parece explicar a invisibilização da autora relaciona-se a escassez de espaços dedicados aos estudos de raça dentro da agenda de pesquisa do PSB. Ainda que não se restrinja a ela, a questão racial constitui-se como um dos eixos transversais em toda a obra da autora. Se o tema não tem recebido a devida atenção, dificilmente autoras/s negras/os serão tematizadas. Em relação a outros temas, ainda que Lélia tenha contribuições importantes em debates consagrados na agenda de ensino e pesquisa do PSB, como formação nacional e o desenvolvimento e as características do capitalismo no Brasil (Santos, 2024), ela não tem sido citada ou referenciada. Não se sustenta a justificativa para a não incorporação da autora na abordagem desses temas, na medida em que, a partir da perspectiva racial e interseccional Lélia Gonzalez refletiu e ofereceu entendimentos determinantes para compreendê-los. Resta pontuar também que o lugar da autora como intelectual parece ainda não ter se consolidado, uma vez que os trabalhos alinhados à sociologia dos intelectuais ainda não direcionaram atenção para sua obra.
LÉLIA GONZALEZ NO ENSINO DO PENSAMENTO SOCIAL NO BRASIL
Se a análise dos trabalhos apresentados nos GT’s da ANPOCS e da SBS revela a ausência de interlocução com a obra leliana no Pensamento Social Brasileiro, no ensino começam a surgir alguns movimentos germinais de abertura. Os planos de ensino mapeados - e, sobretudo, a interlocução com docentes que ministram disciplinas de PSB - foram fontes fundamentais para aprofundar qualitativamente a reflexão acerca da (in)visibilização de intelectuais negras, na medida em que permitiram compreender como se dão os processos de construção de currículos e propostas de ensino no âmbito da disciplina.
Antes de apresentar as discussões que esses dados suscitaram, cabe destacar o perfil dos/as docentes entrevistados/as. Entre aqueles/as que aceitaram participar, quatro são homens e três mulheres; a maioria se autodeclarou branca, com exceção de uma docente que se autodeclarou parda. O tempo médio de atuação na docência varia entre 10 e 25 anos. A maior parte leciona e atua nas regiões Sul e Sudeste, e apenas uma docente atua na região Nordeste.
O Quadro 1 a seguir apresenta as informações básicas sobre região de atuação, idade e tempo de docência dos/as entrevistados/as:
Entre os 22 planos de ensino o número de vezes que textos de Gonzalez aparece perfaz 4 ocorrências. Dos/as sete docentes entrevistados/as, dois relataram incorporar efetivamente sua obra às disciplinas que ministram. Permanece, entretanto, uma desproporção: na análise dos planos de ensino, nomes como Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda figuram como os autores com maior número de ocorrências, como se pode observar na Tabela 1:
O currículo, como documento concebido em uma arena de disputa, é também um lugar onde se atualiza ou se mantém os cânones. E, como revelam os dados, os cânones refletem ainda uma tradição intelectual específica: majoritariamente branca e masculina. O que está em jogo aqui não é apenas o que se escreve sobre o Brasil, mas como e com quem se aprende a pensá-lo.
A criação de um programa de ensino para uma disciplina ou curso é intrinsecamente política. Todas as etapas de sua elaboração, desde a definição dos tópicos, dos objetivos, as leituras que serão indicadas, estão inscritas em dinâmicas de poder (Aguiar, 2012; Macedo, 2012). Ao ponderar sobre a construção de seu planejamento de ensino, a docente Tatiana - uma das entrevistadas - evidencia como esse documento opera na constituição de cânones. Ela afirma: de alguma maneira sempre que a gente dá um curso como esse a gente está participando de um processo de constituição de um cânone [...] quais são as obras principais, quais são os autores principais que têm que ser tratados ou não.
As entrevistas com docentes das disciplinas com enfoque no PBS oportunizaram perceber de modo mais aproximado o grau de interlocução ou não com a obra de Gonzalez. Para além disso, evidenciaram movimentos disruptivos que emergem nas salas de aula, especialmente a partir da interação com um corpo discente que tem se transformado como resultado da implementação das cotas étnico-raciais e sociais para acesso à graduação e à pós-graduação. A maioria dos/as interlocutores da pesquisa reconhecem que a presença crescente de estudantes negros/as, indígenas e periféricos/as tem impactado suas práticas pedagógicas e epistemológicas, gerando deslocamentos nos modos de ensinar e de interpretar o Brasil.
