Open-access A micro-história no Brasil: recepções, itinerários e permanênciasi

Microhistory in Brazil: Receptions, Trajectories, and Continuities

La microhistoria en Brasil: recepciones, itinerarios y permanencias

RESUMO

O presente artigo analisa como, nas últimas três décadas, a micro-história italiana influenciou o debate historiográfico no Brasil. Sem pretender realizar uma revisão exaustiva de todos os estudos inspirados por essa perspectiva, busca-se refletir sobre a forma como a metodologia foi recebida e interpretada em pesquisas de diferentes áreas temáticas. Dá-se atenção especial à recepção do modelo de micro-história proposto por Giovanni Levi, um dos principais expoentes do método. Além disso, aponta-se como esse modelo tem impulsionado uma renovação nos estudos migratórios, contribuindo para o surgimento de uma nova história social das migrações e para a ampliação dos temas de pesquisa relacionados aos imigrantes em distintos contextos. Por meio do uso de fontes de natureza variada e do cruzamento de informações, busca-se reconstruir as dinâmicas migratórias e as estratégias individuais e coletivas, bem como as lógicas que orientaram os comportamentos nos locais de origem e de chegada no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE:
Micro-história; Debate historiográfico; Método; História social; Brasil; Estudos migratórios

ABSTRACT

This article analyzes how, over the past three decades, Italian microhistory has influenced historiographical debates in Brazil. Without intending to provide an exhaustive review of all studies inspired by this perspective, the article seeks to reflect on how the methodology has been received and interpreted in research across various thematic fields. Particular attention is given to the reception of the microhistorical model proposed by Giovanni Levi, one of the leading exponents of the approach. The article also highlights how Levi’s model has driven a renewal in migration studies, contributing to the emergence of a new social history of migrations and to the expansion of research topics related to immigrants in different contexts. By drawing on sources of varied nature and cross-referencing information, it aims to reconstruct migration dynamics, individual and collective strategies, and the logics that shaped behaviors in both the places of origin and arrival in Brazil.

KEYWORDS:
Microhistory; Historiographical debate; Method; Social history; Brazil; Migration studies

RESUMEM

Este artículo analiza cómo, en las últimas tres décadas, la microhistoria italiana ha influido en los debates historiográficos en Brasil. Sin pretender realizar una revisión exhaustiva de todos los estudios inspirados en esta perspectiva, se busca reflexionar sobre la forma en que la metodología ha sido recibida e interpretada en investigaciones en diversas áreas temáticas. Se presta especial atención a la recepción del modelo de microhistoria propuesto por Giovanni Levi, uno de los principales exponentes del enfoque. Asimismo, se destaca cómo dicho modelo ha impulsado una renovación en los estudios migratorios, contribuyendo al surgimiento de una nueva historia social de las migraciones y a la ampliación de los temas de investigación relacionados con los inmigrantes en diferentes contextos. A partir del uso de fuentes de naturaleza diversa y del cruce de informaciones, se busca reconstruir las dinámicas migratorias, las estrategias individuales y colectivas, así como las lógicas que orientaron los comportamientos en los lugares de origen y de destino en Brasil.

PALAVRAS CLAVES:
Microhistoria; Debate historiográfico; Método; Historia social; Brasil; Estudios migratorios

Introdução

Já se passaram algumas décadas desde que as obras de Carlo Ginzburg começaram a ganhar destaque no debate historiográfico brasileiro1. Sendo compreendidos como sinônimos de micro-história, os livros do referido historiador italiano pareciam ser um modelo de história cultural, ligado à terceira geração dos Annales2. A adesão inicial ao modelo “ginzburgiano”3 ocorreu entre os estudiosos que utilizavam fontes inquisitoriais para apreender aspectos da cultura, práticas mágico-religiosas de grupos perseguidos e marginalizados, como os indígenas, homens e mulheres pertencentes às “classes populares” do Brasil Colônia4. Em relação à leitura dos documentos, passaram a ganhar atenção os detalhes, indícios e sinais como uma via de acesso aos modos de pensar e agir de pessoas perseguidas, ao mesmo tempo que crescia a atenção para os procedimentos da microanálise.

A difusão de Carlo Ginzburg no debate historiográfico brasileiro ocorreu na década de 1980, momento este em que certo número de estudos de historiadores franceses, ligados à Escola dos Annales, bem como aos ingleses e anglo-americanos, também passaram a influenciar as discussões no campo da história. Inicialmente, os debates acerca da micro-história ficaram mais ligados aos aspectos da cultura e modos de compreender o mundo de sujeitos e grupos marginalizados, centradas em um indivíduo, evento ou local. Nas últimas décadas, especialmente a partir dos anos de 1990, a tradução de estudos de outros historiadores ligados à micro-história italiana fez com que novos modelos ganhassem espaço no debate historiográfico brasileiro, em que a preocupação com o universo social era mais evidente, bem como a utilização de fontes de natureza variada.

Seguir os traços deixados pelas pessoas comuns nas fontes criminais, fazendo emergir nomes, modos de pensar e se comportar, surgia como uma escolha em investigações inspiradas por Carlo Ginzburg. Mas é preciso frisar que havia outras influências importantes na década de 1980 no Brasil: a história social britânica que vinha na bagagem de historiadores norte-americanos como Peter Eisenberg e Michael Hall, com sua própria celebração da pesquisa empírica e a desconfiança com relação às abordagens que priorizavam os “sistemas” e as “estruturas”5. Assim, a atenção para experiências particulares e a adoção de uma perceptiva que considerava as ideias e percepções dos sujeitos passava a ganhar espaço, como a busca pela compreensão dos processos de construção sociocultural das identidades.

Na década de 1990, o Rio de Janeiro apresentava um cenário intelectual que propiciou a recepção de um novo modelo de micro-história. Esta estava voltada para a reconstrução dos universos relacionais, das mediações e da compreensão das racionalidades que orientavam os comportamentos em diferentes âmbitos da vida social, econômica, familiar e de toda uma política do cotidiana, por meio da utilização de diferentes tipologias de fontes. O presente artigo não pretende fazer uma análise exaustiva do amplo impacto que a microanálise, com seus diferentes modelos — propostos por dois de seus principais expoentes, Carlo Ginzburg e Giovanni Levi — tiveram na produção historiográfica brasileira. Em vez de tratar do impacto das ideias presentes nas perspectivas de ambos os historiadores italianos, centrou-se principalmente na influência da abordagem do último, e na maneira como foi incorporada a algumas vertentes do debate historiográfico no Brasil nas últimas décadas.

