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A fotografia en tre cultura visual e cultura política: a participação da imprensa ilustrada francesa de esquerda na construção de uma história pública na década de 1930

Photography between visual and political culture: the participation of the French leftist illustrated press in the construction of a public history in the 1930’s

Este artigo parte da fotografia de um miliciano caindo feita por Robert Capa em 1936 para discutir o papel da fotografia na construção da história pública. É proposta uma análise em três etapas: a primeira, mais centrada nas características estéticas da foto, que a levaram a ser considerada um ícone; a segunda, em que ela é situada dentro de um âmbito mais amplo, o da imprensa de esquerda francesa, para a qual o fotógrafo trabalhava e que foi responsável por sua primeira aparição pública; e a terceira, que discute a relação entre a imagem fotográfica e seu papel no agenciamento de uma memória coletiva.

cultura visual; cultura política; fotografia de guerra; história da fotografia; Robert Capa; Guerra Civil Espanhola


This article uses the photograph of a falling militiaman taken by Robert Capa in 1936 as a starting point to discuss the role of photography in the construction of a public history. A three steps analysis is proposed. The first step focuses on the aesthetic characteristics of the photo, which made it to be considered an icon. In the second one, a broader sense is considered, that of the French leftist press, for which the photographer worked and which was responsible for first publishing his pictures. The third one discusses the relation between photographic image and its role in the elaboration of a collective memory.

visual culture; political culture; war photography; photography history; Robert Capa; Spanish Civil War


Résumé

Cet article prend comme point de départ la photo d’un milicien qui tombe, par Robert Capa, afin de dicuter le rôle de la photographie dans la construction de l’histoire publique. On propose une analyse en trois étapes. D’abord, on présente les caractéristiques esthétiques de la photo qui l’ont amené à devenir un icône. Ensuite, la photo est située dans un cadre plus large, celui de la presse de gauche française, pour laquelle le photographe travaillait et qui a été responsable par sa première apparition publique. Finalement, on présente le rapport entre l’image photographique et son rôle dans le développement d’une mémoire collective.

culture visuelle; culture politique; photographie de guerre; histoire de la photographie; Robert Capa; Guerre Civile Espagnole

Uma fotografia ícone

Segundo uma análise simpática à semiologia, é parte da própria natureza da imagem fotográfica a possibilidade de ser ícone. Ao trazer para o âmbito da fotografia as categorias semióticas estabelecidas por Charles Sanders Peirce nos últimos anos do século XIX, Philippe Dubois contrapôs dois aspectos inerentes a esse tipo de imagem, o caráter indicial e o caráter icônico.1 1 C. S. Peirce (1839-1914), filósofo e cientista norte-americano. Dubois (1990: 63) reproduz a seguinte citação de seus Collected papers: “Um ícone é um signo que remete ao objeto que ele denota simplesmente em virtude das características que ele possui, quer esse objeto exista realmente, quer não”. A fotografia teria seu caráter indicial na medida em que é forçosamente ligada, por uma conexão física, a algo que em algum momento e em algum lugar precisou existir: seu objeto. O caráter icônico, no entanto, permite que a imagem ultrapasse essa relação física com o objeto. Um signo icônico é autônomo, remetendo, por suas características estéticas, a algo real ou imaginado, como por exemplo um conceito ou uma ideia. No caso da imagem fotográfica, o caráter icônico, segundo Dubois, seria o começo da morte do caráter indicial. Ou seja, ele emergiria justamente quando, na leitura que se faz dela, a imagem fotográfica deixa de se referir diretamente a seu objeto específico, particular, e passa a representar algo mais abrangente, fixando-se na memória e assim perdendo sua conexão temporal.2 2 Para Dubois (1990: 121), “a fotografia, considerada no resultado visual que ela acaba por oferecer, assim como a representação da sombra que estaria na origem da pintura, só seriam estritamente indiciais em sua primeira fase constitutiva, nas condições de produção do signo (a transposição direta do referente numa tela contígua a partir de um jogo de ótica de projeção luminosa). Mas, a partir do movimento em que a imagem-índice assim produzida pretende se inscrever a longo prazo, se fixar para memória, isto é, a partir do momento em que a imagem pretende ultrapassar seu referente, eternizá-lo, congelá-lo na representação, portanto substituir, como traço detido, sua ausência inelutável, então essa imagem perde parte do que constituía sua pureza indicial, perde sua conexão temporal. O índice torna-se parcialmente autônomo. Abre-se para a iconização, isto é, para a morte. Ao matar a indexação, a fixação iconizante assinala o início do trabalho de morte da representação”.

Apesar dessa qualidade ontológica, o termo ícone se tornou de uso corrente entre fotógrafos, público e crítica, para se referir não a todas, mas a determinadas imagens fotográficas. Especificamente no âmbito da fotografia documental, ele se destacou, de certo modo, dessas conotações semióticas e semiológicas, para significar uma imagem de grande impacto e circulação. Fotografias como a da Mãe Migrante, de Dorothea Lange, do Miliciano Caindo, de Robert Capa, ou ainda a de Albert Einstein com a língua para fora, e o retrato do Che Guevara com o charuto – todas imagens muito vivas na nossa cultura visual,3 3 Neste trabalho, nos baseamos na noção dialética de cultura visual tal como foi proposta por W. J. T. Mitchell (2002: 171): “Em suma, um conceito dialético de cultura visual não pode se contentar com uma definição de seu objeto como a construção social do campo visual, mas deve insistir em explorar a inversão quiasmática dessa proposição, a construção visual do campo social. O que ocorre não é apenas que nós vemos da maneira como vemos porque somos animais sociais, mas também que os nossos arranjos sociais assumem as formas que assumem porque somos animais que veem” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). No entanto, gostaríamos de salientar a pluralidade de interpretações que essa noção carrega. O artigo O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, de Paulo Knauss, traz um ótimo panorama do tema, como também o faz Ulpiano Bezerra de Meneses em Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares. Knauss (2006: 106)sintetiza que “no quadro geral de institucionalização dos estudos visuais, observa-se, portanto, que a emergência do conceito de cultura visual e a projeção do campo dos estudos visuais representam o reconhecimento de novas possibilidades de estudo da imagem e da arte, colocando a visualidade no centro de interrogação”. facilmente rememoradas – são assim chamadas de ícones. Um exemplo dessa utilização mais coloquial do termo referente à fotografia está no livro No caption needed, de Robert Hariman e John Louis Lucaites. Os dois autores – que entendem o fotojornalismo como uma forma de arte pública que tem papel ativo na negociação de identidades sociais no mundo social-democrata (Hariman & Lucaites, 2007HARIMAN, Robert & LUCAITES, John Louis. No caption needed. Iconic photographs, public culture and liberal democracy. Chicago and London: University of Chicago Press, 2007.: 26) – dão a seguinte definição do que seria esse ícone fotográfico:

Para tornar esse uso comum ao mesmo tempo explícito e mais focado, definimos ícones fotojornalísticos como aquelas imagens fotográficas publicadas na mídia impressa, eletrônica ou digital que são amplamente reconhecidas e lembradas, são entendidas como representações de acontecimentos historicamente significativos, provocam forte identificação ou resposta emocional, e são reproduzidas em uma série de meios de comunicação, gêneros ou tópicos (Hariman & Lucaites, 2007HARIMAN, Robert & LUCAITES, John Louis. No caption needed. Iconic photographs, public culture and liberal democracy. Chicago and London: University of Chicago Press, 2007.: 27; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

De modo semelhante, Hans-Michael Koetzle, em Photographic icons: the story behind the pictures (2005: 7) afirma que os motivos das 36 fotografias apresentadas no livro tornaram-se “um parâmetro visual para categorias centrais da experiência humana”. Apesar de haver, portanto, uma grande diferença entre o conceito semiológico de ícone e as utilizações coloquiais do termo, uma das características do signo icônico descritas anteriormente parece também se aplicar às imagens consideradas ícones da reportagem fotográfica, a saber, a ampliação de significado do signo icônico frente ao indicial. Tal ampliação é identificada tanto na citação de Koetzle quanto na definição de Hariman e Lucaites. Nesse caso, o ícone fotográfico ultrapassa não apenas suas condições de feitura originais, mas também as de sua circulação, pois além de ser associado com a representação de todo um evento, e não apenas com seu objeto particular, ele também transita em diferentes meios, e portanto com diferentes objetivos. Para esses mesmos autores, fotografias ícones são a transformação tanto do banal quanto do distúrbio em momentos de eloquência visual (Hariman & Lucaites, 2007HARIMAN, Robert & LUCAITES, John Louis. No caption needed. Iconic photographs, public culture and liberal democracy. Chicago and London: University of Chicago Press, 2007.: 3). Tal discurso seria criado a partir da utilização de uma linguagem visual e estética comum à cultura para a qual a fotografia é produzida.4 4 Segundo os autores, “porque a câmera registra o cenário da vida quotidiana, a imagem fotográfica se torna capaz de dirigir a atenção através de um campo de normas culturais, gêneros artísticos, estilos políticos, ideografias, tipos sociais, rituais internacionais, poses, gestos e outros sinais conforme eles se entrecruzam em qualquer acontecimento. A imagem icônica funde esses códigos como uma imagem de experiência coletiva, de tal forma que eles passam a fornecer recursos para interpretar os processos históricos e definir a relação de cada um com os outros” (Hariman e Lucaites, 2007: 34-35; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). Desse modo, é também identificada uma presença pública desse tipo de imagem, e a participação da fotografia ícone na construção de uma memória coletiva.

A Guerra Civil Espanhola, contemporânea dos avanços técnicos das câmeras de 35mm e do boom das revistas ilustradas, deu origem a alguns dos mais reproduzidos ícones da fotografia documental.5 5 A Guerra Civil Espanhola foi o primeiro grande evento a ganhar uma ampla cobertura fotográfica. Ocorreu logo após a difusão das ágeis câmeras Leica e Ermanox, e no mesmo ano do surgimento da revista Life, 1936. Não obstante, o conflito foi encarado por parte da esquerda europeia como uma cruzada contra o fascismo, levando cerca de 42 mil voluntários – as Brigadas Internacionais, especialmente da Inglaterra, França e Alemanha – a lutar ao lado dos republicanos. Desse modo, foi amplamente registrada e divulgada. O miliciano caindo, fotografado pelo húngaro Robert Capa6 6 Robert Capa (1911-1954) nasceu na Hungria em 1913 com o nome de Endre Friedmann. Em 1931 deixou a Hungria para ir estudar na Alemanha, onde fez os primeiros trabalhos fotográficos, e em 1933 deixou Berlim para viver em Paris. Lá mudou seu nome e construiu sua carreira como fotojornalista de guerra, cobrindo a Guerra Civil Espanhola, a segunda Guerra Sino-Japonesa, a Segunda Guerra Mundial, a guerra entre Árabes e Israelenses em 1948 e a guerra na Indochina, onde foi morto em 1954. Em 1947 fundou a agência Magnum junto com Chim, George Rodger, Henri Cartier-Bresson e William Vandivert (Lebrun e Lefebvre, 2012: 12-88). na frente de Córdoba em 1936, é um notório exemplo de imagem considerada ícone. Nela é possível identificar essa ampliação de significados própria desse tipo de fotografia, pois ela ultrapassou as situações específicas em que foi realizada: representa mais do que um homem que está caindo; circulou por diversos outros meios além da imprensa de esquerda francesa, e com diferentes objetivos além da defesa da República espanhola da Frente Popular. Sua presença pública é tão pronunciada que é possível identificar nela muitos dos entrelaçamentos entre cultura visual e cultura política ocorridos entre o final da década de 1930 e o início da de 1940.7 7 O artigo Fotografia pública e cultura do visual, de Ana Maria Mauad (2012-2013: 11-20), traça importantes parâmetros conceituais sobre os quais se dá a relação entre cultura visual e cultura política.

