Open-access LINHAGENS, SEQUÊNCIAS, REGULARIDADES: AVENTURAS NO PENSAMENTO SOCIAL E POLÍTICO BRASILEIRO

Lines, sequences, regularities: adventures in Brazilian social and political thought

Linajes, secuencias, regularidades: aventuras en el pensamiento social y político brasileño

RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar os esforços teóricos e classificatórios empreendidos por três agentes do campo interdisciplinar do Pensamento Social e Político Brasileiro: André Botelho e as sequências; Gildo Marçal Brandão e as linhagens; e Sergio Tavolaro e as regularidades na dispersão. Na análise dos contornos e conteúdos dos agrupamentos apresentados por cada um dos autores, serão focalizados os fundamentos conceituais e metodológicos e as interlocuções teoréticas das propostas, para, em uma seção final, apontar confluências e contrastes não só do ponto de vista dos materiais trabalhados, mas também dos instrumentos analíticos mobilizados.

PALAVRAS-CHAVE:
Pensamento social e político brasileiro; Regularidades na dispersão; Linhagens; Sequências

ABSTRACT

This article aimed to analyze the theoretical and classificatory efforts undertaken by three scholars in the interdisciplinary field of Brazilian Social and Political Thought: André Botelho and the sequences; Gildo Marçal Brandão and the lines; and Sergio Tavolaro and the regularities in dispersion. In examining the contours and contents of the groupings proposed by each author, the analysis focuses on their conceptual and methodological foundations, as well as their theoretical interlocutions. A final section highlights the confluences and contrasts not only in relation to the materials addressed but also to the analytical instruments employed.

KEYWORDS:
Brazilian social and political thought; Regularities in dispersion; Lines; Sequences

RESUMEN

El objetivo de este artículo es analizar los esfuerzos teóricos y clasificatorios realizados por tres agentes en el campo interdisciplinario del pensamiento social y político brasileño: André Botelho y las secuencias; Gildo Marçal Brandão y los linajes; y Sergio Tavolaro y las regularidades en la dispersión. En el análisis de los contornos y contenidos de los agrupamientos presentados por cada uno de los autores, se centrará en los fundamentos conceptuales y metodológicos y en las interlocuciones teóricas de las propuestas, para señalar en las consideraciones finales las confluencias y contrastes no solo desde el punto de vista de los materiales trabajados, sino también de los instrumentos analíticos movilizados.

PALABRAS CLAVE:
Pensamiento social y político brasileño; Regularidades en la dispersión; Linajes; Secuencias

INTRODUÇÃO

A classificação de elementos no interior de conjuntos agregadores claramente distinguíveis parece obedecer a um impulso taxonômico que atravessa todo e qualquer gesto do pensamento, do mais concreto ao mais abstrato (Lévi-Strauss, 1997). Essa dinâmica é identificável no âmbito do pensamento social e político no Brasil (PSPB) desde a sua nomeação. Discorrendo sobre a pesquisa “Linhagens do pensamento político-social brasileiro”, Christian Lynch (2013: 729) evidencia como Gildo Marçal Brandão, primeiro coordenador da pesquisa, dialoga criticamente com um conjunto de esforços que o antecedem: “Oliveira Viana falava em idealistas orgânicos e utópicos; Guerreiro Ramos, em críticos e ingênuos; Wanderley Guilherme, em autoritários instrumentais e liberais doutrinários; Werneck Vianna, em iberistas e americanistas”.

Após o pioneirismo de Guerreiro no reconhecimento de “linhagens intelectuais”, Brandão (2005: 261, nota 11) afirma que “elas só foram realmente mapeadas a partir dos estudos de Paula Beiguelman, Roque Spencer Maciel de Barros, Wanderley Guilherme dos Santos, Bolívar Lamounier, Luiz Werneck Vianna, José Murilo de Carvalho e outros”. Dentre esses outros, são dignos de nota, antes de recortamos o material a ser trabalhado neste artigo, os esforços de classificação, no que se refere à delimitação da chamada escola sociológica paulista, de Elide Rugai Bastos (2002) e Brasílio Sallum Jr. (2002). E, mais recentemente, a agenda de classificação e análise das especificidades do pensamento social negro brasileiro (Silva, 2022).

Mais do que o delineamento dos atributos de uma corrente ou escola específica, os trabalhos de Sergio Tavolaro, Gildo Brandão e André Botelho nos interessam em particular por serem aventuras classificatórias1 recentes e totalizantes do objeto PSPB que emergem coetaneamente em uma fase consolidada e madura do campo do PSPB. Em 2005, Tavolaro e Brandão publicaram, respectivamente, “Existe uma modernidade brasileira? Reflexões em torno de um dilema sociológico brasileiro” e “Linhagens do pensamento político brasileiro”. André Botelho, por sua vez, publicou, em 2007, o artigo “Sequências de uma sociologia política brasileira”. Tomaremos estes três artigos como material primário de análise na medida em que inauguram as três perspectivas de releitura do nosso interesse: as regularidades na dispersão, as linhagens e as sequências do PSPB. Ao longo do texto, mobilizaremos amplamente os trabalhos posteriores da tríade de autores que revisitam e expandem aquelas perspectivas.

A cada uma das perspectivas, faremos as mesmas perguntas: quais são as suas inspirações e premissas teórico-metodológicas? Quais são os seus fins intelectuais? Como dialogam com as teorias sociais, políticas e sociológicas contemporâneas? Como os agrupamentos são construídos e diferenciados uns dos outros? Quais são esses agrupamentos?

Uma seção será dedicada a cada uma das três perspectivas de releitura do PSPB. Nas considerações finais, salientaremos as suas especificidades ensejando possibilidades de intersecção metodológicas e conceituais, como trilhas que se cruzam, entre as três aventuras analisadas.

REGULARIDADES NA DISPERSÃO

Em uma das formulações sobre os propósitos particulares de uma arqueologia do saber, Foucault (1987: 37) faz a seguinte afirmação:

De modo paradoxal, definir um conjunto de enunciados no que ele tem de individual consistiria em descrever a dispersão desses objetos, apreender todos os interstícios que os separam, medir as distâncias que reinam entre eles - em outras palavras, formular sua lei de repartição.