Para se entender a recepção da micro-história proposta por Levi em determinados campos de pesquisa, como aquele da escravidão e das elites coloniais, é preciso considerar a forte tradição de história social que marcou as décadas de 1980 e 1990, em algumas universidades brasileiras do centro do país6. Ela se caracterizava por conferir atenção para a sólida pesquisa arquivística, explorando diferentes tipologias de fontes, que possibilitavam, por meio de dados quantitativos, identificar frequências e aprofundar em análises qualitativas.

É preciso mencionar que um dos fundadores do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Robert Slenes, teve uma rápida passagem pela Universidade Federal Fluminense (UFF), orientando pesquisadores como Sidney Chalhoub7, fortemente influenciado pela história social inglesa e a tradição dos Annales. Temas como demografia escrava, constituição de famílias no cativeiro, abolição e pós-abolição e agência do(a)s escravizado(a)s e livres no espaço urbano da Corte. O diálogo com a antropologia e a adoção do paradigma indiciário proposto por Carlo Ginzburg são aspectos metodológicos que orientaram o desenvolvimento da investigação nas fontes, inicialmente com destaque para as judiciais, na seleção dos casos e na narração da pesquisa (Chalhoub, 1990). Logo, a inclusão de uma variedade de registros documentais de diferentes recortes temporais e espaciais passaria a caracterizar as pesquisas influenciadas pelos Annales, história social inglesa e a microanálise “ginzburgiana”, possibilitando avanços na historiografia brasileira da escravidão e do pós-abolição.

Se, inicialmente, a micro-história italiana no Brasil era vista como sinônimo de história cultural, tendo Ginzburg como a principal referência, posteriormente, a partir de 1990, com a publicação de textos de Giovanni Levi (1992; 1996), esse cenário iria começar a mudar. Como mencionado anteriormente, a diversificação, a ampliação e o enriquecimento do debate sobre a potencialidade do método passaram a ganhar destaque. A maneira como era proposto o acesso ao conhecimento do passado, tomando o particular como ponto de partida e atentando para as contradições dos sistemas normativos, para a diversidade de significados, pluralidade de pontos de vistas, divisões e conflitos que marcavam a vida social das pessoas que ocupavam posições mais baixas, eram aspectos que assumiram importância na abordagem microanalítica.

Em 1992, com a publicação da obra A escrita da história, organizada por Peter Burke (1992), uma definição de micro-história foi apresentada por Levi pela primeira vez no Brasil (Levi, 1992). Delineando as posições comuns que caracterizavam a perspectiva, que não deveria sacrificar os elementos individuais em favor de uma generalização, antes conferir atenção para os aspectos subjetivos e particulares, foi destacada a relevância do diálogo com a antropologia social/cultural. Apesar do avanço nas discussões teóricas e no desenvolvimento de novas experiências historiográficas, não ganhou destaque a comunicação entre o nível individual e a história mais ampla. O texto carecia de uma definição mais exata da micro-história enquanto perspectiva metodológica, o que deixou espaço aberto para diferentes interpretações, especialmente as que vinculavam a abordagem a estudos de casos, pessoas singulares e “anônimas”, segundo Ronaldo Vainfas (2002).Apesar disso, a perspectiva microanalítica passou a ser compreendida como um método preocupado com o entendimento das diferentes realidades sociais, que conferia atenção para as agências individuais e buscava apreender as racionalidades que orientavam os comportamentos em diversos âmbitos da vida, como social, econômico, político e familiar. Começaram a ser conhecidas as perspectivas teóricas e metodológicas dos “pais” fundadores da micro-história italiana — Edoardo Grendi, Giovanni Levi, Carlo Ginzburg e Carlo Poni.

O livro Jogos de Escala, organizado por Jacques Revel (1998), apresentou a existência de compreensões distintas sobre a microanálise, o debate em relação às escalas micro e macro. Inicialmente publicado na França, a obra resultava de seminário que reuniu historiadores(a)s e antropólogo(a)s para discutir, dentre outros temas, a reconstrução do universo microssocial e as relações entre as abordagens micro e macro. Os diferentes capítulos da obra apontam para as distintas compreensões em relação à perspectiva microanalítica adotada pelos pesquisadores italianos e franceses. Outro marco da ampliação do conhecimento sobre as diferentes experiências historiográficas da micro-história italiana ocorreu com a publicação do livro A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Nesta obra, Henrique Espada Lima (2006) apresenta as pesquisas, os interlocutores e as ideias dos três principais expoentes do método microanalítico: Edoardo Grendi, Giovanni Levi e Carlo Ginzburg. Henrique Espada Lima forneceu um quadro historiográfico amplo em que os estudos traduzidos no Brasil dos três historiadores italianos faziam sentido. Além de dedicar um capítulo para discutir as contribuições teóricas e metodológicas dos principais expoentes da micro-história, ele analisou a importância que teve a fundação da revista Quaderni Storici na Itália da década de 1970 para o desenvolvimento e a definição do método.

No ano de 2000, foi lançado no Brasil o mais importante livro de Giovanni Levi: A Herança Imaterial.8 Rapidamente, tornou-se uma das principais referências para historiadores que estudavam aspectos ligados ao Antigo Regime nos Trópicos, como a composição das estruturas sociais e econômicas em diferentes realidades do território luso na América dos séculos XVIII e parte do XIX. Com a publicação de A Herança Imaterial no Brasil, as pesquisas passaram a ser desenvolvidas seguindo as sugestões de Levi, que conferia destaque para o uso de fontes de natureza diversa e a constituição de uma série de dados para a compreensão do funcionamento das estruturas sociais e econômicas, bem como das hierarquias e racionalidades. Ganhava destaque o cruzamento entre análises quantitativas e qualitativas que atentavam para as estratégias familiares de reprodução e agência dos sujeitos em diferentes âmbitos da vida9.

A publicação de A Herança Imaterial marcou um aprofundamento da compreensão da micro-história no Brasil. O uso de diferentes fontes e a exploração de informações documentais evidenciaram o caráter experimental da microanálise, focada na reconstrução das relações interpessoais que moldavam comportamentos. A ênfase nos vínculos sociais em diversas esferas influenciou significativamente as pesquisas em história social no Brasil, destacando a cultura como parte integrada das escolhas e estratégias concretas, tanto individuais quanto coletivas.