Não existe outro elemento na imagem além de um homem de joelhos dobrados e corpo levemente projetado para trás. Sua posição não parece natural, ele está desequilibrado. Seu braço esquerdo está esticado, e a linha negra que seu rifle traça forma um paralelo com seu corpo. O objeto da imagem está deslocado para a metade esquerda da fotografia, e a linha negra horizontal que a sombra do corpo do homem projeta à esquerda contrasta com a linha do horizonte à direita, que faz o limite entre uma mata rasteira e um céu de poucas nuvens baixas – a cena se passa portanto no alto de um morro. O homem, cujo rosto não é completamente visível, cai só e sem chance de defesa, pois sua arma está longe de seu corpo, pendendo do braço estendido: provavelmente ele foi pego de surpresa por seu inimigo, assim como somos pegos de surpresa pela fotografia de Capa. Sabe-se pela sua vestimenta que se trata de um miliciano republicano (Meneses, 2003: 131-151MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A fotografia como documento – Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha: sugestões para um estudo histórico. Tempo, n. 14, jan.-jun. 2003.). No entanto, seu inimigo é invisível. Ele só existe para nós, observadores da fotografia, por meio dos sinais de sua ação, ou seja, o corpo caindo.

No momento em que foi fotografada, a imagem representou uma situação até certo ponto específica. Nas páginas da revista Vu [Imagem 1] ela serviu para mostrar como o povo de certa localidade na Espanha estava sofrendo as consequências da ameaça à República: os homens que lutavam por ela, de um lado – “Comment ils sont tombés” –, e as mulheres, idosos e crianças em fuga, do outro – “Comment ils ont fui”. Conforme a guerra foi se arrastando por mais tempo, a imagem foi ultrapassando esse significado específico. Em 1936 ainda não se tinha clareza da amplitude das baixas impostas pelo conflito – que ao seu final contabilizaria cerca de 500 mil mortos.8 8 Os números são, ainda hoje, incertos. Ver Preston (2009: 7). Mas nos anos seguintes, após a perda da esperança revolucionária, o enfraquecimento da República frente aos avanços franquistas, a negativa das outras democracias europeias em apoiá-la, deixando-a pensar que lutava sozinha contra o fascismo europeu, e o emprego em larga escala de tecnologias letais como bombardeios fizeram com que aquele soldado solitário passasse a carregar simbolicamente em seu corpo desequilibrado o peso da República. A legenda da fotografia publicada na Vu já indicava essa associação do miliciano a um mártir ao declarar que a bala que o atingira era “une balle fratricide”, e que o seu “sang est bu par la terre natale”.09 9 A legenda completa é a seguinte: “O jarrete vivo, o peito aberto ao vento, o fusil em punho, eles desciam o declive coberto de um colmo íngreme... Subitamente o curso foi interrompido, uma bala soprou – uma bala fratricida – e o sangue deles foi bebido pela terra natal...” (Vu, 23 de setembro de 1936; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). Assim, com o passar do tempo, essa noção simbólica de ‘mártir’ foi aderindo ao homem que cai. Ele passou a ser uma vítima do fascismo, e não de uma bala saída de uma arma determinada; passou a ser visto como um mártir anônimo, representando todos os que morreram em nome da República espanhola, ela mesma considerada pelas esquerdas uma mártir na luta contra o fascismo, sacrificada na mão de um inimigo muito mais forte.

Imagem 1
Páginas da revista Vu de 23 de setembro de 1936 com fotografias de Robert Capa na frente de Córdoba.

Passado o evento, encerradas há muito a guerra na Espanha e a luta contra o fascismo, essa fotografia permaneceu presente em nossa cultura visual representando a morte em si mesma e enquanto um desdobramento lógico do evento guerra como um todo. A morte em uma guerra pode ser tanto mais amorfa ou invisível quanto maior for sua amplitude – como ocorreu com os ataques com gás na Primeira Guerra Mundial, ou com os bombardeios aéreos que mais adiante se tornariam comuns no conflito espanhol. Aqui, porém, tanto a morte quanto o fato de se estar em uma guerra e correr os seus riscos – ou seja, o evento mesmo – ganharam um rosto, uma forma reconhecível. E essa forma é ao mesmo tempo explícita e somente insinuada, uma vez que não há sangue ou desfiguração do miliciano que presumidamente cai morto.10 10 No livro The first casualty, de 1975, Phillip Knightley levantou dúvidas quanto à veracidade da situação fotografada por Capa, citando depoimentos que indicariam que ela teria sido encenada a seu pedido. Por sua vez, o biógrafo de Capa buscou comprovar a veracidade da imagem determinando a identidade do miliciano. A partir de então o debate sobre se a fotografia mostraria realmente o momento de uma morte, ou não, só cresceu, com posições tomadas dos dois lados. Sobre a polêmica, ver Knightley (1975: 209-212), Whelan (2009: 53-87), Lewinski (1986: 88-90), Lebrun e Lefebvre (2012: 99-110), Brothers (1997: 55-82) e Bezerra de Meneses (2003: 131-151). Assim, essa síntese de elementos, a simplicidade da fotografia – como indicado por Bezerra de Meneses (2003: 131-151)MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A fotografia como documento – Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha: sugestões para um estudo histórico. Tempo, n. 14, jan.-jun. 2003. – é justamente o que confere a ela seu caráter de ícone: não se limitando a um momento ou tempo específico, ela passou a ser lida como uma representação estética de uma categoria de evento histórico – a guerra.

As características que levaram a fotografia do miliciano caindo a se tornar um ícone vêm, como se pode ver, de um encontro entre diversos fatores técnicos e estéticos da fotografia documental. A imagem traz para o âmbito da guerra, que através da intrepidez do fotógrafo voltado para esse tipo de evento já havia recebido as câmeras compactas e a proximidade da ação, também a estética do congelamento do instante, que antes estava restrita ao âmbito amador ou da fotografia de esportes. Ela marca, portanto, um momento de transformação, em que a cultura visual se tornou mais permeada por uma estética que tinha sua base nas possibilidades oferecidas pela imagem técnica. No entanto, ela utiliza essas possibilidades em nome de uma narratividade que envolve uma determinada cultura política. Muitos dos elementos que compõem a fotografia, antes de propiciarem a sua transformação em ícone, faziam parte de um léxico visual próprio da cultura política na qual Capa estava inscrito.

Durante a Primeira Guerra Mundial a estrutura mesma da guerra a havia transformado em uma realidade mediada pela tecnologia, em que os equipamentos e armamentos tecnológicos como metralhadoras ou aviões de bombardeio tornaram anacrônicos o combate físico entre soldados, o inimigo visível e identificável, bem como enfraqueceram a divisão entre a população civil e a frente de batalha. Segundo Dora Apel, as narrativas fotográficas se depararam com o problema de como lembrar de uma guerra que se havia tornado tão vasta e descentralizada, e que portanto impunha um desafio à sua representação como evento (Apel, 1999APEL, Dora. Cultural battlegrounds: Weimar photographic narratives of war. New German Critique, n. 76 (winter, 1999), pp. 49-84.: 51). Essas condições também existiram na Espanha, e com o desenrolar do confronto os fotógrafos antifascistas se viram divididos entre um engajamento moral e as exigências estéticas para representar uma guerra pautada pela tecnologia (Hüppauf, 1993HÜPPAUF, Bernd. Experiences of modern warfare and the crisis of representation. New German Critique, n. 59 (spring-summer, 1993).: 64-65). Esse engajamento moral não seria outro senão a politização de suas imagens fotográficas.

Segundo Bernd Hüppauf, com o inédito comprometimento moral dos voluntários das Brigadas Internacionais, e a recusa da França e da Inglaterra de se envolverem no conflito, os artistas e intelectuais de esquerda europeus passaram a ver a Guerra Civil Espanhola como o modelo de uma luta internacional para a preservação da civilização, por meio da contenção do barbarismo destrutivo do fascismo. A luta da República espanhola foi transformada em uma luta da humanidade contra o desumano, não restando alternativa além de uma união internacional de todas as forças que seriam a favor da vida e da civilização contra um inimigo identificado com uma fria e destrutiva tecnologia. Assim, um comprometimento moral teria sido transformado em uma perspectiva estética.11 11 Hüppauf (1993: 64-65) afirma: “Assim foi simplificada uma situação complexa, criando o sentido de que não havia alternativa a uma ampla aliança de todas as forças que lutavam em nome da vida e da civilização, enquanto o inimigo era identificado com a fria tecnologia e desumanidade. Um compromisso moral foi transformado numa perspectiva estética, criando assim uma imagem emocionalmente forte do confronto entre o bom e o mau, o certo e o errado, que sobreviveu a numerosas tentativas de desconstruí-lo. A oposição entre o rosto humano e imagens de sofrimento, entre uma vida pacífica e a brutalidade das guerras foi agora estendida, e a tecnologia moderna foi incluída no quadro moral da representação” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). Às contraposições entre a representação da vida e dos homens em paz e das barbaridades da guerra, foi acrescida a técnica, para compor imagens que denunciavam a amoralidade e a barbaridade de um inimigo que, no entanto, permaneceu anônimo e sem rosto, representado apenas pela destruição que suas armas produziam (Hüppauf, 1993HÜPPAUF, Bernd. Experiences of modern warfare and the crisis of representation. New German Critique, n. 59 (spring-summer, 1993).: 64-65).

A politização da arte através da opção por uma estética humanista – pensada a partir da escala humana, em oposição à técnica – esteve presente nas representações da Espanha em guerra realizadas por cineastas como Joris Ivens, escritores como Malraux, Hemingway e Dos Passos, e artistas como Picasso. A Guernica de Picasso se tornou um dos símbolos mais fortes dessa politização da arte. Da mesma forma, a guerra, que para os futuristas é bela “porque cria novas arquiteturas, como a dos grandes tanques, dos esquadrões aéreos em formação geométrica, das espirais de fumaça pairando sobre aldeias incendiadas, e muitas outras” (Benjamin, 1996BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996.: 196), segundo Marinetti, é totalmente diferente para Robert Capa e outros fotógrafos de esquerda da época (Schaber, 2006SCHABER, Irme. Gerda Taro, une photographe révolutionnaire dans la guerre d'Espagne. Monaco: Éditions du Rocher, 2006.: 206).

Predomina nas fotografias que Capa e seus colegas, como David Seymour “Chim” (1911-1956) e Gerda Taro (1910-1937), fizeram durante a guerra espanhola esse humanismo, que busca singularizar indivíduos e faz uma contraposição desses homens e mulheres à sociedade estruturada em massas e apologética da técnica.12 12 A biógrafa de Gerda Taro, Irme Schaber (2006: 206, 239), fala ainda sobre esse olhar que singulariza indivíduos no trabalho específico da fotógrafa – que parece encontrar eco também nas fotografias de Capa e Chim: “As fotos de Gerda Taro, desde as do início em Barcelona até os documentos sobre os combates de Brunete, comprovam seu esforço para mostrar o indivíduo no meio da massa e para romper o anonimato do número pelo retrato de indivíduos isolados – isso vale também para os mortos. Repugnava a Taro aceitar o absurdo engendrado pelos tapetes de bombas da máquina de guerra moderna” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). As fotografias que acompanham a do miliciano que cai na reportagem da Vu são exemplos de um comprometimento moral transformado em perspectiva estética, como descrito por Hüppauf. Ao mesmo tempo em que nelas o inimigo invisível é capaz da mais bárbara destruição, é também dado um rosto para a guerra, é engendrada uma síntese eloquente do evento, por vezes a partir de elementos que não são tradicionalmente associados ao evento guerra, que estão longe dos armamentos e dos combates. Como observou Teresa Ferré, esse olhar que elege indivíduos dentro da multidão, e que assim a humaniza, estaria presente durante todo o trabalho de Capa na Espanha. Mais ainda, essa opção estética se concretizaria em sua famosa frase afirmando que, se uma fotografia não estivesse boa o suficiente, seria devido ao fotógrafo não estar perto o suficiente.13 13 Curadora do Arxiu Nacional de Catalunya, Teresa Ferré afirma que “Robert Capa fuig de les típiques imatges de massa dels anys 30: ell és qui reclama proximitat amb allò que es retrata perquè una fotografia sigui bona. (…) Per tant, a diferència d’altres imatges frontereres, com algunes d’Auguste Chauvin, o Manuel Moros, Capa mostrarà la multitud, però no la massa amorfa, anònima i llunyana. I, enmig d’aquesta multitud, escollirà algunes persones per retratar-les individualment o amb la família, marcant aixì la personalització, reivindicant l’individu que està patint, i apropant la tragèdia al receptor de la imatge, que es pot identificar amb el retratat” (Ferré, s/d: 168).

