RESUMO
Azevedo Amaral ficou conhecido como um dos ideólogos do Estado Novo, defensor da chamada democracia autoritária. Também defendeu ideias racistas e eugênicas e flertou com o antissemitismo. Porém, em 1937, escreveu o ensaio “A questão judaica” no Almanack Israelita, publicação organizada por Samuel Wainer. O livro tinha como objetivo mostrar ao público geral a história, as realizações e a inserção dos judeus no mundo e no Brasil. O objetivo deste artigo é analisar o referido ensaio de Azevedo Amaral, buscando iluminar outra faceta do autor de O Estado autoritário e a realidade nacional, obra pela qual ficou mais conhecido.
PALAVRAS-CHAVE:
Azevedo Amaral; Antissemitismo; Totalitarismo; Civilização
ABSTRACT
Azevedo Amaral is known as one of the ideologues of the Estado Novo, a defender of so-called authoritarian democracy. He also defended racist and eugenic ideas and flirted with anti-Semitism. However, in 1937, he wrote the essay “The Jewish Question” in Almanack Israelita, a publication organized by Samuel Wainer. The book aimed to show the general public the history, achievements, and integration of Jews in the world and in Brazil. This article analyzes Azevedo Amaral’s essay, seeking to shed light on another facet of the author of O Estado autoritário e a realidade nacional (The Authoritarian State and the National Reality), the work for which he became best known.
KEYWORDS:
Azevedo Amaral; Anti-Semitism; Totalitarism; Civilization
RESUMEN
Azevedo Amaral se reconoce como uno de los ideólogos del Estado Novo en Brasil, defensor de la llamada democracia autoritaria. También defendió ideas racistas y eugenésicas y coqueteó con el antisemitismo. Sin embargo, en 1937 escribió el ensayo “A questão judaica” en el Almanack Israelita, una publicación organizada por Samuel Wainer. El libro tenía por objetivo presentar al público en general la historia, los logros y la inserción de los judíos en el mundo y en Brasil. El objetivo de este artículo es analizar el mencionado ensayo de Azevedo Amaral para iluminar otra faceta del autor de O Estado autoritário e a realidade nacional, su obra más conocida.
PALABRAS CLAVE:
Azevedo Amaral; Antisemitismo; Totalitarismo; Civilización
INTRODUÇÃO
Quando Bolívar Lamounier escreveu sua introdução à edição de 1979 de O Estado autoritário e a realidade nacional, de Azevedo Amaral, fez questão de chamar atenção para a existência de poucos estudos dedicados ao referido autor, destacando, entre outros, a análise de Guerreiro Ramos (1961) e a de Aspásia Alcântara (1967). Ao refletir acerca da razão dessa lacuna, afirmava que parte dos ensaístas do entreguerras - Azevedo Amaral, mas também Oliveira Vianna e Francisco Campos - havia se identificado de maneira muito forte com o Estado Novo, levando a geração educada sob a democracia instaurada em 1945 a se afastar dos autores que defenderam a “aberração histórica” getulista (Lamounier, 1979: 1-2). Segundo Lamounier, Francisco Campos ainda seria reconhecido como jurista e Oliveira Vianna como analista da sociedade brasileira, sociólogo e um dos artífices da legislação trabalhista nos anos 1930, a despeito de seu racismo e conservadorismo1, mas a Azevedo Amaral, morto em 1942 antes do fim do Estado Novo e da Segunda Guerra, caberia o esquecimento.
No entanto, a própria introdução de Bolívar Lamounier inaugurava uma retomada, de certa maneira tímida, do objeto Azevedo Amaral, tido por ele como “um dos principais representantes da tradição brasileira de grandes ensaístas histórico-políticos [... e] um dos mais articulados expositores de um determinado diagnóstico a respeito da formação histórica brasileira” (Lamounier, 1979: 2)2. Por essa razão caberia a Azevedo Amaral um destaque no movimento que tomava força no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 de reavaliação do chamado pensamento político-social brasileiro3, apostava Lamounier.