Houve um desenvolvimento de pesquisas sobre a sociedade escravista brasileira inspiradas nas ideias e perspectiva de análise de Giovanni Levi. O tema da formação dos grupos sociais, apesar dos percursos diferentes, ganhou espaço na construção de uma história social das relações entre as pessoas que viviam a escravidão e aquele(a)s que eram livres. Estudos de trajetórias se somavam à constituição de uma série de dados extraídos de registros documentais diversos, possibilitando, assim, o entendimento de contextos locais na sua conexão com realidades mais amplas10.

Outros exemplos sobre os esforços historiográficos em conjugar a redução de escala de observação — a perspectiva micro e as questões macro, o individual e o coletivo, singularidade e frequências — podem ser percebidos nas pesquisas que compuseram as coletâneas Nomes e Números (Almeida; Oliveira, 2006) e Exercícios de Micro-história (Oliveira; Almeida, 2006). Ambas resultaram de colóquios11 realizados para discutir alternativas metodológicas para o campo da história econômica e social, destacando as proposições metodológicas e temáticas da micro-história italiana. O segundo livro acima referido foi prefaciado por Giovanni Levi, contando com a publicação de dois capítulos desse e de Edoardo Grendi. É destacado que a abordagem microanalítica havia surgido devido à necessidade de recuperar a complexidade das análises históricas, da renúncia “às leituras esquemáticas e gerais”, pretendendo, assim, “realmente compreender como se originavam comportamentos, escolhas, solidariedades” (Levi, 2009:11).

Na proposta de Levi, o entendimento da constituição e do funcionamento das estruturas de poder local são analisadas por meio do levantamento de informações extraídas de fontes religiosas, cartoriais, administradas, judiciais etc. A quantificação aparece enquanto recurso utilizado pela variedade de perguntas que sugerem e questionam os modelos simplificadores de entendimento da realidade social. Nesse sentido, destacam-se as reflexões sobre a capacidade das famílias de articular estratégias variadas para garantir a sobrevivência, o trabalho e o prestígio, bem como a reprodução de certas práticas sociais.

A micro-história nas duas últimas décadas

Completadas já mais de duas décadas da publicação no Brasil do livro A Herança Imaterial, de Giovanni Levi (2000), percebe-se que as ideias do referido autor continuam a influenciar a produção historiográfica brasileira. Nos últimos anos houve um aumento de artigos publicados do referido historiador, resultado de atividades acadêmicas realizadas em universidades brasileiras. As visitas aos países da América Latina, em especial ao Brasil, foram bastante frequentes, não apenas para participar de eventos sobre micro-história, mas também para conferir palestras e ministrar cursos em programas de pós-graduação de História. Giovanni Levi, até o momento, participou de atividades acadêmicas em 25 universidades brasileiras, aspecto esse que indica para a recepção e constância das análises microanalíticas e métodos adotados nas pesquisas12.

Por se tratar de uma perspectiva metodológica, é possível que a micro-história nunca deixe de estar presente no debate historiográfico brasileiro. Além de não se restringir a uma temática e ao tamanho do objeto de análise, a abordagem vem, nos últimos anos, transformando-se, sem, contudo, deixar de adotar a utilização do microscópio como elemento fundamental na pesquisa em fontes primárias. Os principais expoentes do método têm refletido sobre mal-entendidos e pontos caros ao funcionamento do laboratório microanalítico, especialmente a relação entre as escalas, o micro e o macro, entre uma abordagem localizada, que toma o local como ponto de partida, e movimentos mais amplos. A preocupação com relação à articulação entre contextos, novas problemáticas e fenômenos que possuíam uma dimensão mais global, passou a se fazer presente nas pesquisas com inspiração na micro-história (Trivellato, 2020; 2021). Sem deixar de dialogar com as perspectivas mais recentes, como a história global, as conexões entre diferentes lugares e ampliação da escala espacial e temporal, a microanálise foi se transformando13. Mais do que isso, as pesquisas atuais de historiadores pertencentes às diferentes gerações da micro-história mostram que abordagens centradas em lugares específicos, mesmo que distantes espacialmente, não deixam de contribuir para o avanço de uma história mais geral e global, em termos espaçais e temporais14. Isso tem permitido um entendimento dos diferentes significados das ações e práticas dos sujeitos e grupos, bem como a elaboração de novas categorias de análise e problemáticas de relevância geral.

A análise sistemática de documentos de natureza variada é um aspecto fundamental da micro-história inspirada em Levi. No Brasil, ela se destaca pela utilização de fontes diversas, pelo cruzamento entre análise quantitativa e qualitativa, reconstrução das redes, atenção para as diferentes percepções sobre um mesmo evento, tensões e rupturas que marcam as realidades concretas do vivido. Soma-se a isso a atenção para o estudo de trajetórias, para as agências, estratégias e racionalidades dos sujeitos. A utilização do método nominativo nas reconstruções de percursos individuais e de grupos, com atenção para análises biográficas, que confere atenção para os aspectos relacionais dos sujeitos por meio da valorização de diferentes registros documentais, ganhou destaque nas pesquisas nas últimas décadas em diferentes campos temáticos, como aquele da escravidão, da história agrária, das elites, da família e das migrações nos séculos XVIII, XIX e XX. Militares, escravo(a)s, liberto(a)s, missionários, imigrantes, enfim, homens e mulheres pertencentes a diferentes grupos sociais passaram a ganhar espaço em pesquisas.

Com carácter experimental, a permanência da micro-história na renovação historiográfica brasileira deve-se ao fato de consistir em uma perspectiva metodológica que utiliza diferentes procedimentos analíticos para apreender dados nem sempre imediatamente visíveis nas fontes. Em relação à reconstrução dos percursos individuais e coletivos, um dos desafios é atentar para o que não é evidente na documentação, bem como a não linearidade das vidas, as incoerências, os fracassos e os momentos de dúvidas e indecisões. Para além da trajetória em si, o que interessa são os contextos e as problemáticas que eles permitem acessar e sugerir. As pessoas, contudo, estão no centro da análise que se propõe. Histórias de sucesso e fracasso, o que importa é reconstruir suas escolhas diante de determinado horizonte de possibilidades, sabendo que possuíam conhecimento limitado/parcial da realidade em que viviam15. Atentar para tais questões exige que a leitura das fontes seja profunda, indo além daquelas informações aparentes. O destaque para a análise não superficial dos documentos, onde certo grau de imaginação pode auxiliar na elaboração de questionamentos em relação aos momentos de indecisão, ou ainda, sobre aquilo que possivelmente é pensado, imaginado, pelas pessoas estudadas. Entende-se que, no modelo de Levi de micro-história, ganham destaque as análises dos diferentes registros documentais e a utilização dos dados extraídos, uma vez que esses devem servir de base para elaboração de perguntas para a compreensão de universos e modos de agir que não aparecem imediatamente no material documental.