Gilmar: Então, eu tive contato com estudantes de todo o país ao longo dos últimos anos, no ambiente da sala, muito mais diversos e muito mais interessante para discutir as questões nacionais sobretudo, né? É uma coisa, eu costumo dizer, o Brasil é muito diferente daquilo que você enxerga daqui de Florianópolis, se você olha o Brasil a partir da sua experiência em Florianópolis, você não tem noção do que é o país. O Brasil é muito diferente do que você vê daqui um lugar predominantemente branco, de classe média, que tem uns tipos de problema que não tem outro lugar, você não vê a pobreza na cidade entende? É outro tipo configuração.
Fernando: Para mim, é evidente que esse anseio por redefinição desse campo, dessa subárea de ampliação de perspectivas, de obras, está fortemente vinculado a essa alteração muito positiva do universo de estudantes das universidades brasileiras. [...] E acho que essa é uma tendência que está longe de se esgotar, para ser sincero. Acho que cada vez mais somos apresentados a novas obras, novas personagens, novas agendas intelectuais. E, no meu modo de entender, isso só tem a enriquecer cada vez mais a maneira como a gente percebe o pensamento social brasileiro.
Roberto: Quer dizer, na sala de aula a coisa muda completamente, né? Porque uma coisa é falar para uma classe formada, muito majoritariamente por alunos e alunas brancos. Outra coisa, é discutir essa questão racial para uma classe formada por contingentes mais já, mais próximos, mais equilibrados é entre, alunos brancos e alunos PPI [Pretos, Pardos e Indígenas].
Esses relatos evidenciam o potencial de enriquecimento na construção do conhecimento em contextos de ensino marcados pela diversidade. Quando múltiplas experiências ocupam o espaço da sala de aula, as fronteiras se deslocam, desestabilizando o cânone estabelecido. Gilmar, por exemplo, ressalta que essas transformações ganham ainda mais relevância no contexto de uma disciplina cujo nome é “Pensamento Social no Brasil”. Para ele, a diversidade discente trouxe mais Brasil para dentro da sala de aula. Nessa perspectiva, o Brasil é mais Brasil quando a composição dos estudantes se torna mais plural, ampliando, por consequência, as oportunidades de diálogo e diversificando as discussões teóricas.
Tatiana também aponta para esse esforço de renovação intelectual, sinalizando para modos não canônicos de abordar autores e textos canonizados:
Então é um esforço, de fato, de tanto trazer em perspectiva autores e autoras que ficaram marginalizados, né? E discutir essa margem como um lugar heurístico importante. [...] Por outro lado, é ver os autores canônicos de uma nova maneira, desconstruir o cânone exige duas direções: não é só trazer os autores desconhecidos, mas trazer os autores conhecidos de um modo novo.
Fernando, em consonância, enfatiza o anseio por diversificação dos vocalizadores para interpretar o Brasil:
Mais recentemente, é um anseio que eu percebo, um anseio muito premente de buscar acentuar a constituição muito conflitiva desse contexto intelectual, [...] abrir as nossas leituras, as nossas discussões para um conjunto mais ampliado de perspectivas e de vozes.
As narrativas dos/as interlocutores/as da pesquisa revelam uma diversidade de abordagens no ensino do PSB. Identificam-se esforços significativos no sentido de atualizar repertórios teóricos e epistemológicos, sobretudo em resposta aos anseios de uma nova geração de estudantes que tem tensionado e disputado outras formas de compreender o Brasil.
A ampliação do acesso de jovens negros/as, indígenas, quilombolas e periféricos/as, a partir das ações afirmativas, tem oferecido condições para a formação de disputas epistêmicas, no qual rupturas e diálogos com as tradições dominantes se tornam possíveis (Costa, 2022; Oliveira, 2022). Essa nova geração tem ocupado as universidades reivindicando abertura à pluralidade de formas de ser, saber e sentir. Nesse movimento, é a juventude negra que tensiona fronteiras disciplinares, reivindicando a presença de vozes e referências que lhes foram negadas.