A cada um desses conjuntos de enunciados definidos não por uma unidade, mas por sua dispersão, Foucault dá o nome de formação discursiva ou episteme. Embora tal inspiração metodológica só se explicite em textos posteriores, encontrar a “‘regularidade na dispersão’, para usar uma expressão cara a Foucault” (Tavolaro, 2014: 641), de determinado discurso, é o que faz Tavolaro (2005) em um dos principais veios de seu trabalho intelectual. Como evidencia em entrevista recente: “Um exercício que eu gosto de fazer, como uma arqueologia do pensamento brasileiro, é voltar, o máximo que posso, para cenários intelectuais dessa constelação de ideias” (Jesus et al., 2023: 149). No fazer arqueológico, Tavolaro (2005: 18, nota 2) centraliza a ideia de episteme, entendida, em seus próprios termos, como “uma grade geral de conceitos e noções que delimita o terreno cognitivo no interior do qual operam determinadas teorias explicativas e interpretativas da realidade”.

Trata-se de uma escavação arqueológica em dois principais sentidos: do chamado pensamento social brasileiro e da teoria sociológica. O nó que ata esses dois discursos é a problemática da modernidade. Enquanto a “episteme do discurso sociológico hegemônico da modernidade” (Tavolaro, 2005: 11, grifo do autor), supostamente inspirada em processos sócio-históricos inegáveis ocorridos na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, é positiva, no sentido de propor ou afirmar os atributos nucleares da experiência moderna, a episteme do pensamento social brasileiro, articulada em torno da “tese da singularidade brasileira” (Tavolaro, 2014: 645, grifo do autor), é negativa, dado que nos define, predominantemente, pelo que o Brasil não é, ou seja, pela ausência ou parcialidade dos atributos modelares da modernidade (Tavolaro, 2017) em nossa experiência societal. Embora isso não esteja tão claro em seus textos, é possível inferir que se trata do trabalho em torno de uma só episteme, a da vida social moderna, da qual partem a universalidade simétrica da teoria sociológica e a singularidade assimétrica do pensamento social brasileiro. Lá, a norma, o autêntico; aqui, o desvio, a inautenticidade.

No texto de 2005, o discurso sociológico hegemônico, que aqui chamamos de universalidade simétrica em relação à episteme da vida social moderna, é definido por três atributos principais, identificáveis em clássicos e contemporâneos da teoria sociológica: a) diferenciação/complexificação social; b) secularização/racionalização societal; c) separação entre público e privado. Tríade enriquecida, em textos posteriores (ver, por exemplo, Tavolaro, 2017: 120-122), por mais três atributos: d) uma concepção específica de agente ou sujeito moderno, caracterizado pelas disposições metódicas e racionais e pelo “autocontrole e domínio emocional” nos níveis íntimo, intersubjetivo e objetivo; e) a ideia de uma completa cisão entre natureza e cultura, o que fundamenta o predomínio de uma razão instrumental em relação ao ambiente tanto externo como interno; e f) uma concepção particular do espaço-tempo, na qual o espaço é esvaziado de contexto e concretude, bem como o tempo é pensado de modo abstrato, homogêneo, linear e progressivo.

O pensamento social brasileiro se apresenta, quando posto diante do espelho da episteme da vida social moderna, como um reflexo singular em sua assimetria:

[...] na maior parte das vezes, des-diferenciação social, não-secularização, porosidade entre público/privado, subjetividade descentrada, não-linearidade espaço-temporal e fluidez entre sociedade/natureza são apontados como evidências de uma experiência moderna incompleta, ou ainda, como manifestações de um padrão de sociabilidade permeado por elementos estranhos ao ordenamento social moderno (Tavolaro, 2017: 128, grifos do autor).

Tal terreno cognitivo apresenta um grau de enraizamento e força no pensamento social brasileiro de tal forma que intérpretes, por vezes tomados, a princípio, como distintos, e mesmo antagônicos, compartilham de seus atributos em diferentes aspectos e ênfases. A prova disso é a sua presença, para nos limitarmos a obras do século XX, tanto na “sociologia da herança patriarcal-patrimonial” (Tavolaro, 2005: 5, grifo do autor) - que reúne autores como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto DaMatta - como na “sociologia da dependência” (Tavolaro, 2005: 8, grifo do autor) - representada por Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octávio Ianni. Há em ambas as correntes a mesma e “notável resistência em equiparar a sociedade brasileira contemporânea e as chamadas ‘sociedades modernas centrais’” e, quanto à primeira, a “mesma imagem de ‘desvio’” (Tavolaro, 2005: 7). Na primeira corrente, a herança patriarcal-patrimonial que opera como “variável independente” explicativa do “status semimoderno da sociedade brasileira contemporânea”, enquanto na segunda, é “a insuperada condição de dependência estrutural” (Tavolaro, 2005: 10, grifos do autor) a variável central que explica o caráter inautêntico da modernidade postiça instalada no Brasil.

Assim, o esforço taxonômico de Tavolaro pode ser especificado pelo grau de abstração em que é realizado, que poderíamos chamar de metateórico (Vandenberghe, 2012). Não se trata apenas de delimitar os contornos e descrever o interior de conjuntos presentes no pensamento social brasileiro, mas de demonstrar como os subconjuntos (sociologia da herança patriarcal-patrimonial e sociologia da dependência) integram um subconjunto maior (a tese da singularidade brasileira) que, por sua vez, se constitui como negativo ou assimetria de outro subconjunto (a pretensa universalidade do discurso sociológico hegemônico), ambos incluídos em um conjunto abarcador: a episteme em torno da vida social (não)moderna.

Diferente de um propósito meramente descritivo, a empresa de Tavolaro é fundamentalmente crítica, novamente, nos dois sentidos do trabalho realizado. Por um lado, trata-se de questionar a rigidez e hipóstase dos atributos que definem o discurso sociológico hegemônico sobre a modernidade, demonstrando não apenas como dizem respeito a experiências sócio-históricas circunscritas no tempo e no espaço, tal qual sugere o imperativo de provincianização da Europa (D. Chakrabarty), mas de demonstrar como, frequentemente, tais atributos são extremamente limitados e rígidos inclusive para pensar o passado e o presente das ditas sociedades centrais.

Por outro lado, busca-se superar a tese da singularidade brasileira - em termos de atraso, má ou semiformação - na direção de uma abordagem do Brasil e de qualquer outra experiência macrossociológica como intrincadas desde o princípio a uma dinâmica de modernização que abarca, crescentemente, todo o globo. Nesse sentido, o Brasil - e toda a América Latina, como sugerem autores do giro decolonial e, mais recentemente, Gurminder Bhambra - não aparece apenas como vítima e objeto passivo da modernidade, mas como partícipe dos seus processos constituintes e constitutivos, o que também evidencia um importante diálogo e tensionamento crítico com as abordagens das modernidades múltiplas (S. Eisenstadt), das variações da modernidade (V. Schmidt), da modernidade global (J. M. Domingues) e da modernização seletiva (J. Souza).