Nos últimos anos, a presença da micro-história no debate historiográfico se ampliou e se diversificou devido à realização de quatro edições do Seminário Internacional de Micro-história, Trajetória e Imigração, entre os anos de 2015 e 2021. Tais eventos reuniram historiadores de diferentes universidades brasileiras e estrangeiras, colocando em contato os principais expoentes da metodologia no cenário internacional e as gerações mais jovens de pesquisadores brasileiros. Todas as quatro edições do seminário contaram com a participação de Giovanni Levi, possibilitando, assim, uma maior compreensão sobre as diferentes experiências historiográficas microanalíticas, o funcionamento do método, a relação entre as escalas, o local e os estudos de trajetórias em tempos de Global History. Este, por exemplo, foi o tema da última edição, que reuniu historiadore(a)s de três gerações da micro-história16.

As discussões sobre o micro e global, as conexões entre diferentes espaços, atenção para a comparação e ligações entre lugares distantes e pessoas são utilizados enquanto recursos metodológicos para reflexão sobre um mundo cada vez mais globalizado. Como enfrentar a questão da globalização e dos seus diferentes efeitos, inclusive no campo da produção historiográfica, aparece como alguns dos desafios enfrentados pelos pesquisadores. Frente a tudo isso os defensores da microanálise têm reforçado a relevância do método na compreensão de processos históricos mais gerais, sem, portanto, abandonar a realização de análises localizadas.

Das quatro edições do Seminário Internacional Micro-história, Trajetória e Imigração, todas tiveram como resultado a publicação de livros (Vendrame; Karsburg; Moreira, 2016; Vendrame; Karsburg, 2020; 2023) e e-book (Vendrame; Karsburg; Farinatti; Weber, 2015). Em todas as obras publicadas, Giovanni Levi reforçou o fato de a micro-história ser um método que deve pensar a produção do conhecimento histórico mais geral, partindo de análises localizadas que não negam as especificidades das situações concretas estudadas. Nesse sentido, a ideia não é ampliação de respostas locais, mas tomar o local como um laboratório para elaboração de perguntas de relevância mais geral. Como um modo de fazer história, o método é entendido como a ciência das perguntas gerais e das respostas locais, específicas que cada caso e percurso permite perceber (Levi, 2023). Logo, os seminários se tornaram momentos excepcionais de reflexões teórico-metodológicas entre historiadores de diferentes gerações do Brasil e exterior.

Além disso, deu-se atenção para alguns temas, como migrações, família, justiça, redes e práticas sociais variadas em diferentes realidades, distantes no tempo e no espaço. Ganharam destaque as discussões sobre os usos possíveis de diferentes fontes documentais enquanto caminhos para reconstrução de uma história social por meio da microanálise. É importante ressaltar que a permanência da micro-história no debate historiográfico no Brasil, provavelmente o mais ativo dentre os outros países da América Latina, tem sido garantida pelo diálogo direto com os principais expoentes do método e desdobramentos das discussões acontecidas no contexto internacional. Soma-se a isso a publicação constante de artigos, garantindo a vitalidade das discussões sobre a metodologia em diferentes campos temáticos.

A micro-história continua sendo uma escolha para responder às inquietações e questões emergentes no campo. Por conta do seu caráter experimental, ela garante a proposição de novas problematizações e interpretações, atendendo aos desafios impostos pelas demandas atuais. Sem fugir de discussões, o que tem ocorrido é uma transformação da referida perspectiva metodológica. E, ao fazer isso, não deixa de lado o seu aspecto principal, no caso, a defesa do microscópio, a redução de escala de análise como ponto de partida das pesquisas. Nesse sentido, ganha atenção o problema da construção dos espaços e das escalas por meio das interações sociais, dos vínculos e das práticas, como aquele do entendimento dos processos de produção dos lugares17. A micro-história é destacada como uma ferramenta poderosa para pensar os estudos comparados e a comparação em âmbito global e na constituição de uma história do mundo18. Uma utilização criativa da comparação entre as fontes (não semelhantes) produzidas em locais diferentes tem sido apresentada como recurso metodológico em estudos microanalíticos, fazendo emergirem realidades antes não percebidas (Cerutti; Grangaud, 2023). Essa escolha está ligada à atenção conferida ao contexto de produção dos registros e sobre os sentidos das ações, muito mais do que o conteúdo delas. Assim, compreender a dinâmica social, a realidade e os direitos implicados na construção das fontes assume importância nas pesquisas em que o entendimento de determinadas categorias não são estranhas e/ou externas às experiências sociais das pessoas estudadas19.

Além das coletâneas publicadas nas quatro edições do Seminário Internacional de Micro-história, Trajetória e Imigração, em 2024 ocorreu o lançamento do livro Centro e Periferia de um estado absolutista, de Giovanni Levi (2024b). Foi apresentada ao público brasileiro uma obra mais extensa, que traz pesquisas realizadas em diferentes momentos do desenvolvimento da micro-história. Aos capítulos que compunham a publicação original, ocorrida na década de 1980 na Itália (Levi, 1985), somam-se outros três artigos, escritos por ele nas duas décadas seguintes, quando o debate havia avançado bastante, especialmente ganhado espaço nos centros de pesquisas internacionais. Apesar de tratarem de temas semelhantes, como aquele das mobilidades de curta distância entre campo e cidade, das estratégias familiares e suas lógicas, a leitura e comparação entre os capítulos do livro Centro e Periferia permitem perceber os caminhos que levaram ao aprimoramento do método microanalítico (Levi, 2024a).

Uma das contribuições da referida obra é mostrar como, por meio de uma leitura microscópica das fontes, podem ser elaboradas perguntas relevantes a partir dos dados extraídos. Os documentos são usados não tanto pelo seu carácter mais óbvio, mas, sim, pelas informações que forneciam de forma indireta. Isso possibilitou a construção de modelos interpretativos a partir de um uso “diferente e menos usual da sempre incompleta documentação que os arquivos preservaram, no qual o implícito é muitas vezes mais interessante do que o explícito”, conforme destaca Giovanni Levi (2024b: 305) no posfácio do livro Centro e Periferia. Os dados levantados devem, portanto, permitir a elaboração de novos questionamentos sobre determinadas realidades e processos históricos, sem ignorar as diferenças e a complexidade na compreensão das realidades históricas. A quantificação permite chegar a uma história-problema, atenta aos contextos, que rejeita a confirmação de modelos simplificadores, e, a partir da análise qualitativa de casos, lança luz para a complexidade e descontinuidades entre os padrões de comportamento.