A fotografia na imprensa ilustrada francesa de esquerda

No final da década de 1930 boa parte da imprensa, não apenas espanhola mas também internacional, de resto como toda a sociedade, estava bastante polarizada politicamente entre apoiadores do fascismo e apoiadores das esquerdas. As revistas e jornais tinham suas posições, contra ou a favor da República ou de Franco, bem claras, e seus leitores já sabiam, ao comprá-los, o que esperar. Nessa definição de lado, às vezes os repórteres entendiam que cabia tomar algumas liberdades, como era o caso de fotógrafos que frequentemente encenavam imagens, ou de repórteres que inventavam estórias porque assim lhes parecia que deveria ter acontecido.14 14 Como exemplo dessa polarização política também da imprensa internacional, pode ser citado o caso de um desses repórteres, que se tornou notório por inventar reportagens pró-franquistas. William P. Carney, do New York Times, era tão tendencioso que passou a ser chamado por seus colegas na Espanha de General Bill. James Minifie, correspondente do rival New York Herald Tribune, chegou a afirmar que Carney não apenas fazia seus artigos penderem para o lado dos rebeldes, mas também inventava notícias com base em falsas testemunhas oculares. Quando essas frequentes reportagens fictícias apareciam no New York Times, Minifie recebia de seu próprio jornal perguntas sobre o suposto evento. Ele apenas respondia que se tratava de outra estória “exclusiva de Carney” (Preston, 2009: 55).

Do mesmo modo, os posicionamentos políticos da imprensa e a polarização entre os dois lados do conflito eram determinantes no que tange ao tratamento dado aos repórteres. De tal modo os periódicos eram envolvidos com um lado ou com outro, que eram vistos também como parte do esforço de guerra. Assim, para os lados beligerantes, o jornal ou revista ao qual o repórter pertencia determinava se o indivíduo estava do lado certo ou se era parte do inimigo. Um episódio vivido por Pierre Dumas, enviado especial do jornal francês La Petite Gironde, exemplifica essa polarização extrema. Na edição de 2 de agosto de 1936 ele relatou a conversa que teve com um soldado nacionalista quando foi parado em um controle policial na cidade de Zaragoza, que era controlada pelo lado de Franco:

Desta vez os nossos interrogadores leem os jornais que nós trazemos, catástrofe! Tenho um exemplar do L’Humanité..., mas um exemplar do L’Action Française vem em meu socorro. Quando eles querem que eu explique a posição do La Petite Gironde, só me resta pegar os dois jornais e dizer “no meio”... O policial não concorda. Ele afirma que “Hoy no se puede”. Hoje, não se pode ficar no meio! (apud Fontaine, 2003FONTAINE, François. La guerre d'Espagne, un déluge de feu e d'images. Paris: Berg International Éditeurs, 2003.: 128; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

L’Humanité era o jornal diário do Partido Comunista Francês, o PCF, publicação irmã da revista ilustrada semanal Regards, para a qual Capa, Chim, Taro e outros fotógrafos de esquerda trabalhavam. Já L’Action Française era um jornal de direita, que apoiava o lado franquista. O depoimento de Pierre Dumas indica que era normal e esperado que os jornais e revistas possuíssem uma orientação política clara, e que a imprensa da época fazia encomendas muito específicas a seus repórteres. Os compromissos profissionais dos fotógrafos também eram, portanto, alianças que se agenciavam através de afinidades políticas. Essas afinidades políticas se manifestavam, nas reportagens fotográficas, por meio da linguagem visual das imagens. Fotografias como a do miliciano caindo, ao se tornarem ícones, extrapolaram os objetivos iniciais, aparecendo em espaços e locais outros que não seus destinos originais, como por exemplo nos museus e nos livros de arte. Elas são grandes exemplos da capacidade migratória e mutatória das fotografias – tanto enquanto objetos, em sua materialidade mesma, quanto em seus sentidos e significados. No entanto, atentaremos neste momento para as origens específicas da imagem feita por Capa em 1936, a saber, a imprensa ilustrada francesa de esquerda, que era composta naquele momento por um determinado círculo de intelectuais e artistas antifascistas.

Revistas como a Vu e a Regards foram fundamentais para o desenvolvimento e a divulgação dos trabalhos de Capa na Espanha. Esta última estava ligada diretamente à AEAR, a Associação de Escritores e Artistas Revolucionários, e seus fotógrafos – além de Capa, Taro e Chim, também Henri Cartier-Bresson (1908-2004) – frequentavam o círculo de intelectuais de esquerda franceses que se reunia em torno da associação. Fundada em março de 1932 por escritores comunistas e simpatizantes, e seguindo as diretrizes da Internacional Socialista, a AEAR tinha como objetivo a constituição de uma frente de intelectuais unidos sob a bandeira da luta ideológica contra o fascismo.15 15 A primeira circular da associação, de 13 de dezembro de 1932, chamando os intelectuais a fazerem parte dessa frente comum, foi assinada por Paul Vaillant-Couturier, editor chefe do L’Humanité, jornal diário ligado ao PCF; Henri Barbusse, escritor engajado na organização mundial da luta contra a guerra; Léon Moussinac, escritor e crítico de arte comunista; Francis Jourdain e Charles Vildrac, simpatizantes. A lista arrolada por Vaillant-Couturier de membros da associação já no começo de 1933 inclui Louis Aragon, Jean Audard, Georges Benichou, René Blech, André Breton, Luis Buñuel, René Crevel, Eugène Dabit, Paul Eluard, Elie Faure, Roger Francq, Jean Fréville, Georges Friedmann, Louis Guilloux, Francis Jourdain, Henri Lefebvre, Lods, Jean Lurçat, Man Ray, Léon Moussinac, Paul Nizan, Louis Paul, Benjamin Péret, Georges Politzer, Georges Pomiès, Stephen Priacel, Jules Rivet, Romain Rolland, Georges Sadoul, Gérard Servèze, Pierre Unik, Jean Vigo, Charles Vildrac e Marcel Willard (Racine, 1966 : 30). A associação, que era o braço francês da UIEC, a União Internacional dos Escritores Revolucionários, reuniu os intelectuais de esquerda sem exigir filiação ao partido ou um marxismo ortodoxo (Morel, 2001MOREL, Gaëlle. Du peuple au populisme. Les couvertures du magazine communiste Regards. Études Photographiques n. 9, mai 2001, p. 44-63.: 44-46). O momento em que a AEAR foi criada na França foi o mesmo em que na política oficial do PCF houve uma mudança de orientação, de uma defesa do proletariado que combatia os intelectuais, para uma tentativa menos ortodoxa de incorporação dos chamados compagnons de route, que incluíam intelectuais antifascistas. A ascensão do nazismo na Alemanha e as circunstâncias incertas da política francesa contribuíram para que esses intelectuais se aglutinassem na associação (Racine, 1966RACINE, Nicole. L'Association des Écrivains et Artistes Révolutionnaires (A.E.A.R.). La revue Commune et la lutte idéologique contre le fascisme (1932-1936). Le Mouvement Social, n. 54, jan.-mar. 1966, p. 29-47.: 29).

Desse modo, logo após a vitória do nazismo nas eleições alemãs e a subida de Hitler ao posto de chanceler, a AEAR fez, em março de 1933, sua primeira manifestação pública. Em uma brochura publicada na ocasião, chamada “Ceux qui ont choisi. Contre le fascisme en Allemagne”, a associação fazia a defesa de seis princípios:

  1. Não existe nem arte nem literatura neutra.

  2. É preciso organizar a literatura e a arte revolucionárias que existem na França para conduzir a luta contra a literatura e a arte conformistas e as tendências que nelas se revelam.

  3. É preciso desenvolver e organizar a literatura e a arte proletárias que estão nascendo na França.

  4. É preciso que a interpenetração da arte e da literatura revolucionárias e proletárias traduza a aproximação dos intelectuais e dos operários.

  5. A arte e a literatura revolucionárias e proletárias não podem ter como objetivo a “exposição permanente e esquemática de uma tese”.

  6. As condições econômicas e políticas são na França favoráveis ao desenvolvimento de uma ação proletária e revolucionária no campo da arte e da literatura (Racine, 1966RACINE, Nicole. L'Association des Écrivains et Artistes Révolutionnaires (A.E.A.R.). La revue Commune et la lutte idéologique contre le fascisme (1932-1936). Le Mouvement Social, n. 54, jan.-mar. 1966, p. 29-47.: 31; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

A relação direta entre arte e política era, portanto, um dos pilares da AEAR, tendo as manifestações artísticas desde o começo o objetivo de agir e transformar a realidade. Essa associação de artistas e intelectuais tinha também uma seção de fotografia. Além de Capa, Chim, Taro e Cartier-Bresson, os membros ou simpatizantes da seção incluíam, entre outros, Jacques-André Boiffard, Pierre Boucher, Émeric Feher, Pierre Gassmann, Pierre Jamet, André Kertész, Germaine Krull, Eli Lotar, Élisabeth Malkowska, Jean Moral, André Papillon, Roger Parry, Man Ray, Willy Ronis, Henri Tracol, Marie-Claude Vaillant-Couturier, Pierre Verger e René Zuber (Denoyelle in Cartier-Bresson e Montier eds., 2009: 319, nota 43). Durante os primeiros anos da associação, algumas exposições com fotografias de seus membros ou simpatizantes foram organizadas em Paris. A primeira exposição data de 1933. Outras se seguiram, e em 1935, entre 16 de maio e 19 de junho, a AEAR organizou na galeria La Pléiade a mostra intitulada Documents de la vie sociale, que contou com 92 pintores e com os fotógrafos Éli Lotar, Nabrovska, Kertész, Livet, Willy Ronis e Cartier-Bresson. Nela prevaleceram imagens voltadas para o indivíduo comum, pertencentes ao mesmo tempo à nascente estética humanista e à street photography. Em fevereiro de 1936, ainda uma outra exposição, realizada na Maison de la Culture, foi dedicada unicamente à fotografia. Com o título La photographie qui accuse, a mostra contava apenas com fotografias documentais, frisando ainda mais o papel de testemunha e o compromisso político da imagem fotográfica.

A AEAR, como associação alinhada ao comunismo soviético, tinha uma ligação estreita com a revista Regards: além de todo o corpo editorial desta pertencer a seus quadros, também muitos dos fotógrafos membros ou simpatizantes da AEAR tinham suas fotografias publicadas todas as semanas na revista. Desse modo, as exposições de fotografia da associação apresentavam uma orientação estética e ideológica semelhante à das reportagens fotográficas da Regards. Françoise Denoyelle (in Baqué, ed., 1993BAQUÉ, Dominique (ed). Les documents de la modernité. Anthologie de texts sur la photographie de 1919 a 1939. Nîmes: Jacqueline Chambon, 1993.: 463) afirma que a exposição fotográfica do grupo, baseada na estratégia visual da revista, e repercutida em suas páginas, deu à fotografia não apenas uma dimensão criativa, mas também um poder de combate. A autora cita o artigo da Regards assinado por Eugène Dabit sobre a exposição: segundo ele, a fotografia militante lá aparecia como um prolongamento da prática amadora, mas acrescida de uma consciência coletiva e política.