Importa notar, entretanto, que esse esforço multifacetado “de inserir a experiência da modernidade no Brasil em um contexto global e entrelaçado” (Oliveira; Alves, 2023: 252), no qual se situa o trabalho de Tavolaro, não pode ser tratado como uma novidade que surge nos anos 1990 e principalmente a partir dos anos 2000. Como o próprio Tavolaro (2014: 642, grifo do autor) esclarece, o trabalho de Maria Sylvia de Carvalho Franco, ainda nos anos 1970, já apresenta um questionamento explícito do “‘pressuposto de uma diferença essencial’ entre ‘nações metropolitanas’ e ‘povos coloniais’” ou “entre o Brasil e outros contextos ditos ‘centrais’ da experiência moderna”. Quase dez anos antes, em um texto escrito em 1967, Florestan Fernandes, orientador de Carvalho Franco, também nos oferecia contribuições valiosas para pensar o caráter ativo da modernidade brasileira no concerto cacofônico do capitalismo em sua tendência global. Ao tratar das relações variáveis entre “modernização” e “europeização” para pensar o Brasil, Fernandes (1972: 13-14) escreveu:

[...] a mudança de cenário e de agentes acarretava uma mudança de ritmo e direção na história. A civilização ocidental não se espraiou como as águas de um rio que transborda. Ao saltar suas fronteiras, ela se corrompeu, se transformou e por vezes se enriqueceu, convertendo-se numa variante do que deveria ser à luz dos modelos originais. [...] apoiando-se nos rebentos de uma mesma civilização, [...] os homens reconstruíram essa civilização e por isso escreveram através dela uma história econômica, social e cultural particularíssima, que nos dá a justa medida do que pode e do que deve ser a dita civilização a partir de uma condição colonial permanente, embora instável e mutável.

Para além de uma cognição essencialista e substancialista da vida social moderna, que dicotomiza a universalidade das experiências cêntricas e a singularidade das experiências periféricas, Tavolaro (2005: 13, grifos do autor) propõe, inspirado igualmente nas considerações de Laclau e Mouffe (1985), tratarmos de padrões de modernização historicamente variáveis, abertos, contingentes (mas não aleatórios) e fundamentalmente agonísticos, pois resultantes “do confronto entre projetos sociais, demandas, interesses e visões de mundo díspares que disputam entre si a liderança na organização da sociedade”: “a) padrões variados de diferenciação/complexificação social; b) padrões variados de secularização; e c) padrões variados de separação entre domínios públicos e privados”. Generalizando para os atributos trabalhados em seus textos posteriores, poderíamos igualmente pensar a partir das mesmas premissas: d) padrões variados de (des)centramento subjetivo; e) padrões variados de arranjos espaço-temporais; e f) padrões variados da relação sociedade/natureza.

Em relação ao pensamento social brasileiro, não se trata apenas de apontar as suas limitações e aporias, mas de, em um gesto de desprovincianização, tomá-lo como um inventário de insights com forte potencial heurístico para um amplo e multifacetado movimento de crítica à episteme ortodoxa:

Sob essa perspectiva, muitos dos predicados identificados na sociedade brasileira - dentre os quais a imbricação de esferas sociais, a permeabilidade entre público/privado, a resiliência de concepções de mundo não racionalizadas, as múltiplas configurações tempo-espaciais, pluralidade identitária e descentramento da subjetividade, além da porosidade entre sociedade/natureza - podem ser vistas de um ângulo diverso: ao contrário de propriedades idiossincráticas decorrentes de inconfundíveis especificidades societárias, pode-se tomá-las como representativas de facetas e aspectos da modernidade subapreciados pelo discurso sociológico (Tavolaro, 2017: 136, grifos do autor).

A dupla crítica aos essencialismos constitutivos do discurso sociológico hegemônico, de um lado, e do pensamento social e político brasileiro, do outro, motiva uma espécie de fertilização cruzada entre os discursos, em favor de uma imagem efetivamente global e relacional da modernidade, para a qual a pesquisa de retratos não modelares pode oferecer contribuições decisivas.

LINHAGENS

O artigo “Linhagens do pensamento político brasileiro”, versão do primeiro capítulo da tese de livre docência de Gildo Marçal Brandão (2005), é, simultaneamente, de um lado, um atestado entusiástico da maturidade a que chegava, naquele momento, o campo do PSPB e, do outro, a inscrição de uma ampla agenda de pesquisa que ganhará corpo e será cultivada coletivamente pela equipe do projeto “Linhagens do pensamento político-social” no âmbito do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec). Projeto vigente entre março de 2008 e abril de 2012, sob a coordenação de Brandão, e, em seguida, após seu falecimento, em fevereiro de 2010, por Elide Rugai Bastos, equipe que agregou importantes nomes do campo, como André Botelho, Bernardo Ricupero, Gabriela Nunes Ferreira, Glaucia Villas Bôas e Maria Fernanda Lombardi Fernandes.

Como atestado da maturidade do campo, os primeiros parágrafos do texto evidenciam a pujança do PSPB e sua contribuição imprescindível “para renovar nosso conhecimento dos padrões e dilemas fundamentais da sociedade e da política brasileira” (Brandão, 2005: 231). Área marcada pela “superposição” de múltiplas abordagens disciplinares que cristaliza, dada a “acumulação de capital teórico”, “um campo intelectual diferenciado”, o qual faz “da reflexão dos seus ‘clássicos’ [...] o instrumento para interpelar inusitadamente a sociedade e a história que os produz” e, inclusive, contribuiu “para a constituição e consolidação de uma ciência política relativamente autônoma no Brasil” (Brandão, 2005: 232-233). Afirmações feitas, o que é digno de destaque, por um intelectual situado em um espaço disciplinar particularmente suscetível a arroubos naturalistas e quantitativistas made in USA, o da political science, e na contracorrente desta não hesita em reivindicar a cientificidade de um campo que - contra toda pré-noção positivista e/ou empiricista sobre o dever ser da ciência e contra toda suposta delimitação estanque entre história e sistemática, pensamento e teoria, ensaio e observação - pensa o pensamento.