Para Levi, mais do que saber os números das migrações campo/cidade no Piemonte do século XVIII, o importante era compreender os motivos, as maneiras e as racionalidades que orientavam os deslocamentos: em qual momento do ciclo de vida familiar, quem migrava, como e por quê? Isto era muito mais importante do que saber quantas pessoas estavam migrando, pois ajudava a compreender valores, estratégias e motivações diversas das mobilidades circulares. Constata, assim, que as migrações não significavam uma ruptura com a comunidade de origem, pois as pessoas se mantinham fortemente vinculadas aos lugares de procedência, esperando um momento oportuno para retornar. Isso permitiu lançar um novo entendimento sobre a sociedade camponesa, num período de transição do feudalismo para o capitalismo, na qual passa a ser vista não mais como um mundo imóvel, homogêneo e fechado, mas como um espaço aberto, que responde às mudanças mais amplas a partir de lógicas próprias.; Oliveira, 2024).

Sobre a publicação da obra Centro e Periferia no Brasil, ela se liga não apenas ao fato de possibilitar conhecer as pesquisas realizadas num período de gestação da micro-história na década de 1970, mas também nas duas décadas posteriores, quando diferentes experiências microanalíticas ganham espaço no debate historiográfico nacional italiano e internacional. Os seis capítulos que compõem o referido livro oferecem aos historiadores interessados no tema das migrações uma série de questionamentos e modos de trabalhar com as fontes primárias. As perguntas realizadas por meio dos dados e análises qualitativas de percursos específicos podem servir de inspiração no desenvolvimento das pesquisas ligadas aos movimentos migratórios para a América no oitocentos. Ressaltam-se aqui, especialmente, as que buscam analisar as migrações enquanto escolhas que precisam ser entendidas considerando o ciclo de vida familiar, a relação entre consumo e trabalho, e que considere não apenas as pessoas que migram, mas também as que não partem.

Por meio dos números contabilizados a partir de fontes variadas — dados produzidos pelos grupos dominantes —, Levi aponta como é possível apreender as escolhas e os modos de pensar de quem não sabia escrever, mas que deixara registros fragmentados sobre suas vidas. Essa escolha reflete uma preocupação do pesquisador em relação ao equilíbrio nas pesquisas, uma vez que busca trazer as experiências, decisões, estratégicas e expectativas das pessoas que aparecem menos nas fontes, geralmente por meio de intermediários. Também expressa a intenção de refletir sobre os momentos de indecisões e incertezas nos quais os registros documentais estão cheios — usar os documentos não tanto pelo seu aspecto mais óbvio, mas pelas informações que fornecem de forma indireta. A partir disso é possível construir modelos interpretativos que permitem explorar as fontes de outras maneiras que vão além daquelas para as quais foram destinadas, viabilizando compreender sentidos, usos e práticas sociais não visíveis20. Esse método de interpretação, que se origina de uma leitura microscópica, propõe um “uso diferente e menos usual da sempre incompleta documentação” preservada nos arquivos, no qual “o implícito é muitas vezes mais interessante do que o explícito”. É, portanto, algo valioso para o avanço da história social, conforme ressalta Giovanni Levi (2024b: 305). Desse modo, quando a preocupação se volta para a apreensão dos aspectos que não aparecem de forma evidente nos registros documentais, busca-se atingir um maior equilíbrio nas análises, que contemple a diversidade das escolhas, a complexidade e a não linearidade dos processos estudados.

Micro-história e os estudos migratórios

metodologia da micro-história tem influenciado avanços recentes nas pesquisas ligadas às migrações transatlânticas para o Brasil e a inserção social do(a)s imigrantes na nova realidade. A ampliação e renovação dos estudos migratórios se liga à aplicação do método microanalítico na leitura das diferentes fontes, na utilização de documentos de origem variada, no modo de construir os problemas de investigação e acessar os contextos por meio de um olhar microscópico. Além disso, tem-se dado atenção para análise de trajetórias individuais e de grupos, o que tem permitido refletir sobre as conexões e rupturas entre os locais de origem e de chegada, bem como as diferentes condições e motivações implicadas nos deslocamentos21.

Entende-se que as pesquisas que analisam o universo camponês na Itália do Antigo Regime, por meio de uma perspectiva micro, permitem apreender as racionalidades internas que orientavam os comportamentos, como os sentidos das migrações na longa distância e as dinâmicas relacionais entre os lugares de partida e os de chegada. Mais do que isso, a microanálise tornou-se fundamental para compreender os aspectos ligados aos processos de territorialização, constituição dos novos povoados e inserção social a partir das ações do(a)s imigrantes. A atenção dada para percursos individuais e de grupos, para a complexidade e diversidade das condições implicadas nas migrações, conectando realidades distantes, no caso, os locais de partida com os de chegada, tem influenciado nas últimas duas décadas o desenvolvimento das pesquisas no campo das migrações europeias para o Brasil do oitocentos e dos diferentes contextos migratórios.

Como afirmado anteriormente, a presença constante de Levi no Brasil e o sucesso de seus cursos entre os jovens pesquisadores são aspectos que não podem ser ignorados para compreensão do impacto que sua perspectiva tem assumido nas produções historiográficas brasileiras recentes em diferentes áreas temáticas22. Apesar de a influência da micro-história datar de mais tempo, uma ampliação e diversificação do debate têm acontecido, propiciando o surgimento de novas reflexões epistemológicas e teóricas23. O modelo de micro-história de Levi e de outros historiadores italianos que adotaram a perspectiva microanalítica para estudar as migrações de curta e longa distância tem propiciado uma renovação nas investigações sobre os deslocamentos e os contextos migratórios no território brasileiro. É preciso destacar aqui, além das pesquisas de Giovanni Levi, as de Franco Ramella (1984) e Maurizio Gribaudi (1987), que conferem atenção para o papel das redes migratórias, centrando as análises em lugares específicos, no protagonismo das famílias e indivíduos, na sua relação com a comunidade e os diferentes espaços sociais. São abordagem que tratam do tema da mobilidade a partir das escolhas, dos percursos, das expectativas e dos projetos de pessoas em deslocamento e naqueles que ficavam em suas aldeias de origem.