Um exemplo disso aparece no depoimento da professora Luíza, quando relata seu processo de “descoberta” de Lélia Gonzalez:
Como é que Lélia entra na minha vida? Através das estudantes de mestrado. [...] Acho que por volta de 2018 para 2019, um grupo de meninas do mestrado [...] começaram a estudar feminismo negro. [...] Foi através delas que eu fui me aproximando do texto da Lélia, fui atrás de conhecer a biografia dela.
Contudo, ainda que se reconheça a disposição para autoatualização e abertura às emergências teóricas e políticas por parte dos meus interlocutores, não posso deixar de indicar que, em alguns casos, parece permanecer um hiato entre o reconhecimento das transformações promovidas pelo novo corpo discente e a efetiva disposição de reconfigurar os cânones da disciplina - ou aquela proposição de uma “polifonia” de vozes, proposta por Hamlin et. al. (2022). Ainda que conheçam Lélia Gonzalez, como se pode perceber nas entrevistas, não a incorporam na discussão da disciplina (apenas dois relataram indicar seus textos no plano de ensino). Notei que há, ainda, certa timidez em alterar de forma significativa o perfil racial e de gênero dos/as autores/as que compõem os programas de ensino, como se pôde ver na Tabela 1. Sustento como hipótese que isso está relacionado às trajetórias intelectuais e temáticas de interesse dos/das docentes. Ainda que se mostrem abertos/as a mudanças, suas referências costumam orbitar em torno dos temas que pesquisam ou pesquisaram em suas formações. E, como foi possível perceber, via de regra, os/as entrevistados/as não desenvolvem suas abordagens de PSB em diálogo direto com a questão racial. Essa hipótese se ilustra bem no relato da professora Marta, ao afirmar que sua abordagem está centrada na formação agrária do Brasil: “Assim como tem pesquisadores que estudam pensamento social muito ligado à questão racial, eu sempre estudei pensamento social muito ligado à questão rural.”
É importante destacar, no entanto, que mesmo temas como a questão rural podem ser vinculados às dimensões de raça e gênero. A não incorporação de Gonzalez, não se justificaria, a meu ver, pela suposta desconexão temática, mas pode expressar uma delimitação dos marcos teóricos que seguem operando a partir de um olhar desrracializado do social.
Em síntese, as entrevistas e os planos de ensino analisados revelam um cenário ambivalente, mas propositivo: de um lado, em decorrência das mudanças advindas com as ações afirmativas, há indícios de uma abertura às vozes até então marginalizadas; de outro, observa-se que essa abertura ainda é incipiente. A presença de Gonzalez - e de outros/as intelectuais negros/as - nos programas de ensino como referência para pensar e ensinar Pensamento Social Brasileiro segue em construção, em meio a disputas e embates epistêmicos que atravessam o campo acadêmico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora Lélia Gonzalez seja hoje uma das intelectuais negras mais notabilizadas, este trabalho evidenciou que seu legado intelectual permanece ausente em determinadas áreas do conhecimento, como o Pensamento Social Brasileiro. Em contrapartida, sobretudo no âmbito do ensino da disciplina, nota-se o papel insurgente das ações afirmativas, que têm criado condições de possibilidade para a pluralização das vozes “pensar o Brasil”, favorecendo a incorporação de intelectuais e temas historicamente invisibilizados.
Situo a (in)visibilização de Lélia Gonzalez como expressão de um racismo epistêmico enraizado nas estruturas institucionais acadêmicas, que historicamente perpetuam o desconhecimento acerca da vida e da obra de autoras negras. Trata-se de um silenciamento que opera por meio da negação do valor intelectual e na desautorização de seus lugares de enunciação e produção. Além disso, como foi possível perceber, essa invisibilidade pode refletir a consolidação de um cânone que se fixou em um conjunto de autores brancos, oriundos de um intervalo histórico restrito - sobretudo entre as décadas de 1930 e 1970 -, cujas obras passaram a ser reiteradamente legitimadas como centrais. Tal seleção parece ter estabelecido fronteiras ao PSB, dificultando o diálogo com vozes e perspectivas que desafiem suas premissas fundadoras. Mesmo diante da originalidade e do caráter profundamente disruptivo das contribuições de Gonzalez, sua obra ainda não tem recebido esforços significativos de difusão e integração nos currículos e debates que formam o campo.