A AEAR, como associação alinhada ao comunismo soviético, tinha uma ligação estreita com a revista Regards: além de todo o corpo editorial desta pertencer a seus quadros, também muitos dos fotógrafos membros ou simpatizantes da AEAR tinham suas fotografias publicadas todas as semanas na revista. Desse modo, as exposições de fotografia da associação apresentavam uma orientação estética e ideológica semelhante à das reportagens fotográficas da Regards. Françoise Denoyelle (in Baqué, ed., 1993: 463BAQUÉ, Dominique (ed). Les documents de la modernité. Anthologie de texts sur la photographie de 1919 a 1939. Nîmes: Jacqueline Chambon, 1993.) afirma que a exposição fotográfica do grupo, baseada na estratégia visual da revista, e repercutida em suas páginas, deu à fotografia não apenas uma dimensão criativa, mas também um poder de combate. A autora cita o artigo da Regards assinado por Eugène Dabit sobre a exposição: segundo ele, a fotografia militante lá aparecia como um prolongamento da prática amadora, mas acrescida de uma consciência coletiva e política.

A Regards havia aparecido pela primeira vez em 1924, com o título Nos Regards: Illustré Mondial du Travail. Nasceu como revista ilustrada semanal, uma iniciativa do PCF, que já havia lançado o jornal diário L’Humanité. No entanto, ela foi fechada em 1929 quando o governo de André Tardieu adotou uma política de repressão ao comunismo. Em janeiro de 1932 sua publicação foi retomada, e em setembro a revista passou a se chamar apenas Regards. A revista se desenvolveu no mesmo período da mudança de orientação do PCF que levou à criação da AEAR, no sentido da integração de intelectuais e simpatizantes. Era dirigida a uma classe social específica, pois tinha como objetivo mobilizar a classe trabalhadora em nome da construção de uma nova cultura proletária.16 16 A Regards se autointitulava “a revista ilustrada da Frente Popular” (Brothers, 1997: 4-6). Ainda que fosse uma revista ilustrada, queria se afirmar a partir de uma clara distinção frente à imprensa burguesa. Assim, no editorial intitulado Aux lecteurs, aux amis!, publicado em 6 de julho de 1933, apenas poucas semanas depois do aparecimento da brochura com o manifesto da AEAR, a revista anunciou suas diretrizes:

  • Regards

  • NÃO FALARÁ

  • das cerimônias oficiais;

  • dos costumes especiais dos desocupados;

  • da vida privada das atrizes, das estrelas e dos campeões;

  • das mulheres cortadas em pedaços;

  • das boates noturnas e dos pardieiros onde se sofre;

  • dos ociosos que se empanturram e se embebedam;

  • das notícias irrelevantes de todos os países;

  • FALARÁ

  • dos conflitos subterrâneos;

  • dos costumes de todos os povos do globo;

  • do cinema, do teatro e do esporte;

  • das mulheres destinadas ao desemprego;

  • dos galpões onde se dá duro, dos palácios;

  • dos camponeses que produzem o trigo e o vinho;

  • dos fatos importantes na vida de importância

Optando por uma linguagem que se baseava na imagem, a revista buscava utilizar a fotografia como modo de alcançar esse público, já acostumado a receber informações através de revistas ilustradas e do cinema. A classe trabalhadora compunha a maior parte das reportagens publicadas. Na revista, segundo Denoyelle (in Baqué, ed., 1993BAQUÉ, Dominique (ed). Les documents de la modernité. Anthologie de texts sur la photographie de 1919 a 1939. Nîmes: Jacqueline Chambon, 1993.: 311, 313), o próprio estatuto da imagem fotográfica sofria uma modificação, pois se trataria menos de apresentar as fotografias como documentos objetivos, e mais de tratar as imagens como meio de combate e propaganda, como um instrumento para os trabalhadores na luta de classes. E Denoyelle ainda completa dizendo que, na Regards, a fotografia tinha o papel de arma, de parte concreta da luta. A imagem seria uma das condições de possibilidade da luta libertadora e revolucionária, na medida em que insuflaria no leitor da revista essa necessidade de ação.

Após sua retomada e a reestruturação que se seguiu, a Regards se voltou para assuntos mais cotidianos, com o objetivo de concorrer com outras revistas ilustradas, em especial com a Vu. Regards se aproximou, assim, da concepção visual da Vu para utilizar suas fotografias militantes, mas intentando manter uma contraposição à revista então ainda dirigida por Lucien Vogel, vista como de posição sociodemocrata. Essa nova orientação a faria ganhar um maior público, o que a levaria a aumentar seu tamanho em 1936, primeiro ano da Guerra Civil Espanhola, de 16 para 24 páginas, e a alcançar uma tiragem de 100 mil exemplares (Dell in Young, 2010YOUNG, Cynthia (ed). The Mexican suitcase. New York, Gotingen: International Center of Photography, Steidl, 2010, 2 vols., vol. 1: 43; Morel, 1999———. La modernité des couvertures du magazine communisteRegards (1932-1936): la photographie de propagande antifasciste. Mémoire de maîtrise d'histoire de l'art, Université Paris I, 1999.: 18-19 e 2000———. L'expression d'une crise d'identité: la photographie humaniste dans les couvertures du magazine communiste Regards (1937-1939 et 1945-1947). Mémoire de DEA d'histoire de l'art, Université Paris I, 2000.: 18).

De sua parte, a Vu havia sido lançada em 1928, anunciando em editorial publicado em 21 de março sua vocação de revista ricamente ilustrada, a partir de um projeto visual decalcado do cinema, o que a tornaria capaz de acompanhar a velocidade acelerada da vida moderna:

Existem diários destinados a informar o público (...). Mas não encontramos entre nós um jornal ilustrado cuja leitura traduza o ritmo precipitado da vida atual, um jornal que informe e que documente todas as manifestações da vida contemporânea: acontecimentos políticos, descobertas científicas, cataclismas, explorações, proezas esportivas, teatro, cinema, arte, moda.

Vu tomou para si a tarefa de preencher essa lacuna (...). Todas as partes do mundo contribuirão para a confecção deste jornal. De todos os pontos onde ocorrer um acontecimento marcante, fotos, telegramas, artigos chegarão até Vu, que assim conectará o público ao mundo todo através de seus comunicados, suas crônicas, suas ilustrações, e porá ao alcance da vista a vida universal.

Animada como um belo filme, Vu será aguardada toda semana por todos os seus leitores porque:

Vu publicará

Páginas atulhadas de fotografias traduzindo pela imagem os acontecimentos da vida política francesa e internacional, comentados pelo mais enciclopédico dos nossos escritores: Henri Bidou, que contará a cada semana aos nossos leitores, de uma maneira inteiramente objetiva e sem parti-pris político, as histórias que compõem a história (...) (Baqué, ed., 1993BAQUÉ, Dominique (ed). Les documents de la modernité. Anthologie de texts sur la photographie de 1919 a 1939. Nîmes: Jacqueline Chambon, 1993.: 296-297; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

Essas duas revistas, que foram fundamentais para a divulgação de fotógrafos de esquerda como Capa durante a década de 1930, tinham portanto concepções semelhantes referentes à uma ontologia da imagem fotográfica, espelhadas nos usos que faziam dela. Assim como o primeiro nome da revista Regards, que tinha como subtítulo Illustré Mondial du Travail, o editorial da Vu também apontava para uma característica transnacional, que poderia trazer para os olhos de seus leitores aspectos “da vida universal”. Da mesma forma, os próprios títulos das revistas, Vu e Regards, remetiam para o ato de olhar, para a visão – uma visão cuja aproximação com o cinema trazia características específicas.

O meio no qual circularam as reportagens fotográficas de Capa e seus colegas, portanto, era baseado no princípio de que a realidade é conhecida através de sua captação pela imagem técnica e organização em uma narrativa visual, e de que o olho que a vê deve ser capaz de interpretar a sequência de imagens e construir uma opinião. Assim como a esquerda, que cantava como hino a Internacional, mobilizava as Brigadas Internacionais e movia uma luta contra o fascismo europeu, também a fotografia era uma linguagem que se acreditava universal, e desse modo não conhecia fronteiras. O valor da fotografia, para essas revistas, residiria portanto em sua pretensa objetividade de espelho do mundo, e em sua capacidade de ser assim um instrumento político.17 17 Segundo Denoyelle (in Baqué, 1997: 292), “donde também a convicção segundo a qual a imagem vai permitir àquele que a olha ‘constituir sua própria opinião’, como dizem vários artigos, ou seja, tanto se despojar das ideias preconcebidas e dos preconceitos quanto escapar das tentações, tão fortes então, do dogmatismo político. A partir da imagem, o leitor esclarecido vai poder pensar por si e, a partir desse pensamento livre, pensar o real” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

Outro grande empregador dos fotógrafos engajados no antifascismo foi o jornal diário Ce Soir, a cargo do poeta e escritor Louis Aragon. Filiado ao PCF, Aragon já contribuía para o jornal diário do partido, L’Humanité, e pouco depois do início dos conflitos na Espanha foi chamado para participar como editor-chefe do jornal Ce Soir, também pertencente ao partido, que havia sido criado para concorrer com outro jornal vespertino, o Paris Soir, de tendência mais à direita.

Segundo Pierre Assouline, a presença de Aragon no corpo editorial era sentida nas páginas diárias do jornal:

A qualidade estava na ordem do dia, bem como a surpresa e a originalidade – Aragon não renunciara ao seu gosto pela provocação, herdada de seus anos surrealistas de juventude. De todas as redações parisienses, Ce Soir conta com a maior proporção de escritores entre seus colaboradores. Parece um Paris-Soir cultural, do qual aproveita as receitas mais eficazes no setor de notícia do cotidiano, reportagens e folhetins. No resto, ele faz justamente o que não é encontrado em mais nenhum outro, por razões óbvias: visitas indiscretas aos sets de filmagens de Jean Renoir, publicação exclusiva das “páginas definitivas” de L’Espoir de Malraux, fotografias perturbadoras da guerra espanhola enviadas por Chim, Robert Capa e Gerda Taro. Essa é a marca do Ce Soir (Assouline 2008ASSOULINE, Pierre. Cartier-Bresson, o olhar do século. São Paulo: L&PM, 2008.: 118).

Antes mesmo de o primeiro número do jornal aparecer, em 1o de março de 1937, Aragon travou contato com Cartier-Bresson, Robert Capa e também com Gerda Taro para formar seu staff. Taro obteve uma autorização de trabalho na Espanha republicana emitida em Madri já no dia 25 de fevereiro de 1937 indicando Ce Soir como seu empregador (Schaber, 2006SCHABER, Irme. Gerda Taro, une photographe révolutionnaire dans la guerre d'Espagne. Monaco: Éditions du Rocher, 2006.: 182). Capa voltou da Espanha para Paris em 2 de março para assinar contrato com o jornal, que publicou fotografias suas na edição do dia 3, porém sem créditos (Schaber, 2006: 186). Já Henri Cartier-Bresson teria em Ce Soir o único emprego formal de sua vida, entre 1937 e 1939 (Assouline, 2008: 117). Os três fotógrafos trabalhariam para o jornal paralelamente ao trabalho para a revista Regards, que não cessou. Durante esses três anos, em grande parte graças à qualidade da cobertura fotográfica da guerra da Espanha, o Ce Soir conseguiu tornar-se competitivo frente ao Paris Soir, que tinha na época uma tiragem de nada menos do que um milhão de exemplares.18 18 Sobre a experiência no Ce Soir, Aragon escreveu: “Para saber onde estávamos naquela guerra, você tinha que ler Ce Soir, esta é que a verdade. E foi assim que ganhamos centenas de milhares de leitores do Paris-soir naquele período. Nós estávamos bem informados. Com Georges Soria como correspondente e um time de fotógrafos como aquele, a competição também poderia desistir! Eram amigos de Cartier [Cartier-Bresson] que haviam feito sua primeira exposição em Paris na Maison de la Culture a meu pedido. Eu costumava dizer – e estava certo – que ele era o maior fotógrafo da época. Graças a ele pudemos mandar um time extraordinário para Madri. Extraordinário sob todos os pontos de vista – a política, o senso agudo do que iria capturar a imaginação... Quanto à foto propriamente... a arte da fotografia, era a vanguarda da época... E eles também eram audaciosos! Coragem... Robert Capa, Gerda Taro, Chim” (apud Lebrun e Lefebvre, 2012: 134-137; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

Tanto o círculo de amizades quanto o círculo profissional de Capa, Chim, Cartier-Bresson e outros fotógrafos politicamente engajados na década de 1930 eram, portanto, em grande parte compostos por intelectuais e artistas de esquerda capitaneados naquele momento por Aragon. Uma vez que muitos dos editores, jornalistas e fotógrafos que trabalhavam na revista Regards também faziam parte da AEAR, as discussões que se desenrolavam na associação podem trazer mais luz às posições da revista que publicou grande parte de suas reportagens fotográficas no período.