Diferentemente do Brasil, a micro-história italiana — especialmente o modelo que se caracterizava como uma perspectiva atenta para o universo social, relacional, familiar, e econômico — entrou na Argentina antes e com maior intensidade nos estudos migratórios. As relações entre historiadores italianos e argentinos fez como que os debates sobre o papel das redes interpessoais nas dinâmicas migratórias e a inserção social dos estrangeiros fosse intensamente discutida (Bjerg; Otero, 2019). Reduzir o foco de análise permitiu perceber o protagonismo de homens e mulheres implicados nas migrações em ambos os lados do Atlântico, com atenção especial para os vínculos e formas de dependência interpessoal que ligavam pessoas e lugares. Nesse sentido, nas pesquisas de Franco Ramella (1995; 2001)24 foi dada atenção para as redes que conectavam os locais de saída e os de chegada, fazendo circularem informações que organizavam os deslocamentos e garantiam a constituição de estruturas comunitárias e tramas de apoio no mundo do trabalho. As principais contribuições para o desenvolvimento de uma história social da imigração, por meio do uso da metodologia da micro-história, vêm das pesquisas de Ramella, que sugere que as mobilidades devem ser tomadas como um ponto de observação de características essenciais de uma sociedade25.

Especialmente a partir das décadas de 1980 e 1990, o diálogo com outras disciplinas, a utilização de fontes variadas e a realização de estudos microanalíticos significou um desenvolvimento das pesquisas ligadas ao campo das migrações italianas transatlânticas do oitocentos, especialmente para países como Argentina e Estados Unidos. No Brasil, o questionamento das abordagens estruturalistas, que focavam nas estruturas econômicas, ocorreu com uma guinada para o subjetivo, para os temas ligados a representações, linguagens, discursos, cotidiano, memória e identidades. Assim, com a história cultural e social houve uma diversificação de fontes, temas e métodos que passaram a ser utilizados nas pesquisas. No campo dos estudos dos imigrantes em realidades urbanas e rurais, a utilização de registros policiais, criminais e religiosos irá possibilitar quantificar a participação da população estrangeira em determinados tipos de crimes, percebendo suas disputas, seu valores e seu relacionamento com as instituições de controle do Estado26.

As categorias de redes e cadeias migratórias, bem como da atenção para o percurso e agência individual/familiar, não se desenvolveram apenas com a adoção da micro-história. Essa metodologia, que não se liga a uma temática específica e nem ao tamanho do objeto de análise, está propiciando o desenvolvimento de uma nova história social da imigração. Busca olhar o grupo imigrante por dentro, na sua complexidade, diferenças, alianças e solidariedades, pretendendo, assim, aproximar-se o máximo possível dos modos de pensar e agir, captando as racionalidades e contextos que não seriam possíveis de acessar sem a utilização de um olhar aproximado, profundo e atento da documentação.

Com a adoção da microanálise, uma atenção maior foi dada à compreensão do papel das redes e cadeias nos movimentos migratórios, seguindo as escolhas de deslocamento de famílias e grupos que possibilitou abordar as estratégias migratórias por meio da articulação entre pessoas que se encontravam nos dois lados do Atlântico. Nesse sentido, a imigração passa a ser entendida como um projeto coletivo, familiar e comunitário, articulado a partir das tramas de contatos e vínculos interpessoais. As redes, que migravam juntas às pessoas, eram fortalecidas por meio de laços pretéritos e dos constituídos durante a travessia, assumindo papel importante na assistência aos recém-chegados, na inserção social e na obtenção de trabalho27.

A revitalização dos estudos migratórios na Argentina foi ocorrendo por meio do questionamento das explicações estruturais do push/pull28 apresentadas com a realização de estudos microanalíticos. No Brasil, apenas a partir de 2010, os estudos passaram a conferir atenção para o papel das redes sociais nas migrações europeias para o Brasil. Apesar de existirem trabalhos que já indicavam para a importância dos vínculos interpessoais entre os imigrantes na sociedade de chegada, pouca atenção era dada para o funcionamento das redes, para os mecanismos de reforço e as rupturas, bem como para a força, densidade e fragilidade dos laços29. O desenvolvimento de pesquisas que buscavam superar um entendimento apenas metafórico das redes está, portanto, ligado à aplicação da perspectiva microanalítica, adensando os estudos demográficos e de trajetórias no Brasil nas últimas duas décadas30.

Seguir percursos individuais, desde a aldeia de origem até os locais de destino, tomando o recurso metodológico do nome do(a)s investigado(a)s como fio condutor em fundos documentais diversos, tem-se mostrado uma escolha fecunda no desenvolvimento de uma história social das migrações transatlânticas e do(a)s imigrantes italiano(a)s para o território brasileiro (Vendrame, 2020; 2021). Isso permitiu a elaboração de novos questionamentos para compreensão dos diferentes aspectos ligados às migrações, com a utilização de fontes de natureza variada, analisadas em arquivos nacionais e internacionais; realizar o cruzamento das informações e a leitura atenta dos documentos; dialogar com outras disciplinas e escolher uma abordagem localizada, que utiliza o microscópio31. A influência de modelos de micro-história, como os de Levi, têm possibilitado lançar novas problemáticas e analisar o grupo imigrante a partir de dentro, em suas diferenças, projetos conflitantes, dificuldades, fracassos e escolhas bem- sucedidas. Isso tudo graças à valorização de uma diversidade de fontes, da conexão entre locais de saída e de chegada, da busca pela reconstrução de percursos e atenção para situações particulares por meio da leitura densa dos documentos. A utilização desse recurso torna possível a apreensão das incoerências, complexidades, ações e percepções diferentes, bem como dos sentidos múltiplos que podem ser apreendidos dos registros documentais.

Para o desenvolvimento de uma história social da imigração europeia para a América no século XIX, considera-se fundamental analisar situações e percursos por meio de uma micro-história em movimento32, que toma trajetórias individuais e de grupos como um método para acessar diferente contextos. O nome acaba se tornando um fio condutor na pesquisa em fundos documentais diversos. Considera-se também que adoção de uma perspectiva conectada e multiterritorial nos estudos migratórios é fundamental para entender uma variedade de elementos que marcaram os processos de territorialização por parte do(a)s imigrantes, bem como a construção de direitos nas novas realidades33. Os vínculos interpessoais transplantados do além-mar, bem como os reforçados e os criados em terras brasileiras, foram fundamentais na acomodação e constituição das novas comunidades, reforçando afinidades e solidariedades étnicas. É.preciso ir além de apenas indicar a maneira como operam os vínculos na longa distância, pois se torna fundamental analisar os momentos de ruptura, fragilidade dos laços, divisões e tensões34.