De fato, o pensamento de Azevedo Amaral tornou-se objeto de vários estudos, principalmente daqueles que buscaram analisar o Estado Novo e o período getulista. Destacam-se, nesse sentido, as pesquisas e textos produzidos pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDOC-FGV), dentre os quais o livro sobre o Estado Novo (1982) organizado por Lucia Lippi de Oliveira, Ângela de Castro Gomes e Mônica Pimenta Velloso, no qual há um capítulo dedicado a Azevedo Amaral, de Lúcia Lippi de Oliveira. Daí para frente, foram feitas teses, artigos e trabalhos apresentados em seminários4 tendo por base a análise do pensamento de Azevedo Amaral - a maioria atenta ao seu papel de ideólogo do Estado Novo. No entanto, o estatuto do autor não mudou muito - longe estamos do que Bolívar Lamounier prenunciava em 1979, quando afirmava que “é, pois, necessário dizer de maneira enfática que a Azevedo Amaral caberá um lugar dos mais destacados na reavaliação que atualmente se vem fazendo do pensamento político brasileiro” (Lamounier, 1979: 2). A título de ilustração, basta ver que não há estudo ou capítulo específico sobre Azevedo Amaral em várias obras recentes dedicadas a inventariar o pensamento político-social brasileiro5.
NOTAS BIOGRÁFICAS
Antônio José de Azevedo Amaral nasceu em 1881 e pertencia a uma família sem muitas posses, mas com boas relações na sociedade: seu pai era engenheiro e trabalhou com Visconde de Mauá na construção de estradas de ferro em meados do XIX. Durante sua vida, sustentou-se basicamente com o jornalismo - talvez um dos primeiros no Brasil a conseguir isso -, a despeito da formação em medicina: doutorou-se em 1903 na Alemanha e, dali, passou à Inglaterra e ao jornalismo. Foi ligado ao Partido Republicano Paulista (PRP) ao longo da Primeira República e apoiou Júlio Prestes em 1930. O “ideólogo do Estado Novo” converteu-se ao getulismo só nos anos 1930 - mais especificamente após o golpe de 19376.
Mas é mesmo como ideólogo do Estado Novo que Azevedo Amaral é reconhecido. É dele a “biografia autorizada” do líder, Getúlio Vargas estadista, de 1941. Não participou do governo nem teve cargos públicos, ao contrário de seus pares autoritários Oliveira Vianna e Francisco Campos, com quem compartilhava, entre outras ideias, a crítica ao regime parlamentar, a defesa do primado do poder executivo, o corporativismo e a centralidade da figura do presidente. Mas Azevedo Amaral abria uma divergência principalmente em relação a questões econômicas, já que defendia alguns princípios liberais e a industrialização como saída para a modernização do país.
Toda a carreira de Azevedo Amaral foi orientada ao jornalismo. Ao longo de sua vida foi editor, redator ou colaborador de vários periódicos, dentre os quais podem ser destacados o Correio da Manhã, a Gazeta de Notícias e o Jornal do Comércio. No Correio manteve uma coluna ao longo da década de 1910 como correspondente em Londres7 (Gomes, 2012; Oliveira, 1982). Já nos anos 1930 fundou junto com Samuel Wainer a revista Diretrizes, que tinha como objetivo a divulgação e reflexão de ideias acerca da economia, sociedade, política e cultura de um país que mudava a passos largos. Azevedo Amaral era responsável pelo editorial e pela seção de política internacional. A parceria não resistiu mais que seis meses e, no mesmo ano em que foi criada (1938), desfez-se a sociedade. A defesa ostensiva do Estado Novo por parte de Azevedo Amaral e problemas pessoais entre os dois sócios levaram ao rompimento (Ferrari, 2008). Diretrizes circulou até 1950, mas sofreu uma série de transformações ao longo do tempo, até se transformar em jornal diário e ser vendida ao final da década de 1940. Sob a direção solitária de Samuel Wainer, seu perfil foi se tornando cada vez mais liberal-democrático, afastando-se do tom inicial do periódico e do novo regime. Azevedo Amaral, por sua vez, fundou a revista Novas Diretrizes e levou o subsídio da Light que havia conseguido para o seu novo empreendimento. Surgida no final de 1938, circulou até o fim de 1942, poucos meses após a morte do editor (Fernandes, 2018).