Como foi visto, a AEAR defendia em meados da década de 1930 um alinhamento entre a arte e a política, e a posição defendida por Aragon durante dois debates promovidos pela Associação é plena de significados para a compreensão de como uma cultura política específica fazia parte do ideal estético desse poeta e editor, amigo e empregador dos fotógrafos aqui destacados. Tais debates, que ocorreram durante o ano de 1936 na Maison de la Culture, em Paris, ficaram conhecidos com o nome de La querelle du réalisme, pois levaram pintores e escritores da AEAR a discutir o tema do realismo nas artes. Os encontros foram precedidos por um levantamento feito sobre o assunto durante o ano anterior junto a pintores franceses, e tiveram suas contribuições publicadas em livro editado por Aragon logo após sua realização. Alguns dos artistas e intelectuais que participaram foram, além de Louis Aragon, Jean Lurçat, Marcel Gromaire, Édouard Goerg, Edmond Küss, Fernand Léger, Le Corbusier, Jean Labasque, Jean Cassou, René Crevel, Max Ernst, André Lhote, Léon Moussinac, Amédée Ozenfant e Paul Signac (Fauchereau, ed., 1987FAUCHEREAU, Serge (ed). La querelle du réalisme. Paris: Éditions Cercle d'Art, 1987.: 17).

Os debates propriamente ditos, que se realizaram na primavera de 1936, praticamente coincidiram com a Frente Popular francesa, coalizão formada pelos diferentes partidos de esquerda para disputar as eleições – a frente se formou em 3 de novembro de 1935 e ganhou a eleição presidencial em 3 de maio de 1936. Da mesma forma, a eclosão da Guerra Civil Espanhola coincidiu com o lançamento do livro – este terminou de ser impresso em 8 de julho de 1936, e a guerra começou no dia 18 daquele mesmo mês.

As contribuições mostram que os organizadores dos debates intentavam promover a estética realista como mais apropriada ao momento político em que viviam, e os diferentes modos como os palestrantes parecem compreender as noções de realismo, realidade e abstração19 19 Um exemplo é um trecho da fala de Marcel Gromaire: “O que é afinal o realismo ? O que é o real ? O real não é apenas o que está ao alcance da nossa mão, ao alcance do nosso olho, é também o que está ao alcance do nosso espírito, e o que ainda não está ao alcance do nosso espírito. O real se estende de nós mesmos até os limites desconhecidos do mundo, e o realismo em arte é a aproximação, intuitivamente a mais convincente possível, da verdade do universo, e isto com relação ao mais ínfimo objeto” (apud Fauchereau ed., 1987: 57; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). indicam que os artistas franceses de esquerda, apesar de terem boa vontade em relação à estética realista, não estavam dispostos a simplesmente emular o realismo socialista soviético (Fauchereau, ed., 1987FAUCHEREAU, Serge (ed). La querelle du réalisme. Paris: Éditions Cercle d'Art, 1987.: 27-28).

Principal organizador do evento e presidente da AEAR na época, Aragon havia estado na União Soviética em 1931, logo após o decreto de Stalin referente à “reestruturação das organizações artísticas e literárias”, que desfez todos os diferentes grupos artísticos soviéticos e os uniu em um único, instaurando o realismo socialista como estética oficial. Naquela ocasião Aragon entrou em contato com pinturas realistas de Serguei Guerassimov e, convencido da necessidade e validade da estética realista, renunciou ao surrealismo – corrente estética que havia ajudado a fundar anos antes. Já em 1934 ele publicou seu primeiro romance afastado da estética da vanguarda, Les cloches de Bâle. Assim, no momento em que se deram os debates ele já repudiava o abstracionismo e a arte não figurativa (Fauchereau, 1987FAUCHEREAU, Serge (ed). La querelle du réalisme. Paris: Éditions Cercle d'Art, 1987.: 14). Em uma de suas falas durante os debates, Aragon apresentou a questão do realismo como uma questão social e uma necessidade do momento político. O momento político do perigo fascista e da formação de uma frente popular apareciam claramente, e demandariam uma tomada de atitude por parte dos artistas.20 20 Aragon afirmou: “Que a tendência realista na arte e na literatura nas sociedades de classe sempre aparece naqueles momentos da história em que o equilíbrio social está prestes a se romper, em que a classe dominante tem apenas o controle da força, mas em que a verdadeira força reside numa classe ascendente que os senhores da sociedade tentam em vão fazer recuar para trás de um cenário irreal, eis o que a lembrança de antes de 1789 e das campanhas de Diderot em favor do realismo, eis o que a lembrança dos anos de antes da Comuna, em que a arte se chamava Manet, Flaubert, Zola, Courbet, talvez já deixe, para a maioria, claro, patente, indiscutível. E eu quero ver, lembrando-me aqui que esses ímpetos do realismo correspondem à ascensão histórica da burguesia no primeiro caso, do proletariado no segundo exemplo, eu quero ver no fato de que hoje em dia, quer se queira quer não, na arte e na literatura, o problema central, a ferida aberta, aquilo que desencadeia a tempestade, a única questão em nome da qual qual nós podemos hoje em dia, como esta noite pintores e escritores, opor apaixonadamente uns aos outros os artistas destes tempos é a questão do realismo, eu quero ver nesse fato, nos dias do Front Populaire, o símbolo, a profecia, o sinal prenunciador da vitória contra as duzentas famílias” (apud Fauchereau ed., 1987: 85-86; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). As duzentas famílias a que o texto faz menção são as duzentas famílias mais ricas da França. Em seguida, Aragon trouxe para o campo da fotografia seu rompimento com a vanguarda. Encarnada na figura de Man Ray, a fotografia artística, ou “de ateliê”, foi contraposta à fotografia de reportagem, simbolizada por Henri Cartier-Bresson. Esta seria mais verdadeira porque mais espontânea e realista:

A fotografia, hoje, reúne todas as audácias. Ela descobre o mundo de novo. (...) Há muito tempo que ninguém mais pinta multidões. Hoje as multidões retornam à arte pela fotografia. Com os gestos exaltados das crianças que brincam. Com as atitudes do homem surpreendido em seu sono. Com os tiques inconscientes dos passantes. As diversidades heteróclitas dos seres humanos que se sucedem nas ruas das nossas cidades modernas. E aqui tenho em mente particularmente as fotografias de meu amigo Cartier, que não exatamente por acaso foram feitas no México e na Espanha. (...) Acho muito sintomático que a antologia fotográfica de Man Ray traga a data 1934: ela perderia o sentido se se prolongasse além de 6 de fevereiro. Os progressos da técnica fotográfica são paralelos aos acontecimentos sociais que eles condicionam, e que os tornam necessários. É a máquina do repórter dos dias de fevereiro, que é preciso que ele tenha para dias como aqueles, que dá aqui uma lição sobre o mundo contemporâneo que deve abrir os olhos de todos (...) (apud Fauchereau, ed., 1987FAUCHEREAU, Serge (ed). La querelle du réalisme. Paris: Éditions Cercle d'Art, 1987.: 91-93; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

Assim, após afirmar a atualidade do papel político do aparato fotográfico, destituído dos maneirismos vanguardistas, e de chamar a atenção para a obra de Cartier-Bresson, que na época já havia fotografado no México e na Espanha anterior ao levante militar, Aragon encerrou sua fala reforçando a ligação entre a arte e as questões sociais e políticas, que seria melhor estabelecida pela estética realista, e enfatizando o papel ativo e transformador da arte, tendo como modelo não mais a pintura, mas a fotografia.21 21 Aragon define: “Esse realismo deixará portanto de ser um realismo dominado pela natureza, um naturalismo, para se’r um realismo expressão consciente das realidades sociais, e parte integrante do combate que modificará essas realidades. Em uma palavra, ele será um realismo socialista, ou a pintura deixará de ser, deixará de ser em sua dignidade. É um grande papel, senhores pintores, que lhes é reservado, e eu só tenho um receio: o de que haja entre os senhores alguns muito grandes, que o medo de mudar de opinião e de ficar abaixo de um destino tão alto leve a não reconhecer aquilo que faria sua grandeza futura” (apud Fauchereau, 1987: 96-97; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

O olhar fotográfico descrito por Aragon, usando como exemplo Cartier-Bresson, pode ser associado a uma estética particular. Ele identifica a fotografia como o meio que dá conta das massas, coisa que a pintura não faria mais. No entanto, ela é uma representação das massas que, segundo sua descrição, procura nelas os indivíduos, e os singulariza por meio do instantâneo. Assim, ele cita como exemplo os gestos das crianças brincando, o homem que é surpreendido cochilando, as “diversidades heteróclitas dos seres humanos que se sucedem pelas ruas de nossas cidades modernas” (apud Fauchereau, ed., 1987HARIMAN, Robert & LUCAITES, John Louis. No caption needed. Iconic photographs, public culture and liberal democracy. Chicago and London: University of Chicago Press, 2007.: 93). É sem dúvida uma estética muito próxima do que se tornará conhecido como fotografia humanista.22 22 Um dos grandes expoentes desse estilo descrito por Aragon aplicado ao jornalismo é a reportagem fotográfica realizada por Cartier-Bresson durante a coroação de George VI em 13 de maio de 1937 em Londres. Enviado ao mesmo tempo pelo Ce Soir e pela Regards, o fotógrafo não se deteve em nenhum momento na cerimônia propriamente dita ou nos seus personagens principais – o que se poderia entender como o evento propriamente dito –, mas apenas fotografou demoradamente alguns indivíduos que selecionou dentro da massa de pessoas comuns que acompanhavam a cerimônia nas ruas, do lado de fora da catedral. Segundo Peter Galassi, Cartier-Bresson apreciava particularmente esse seu trabalho: “A maioria dos negativos que Cartier-Bresson preservou desse período era de matérias relativamente mais ambiciosas, geralmente feitas para o jornal aparentado ao Ce Soir, o semanário ilustrado editado por [Pierre] Unik e intitulado Regards (...) – notadamente sua reportagem sobre a coroação de George VI na Inglaterra, em maio de 1937. (...) A missão inaugurou a interminável e frutífera estratégia de Cartier-Bresson de ignorar o acontecimento para estudar a multidão, que é muito mais expressiva, enquanto grupo e enquanto indivíduos, porque sua atenção não está em si mesma nem no fotógrafo. A estratégia era perfeita para uma publicação que desdenhava reis e rainhas como curiosas relíquias de um passado feudal (os relatos enviados por [Paul] Nizan adotavam uma perspectiva parecida)” (Galassi, 2010: 38-40). É também muito próxima de algumas das características da fotografia do miliciano caindo de Robert Capa, como foi visto mais acima.