Considerações finais

Enquanto metodologia, a micro-história tem se transformado nos últimos anos, e a ideia é que continue a se modificar, sem deixar de responder aos desafios contemporâneos. Novos estudos se apresentam como modelos historiográficos em que a relação com a escala mais ampla — digamos mais globais — são centrais, não abandonando, contudo, certos procedimentos: partir de pontos localizados, o cruzamento de informações e usar quantidade de fontes diversa e de natureza variada. As fontes, aliás, continuam a ter centralidade, assim como o diálogo com outras ciências sociais, especialmente a antropologia.

No decorrer das últimas décadas, a micro-história consolidou-se como um método que transcende fronteiras geográficas e temáticas, apresentando um modo singular de analisar o passado por meio da redução da escala de observação. Seu impacto no Brasil, inicialmente centrado na história cultural, expandiu-se para abarcar uma variedade de abordagens que conectam o micro ao macro, o individual ao coletivo, e o local ao global. A publicação de algumas obras, como A Herança Imaterial, de Giovanni Levi, bem como a realização de seminários, fomentou um diálogo constante entre gerações de pesquisadores nacionais e internacionais. Tudo isso propiciou uma compreensão mais aprofundada das bases teóricas e metodológicas do método, mas também uma adaptação criativa frente aos desafios ligados às fontes de pesquisa e discussões contemporâneas.

Entre as principais contribuições da micro-história no cenário brasileiro está a capacidade de reconstruir trajetórias individuais e redes sociais em diferentes contextos históricos. Estudos sobre imigrações transatlânticas, história da escravidão, elites locais e organizações camponesas demonstram como a adoção de análises localizadas, atenção aos detalhes e às fontes de natureza variada permite acessar dimensões do passado que permaneciam ocultas em abordagens mais amplas. Essa é uma perspectiva que valoriza a pluralidade e a diversidade de experiências, superando modelos explicativos reducionistas ou homogeneizadores.

No âmbito das migrações, por exemplo, a microanálise mostrou-se instrumental para entender não apenas as redes de apoio e solidariedade que facilitaram os deslocamentos, mas também os conflitos, rupturas e fragilidades que marcaram essas experiências. O uso do método onomástico e a utilização de fontes de origem diversa permitiram reconstruir as lógicas internas que orientaram as escolhas e estratégias dos imigrantes. Esse enfoque também possibilitou questionar visões idealizadas sobre comunidades imigrantes e seus processos de territorialização.

Para as futuras pesquisas que se inspiram no método, há inúmeras possibilidades a ser exploradas. Um campo promissor é o aprofundamento das relações entre o micro e o macro, especialmente por meio de uma abordagem conectada e multiterritorial, que atenta para a compreensão das escolhas e do movimento de pessoas e grupos. A ideia é compreender interações globais e suas implicações por meio de análises localizadas. Como sugerem Giovanni Levi e outros expoentes do método, não se trata de generalizar respostas, mas de formular perguntas de relevância geral a partir de contextos particulares.

Por fim, há um vasto potencial na exploração de temas ainda pouco abordados pela micro-história, como as relações de gênero, as percepções de justiça em diferentes contextos e os impactos das tecnologias digitais na construção e preservação da memória histórica. O método microanalítico permanece uma ferramenta indispensável para a historiografia contemporânea. Sua capacidade de desvendar o “invisível”, de destacar a singularidade sem perder de vista o contexto mais amplo, e de propor questões instigantes para compreender o passado, assegura sua relevância como método histórico. É uma perspectiva metodológica que explora novos territórios e problemas, tendo o firme compromisso com a complexidade e a diversidade das experiências humanas.