“Pensar o pensamento” (Brandão, 2005: 235) em um duplo sentido: como expressão complexa de contextos histórico-sociais particulares e como força prática que talha sulcos profundos na realidade social. As passagens anteriores revelam, igualmente, a finalidade inseparavelmente cognitiva e normativa explícita na própria definição do campo. Pensar o pensamento sociopolítico, em sua qualidade processual, e, portanto, lastreada em uma herança mais ou menos inconsciente e constantemente renovada por meio de instância práticas, é tratar de um instrumento central das lutas, dos interesses e anseios do tempo presente: as ideias. Tal mote, que é uma premissa de método, dá ritmo a todo o texto: “Também aqui, como em outras partes do mundo, o esclarecimento das lutas espirituais do passado acaba se revelando um pressuposto necessário à proposição de estratégias políticas para o presente” (Brandão, 2005: 236).

Se este é o fim, quais são os meios? Ao afirmar que evita todo reducionismo mecânico e simplificador do texto ao contexto, das formas de pensamento às origens sociais, das “ideias e modos de pensar às micropolíticas das coteries”, assim como dispensa “o foco na miríade de obras medianas pelas quais determinada compreensão das coisas se refrata e se propaga”, Brandão (2005: 243) evidencia de modo mais completo a sua posição metodológica. Uma premissa forte é a de que são “as obras mais significativas, os textos fundamentais, as criações teóricas mais típicas” as mais capazes “de revelar a natureza de uma época e a consistência de uma concepção política, de permitir aos homens a tomada de consciência do que fazem e de extrair todas as implicações de sua própria situação” (Brandão, 2005: 243). Isso demarca a persistente atualidade de tais artefatos do pensamento. Logo, se o contextualismo de Quentin Skinner é útil por enfatizar a historicidade (linguística) de todo e qualquer gesto do pensamento, ele é problemático quando “acaba levando à cisão entre teoria e história”, quando “bloqueia qualquer relação entre os interesses teóricos contemporâneos e as pesquisas sobre o significado dos textos históricos” (Brandão, 2005: 237).

Nesse sentido, Brandão (2005: 238) revela o seu alinhamento com Jeffrey Alexander e a defesa do excedente de significado transcontextual presente nos clássicos, o que estabelece uma interpenetração fática e virtuosa entre tradição e contemporaneidade, na medida em que “originais e exegeses confluem para a formação do mesmo campo”. Embora R. Merton não seja citado como objeto de crítica, a posição de Brandão aponta para uma frutífera interação entre história e sistemática ou, mais precisamente, o modo como a história do pensamento e da ciência, ao menos no que se refere às ciências sociais, continuamente renova a sistemática. Se toda “constelação de ideias” deve ser pensada em seu contexto - “os problemas históricos aos quais tenta dar respostas” -, “nenhuma grande constelação de ideias pode ser inteiramente resolvida em seu contexto” (Brandão, 2005: 238).

Contra todo contextualismo estreito, Brandão (2005: 235) está convencido de que

[...] o [estudo do] pensamento político-social foi capaz de formular ou de discriminar na evolução política e ideológica brasileira a existência de “estilos” determinados, formas de pensar extraordinariamente persistentes no tempo, modos intelectuais de se relacionar com a realidade que subsumem até mesmo os mais lídimos produtos da ciência institucionalizada, estabelecendo problemáticas e continuidades que permitem situar e pôr sob nova luz muita proposta política e muita análise científica atual.

A ausência de Karl Mannheim nas referências do artigo, ao contrário de irrelevância ou indiferença, parece revelar exatamente a sua profunda influência não só na agenda de pesquisa delineada por Brandão, mas em todos os agentes que desenharam o campo a partir dos anos 1950. Como se fosse tão óbvia a sua presença, de forma que a citação, direta ou indireta, pudesse ser dispensada ou relegada a uma nota de rodapé: “Em todos esses casos - na verdade, na maioria dos trabalhos sobre pensamento político-social no Brasil -, pesou a influência direta ou indireta dos esquemas de Karl Mannheim, especialmente os de Ideologia e utopia e o estudo sobre o pensamento conservador” (Brandão, 2005: 261, nota 11, grifos do autor). Contanto que não recaia em um sociologismo ao abordar as ideias, a agenda de Brandão muito se aproxima do programa mannheimiano de sociologia do conhecimento e o fim de compreender como o pensamento “realmente funciona na vida pública e na política como instrumento de ação coletiva”, sem “separar os modos de pensamento concretamente existentes do contexto de ação coletiva por meio do qual, em um sentido intelectual, descobrimos inicialmente o mundo”, a busca de captar as “raízes sociais e ativistas do pensar” (Mannheim, 1986: 29-31). Ao lado de Mannheim, atuam na pesquisa de Brandão, por certo, as abordagens marxistas dos intelectuais e da cultura: G. Lukács, L. Goldmann e, mais presente no texto de 2005, Michael Löwy (Lynch; Chaloub, 2021: 311).

E, efetivamente, no lastro da pesquisa sobre estilos de pensamento, o interesse intelectual de Brandão (2005: 236-237, grifos do autor) é:

[...] investigar a existência dessas “famílias intelectuais” no Brasil, reconhecer suas principais características formais e escavar sua genealogia. [...] Sem deixar de examinar o conteúdo substantivo das ideologias e visões-de-mundo, a ênfase analítica será posta na descrição das “formas de pensar” subjacentes - estruturas intelectuais e categorias teóricas, a partir das quais a realidade é percebida, a experiência prática elaborada e a ação política organizada. Mapear estruturas intelectuais que se cristalizam historicamente como a priori analíticos, e ver como se articulam com a perspectiva política mobilizada - eis o núcleo do trabalho.

As linhagens de pensamento investigadas por Brandão são: a) o idealismo orgânico, b) o idealismo constitucional, c) o pensamento radical de classe média, e d) o marxismo de matriz comunista ou, simples e respectivamente, conservantismo, liberalismo, socialismo liberal e comunismo. Mesmo que se acate a princípio o contextualismo de Skinner, Brandão (2005: 237) argumenta que a despeito das “profundas mudanças”, não houve “nenhuma mutação ontológica radical de uma inteira constelação histórica” que permita afirmar que tais linhagens intelectuais deixaram de dizer respeito ao mesmo, e nosso, tempo.