A fotografia e a história pública

Na década de 1930 a imagem técnica, particularmente a fotografia, já ocupava um papel central nas formas como o presente era narrado e, consequentemente, como a história do presente era agenciada. A própria noção de evento, sua existência, começava a ser devedora de uma existência enquanto imagem. A reportagem fotográfica estava assim muito próxima da construção de uma história pública também no sentido de que ela tinha em sua origem a intenção de existir em um espaço público, de ser publicada.23 23 Segundo David Glassberg, a construção da história pública não pode ser pensada em separado dos grupos sociais e das culturas políticas que a agenciam: “Com todas as versões possíveis do passado que circulam na sociedade, como relatos específicos do passado são estabelecidos e disseminados como sendo o relato público? Como essas histórias públicas mudam com o tempo? Uma maneira de tratar dessas questões é analisar como as imagens do passado dominantes numa sociedade refletem sua cultura política. (...) [P]oucos podem negar que a questão de qual versão da história é institucionalizada e disseminada como a história pública é uma questão política, e de que a história pública encarna não apenas ideias a respeito da história – a relação entre passado, presente e futuro – mas tambem ideias a respeito do público – a relação entre grupos diversos na sociedade política. Os debates contemporâneos sobe a política da história pública não só fizeram aumentar a importância do conhecimento dos historiadores públicos sobre os usos políticos da história no passado, como se refletiram no estabelecimento de memoriais de guerra, celebrações cívicas e instituições públicas como museus, arquivos e sítios históricos” (Glassberg, 1996: 11; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). Isso não ocorreu apenas no caso das narrativas de guerra, onde a fotografia do miliciano caindo de Capa se inscreve. Ao contrário, fez parte de um momento histórico em que a presença da técnica não apenas nos modos de guerrear, mas nos mais diversos aspectos da vida, traria, segundo Walter Benjamin (1997: 174)———. Obras escolhidas III: Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1997., consequências para a relação dos homens com a realidade e com a história. Para ele, a apologia do progresso e da técnica, manifestada em uma aceleração do tempo, teria relação com a catástrofe política da ascensão fascista. Com a perda da experiência o passado se teria tornado apenas um fardo a ser carregado (Benjamin, 1996BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996.: 197-221). Ao mesmo tempo, as possibilidades oferecidas pelo aparato técnico da câmera e da imagem tecnicamente reprodutível poderiam trazer novas consciências e consequências políticas, como a revelação do “inconsciente ótico” (Benjamin, 1996: 94), e o rompimento da dicotomia entre forma e conteúdo (Benjamin, 1996BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996.: 122-123).24 24 Segundo Benjamin (1996: 94), a fotografia revela “mundos de imagens habitando as coisas mais minúsculas, suficientemente ocultas e significativas para encontrarem um refúgio nos sonhos diurnos, e que agora, tornando-se grandes e formuláveis, mostram que a diferença entre a técnica e a magia é uma variável totalmente histórica”. Da mesma forma, em O autor como produtor,onde traça paralelos entre literatura e fotografia, Benjamin afirma que “o conceito de técnica representa o ponto de partida dialético para uma superação do contraste infecundo entre forma e conteúdo. Além disso, o conceito de técnica pode ajudar-nos a definir corretamente a relação entre tendência e qualidade (...). Se em nossa primeira formulação dissemos que a tendência política correta de uma obra inclui sua qualidade literária, porque inclui sua tendência literária, é possível agora dizer, mais precisamente, que essa tendência literária pode consistir num progresso ou num retrocesso da técnica literária” (Benjamin, 1996: 122-123).

Essa aceleração do tempo pautado pela técnica teve seu impacto na cultura visual, que na Alemanha do entre-guerras vivia o boom das revistas ilustradas e, portanto, de uma circulação até então inédita de fotografias documentais. Em 1931, o escritor nacionalista alemão Ernst Jünger publicou On Danger, onde reconheceu esse novo papel da imagem fotográfica:

Acima de tudo isso, a maravilha do nosso mundo, ao mesmo tempo sóbria e perigosa, é o registro do momento em que o perigo transpira – um registro que é tanto mais bem-sucedido quando ele não captura a consciência humana de imediato, por meio de máquinas. Você não precisa de nenhum talento profético para predizer que em pouco tempo qualquer acontecimento estará ali para se ver ou ouvir em qualquer lugar. Já hoje em dia dificilmente haverá um acontecimento de significância humana para o qual o olho artificial da civilização, a lente fotográfica, não esteja voltado. O resultado muitas vezes são retratos de uma precisão demoníaca através dos quais a nova relação da humanidade com o perigo se torna visível de uma maneira excepcional. Temos que reconhecer que se trata aqui muito menos da peculiaridade de novos instrumentos do que de um novo estilo que faz uso de instrumentos tecnológicos (Jünger, 1993JÜNGER, Ernst. On danger. New German Critique, n. 59, (spring-summer, 1993) p. 27-32.: 31; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

A supremacia da imagem técnica, portanto, indicaria uma mudança de compreensão do mundo, de como os homens se veem e se representam, um “novo estilo”, e estaria interligada à aceleração do tempo e à relação da sociedade ocidental com o que Jünger chama de perigo – e que Benjamin chamou de catástrofe.

A imagem técnica se impunha à cultura visual naquele tempo de guerra e, de formas diferentes, foi objeto de reflexão durante a Republica de Weimar na Alemanha. Siegfried Krakauer, jornalista e crítico alemão, colega de Benjamin no periódico Frankfurter Zeitung, publicou, na edição de 28 de outubro de 1927 do jornal, o artigo A Fotografia, onde refletiu sobre a onipresença das lentes das câmeras e da imagem fotográfica. Segundo ele, a abundância de imagens nos meios de comunicação teria uma ação direta no intelecto humano, na experiência, e portanto na memória, afetando o modo como mundo pode ser conhecido.

A intenção das revistas ilustradas é reproduzir completamente o mundo acessível ao aparelho fotográfico; registram espacialmente o clichê das pessoas, situações e acontecimentos em todas as perspectivas possíveis. (...) Nunca houve uma época tão bem informada sobre si mesma, se ser bem informado significa possuir uma imagem das coisas iguais a elas no sentido fotográfico. (...) Nas revistas ilustradas o público vê o mundo que as revistas impedem realmente de perceber. O contínuo espacial segundo a perspectiva da câmera fotográfica recobre o fenômeno espacial do objeto conhecido, e sua semelhança desfigura os contornos de sua “história”. Nunca uma época foi tão pouco informada sobre si mesma. (...) Nas revistas ilustradas, o mundo torna-se o presente fotografável e o presente fotografado torna-se inteiramente eternizado. Parece ter extirpado a morte, mas na realidade a fotografia a abandonou. (Krakauer, 2009KRAKAUER, Siegfried. O ornamento da massa. São Paulo: Cosac Naify, 2009.: 75)

Krakauer sinalizava, desse modo, para uma transformação fundamental: as coisas e eventos deste mundo em tempo de guerra só existiriam se fotografados. Não existiria então uma experiência legítima do mundo, apenas uma contestável informação sobre os eventos do presente.

Jünger havia afirmado no trecho citado acima de On Danger que no futuro próximo os eventos estariam à disposição de qualquer um, em qualquer lugar, no momento em que acontecessem, sendo captados de forma inumana por máquinas. No artigo On Pain, de 1934, onde examina o papel da tecnologia na capacidade humana de experimentar a dor, ele vai mais além, aproximando-se de Krakauer, e afirma que os próprios eventos apenas poderão existir se registrados e transmitidos:

Hoje, onde quer que um acontecimento ocorra, ele é rodeado por um círculo de lentes e microfones e iluminado pelas explosões chamejantes dos flashes. Em muitos casos o próprio evento é completamente subordinado à sua transmissão; em grande medida, ele foi transformado num objeto. Já passamos assim por julgamentos políticos, encontros parlamentares e contestações cujo objetivo é ser objeto de uma transmissão planetária. O evento não está conectado nem ao seu espaço particular nem ao seu tempo particular, já que pode ser espelhado em qualquer parte e repetido inúmeras vezes. Esses são sinais que apontam para uma grande distância (apud Cadava, 1997CADAVA, Eduardo. Words of light: theses on the photography of history. Princeton: Princeton University Press, 1997.: xxii; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

A partir do início do século XX, segundo o autor, a sociedade de massas existiria por meio da reprodutibilidade técnica, já que cada um de seus eventos estaria em todos os lugares e portanto em nenhum. Seu lado mais obscuro seria a guerra, uma vez que, suprimido o âmbito do indivíduo, a máquina militar se torna mais letal, como havia demonstrado o ataque a civis e o uso do gás durante a Primeira Guerra Mundial. Desse modo, o já mencionado conceito de Jünger da mobilização total se tornaria útil na compreensão da sociedade.25 25 Jünger (1993: 198) afirma que “assim como toda vida, ao nascer, já traz consigo o gérmen de sua morte, também o surgimento das grandes massas encerra em si uma democracia da morte. A época do tiro mirado, com efeito, já ficou para trás. O chefe de esquadra que, altas horas da noite, dá a ordem de ataque de bombas não conhece mais diferença alguma entre combatentes e não combatentes, e a nuvem de gás letal avança como um elemento natural sobre tudo que é vivo. A possibilidade de tais ameaças, porém, não pressupõe uma mobilização, nem parcial, nem geral, mas total, que se estende ela mesma até a criança de berço, a qual está ameaçada como todo mundo, aliás, ainda mais fortemente”. Essa mobilização, nascida na Primeira Guerra, e como que antevendo o ápice que alcançaria durante a Segunda Guerra Mundial, só seria possível através da reprodutibilidade técnica, pois é por meio da captação e transmissão de imagens quase que simultaneamente ao evento, por parte dos meios de comunicação, que se cria a ilusão de que o mundo é abrangível e cognoscível todo o tempo (Cadava, 1997CADAVA, Eduardo. Words of light: theses on the photography of history. Princeton: Princeton University Press, 1997.: 68-75).

Jünger, Krakauer e Benjamin, de modos um pouco diferentes, investigaram os processos pelos quais o mundo em que viviam mudava, como os acontecimentos se davam cada vez mais próximos uns dos outros e cada vez mais definitivos, como a percepção do tempo se acelerava, e como os modos de ver este mundo também estavam se acelerando, deixando para trás a possibilidade de experiência do homem e pautando a temporalidade no instante. Benjamin deixou isso claro em 1931, quando, com o auxilio de Krakauer, definiu essa temporalidade que tem mais afinidade com a fotografia do que com a pintura, comparando-as:

O próprio procedimento técnico levava o modelo a viver não ao sabor do instante, mas dentro dele; durante a longa duração da pose, eles por assim dizer cresciam dentro da imagem, diferentemente do instantâneo, correspondente àquele mundo transformado no qual, como observou com razão Krakauer, a questão de saber “se um esportista ficará tão célebre que os fotógrafos das revistas ilustradas queiram retratá-lo” vai ser decidida na mesma fração de segundo em que a foto está sendo tirada (Benjamin, 1996BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996.: 96).

Já durante a década de 1930, portanto, esses três escritores, cada um partindo de uma posição política e cada um a seu modo, relacionaram a própria existência de um evento a seu registro e transmissão. Com essa nova posição da fotografia documental ganha a partir da grande circulação das revistas ilustradas, as imagens por elas publicadas começavam a ter um impacto significativo na construção de uma memória coletiva e de uma história pública.26 26 Existe atualmente no Brasil uma rica bibliografia que trata da característica pública da fotografia a partir de fotografias que não apenas foram publicadas, mas que também se formam e são formadoras de um espaço público. Sobre isso, ver Mauad (2012-1023: 19). A partir desse papel que a imagem técnica ganhou nos anos da guerra na Espanha, é possível pensar que fotografias ícones, como a que Capa fez do miliciano caindo, também participam de um processo de engendramento de uma memória. O papel de testemunhas privilegiadas dos repórteres fotográficos lhes valeu a condição de historiadores do presente. Da mesma forma, essas fotografias também estabeleceram novas formas de codificação visual que impactaram os padrões de representação da fotografia documental. Volta-se assim à questão da fotografia ícone. De acordo com a definição dada por Lucaites e Hariman, citada mais acima, esse tipo de imagem condensaria significados que representariam o evento fotografado. No entanto, a fotografia também participa da condição mesma de existência do evento. Nas palavras de Michel Frizot (in Ameline, ed., 1996AMELINE, Jean-Paul (ed). Face à l'histoire 1933-1996. L'artiste moderne devant l'événement historique. Paris: Flammarion/Centre Georges-Pompidou, 1996.: 51) , ela fabrica a história A sucessão de fotografias presentes, dia após dia, no espaço público da imprensa ilustrada iria assim compor um vocabulário, que por sua vez elaboraria um imaginário fotográfico da realidade, uma mediação para o conhecimento do mundo. Dessas fotografias publicadas na imprensa ilustrada, por sua estética, se retirariam novas formas simbólicas, modos de codificar, e portanto representar, as ações humanas.27 27 Nas palavras de Frizot (Ameline ed., 1996: 54), “Entre esses dois polos aproximativos 1930/1970, a fotografia desempenhou o papel de um novo texto para alimentar o imaginário da história, como se as fotografias vistas dia após dia se alinhassem tais quais palavras, se organizassem como vocabulário e sintaxe. E é a partir desse texto invisível na sua globalidade, sem verificação possível, mas sobrevoado por todos – inclusive pelos artistas – que se elabora um imaginário fotográfico da história. As fotografias – em sua maioria apreendidas tais como impressas na mídia – são novos objetos a partir dos quais despontam novas percepções, novos códigos de arranjo sintático, novos discursos – e de onde se extraem novos signos, formas simbólicas que remetem a alguma ação, estado, gesto, dor…” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

Referências bibliográficas

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  • YOUNG, Cynthia (ed). The Mexican suitcase New York, Gotingen: International Center of Photography, Steidl, 2010, 2 vols.