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  • 1
    JOs primeiros livros de Carlo Ginzburg publicados no Brasil foram: O queijo e os vermes (1987); Os andarilhos do bem (1988); Mitos, Emblemas e Sinais (1989).
  • 2
    Esse entendimento pode ser conferido nos livros que seguem: (Vainfas, 2002; Vainfas, Cardoso, 1997).
  • 3
    Entende-se que a maneira como as ideias de Carlo Ginzburg foram influenciando o desenvolvimento de pesquisas no Brasil no campo da história também sofreu alteração no decorrer das últimas cinco décadas. Mais recentemente, as discussões para a compreensão da micro-história enquanto um método de pesquisa que confere atenção para casos excepcionais, indícios e a comparação de situações particulares como caminho para pensar a relação entre questões localizadas e uma história geral, tem ganhado atenção. Sobre isso, ver artigos de Carlo Ginzburg (2023) e Deivy Carneiro (2024).
  • 4
    Destaque aqui para três historiadores que foram influenciados pela micro-história cultural de Carlo Ginzburg: Laura de Mello e Souza (1986); Ronaldo Vainfas (1989;1995) e Luiz Mott (1996).
  • 5
    A Universidade de São Paulo (USP), por outro lado, ficou praticamente imune à micro-história italiana.
  • 6
    Destacam-se aqui três universidades: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Fundação Getulio Vargas (FGV). O contexto intelectual que foi receptivo à obra de Giovanni Levi foi o do Rio de Janeiro, especialmente por meio dos historiadores João Fragoso e Manolo Florentino. Posteriormente, ampliou-se o campo de interlocução a outros lugares e áreas de pesquisa.
  • 7
    Mestrado em História pela UFF (1984) depois publicado em livro: Trabalho, lar e botequim: vida cotidiana e controle social da classe trabalhadora (Chalhoub, 1986).
  • 8
    O livro A Herança Imaterial foi publicado no Brasil devido mediação de Manolo Florentino, professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro, que tinha contatos junto à editora Record. A partir de então, a proposta de micro-história de Giovanni Levi passou a ser amplamente divulgada no curso de pós-graduação em História da UFRJ, espraiando-se para outras universidades e estados brasileiros.
  • 9
    Destacam-se as pesquisas desenvolvidas por João Fragoso (2005; 2006) voltadas ao entendimento da sociedade luso-brasileira do Antigo Regime.
  • 10
    Conferir trabalhos de: Fragoso, 2005; Farinatti, 2010; Matheus, 2024.
  • 11
    As duas obras resultam do I e II Colóquio do Laboratório em História Social e Econômica, criado em 1997, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ambos os colóquios ocorreram entre 2005 e 2008, tendo o segundo evento contado com a participação de Giovanni Levi.
  • 12
    CInformação obtida da conversa com Giovanni Levi em sua última visita ao Brasil, no mês de setembro de 2024. Entrevista inédita dada pelo historiador, que tratou, entre outros temas, da maneira como vê a repercussão da sua obra no debate historiográfico brasileiro.
  • 13
    Sobre as transformações do método da micro-história na última década, conferir os capítulos das coletâneas Micro-história, um método em transformação (Vendrame; Karsburg, 2020) e Espaços, escalas e práticas sociais na micro-história italiana (Carneiro; Vendrame, 2021).
  • 14
    Ver capítulos do livro Territórios da História (Vendrame; Karsburg, 2023) dos seguintes autores: Carlo Ginzburg, Giovanni Levi, Francesca Trivellato, Simona Cerutti e Isabelle Grangaud, Christian De Vito.
  • 15
    Sobre a questão do conhecimento limitado da realidade pode ser conferida no terceiro capítulo do livro Centro e Periferia, quando Giovanni Levi (2024b) analisa a ascensão e queda de um aristocrata no Piemonte do século XVIII. Atentar para as escolhas fracassadas possibilita aprender aspectos importantes para compreensão de determinados contextos.
  • 16
    O que foi discutido no evento pode ser conferido nos diversos capítulos que compõem a obra Territórios da História (Vendrame; Karsburg, 2023).
  • 17
    Sobre essa questão, conferir os artigos dos seguintes historiadores: Angelo Torre, Christian de Vito e Tiago Gil na coletânea Territórios da História (Vendrame; Karsburg, 2023).
  • 18
    Sobre essas discussões entre micro-história, comparação e história global, ver: Simona Cerutti; Isabelle Grangaud (2023) e Carlo Ginzburg (2023).
  • 19
    Atenção para o contexto de produção das fontes e seus aspectos reivindicativos, que assumiu uma importância nas pesquisas dos historiadores ligados à micro-história italiana a partir dos anos de 1990, no qual se destacam Raggio (1996); Raggio; Torre (2004) e Cerutti; Grangaud (2023).
  • 20
    Um exemplo de estudo em que a abordagem microanalítica das fontes (processos-crime) possibilita aprender outros sentidos conferidos para determinados comportamentos pode ser conferido em: Vendrame ([-263]).
  • 21
    ANão é objetivo apresentar aqui uma discussão sobre a maneira como as perspectivas pós-estruturalistas têm propiciado o desenvolvimento de novos estudos, nos quais as ideias dos diferentes modelos de micro-história encontraram recepção. O objetivo desta parte do texto é perceber como a proposta analítica de Giovanni Levi propiciou novos questionamentos ao tema das migrações.
  • 22
    Além das visitas, é preciso destacar as publicações. Em 2019, na Colômbia, foi publicada pela Universidad de los Andes uma coletânea com 20 ensaios de Giovanni Levi, todos produzidos em diferentes momentos da sua trajetória como pesquisador (Levi, 2019).
  • 23
    Conferir: Carneiro; Díaz (2022) e Vendrame; Karsburg (2023).
  • 24
    Sobre essa discussão, ver: Franco Ramella. Reti sociali, famiglia e strategie migratorie. In: Piero Bevilacqua, Andreina De Clementi, Emilio Franzina. Storia dell’emigrazione italiana: partenze. (Roma: Donzelli Editore, 2001, p. 143-160).
  • 25
    Atenção para a relação entre sistemas de parentela e mundo do trabalho são abordados num dos principais livros de Franco Ramella, Terra e telai, publicado pela primeira vez na collana Microstorie, em 1982 (Ramella, 2022).
  • 26
    Enquanto estudos de história social que utilizavam fontes até então pouco utilizadas, destaca-se o livro Crime e Cotidiano, de Boris Fausto, bem como a coletânea Estudos Migratórios, organizada por Zeila de Brito F. Demartini e Oswaldo Truzzi (2004).
  • 27
    O primeiro estudo a detalhar o funcionamento das cadeias migratórias e a difundir sua utilização entre pesquisadores que pensavam as mobilidades da Europa para a Austrália e os Estados Unidos foi o de John S. MacDonald e Leatrice MacDonald (1964), tendo desenvolvido suas pesquisas na década de 1960. Posteriormente, outros pesquisadores analisaram o fenômeno migratório para a América com o conceito de “cadeia migratória”: Devoto (1988); Baily (1988); Ramella (1991); Corti (1990).
  • 28
    A utilização dos conceitos de cadeias e redes migratórias nos estudos voltados à imigração europeia na Argentina foram discutidas nos capítulos que constituem a coletânea intitulada Inmigracón y redes sociales en la Argentina Moderna (Bjerg; Otero, 2019).
  • 29
    Pensando a presença italiana no espaço urbano no sul do Brasil, Núncia Santoro Constantino (1991) aponta para a existência de cadeias migratórias e da importância das redes na transferência dos imigrantes italianos do sul da Itália para Porto Alegre. A análise das vantagens e dificuldades em relação à utilização do conceito de redes e cadeias nos fenômenos migratórias foi apresentada por Osvaldo Truzzi (2008).
  • 30
    Conferir: Vendrame, Karsburg, Moreira (2021); Vendrame (2016); Truzzi (2021); Pereira (2024).
  • 31
    Destacam-se nesse sentido as seguintes pesquisas: Scott; Bassanezi (2020); Gonçalves (2024). Sobre os imigrantes na sociedade de recepção, disputando recursos e direitos, ver: Vendrame (2023); Gregory (2022); Gregory, Vendrame (2024).
  • 32
    A micro-história em movimento como procedimento que segue o percurso de indivíduos e grupos dentro de uma ampla escala espacial tem como exemplo o livro Provas de Liberdade: uma odisseia atlântica na era da emancipação, de Rebecca Scott e Jean Hebrartd (2014). Amplos territórios de análise não impedem a utilização do método micro-histórico, mas parece claro a necessidade de que haja sujeitos em deslocamento. Conferir: Davis (2008); Trivellato (2020).
  • 33
    Estudos recentes apontam para essa questão: Vendrame (2016; 2023) e Ruggiero (2024).
  • 34
    A pesquisa em fontes criminais, como os processos-crime de bigamia, tem indicado para a ruptura dos compromissos morais com quem havia ficado na terra de origem. Sobre esse asunto, ver: Bjerg (2019) e Moreira.
  • I
    O presente artigo foi parcialmente desenvolvido no âmbito do Projeto: Empresários, agentes e redes migratórias entre a Itália, Argentina e o Brasil no século XIX financiado pelo CNPq (pro. 408358/2023-8).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    30 Dez 2024
  • Aceito
    06 Maio 2025
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