A “visão do país e o programa político da corrente conservadora brasileira” assenta-se “na tese de que não é possível construir um Estado liberal (e democrático) em uma sociedade que não seria liberal” e que, por isso, precisaria “ser tutelada e a centralização política e administrativa afirmada” (Brandão, 2005: 246). Em um país “fragmentado, atomizado, amorfo e inorgânico”, em “uma sociedade desprovida de liames de solidariedade internos”, o Estado é visto não como “a principal ameaça à liberdade civil”, tal como pensado ao Norte, mas, muito pelo contrário, “como sua única garantia”, o que justifica a tese da “predominância da autoridade sobre a liberdade” (Brandão, 2005: 246-247). “Liberdade civil, unidade territorial e nacional garantida pela centralização político-administrativa, e Estado autocrático e pedagogo, eis o programa conservador” (Brandão, 2005: 247). Programa que foi “a diretriz básica da ação dos grupos políticos e das burocracias dominantes no país (do tenentismo e do primeiro varguismo ao geiselismo, de Agamenon Magalhães a Antonio Carlos Magalhães), e cuja origem intelectual remonta em boa medida ao visconde de Uruguai e a Oliveira Vianna” (Brandão, 2005: 246), bem como se apresenta em Alberto Torres, Azevedo Amaral e, provavelmente, Gilberto Freyre (Lynch; Chaloub, 2021: 305, nota 7).

Para o idealismo constitucional (ou utópico, criticado por O. Vianna), o Estado também seria central, mas em um sentido inverso ao do idealismo orgânico. Para este, ele seria a salvaguarda para dar forma a uma sociedade amorfa, enquanto para o primeiro, o Estado produziria uma “cultura cartorial” (Brandão, 2005: 246), danosa para a boa dinâmica da sociedade, esta aproximada ao ideário de livre mercado e, em alguns casos, a um horizonte federalista (antagônico ao gigantismo estatal). A chave da “boa sociedade” seria não o Estado, mas a “boa lei”, o “poder da palavra escrita”, a “construção institucional” (Brandão, 2005: 248-249). Se o modelo europeu e norte-americano era tomado pelos orgânicos como exógeno e nocivo para pensar a construção Estado-nacional no Brasil, a Nova Inglaterra, com suas leis e a sacralidade da liberdade individual, era o guia dos utópicos. Linhagem constituída por Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, André Rebouças, Rui Barbosa e, mais recentemente, Raymundo Faoro, Simon Schwartzman e Bolívar Lamounier.

Se as linhagens do idealismo orgânico e do idealismo utópico são formuladas diretamente a partir do trabalho de Oliveira Vianna, assim como ressoam, respectivamente, as noções de autoritarismo instrumental em W. G. dos Santos e de ideologia de mercado em B. Lamounier (Lynch; Chaloub, 2021), a terceira linhagem inspira-se explicitamente em Antonio Candido (2011: 5), quando fala, em entrevista original de 1974, na formação de “um pensamento radical de classe média, que envolveu a maior parte dos socialistas e comunistas e a meu ver representou um enorme progresso”. Já a caracterização da quarta linhagem, a do marxismo de matriz comunista, era pesquisada pelo próprio Brandão (1997) desde a sua tese de doutorado defendida em 1992. Brandão (2005: 240) situa a emergência das constelações “marcadamente antiaristocráticas” - em oposição ao elitismo das linhagens idealistas - sobretudo nos anos 1950, quando se tornam nítidos os efeitos da “generalização do trabalho assalariado”, da “urbanização”, da “industrialização”, e “desenvolvimento” torna-se a “ideia-força, organizadora do campo intelectual”, junto à “democracia” como “questão subjacente”.

O pensamento radical de classe média é caracterizado como um “pensamento democrático [...] socializante, quase sempre socialista, de matriz liberal, por vezes constitucionalista” (Brandão, 2005: 241). Abarcadora de nomes como Sérgio Buarque de Holanda e outros “tão díspares como Manoel Bonfim, Nestor Duarte, Victor Nunes Leal, Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso”, esta linhagem

reconheceu que o processo político brasileiro permitia compatibilizar desenvolvimento do capitalismo e democracia, recusou qualquer concepção “explosiva” da revolução e também apostou na “revolução dentro da ordem” comandada por uma frente ampla das forças sociais modernas que aquele processo havia gerado (Brandão, 2005: 241).

Quanto à linhagem do marxismo de matriz comunista, em contraste com o pluralismo causal do pensamento radical, haveria um esforço monista - e materialista - de buscar a unidade infra/superestrutura e o estudo da “sociedade como uma totalidade em movimento, combatendo os idealismos” (Lynch; Chaloub, 2021: 308), bem como o conservantismo e o utopismo. Assim como Brandão descentra o pensamento radical da Universidade de São Paulo (USP), a constelação comunista é tão heterodoxa quanto, na medida em que traços de um esforço materialista e global de abordagem do social (e das ideias) poderiam ser percebidos em “Joaquim Nabuco, Machado de Assis, Lima Barreto, Caio Prado, Werneck Sodré, Celso Furtado e Florestan Fernandes” (Lynch; Chaloub, 2021: 308). Ao lado e em tensão, como sugerem Lynch e Chaloub (2021: 315), também seria possível pensar uma (sub)linhagem dissidente do “comunismo democrático, identificada com Marco Aurélio Nogueira, Luiz Werneck Vianna, Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho e o próprio Gildo como militante”.

SEQUÊNCIAS

Uma premissa metodológica forte da pesquisa das linhagens é a ideia de que as “continuidades subterrâneas” (Brandão, 2005: 255) que delineiam as famílias intelectuais não são algo que se pode detectar nos motivos dados ou nas identificações dos próprios agentes políticos e intelectuais. Assim, a linhagem do idealismo constitucional é plausível mesmo que “o mais vigoroso intérprete liberal da história brasileira, Raymundo Faoro, não reconheça analítica nem politicamente Tavares Bastos como seu ancestral” (Brandão, 2005: 257). Do mesmo modo, podem ser apontadas fortes afinidades entre Maria Sylvia de Carvalho Franco e Maria Isaura Pereira de Queiroz com a obra de Oliveira Vianna, mesmo que aquelas ignorem ou não explicitem tal relação. Botelho (2007: 54-55) segue exatamente essa segunda pista, aprofundando-a e alargando-a no que classifica como uma “uma das construções mais tenazes” do pensamento social no Brasil: a sequência do “baralhamento entre público e privado” (Botelho, 2007: 49).