A nova revista alinhou-se com o Estado Novo e flertou em vários momentos com o Eixo, além de defender ideias eugenistas em vários números. Assim como na revista anterior, Azevedo Amaral assinava os editoriais de política nacional e internacional e defendeu a neutralidade do país até o fim, quando foi vencido pela entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados, em 1942 (Fernandes, 2018).
No entanto, em 1937, quando ainda havia a parceria e a amizade entre Azevedo Amaral e Samuel Wainer, eles publicaram juntos o Almanack Israelita: Israel no passado e no presente. É no mínimo intrigante que o mesmo Azevedo Amaral que se aproximou do antissemitismo em vários editoriais de Novas Diretrizes tenha participado dessa empreitada apenas dois anos antes.
São justamente os textos de Azevedo Amaral no Almanack Israelita que me propus a analisar neste artigo, iluminando outra faceta do autor de Estado autoritário e a realidade nacional, obra pela qual ficou mais conhecido.
ALMANACK ISRAELITA
A edição de Almanack Israelita aqui analisada foi publicada em 19378, em meio a um contexto de crescente antissemitismo na Europa e no Brasil, em menor escala. Assim como outras obras nacionais escritas no período, tinha como objetivo mostrar ao público em geral a história, as realizações e a inserção dos judeus no mundo e no Brasil. Não foi uma publicação isolada, mas parte de um conjunto de livros, jornais e revistas que buscavam lutar contra a onda antissemita que se espalhava pelo mundo e que ameaçava tomar também o país.
Segundo Marcos Chor Maio (1999), houve um aumento significativo do número de judeus no Brasil entre 1920 e 1928, sendo que, no início dos anos 1930 mais de 60 mil viviam no país. Ainda segundo o autor, “esse crescimento demográfico ampliou a visibilidade judaica, na medida em que os judeus se concentravam em grandes centros urbanos como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Recife” (Maio, 1999: 32) E foi justamente esse aumento da visibilidade que contribuiu para a emergência, também nestas terras, da “questão judaica” e para o aumento do antissemitismo. Gustavo Barroso é a face mais conhecida e histriônica do movimento que encontrava guarida política nas hostes da Ação Integralista Brasileira, mas a “onda” não ficava apenas aí. Manifestações de desconfiança em relação aos judeus emergiam na imprensa desde o início dos anos 1930, mas se tornaram mais frequentes a partir de 1935 com o fracasso da Intentona Comunista e o aparecimento de um “novo personagem”: o judeu comunista, tão ou mais temerário que o “judeu capitalista” (Maio, 1999: 240).
Parte em resposta à questão do antissemitismo que se colocava - mas não só -, várias foram as obras que surgiram a partir de meados dos anos 1930 lidando com a questão dos judeus no Brasil. Marcos Chor Maio chama atenção para duas: Por que ser antissemita? Um inquérito entre intelectuais brasileiros, organizada pelo rabino Isaías Raffalovich, com a colaboração de vários intelectuais brasileiros, entre os quais Gilberto Amado, Afrânio Peixoto, Alfredo Ellis Jr, Menotti Del Picchia e Evaristo de Moraes, publicada em 1933; e Os judeus na história do Brasil, do editor Uri Zwerling, com a colaboração de Gilberto Freyre, Artur Ramos, Roquette Pinto, Paulo Prado, entre outros, publicada em 1936. Almanack Israelita não aparece entre as obras listadas por Maio, mas a revista Morashá, em sua edição número 26, de dezembro de 1999, apresenta uma lista ampliada de publicações análogas, incluindo o Almanack:
Saíram em 1936: Os Judeus na História do Brasil, organizado pelo livreiro Uri Zwerling (Rio) com diversos autores (entre os quais, Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Rodolfo Garcia, Roquete Pinto, Agripino Grieco, etc.); Israel no Brasil, de Fernando Levisky (S. Paulo). Publicado em 1937: Em Legítima Defesa, A Voz de um Judeu Brasileiro, do líder comunitário curitibano Bernardo Schulman (três edições no mesmo ano) e Almanack Israelita, Israel no Passado e no Presente, diversos autores, organização do jornalista Samuel Wainer e do prof. Inácio de Azevedo Amaral9 (Rio). A série encerra-se em 1940, antes do alinhamento do Brasil contra o nazi-fascismo, com a obra do jurista Evaristo de Morais, Os Judeus (Rio) (A Presença Judaica..., 1999)10.