Notas

  • 1
    C. S. Peirce (1839-1914), filósofo e cientista norte-americano. Dubois (1990: 63)DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, 1990. reproduz a seguinte citação de seus Collected papers: “Um ícone é um signo que remete ao objeto que ele denota simplesmente em virtude das características que ele possui, quer esse objeto exista realmente, quer não”.
  • 2
    Para Dubois (1990: 121)DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, 1990., “a fotografia, considerada no resultado visual que ela acaba por oferecer, assim como a representação da sombra que estaria na origem da pintura, só seriam estritamente indiciais em sua primeira fase constitutiva, nas condições de produção do signo (a transposição direta do referente numa tela contígua a partir de um jogo de ótica de projeção luminosa). Mas, a partir do movimento em que a imagem-índice assim produzida pretende se inscrever a longo prazo, se fixar para memória, isto é, a partir do momento em que a imagem pretende ultrapassar seu referente, eternizá-lo, congelá-lo na representação, portanto substituir, como traço detido, sua ausência inelutável, então essa imagem perde parte do que constituía sua pureza indicial, perde sua conexão temporal. O índice torna-se parcialmente autônomo. Abre-se para a iconização, isto é, para a morte. Ao matar a indexação, a fixação iconizante assinala o início do trabalho de morte da representação”.
  • 3
    Neste trabalho, nos baseamos na noção dialética de cultura visual tal como foi proposta por W. J. T. Mitchell (2002: 171)MITCHELL, W. J. T. Showing seeing: a critique of visual culture. Journal of Visual Culture, vol. 1, 2002, p. 165-181.: “Em suma, um conceito dialético de cultura visual não pode se contentar com uma definição de seu objeto como a construção social do campo visual, mas deve insistir em explorar a inversão quiasmática dessa proposição, a construção visual do campo social. O que ocorre não é apenas que nós vemos da maneira como vemos porque somos animais sociais, mas também que os nossos arranjos sociais assumem as formas que assumem porque somos animais que veem” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). No entanto, gostaríamos de salientar a pluralidade de interpretações que essa noção carrega. O artigo O desafio de fazer História com imagens: arte e cultura visual, de Paulo Knauss, traz um ótimo panorama do tema, como também o faz Ulpiano Bezerra de Meneses em Fontes visuais, cultura visual, História visual. Balanço provisório, propostas cautelares. Knauss (2006: 106)KNAUSS, Paulo. O desafio de fazer história com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura, Uberlândia, v. 8, n. 12, p. 97-115, jan.-jun. 2006.sintetiza que “no quadro geral de institucionalização dos estudos visuais, observa-se, portanto, que a emergência do conceito de cultura visual e a projeção do campo dos estudos visuais representam o reconhecimento de novas possibilidades de estudo da imagem e da arte, colocando a visualidade no centro de interrogação”.
  • 4
    Segundo os autores, “porque a câmera registra o cenário da vida quotidiana, a imagem fotográfica se torna capaz de dirigir a atenção através de um campo de normas culturais, gêneros artísticos, estilos políticos, ideografias, tipos sociais, rituais internacionais, poses, gestos e outros sinais conforme eles se entrecruzam em qualquer acontecimento. A imagem icônica funde esses códigos como uma imagem de experiência coletiva, de tal forma que eles passam a fornecer recursos para interpretar os processos históricos e definir a relação de cada um com os outros” (Hariman e Lucaites, 2007HARIMAN, Robert & LUCAITES, John Louis. No caption needed. Iconic photographs, public culture and liberal democracy. Chicago and London: University of Chicago Press, 2007.: 34-35; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).
  • 5
    A Guerra Civil Espanhola foi o primeiro grande evento a ganhar uma ampla cobertura fotográfica. Ocorreu logo após a difusão das ágeis câmeras Leica e Ermanox, e no mesmo ano do surgimento da revista Life, 1936. Não obstante, o conflito foi encarado por parte da esquerda europeia como uma cruzada contra o fascismo, levando cerca de 42 mil voluntários – as Brigadas Internacionais, especialmente da Inglaterra, França e Alemanha – a lutar ao lado dos republicanos. Desse modo, foi amplamente registrada e divulgada.
  • 6
    Robert Capa (1911-1954) nasceu na Hungria em 1913 com o nome de Endre Friedmann. Em 1931 deixou a Hungria para ir estudar na Alemanha, onde fez os primeiros trabalhos fotográficos, e em 1933 deixou Berlim para viver em Paris. Lá mudou seu nome e construiu sua carreira como fotojornalista de guerra, cobrindo a Guerra Civil Espanhola, a segunda Guerra Sino-Japonesa, a Segunda Guerra Mundial, a guerra entre Árabes e Israelenses em 1948 e a guerra na Indochina, onde foi morto em 1954. Em 1947 fundou a agência Magnum junto com Chim, George Rodger, Henri Cartier-Bresson e William Vandivert (Lebrun e Lefebvre, 2012LEBRUN, Bernard & LEFEBVRE, Michel. Robert Capa, the Paris years, 1933-1954. New York: Abrams, 2012.: 12-88).
  • 7
    O artigo Fotografia pública e cultura do visual, de Ana Maria Mauad (2012-2013: 11-20)MAUAD, Ana Maria. Fotografia pública e cultura visual, em perspectiva histórica. Revista Brasileira de História da Mídia, vol. 2, n. 2, jul/2013-dez/2013., traça importantes parâmetros conceituais sobre os quais se dá a relação entre cultura visual e cultura política.
  • 8
    Os números são, ainda hoje, incertos. Ver Preston (2009: 7)PRESTON, Paul. We saw Spain die. Foreign correspondents in the Spanish Civil War. New York: Skyhorse Publishing, 2009..
  • 9
    A legenda completa é a seguinte: “O jarrete vivo, o peito aberto ao vento, o fusil em punho, eles desciam o declive coberto de um colmo íngreme... Subitamente o curso foi interrompido, uma bala soprou – uma bala fratricida – e o sangue deles foi bebido pela terra natal...” (Vu, 23 de setembro de 1936; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).
  • 10
    No livro The first casualty, de 1975, Phillip Knightley levantou dúvidas quanto à veracidade da situação fotografada por Capa, citando depoimentos que indicariam que ela teria sido encenada a seu pedido. Por sua vez, o biógrafo de Capa buscou comprovar a veracidade da imagem determinando a identidade do miliciano. A partir de então o debate sobre se a fotografia mostraria realmente o momento de uma morte, ou não, só cresceu, com posições tomadas dos dois lados. Sobre a polêmica, ver Knightley (1975: 209-212), Whelan (2009: 53-87)WHELAN, Richard. ¡Esto es la guerra! Robert Capa en acción.Barcelona, New York, Göttingen: Museu Nacional d'Art de Catalunya / International Center of Photography / Steidel, 2009., Lewinski (1986: 88-90)LEWINSKI, Jorge. The camera at war: a history of war photography from 1848 to the present day. London: Octopus Books, 1986., Lebrun e Lefebvre (2012: 99-110)LEBRUN, Bernard & LEFEBVRE, Michel. Robert Capa, the Paris years, 1933-1954. New York: Abrams, 2012., Brothers (1997: 55-82)BROTHERS, Caroline. War and photography: a cultural history. London/New York: Routledge, 1997. e Bezerra de Meneses (2003: 131-151)MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A fotografia como documento – Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha: sugestões para um estudo histórico. Tempo, n. 14, jan.-jun. 2003..
  • 11
    Hüppauf (1993: 64-65)HÜPPAUF, Bernd. Experiences of modern warfare and the crisis of representation. New German Critique, n. 59 (spring-summer, 1993). afirma: “Assim foi simplificada uma situação complexa, criando o sentido de que não havia alternativa a uma ampla aliança de todas as forças que lutavam em nome da vida e da civilização, enquanto o inimigo era identificado com a fria tecnologia e desumanidade. Um compromisso moral foi transformado numa perspectiva estética, criando assim uma imagem emocionalmente forte do confronto entre o bom e o mau, o certo e o errado, que sobreviveu a numerosas tentativas de desconstruí-lo. A oposição entre o rosto humano e imagens de sofrimento, entre uma vida pacífica e a brutalidade das guerras foi agora estendida, e a tecnologia moderna foi incluída no quadro moral da representação” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).
  • 12
    A biógrafa de Gerda Taro, Irme Schaber (2006: 206, 239), fala ainda sobre esse olhar que singulariza indivíduos no trabalho específico da fotógrafa – que parece encontrar eco também nas fotografias de Capa e Chim: “As fotos de Gerda Taro, desde as do início em Barcelona até os documentos sobre os combates de Brunete, comprovam seu esforço para mostrar o indivíduo no meio da massa e para romper o anonimato do número pelo retrato de indivíduos isolados – isso vale também para os mortos. Repugnava a Taro aceitar o absurdo engendrado pelos tapetes de bombas da máquina de guerra moderna” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).
  • 13
    Curadora do Arxiu Nacional de Catalunya, Teresa Ferré afirma que “Robert Capa fuig de les típiques imatges de massa dels anys 30: ell és qui reclama proximitat amb allò que es retrata perquè una fotografia sigui bona. (…) Per tant, a diferència d’altres imatges frontereres, com algunes d’Auguste Chauvin, o Manuel Moros, Capa mostrarà la multitud, però no la massa amorfa, anònima i llunyana. I, enmig d’aquesta multitud, escollirà algunes persones per retratar-les individualment o amb la família, marcant aixì la personalització, reivindicant l’individu que està patint, i apropant la tragèdia al receptor de la imatge, que es pot identificar amb el retratat” (Ferré, s/d: 168).
  • 14
    Como exemplo dessa polarização política também da imprensa internacional, pode ser citado o caso de um desses repórteres, que se tornou notório por inventar reportagens pró-franquistas. William P. Carney, do New York Times, era tão tendencioso que passou a ser chamado por seus colegas na Espanha de General Bill. James Minifie, correspondente do rival New York Herald Tribune, chegou a afirmar que Carney não apenas fazia seus artigos penderem para o lado dos rebeldes, mas também inventava notícias com base em falsas testemunhas oculares. Quando essas frequentes reportagens fictícias apareciam no New York Times, Minifie recebia de seu próprio jornal perguntas sobre o suposto evento. Ele apenas respondia que se tratava de outra estória “exclusiva de Carney” (Preston, 2009: 55)PRESTON, Paul. We saw Spain die. Foreign correspondents in the Spanish Civil War. New York: Skyhorse Publishing, 2009..
  • 15
    A primeira circular da associação, de 13 de dezembro de 1932, chamando os intelectuais a fazerem parte dessa frente comum, foi assinada por Paul Vaillant-Couturier, editor chefe do L’Humanité, jornal diário ligado ao PCF; Henri Barbusse, escritor engajado na organização mundial da luta contra a guerra; Léon Moussinac, escritor e crítico de arte comunista; Francis Jourdain e Charles Vildrac, simpatizantes. A lista arrolada por Vaillant-Couturier de membros da associação já no começo de 1933 inclui Louis Aragon, Jean Audard, Georges Benichou, René Blech, André Breton, Luis Buñuel, René Crevel, Eugène Dabit, Paul Eluard, Elie Faure, Roger Francq, Jean Fréville, Georges Friedmann, Louis Guilloux, Francis Jourdain, Henri Lefebvre, Lods, Jean Lurçat, Man Ray, Léon Moussinac, Paul Nizan, Louis Paul, Benjamin Péret, Georges Politzer, Georges Pomiès, Stephen Priacel, Jules Rivet, Romain Rolland, Georges Sadoul, Gérard Servèze, Pierre Unik, Jean Vigo, Charles Vildrac e Marcel Willard (Racine, 1966 : 30)RACINE, Nicole. L'Association des Écrivains et Artistes Révolutionnaires (A.E.A.R.). La revue Commune et la lutte idéologique contre le fascisme (1932-1936). Le Mouvement Social, n. 54, jan.-mar. 1966, p. 29-47..