Na tradição hegemônica do PSB, o/a negro/a foi frequentemente representado/a como figura fossilizada, desprovida de agência e de capacidade intelectiva. Como denuncia Gonzalez (2020: 73), trata-se de um processo de infantilização e coisificação, no qual pessoas negras são impedidas de falar por si e de serem reconhecidos como produtores/as de epistemologias legítimas.
É justamente contra esse paradigma que se inscreve a radicalidade da obra leliana. Sua filiação à tradição do pensamento negro brasileiro - profundamente crítica e comprometida com a justiça cognitiva - se expressa na recusa à objetificação e à imposição de lugares pré-estabelecidos. Ao retratar o Brasil, ela denuncia os mecanismos de exclusão racial e de gênero, afirmando o ato de falar em todas as suas implicações como um gesto político de resistência. Reconhecer plenamente a radicalidade de Lélia Gonzalez implicaria, em última instância, desestabilizar os alicerces sobre os quais o Pensamento Social Brasileiro se constituiu - e talvez, como ela mesma nos inspiraria a pensar, implodir essa disciplina tal como a conhecemos.
Se Lélia está ausente, o que se pode fazer ver desse fato? Ecoo então os projetos de justiça social e cognitiva ensejados pela intelectualidade negra: não é mais plausível que continuemos a contar a história de nossas ideias a partir de uma perspectiva única (Adichie, 2019).
Disponibilidade de dados:
Os dados que suportam os resultados deste estudo estão disponíveis mediante solicitação ao autor correspondente.
REFERÊNCIAS
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1
Destaque para a obra “Lélia Gonzalez: Primavera para as rosas negras”, publicada em 2018 pela “Editora Filhos da África” do União dos coletivos Pan-africanistas” e “Lélia Gonzalez. Por um Feminismo Afro-latino-Americano” (2020) organizado por Flavia Rios e Marcia Lima e comercializado pela Editora Zahar.
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2
Relação dos Programas de Pós-Graduação Cadastrados e avaliados pela Capes, consulta disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/programa/quantitativos/quantitativoIes.jsf?areaAvaliacao=34&areaConhecimento=70200009. Acesso em: 9 maio 2025).
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3
Não figuram nas listas de “grandes intérpretes”: Clovis Moura, Abdias do Nascimento, Virgínia Bicudo, Beatriz Nascimento entre outros/as que foram atuantes no período indicado.
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4
Os planos de ensino analisados foram ofertas em programas de ensino em Sociologia e Ciências Sociais, das instituições: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP); Universidade Estadual Paulista (UNESP); Universidade Federal do Ceará (UFC); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ); Universidade Federal do Pará (UFPA); Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Universidade de Brasília (UNB); Universidade Estadual do Ceará (UECE); Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF); e Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Além das denominações habituais, como “Pensamento Social Brasileiro/no Brasil” ou “Sociologia Brasileira”, também aparecem variações, tais como: Teoria Social Brasileira; Pensamento Político e Social Brasileiro; Sociologia do Pensamento Brasileiro; Intérpretes do Brasil; Leituras sobre o Brasil; Pensadores do Brasil, entre outras. Além das denominações habituais, como “Pensamento Social Brasileiro/no Brasil” ou “Sociologia Brasileira”, também aparecem variações, tais como: Teoria Social Brasileira; Pensamento Político e Social Brasileiro; Sociologia do Pensamento Brasileiro; Intérpretes do Brasil; Leituras sobre o Brasil; Pensadores do Brasil, entre outras.
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I
Este artigo é uma adaptação de capítulos da dissertação de mestrado da autora, intitulada “Lélia Gonzalez, intelectual amefricana: a in-visibilidade de uma intérprete negra no Pensamento Social Brasileiro” (Santos, 2023)
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Fonte de financiamento:
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
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Contribuição dos autores:
Não se aplica.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Dez 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
01 Maio 2025 -
Aceito
26 Set 2025



Fonte: (
Fonte: Elaboração da autora.