A ideia de “sequências” é utilizada por Botelho (2019: 21-22) como um

recurso analítico, da família do tipo ideal weberiano, forjado para repensar, na longa duração, diferentes interpretações sociológicas sobre as relações entre Estado e sociedade e também público e privado na sociedade brasileira. Configura, assim, uma proposta de abordagem diacrônica entre textos e contextos que abre espaço para a reconstituição de linhas cognitivas comuns e diferentes e, desse modo, de processos de acumulação intelectual, mas sem pretender subtrair o caráter contingente e aberto dos mesmos.

Inspirado por Roberto Schwarz e Silviano Santiago, Botelho (2019: 22) afirma a analítica típico-ideal das sequências “como uma alternativa, sobretudo, ao aspecto normativo de certos usos da categoria de ‘formação’ tão presente na tradição intelectual brasileira e, em geral, pensada em termos de uma seriação progressiva, integradora e teleológica”.

No que diz respeito à sequência do baralhamento público/privado, Populações Meridionais do Brasil, de 1920, é tomado como “paradigmático [...] na medida em que se mostrou capaz de interpelar, no plano cognitivo, diferentes trabalhos posteriores, não obstante muitos deles divergirem radicalmente do seu sentido político original” (Botelho, 2007: 50). No “plano teórico-metodológico”, a crítica de Vianna à transplantação do liberalismo para a “realidade ‘singular’ brasileira [...] formaliza a tese segundo a qual na vida social se encontrariam os fundamentos e a dinâmica das instituições políticas” e a “defesa da precedência lógica da sociologia sobre a política ou do homo sociologicus sobre o homo politicus [...]” (Botelho, 2007: 50), conformando uma agenda de pesquisa da sociologia política no Brasil. No plano “substantivo”, continua Botelho (2007: 50), a centralidade da tese sobre a “hipertrofia da ordem privada e seu predomínio histórico sobre a ordem pública” para pensar a “formação rural da sociedade brasileira” e os “impasses tenazes para sua modernização” teria importantes “desdobramentos”, iniciando a sequência que engloba: Coronelismo, enxada e voto, de 1949, de Victor Nunes Leal; Política, ascensão social e liderança num povoado baiano, de 1962, e O mandonismo da vida política brasileira e outros ensaios, de 1976, ambas de Maria Isaura Pereira de Queiroz; Homens livres na ordem escravocrata, do ano de 1964, de Maria Sylvia de Carvalho Franco.

Em Passagens para o Estado-Nação, Botelho (2009) incorpora à sequência Luiz de Aguiar Costa Pinto, especialmente a obra Lutas de famílias no Brasil (uma introdução ao seu estudo), de 1949, bem como são incluídas Casa Grande & Senzala, de 1933, Raízes do Brasil, do ano de 1936, e A ordem privada e a organização política nacional, de 1939. Obviamente, são múltiplas e profundas as diferenças existentes entre essa diversidade de obras, mas a sua unidade é tangível quando colocada em contraste com outra sequência da sociologia política, trabalhada especialmente por Brasílio Sallum Jr. (2002), que

mostra como as pesquisas realizadas por Florestan Fernandes e seu grupo de alunos, e assistentes, especialmente Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni, estabelecem a associação entre dominação política e conflito de classes, articulando-as às questões da dependência e do desenvolvimento econômicos (Botelho, 2013: 336).

Em contraste direto, a sequência da sociologia política inaugurada por Oliveira Vianna assume o “conflito entre público e privado” como muito mais importante do que o “conflito de classes enraizado na organização social da produção” para entender a “formação da sociedade” e a “dominação política no Brasil” (Botelho, 2007: 51). Dentro da heterogênea sequência do baralhamento entre público e privado, estudada em minúcia por Botelho, teríamos uma importante bifurcação. De um lado, uma abordagem desse baralhamento que se mantém em um marco cognitivo dualista (as obras de Vianna, Freyre, Holanda, Duarte), do outro, uma vertente que se encaminha para a superação daquele marco ao pensar a formação sócio-política brasileira, que inclui os textos já citados de Nunes Leal, Queiroz, Costa Pinto e Franco.

André Botelho (2007: 71-72) é particularmente bem-sucedido na proposta de “identificar as linhagens centrais de continuidade e descontinuidade cognitivas de uma vertente da sociologia política brasileira en train de se faire entre os anos 1920 e 1970”, dando o devido peso ao que permanece e ao que é alterado. Oliveira Vianna, o marco zero da sequência, continua “dependente de uma visão dualista das relações entre público e privado e, assim, da própria sociedade” (Botelho, 2007: 73), o que se desdobra em uma ênfase no consenso ou no conflito apenas entre Estado e sociedade, sendo o primeiro, na linha do chamado autoritarismo instrumental, a panaceia que solucionaria os dilemas identificados. Em Vitor Nunes Leal, há um compromisso (ou interdependência) sistêmico entre público e privado, de modo que não há uma primazia a priori de um sobre o outro. Maria Isaura Pereira de Queiroz, por sua vez, “busca evidenciar em uma versão não-voluntarista, porque também atenta aos condicionantes e variáveis estruturais, as possibilidades e limites da ação individual no interior da estrutura da dominação política do coronelismo, por mais diversas que fossem” (Botelho, 2007: 74). Para ela, as relações de dominação política baseadas no baralhamento público/privado “podem produzir comportamentos em indivíduos e grupos sociais e não apenas restringir e controlar o escopo de suas ações” (Botelho, 2007: 74).

Maria Sylvia de Carvalho Franco, por fim, é apresentada como “talvez, a tentativa mais consistente, dentre os trabalhos destacados, de articular as dimensões da ‘ação’ e da ‘estrutura’ em um movimento analítico que procura dar conta da socialização dos atores na dominação pessoal, quanto da sua institucionalização” (Botelho, 2007: 74). Também sugere que há nela a mais explícita busca de superar dualismos por meio da ideia de “unidade contraditória”, embora todos (Leal, Queiroz e Franco) sejam formas de superar a “perspectiva dualista formulada por Oliveira Vianna” (Botelho, 2007: 75). Uma apreciação elogiosa semelhante é perceptível na releitura de Costa Pinto que, diante da difícil aplicabilidade dos “modelos teóricos e políticos hegemônicos” para pensar “o vigor da vingança privada” em uma realidade marcada pela “fragilidade do Estado em monopolizar legitimamente a violência”, “não sucumbiu, contudo, a explicá-la em termos de atraso, desvio ou patologia”, e explorou

as consequências sociológicas do fato de que a própria implantação da autoridade pública moderna e sua forma de solidariedade social correspondente não ocorrem num “vazio” de relações sociais e sim de modo tenso e potencialmente conflituoso com outras formas mais antigas, persistentes (Botelho, 2009: 173, grifos do autor).