  • 16
    A Regards se autointitulava “a revista ilustrada da Frente Popular” (Brothers, 1997: 4-6)BROTHERS, Caroline. War and photography: a cultural history. London/New York: Routledge, 1997..
  • 17
    Segundo Denoyelle (in Baqué, 1997: 292), “donde também a convicção segundo a qual a imagem vai permitir àquele que a olha ‘constituir sua própria opinião’, como dizem vários artigos, ou seja, tanto se despojar das ideias preconcebidas e dos preconceitos quanto escapar das tentações, tão fortes então, do dogmatismo político. A partir da imagem, o leitor esclarecido vai poder pensar por si e, a partir desse pensamento livre, pensar o real” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).
  • 18
    Sobre a experiência no Ce Soir, Aragon escreveu: “Para saber onde estávamos naquela guerra, você tinha que ler Ce Soir, esta é que a verdade. E foi assim que ganhamos centenas de milhares de leitores do Paris-soir naquele período. Nós estávamos bem informados. Com Georges Soria como correspondente e um time de fotógrafos como aquele, a competição também poderia desistir! Eram amigos de Cartier [Cartier-Bresson] que haviam feito sua primeira exposição em Paris na Maison de la Culture a meu pedido. Eu costumava dizer – e estava certo – que ele era o maior fotógrafo da época. Graças a ele pudemos mandar um time extraordinário para Madri. Extraordinário sob todos os pontos de vista – a política, o senso agudo do que iria capturar a imaginação... Quanto à foto propriamente... a arte da fotografia, era a vanguarda da época... E eles também eram audaciosos! Coragem... Robert Capa, Gerda Taro, Chim” (apud Lebrun e Lefebvre, 2012LEBRUN, Bernard & LEFEBVRE, Michel. Robert Capa, the Paris years, 1933-1954. New York: Abrams, 2012.: 134-137; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).
  • 19
    Um exemplo é um trecho da fala de Marcel Gromaire: “O que é afinal o realismo ? O que é o real ? O real não é apenas o que está ao alcance da nossa mão, ao alcance do nosso olho, é também o que está ao alcance do nosso espírito, e o que ainda não está ao alcance do nosso espírito. O real se estende de nós mesmos até os limites desconhecidos do mundo, e o realismo em arte é a aproximação, intuitivamente a mais convincente possível, da verdade do universo, e isto com relação ao mais ínfimo objeto” (apud Fauchereau ed., 1987FAUCHEREAU, Serge (ed). La querelle du réalisme. Paris: Éditions Cercle d'Art, 1987.: 57; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).
  • 20
    Aragon afirmou: “Que a tendência realista na arte e na literatura nas sociedades de classe sempre aparece naqueles momentos da história em que o equilíbrio social está prestes a se romper, em que a classe dominante tem apenas o controle da força, mas em que a verdadeira força reside numa classe ascendente que os senhores da sociedade tentam em vão fazer recuar para trás de um cenário irreal, eis o que a lembrança de antes de 1789 e das campanhas de Diderot em favor do realismo, eis o que a lembrança dos anos de antes da Comuna, em que a arte se chamava Manet, Flaubert, Zola, Courbet, talvez já deixe, para a maioria, claro, patente, indiscutível. E eu quero ver, lembrando-me aqui que esses ímpetos do realismo correspondem à ascensão histórica da burguesia no primeiro caso, do proletariado no segundo exemplo, eu quero ver no fato de que hoje em dia, quer se queira quer não, na arte e na literatura, o problema central, a ferida aberta, aquilo que desencadeia a tempestade, a única questão em nome da qual qual nós podemos hoje em dia, como esta noite pintores e escritores, opor apaixonadamente uns aos outros os artistas destes tempos é a questão do realismo, eu quero ver nesse fato, nos dias do Front Populaire, o símbolo, a profecia, o sinal prenunciador da vitória contra as duzentas famílias” (apud Fauchereau ed., 1987FAUCHEREAU, Serge (ed). La querelle du réalisme. Paris: Éditions Cercle d'Art, 1987.: 85-86; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos). As duzentas famílias a que o texto faz menção são as duzentas famílias mais ricas da França.
  • 21
    Aragon define: “Esse realismo deixará portanto de ser um realismo dominado pela natureza, um naturalismo, para se’r um realismo expressão consciente das realidades sociais, e parte integrante do combate que modificará essas realidades. Em uma palavra, ele será um realismo socialista, ou a pintura deixará de ser, deixará de ser em sua dignidade. É um grande papel, senhores pintores, que lhes é reservado, e eu só tenho um receio: o de que haja entre os senhores alguns muito grandes, que o medo de mudar de opinião e de ficar abaixo de um destino tão alto leve a não reconhecer aquilo que faria sua grandeza futura” (apud Fauchereau, 1987FAUCHEREAU, Serge (ed). La querelle du réalisme. Paris: Éditions Cercle d'Art, 1987.: 96-97; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).
  • 22
    Um dos grandes expoentes desse estilo descrito por Aragon aplicado ao jornalismo é a reportagem fotográfica realizada por Cartier-Bresson durante a coroação de George VI em 13 de maio de 1937 em Londres. Enviado ao mesmo tempo pelo Ce Soir e pela Regards, o fotógrafo não se deteve em nenhum momento na cerimônia propriamente dita ou nos seus personagens principais – o que se poderia entender como o evento propriamente dito –, mas apenas fotografou demoradamente alguns indivíduos que selecionou dentro da massa de pessoas comuns que acompanhavam a cerimônia nas ruas, do lado de fora da catedral. Segundo Peter Galassi, Cartier-Bresson apreciava particularmente esse seu trabalho: “A maioria dos negativos que Cartier-Bresson preservou desse período era de matérias relativamente mais ambiciosas, geralmente feitas para o jornal aparentado ao Ce Soir, o semanário ilustrado editado por [Pierre] Unik e intitulado Regards (...) – notadamente sua reportagem sobre a coroação de George VI na Inglaterra, em maio de 1937. (...) A missão inaugurou a interminável e frutífera estratégia de Cartier-Bresson de ignorar o acontecimento para estudar a multidão, que é muito mais expressiva, enquanto grupo e enquanto indivíduos, porque sua atenção não está em si mesma nem no fotógrafo. A estratégia era perfeita para uma publicação que desdenhava reis e rainhas como curiosas relíquias de um passado feudal (os relatos enviados por [Paul] Nizan adotavam uma perspectiva parecida)” (Galassi, 2010GALASSI, Peter. Henri Cartier-Bresson. O século moderno. São Paulo: Cosac Naify, 2010.: 38-40).
  • 23
    Segundo David Glassberg, a construção da história pública não pode ser pensada em separado dos grupos sociais e das culturas políticas que a agenciam: “Com todas as versões possíveis do passado que circulam na sociedade, como relatos específicos do passado são estabelecidos e disseminados como sendo o relato público? Como essas histórias públicas mudam com o tempo? Uma maneira de tratar dessas questões é analisar como as imagens do passado dominantes numa sociedade refletem sua cultura política. (...) [P]oucos podem negar que a questão de qual versão da história é institucionalizada e disseminada como a história pública é uma questão política, e de que a história pública encarna não apenas ideias a respeito da história – a relação entre passado, presente e futuro – mas tambem ideias a respeito do público – a relação entre grupos diversos na sociedade política. Os debates contemporâneos sobe a política da história pública não só fizeram aumentar a importância do conhecimento dos historiadores públicos sobre os usos políticos da história no passado, como se refletiram no estabelecimento de memoriais de guerra, celebrações cívicas e instituições públicas como museus, arquivos e sítios históricos” (Glassberg, 1996GLASSBERG, David. Public history and the study of memory. The Public Historian, vol. 18, n. 2 (spring, 1996).: 11; texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).
  • 24
    Segundo Benjamin (1996: 94), a fotografia revela “mundos de imagens habitando as coisas mais minúsculas, suficientemente ocultas e significativas para encontrarem um refúgio nos sonhos diurnos, e que agora, tornando-se grandes e formuláveis, mostram que a diferença entre a técnica e a magia é uma variável totalmente histórica”. Da mesma forma, em O autor como produtor,onde traça paralelos entre literatura e fotografia, Benjamin afirma que “o conceito de técnica representa o ponto de partida dialético para uma superação do contraste infecundo entre forma e conteúdo. Além disso, o conceito de técnica pode ajudar-nos a definir corretamente a relação entre tendência e qualidade (...). Se em nossa primeira formulação dissemos que a tendência política correta de uma obra inclui sua qualidade literária, porque inclui sua tendência literária, é possível agora dizer, mais precisamente, que essa tendência literária pode consistir num progresso ou num retrocesso da técnica literária” (Benjamin, 1996BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996.: 122-123).
  • 25
    Jünger (1993: 198) afirma que “assim como toda vida, ao nascer, já traz consigo o gérmen de sua morte, também o surgimento das grandes massas encerra em si uma democracia da morte. A época do tiro mirado, com efeito, já ficou para trás. O chefe de esquadra que, altas horas da noite, dá a ordem de ataque de bombas não conhece mais diferença alguma entre combatentes e não combatentes, e a nuvem de gás letal avança como um elemento natural sobre tudo que é vivo. A possibilidade de tais ameaças, porém, não pressupõe uma mobilização, nem parcial, nem geral, mas total, que se estende ela mesma até a criança de berço, a qual está ameaçada como todo mundo, aliás, ainda mais fortemente”.
  • 26
    Existe atualmente no Brasil uma rica bibliografia que trata da característica pública da fotografia a partir de fotografias que não apenas foram publicadas, mas que também se formam e são formadoras de um espaço público. Sobre isso, ver Mauad (2012-1023: 19)MAUAD, Ana Maria. Fotografia pública e cultura visual, em perspectiva histórica. Revista Brasileira de História da Mídia, vol. 2, n. 2, jul/2013-dez/2013..
  • 27
    Nas palavras de Frizot (Ameline ed., 1996AMELINE, Jean-Paul (ed). Face à l'histoire 1933-1996. L'artiste moderne devant l'événement historique. Paris: Flammarion/Centre Georges-Pompidou, 1996.: 54), “Entre esses dois polos aproximativos 1930/1970, a fotografia desempenhou o papel de um novo texto para alimentar o imaginário da história, como se as fotografias vistas dia após dia se alinhassem tais quais palavras, se organizassem como vocabulário e sintaxe. E é a partir desse texto invisível na sua globalidade, sem verificação possível, mas sobrevoado por todos – inclusive pelos artistas – que se elabora um imaginário fotográfico da história. As fotografias – em sua maioria apreendidas tais como impressas na mídia – são novos objetos a partir dos quais despontam novas percepções, novos códigos de arranjo sintático, novos discursos – e de onde se extraem novos signos, formas simbólicas que remetem a alguma ação, estado, gesto, dor…” (texto traduzido pela revisão de Estudos Históricos).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    jul-dec 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Jun 2014
  • Aceito
    01 Set 2014
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