As passagens revelam duas importantes contribuições teórico-metodológicas presentes no esforço classificatório de Botelho. Por um lado, busca-se evidenciar a operação de uma crítica da razão dualista não na sequência da cadeira de Sociologia I, como conta uma narrativa mais conhecida, mas em uma vertente da sequência do baralhamento entre público e privado. Por outro lado, uma releitura do pensamento social brasileiro a partir dos problemas dinamizadores da teoria social e da sociologia contemporâneas.

A atenção “para a dimensão propriamente teórica das obras que compõem” o “acervo primário” das interpretações do Brasil, problema até então “praticamente inexplorado”, é delineada por Botelho (2009: 147) como um dos “novos interesses de pesquisa” suscitados pela “consolidação” do campo do pensamento social brasileiro. Botelho avança nessa agenda por meio de uma rica interlocução com ao menos duas grandes fontes bibliográficas: a primeira delas cruza de modo fértil as tradições da sociologia política e da sociologia histórica. Aqui, o autor dialoga estreitamente, especialmente quando trata da formação do Estado-nação, com as contribuições de Max Weber, Norbert Elias, T. H. Marshall, Anthony Giddens, Reinhard Bendix, Theda Skocpol, Barrington Moore Jr., Seymour Lipset, Charles Tilly, Marvin Olsen, Steven Lukes, Michael Mann, Anthony Orum, entre outras e outros.

A segunda interlocução, que Botelho (2019: 21) chama de uma “espécie de metateoria” por ser uma “sociologia da sociologia política”, é mais precisamente definível como uma abordagem do pensamento social no Brasil a partir dos grandes problemas da teoria social, ao menos em sua definição hegemônica presente, com diferentes ênfases, em autores como Jeffrey Alexander, Anthony Giddens, Margaret Archer, Piotr Sztompka, José Maurício Domingues, Hans Joas e Wolfgang Knöbl e Frédéric Vandenberghe. Trata-se de reler as interpretações do Brasil capturando nelas as respostas para os problemas teórico-sociais da ação (ou agência), da ordem (ou estrutura) e da mudança sociais, e de como tais dimensões são pensadas de modo articulado ou integrado, salientando, assim, o peso teórico dessas contribuições. Já vimos anteriormente como é assim que a contribuição de Maria Sylvia de Carvalho Franco é elogiada. Estrutura de argumentação análoga pode ser detectada na apreciação do trabalho de Maria Isaura Pereira de Queiroz:

no caso da obra de Maria Isaura, fica patente seu empenho em não desvincular o estudo da mudança social, de um lado, das próprias relações sociais e do sentido conferidos pelos atores às suas ações individuais em suas vidas cotidianas, e, de outro, dos constrangimentos que sobre elas exerce a estrutura social (Botelho; Carvalho, 2011: 213-214).

Vimos como Botelho propõe as sequências como recurso analítico capaz de superar as premissas teleológicas implicadas na ideia de formação, no que é, ao nosso ver, particularmente exitoso. Um aspecto não problematizado em Botelho, entretanto, é um contraste silencioso entre, de um lado, um modelo de relação entre público e privado nos países centrais (ou do Norte global) e, do outro, um país periférico (ou do Sul global) como o Brasil. Toda a argumentação de Botelho parece se movimentar no interior do terreno cognitivo da tese da singularidade brasileira (Tavolaro, 2014), como é possível perceber na seguinte passagem em torno da obra de Costa Pinto, que não deixa de definir a excepcionalidade do baralhamento público/privado no Brasil a partir de um modelo de formação estado-nacional:

[...] o Estado-nação pressupõe a passagem das “solidariedades” locais à nacional, ainda que, como acentua a bibliografia contemporânea, possam inexistir condições para se atingir exclusivamente formas civis de “sentimentos de pertencimento”[...] ou de “repertórios” de ação coletiva [...] Daí se tornar compreensível que o baralhamento entre público e privado apareça como problemático na experiência de construção da comunidade política típica da modernidade na sociedade brasileira, uma vez que, nesta, historicamente, “solidariedade social” e “autoridade pública” pareciam não se encontrar, posto que fragmentadas e circunscritas a círculos particularistas, como os familiares (Botelho, 2009: 152).

Se Botelho evidencia na sequência construída uma progressiva superação do dualismo entre público e privado, especialmente nas obras de Maria Sylvia de Carvalho Franco e Luiz de Aguiar Costa Pinto, não é dada a devida problematização àquele outro dualismo já mencionado que Franco (1976) também buscou transcender: o de uma diferença essencial entre metrópoles e colônias, entre centros e periferias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As três perspectivas aqui trabalhadas admitem que os seus esforços taxonômicos são construções rigorosas e exaustivas, mas não saturadoras ou definitivas do pensamento sócio-político brasileiro, já que são elaboradas a partir de critérios de seleção particulares, interessados em responder problemas intelectuais avizinhados, mas distintos. No interior desse consenso sobre o caráter construtivo das classificações, podemos assinalar uma série de afinidades que exprimem ganhos cognitivos mais gerais do próprio campo do pensamento social e político no Brasil. Entre essas afinidades, percebe-se: um trabalho na interface entre pensamento sócio-político e sociologia política, isso mesmo no caso de Brandão, que atua na ciência política, mas polemiza com a versão oficial da disciplina e defende a primazia do social sobre o político; um diálogo estreito e refinado com as teorias sociais, sociológicas e políticas internacionais, clássicas e contemporâneas, revelando o alcance teórico do pensamento social brasileiro; uma postura claramente antipositivista e antiempiricista que valoriza o retorno a textos clássicos para o cultivo da pesquisa no âmbito das ciências sociais; atenção às mediações complexas entre texto e contexto, com ênfase na força prática das ideias e o potencial do pensamento social brasileiro para interpelar o presente; atenção às descontinuidades no interior das classificações.

No marco dessas afinidades, despontam nuances diferenciais não desprezíveis. No que diz respeito à questão mais propriamente metodológica e à relação entre texto e contexto, a arqueologia da tese da singularidade brasileira, na medida em que busca sobretudo regularidades discursivas, revela-se como uma abordagem declaradamente textualista, que reflete mais sobre os efeitos contextuais (sociológicos e políticos) dos textos do que sobre o condicionamento contextual dos discursos. O projeto das linhagens, baseado em uma abordagem marxista e na sociologia do conhecimento, pretende abordar texto e contexto em termos dialéticos, pensando o enlace entre as duas dimensões sem reducionismos. Botelho, embora atrelado ao projeto das linhagens, traça caminho próprio em suas sequências analíticas (afirmadas em contraponto ao substancialismo da ideia de formação), que são releituras do pensamento social brasileiro realizadas por um olhar treinado nos debates em sociologia política e sociologia histórica.

No que diz respeito ao esforço de evidenciar o potencial propriamente teórico do pensamento social brasileiro, também há diferenças importantes. Em primeiro lugar, porque cada perspectiva trabalha em níveis distintos de prática e interlocução teóricas. Tavolaro trabalha em um nível mais abstrato em sua arqueologia, o da metateoria, dado que, para ele, importa sobretudo evidenciar o que há de regular ou comum nas dispersões, a saber, a tese da singularidade brasileira (reflexo invertido do discurso sociológico hegemônico) como episteme ou terreno cognitivo que perpassa tanto uma sociologia da herança patriarcal-patrimonial como uma sociologia da dependência. Botelho, por sua vez, trabalha em um nível de abstração menor em suas sequências, o da teoria social, dado que, após a distinção entre duas grandes sequências - a sociologia política da chamada escola paulista e a sociologia política do baralhamento entre público e privado -, importa pensar especialmente como esta última equaciona, de modos distintos, os problemas da ação, da estrutura e da mudança sociais, bem como a maneira como a relação entre tradicional e moderno é encaminhada. Sequência esta que se move, como argumentado anteriormente, no interior daquela episteme tensionada criticamente por Tavolaro. Brandão, por fim, trabalha no nível menos abstrato, o da teoria política, pois as linhagens revelam o interesse último de reconstruir e trazer à consciência crítica, científica e esclarecida as principais matrizes de pensamento que, de modo mediado e complexo, conformam as instituições, as visões de mundo, os horizontes, as lutas, alianças, estratégias e condutas dinamizadoras da prática política, concreta e presente no Brasil.

Em segundo lugar, se Tavolaro e Botelho confluem no sentido de que explorar o potencial teórico do pensamento social brasileiro implica revelar o seu alcance cosmopolita, para além de uma contribuição puramente local e circunscrita, Brandão se mantém nos marcos de uma hierarquia entre a teoria de alcance universal elaborada pelos clássicos da política ao Norte, e o alcance restrito e particular, concernente aos nossos padrões e dilemas nacionais, das linhagens por ele analisadas, conforme explicitamente criticado por Lynch e Chaloub (2021, p. 312, grifo dos autores): “Em outras palavras, havia uma condição periférica, mas não uma teoria periférica. Era urgente fazer teoria ‘a partir do Sul’, mas não havia ‘teoria do sul’”.

E quais são as sobreposições, cruzamentos e refrações possíveis na tríade de esforços classificatórios?

Dada a proximidade entre Brandão e Botelho, é mais fácil mapear os cruzamentos. Como vimos, o próprio Brandão atentava para a possibilidade de que autores e obras de filiações ideológicas e posições políticas diversas se encontrassem numa mesma linhagem, bem como sugeria a possibilidade de que autores e obras pertencentes a uma das quatro linhagens fossem reagrupados a partir de interesses intelectuais e investigativos diferentes. É ele mesmo que, muito rapidamente, insinua afinidades possíveis entre as obras de Oliveira Vianna, Maria Sylvia de Carvalho Franco e Maria Isaura Pereira de Queiroz. Insinuação que é tratada de modo sistemático na sequência do baralhamento público/privado construída por Botelho. Logo, podemos pensar esta sequência como um trabalho de desmonte e recomposição do esquema classificatório das linhagens.

Quanto à relação entre as linhagens e as regularidades, não seria forçoso afirmar que idealistas orgânicos e liberais teriam fortes afinidades com a chamada sociologia da herança patriarcal-patrimonial, enquanto radicais de classe média e comunistas expressariam diferenças no interior da chamada sociologia da dependência. A sequência do baralhamento público/privado, por sua vez, conforma um dos enunciados básicos do próprio terreno cognitivo compartilhado pelo pensamento social brasileiro: a tese da singularidade brasileira, baralhamento que aparece como variável independente na sociologia da herança patriarcal-patrimonial e como variável dependente na sociologia da dependência.

O caráter aberto, passível de refração e cruzamento, das linhagens, sequências e regularidades aqui analisadas, não exprime fraqueza ou arbitrariedade, mas, pelo contrário, as múltiplas possibilidades de classificação do pensamento social e político brasileiro quando observado a partir de interesses, métodos e fins intelectuais distintos. Atestam a maturidade e riqueza de um campo capaz de manter as suas fronteiras, seus problemas, léxico e dinâmicas específicos, sem excluir a pluralidade teórico-conceitual e metodológica cara às ciências humanas e sociais. Parece-me que o melhor modo de usar tais aventuras classificatórias é mobilizá-las como uma heurística que nos faz ver determinados aspectos nucleares de determinadas tradições e, assim, aumenta a complexidade do nosso modo de olhar e ler o campo/objeto aqui tratado, mas que podem, igualmente, reduzir a complexidade de obras e autores individuais agrupados sob o olhar por vezes distante do taxonomista.

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

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    A ideia de aventura, aqui, se inspira nas palavras de Gabriel Cohn para homenagear, em sessão especial do 34º Encontro Anual da Anpocs, a trajetória do próprio Gildo: “Aliás, em passagem [...] muito de passagem no seu livro sobre linhagens, ele solta uma palavra que é central para pensar o modo de ser dele próprio: aventura. A aventura da ideia, a aventura do pensar. Gildo conseguiu converter a vida intelectual numa experiência de uma aventura, em que as muitas ideias eram [...] estavam presentes, para ele, com essa alegria a qual me referi, quase aquela mesma alegria com que ele usava os seus múltiplos chapéus, mas ele não trocava de ideias como trocava de chapéus”. A fala de Cohn pode ser acessada no seguinte link: https://youtu.be/4EN6F1d6ANA?si=tYlHqTZEzgx_cuFg. Acesso em: 29 ago. 2025.
  • Contribuição dos autores:
    Não se aplica.
  • Fonte de financiamento:
    Nada a declarar.

Editado por

  • Editora responsável:
    Juliana Marques.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2025
  • Aceito
    08 Ago 2025
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