As publicações mesclavam a participação de judeus e não judeus e tinham como mote central a recuperação da história do povo e suas relações com os brasileiros, desde Portugal. Obviamente, não é objetivo deste texto cotejar as publicações, mas sim centrar a análise no Almanack. No entanto, acredito ser necessário mostrar que a publicação seguia uma tendência do período, não sendo um fato isolado.
Coube justamente a Azevedo Amaral o texto de abertura do Almanack. Nele, além do agradecimento inicial a Samuel Wainer pelo convite à participação, há a explicitação do objetivo da obra:
Estou convencido de que o “Almanack Israelita”, na sua edição de 1937, a que me proporcionou a honra de associar-me, virá prestar incalculáveis serviços no esclarecimento da nossa opinião pública. Não creio que a pitoresca campanha antissemita, surgida como fenômeno exótico em nosso meio, consiga envenenar a mentalidade de um povo cuja formação étnica o tornou inequivocadamente semitisado11. Mas, nas condições ora reinantes na atmosfera moral de um mundo inquieto, causas de mínima importância podem produzir efeitos lamentáveis de considerável alcance. A direção do “Almanack Israelita”, que na edição anterior desta publicação se desobrigou tão cabalmente de sua incumbência, prestará portanto relevante serviço aos israelitas do Brasil e ao Brasil também, projetando luz sobre assunto em relação ao qual fanáticos e exploradores procuram estabelecer a confusão (Azevedo Amaral, 1937a: 6).
O Almanack surgia com o objetivo de se contrapor a um clima negativo que se estabelecia em torno da presença de uma comunidade judaica no Brasil. Boa parte dessa pregação antissemita vinha da Ação Integralista Brasileira (AIB) - agremiação que Azevedo Amaral sempre criticou. Esclarecer as relações existentes entre a comunidade e o Brasil, ressaltar as realizações do povo em variados campos - econômico, político, cultural, científico - era uma das maneiras possíveis de se debelar tal pregação. Para tanto, Samuel Wainer convidou uma série de membros ilustres da comunidade e Azevedo Amaral - não judeu e, mais ainda, defensor da política varguista e adepto de teses eugenistas12.
O Almanack Israelita tem duas partes. A primeira era intitulada “Questões gerais”, em que aparecem os artigos assinados: a carta13 de Azevedo Amaral que abre o volume; o longo artigo “A questão judaica”, do mesmo Azevedo Amaral; “Aspectos parciais das migrações israelitas”, do próprio Samuel Wainer; “A assimilação israelita”, de Horácio Lafer; “A ética judaica”, do rabino inglês Isaías Raffalovich; e “Israel e a formação da nacionalidade brasileira”, de Isaac Izeckson (artigo reeditado, escrito para o número de 1934). A segunda parte do volume é um grande inventário denominado “Israel em todos os setores da atividade universal”, listando os judeus ilustres em inúmeros campos, como agricultura, indústria, cinema, literatura, medicina, ciências e vários outros, inclusive uma listagem dos prêmios Nobel recebidos por judeus de variadas nacionalidades. Ao final desta parte e do volume, um texto (não assinado) sobre o movimento sionista e o renascimento da Palestina.
“A QUESTÃO JUDAICA”14 DE AZEVEDO AMARAL
Este é o título do longo texto de Azevedo Amaral (1937b) que se encontra no Almanack Israelita. São 65 páginas em que o autor busca reconstruir a trajetória histórica dos judeus e analisar a emergência do que chama de “questão judaica” ao longo dos tempos - e seu ressurgimento na década de 1930. Para quem está familiarizado com o Azevedo Amaral de Estado autoritário e outros escritos, há uma série de surpresas ao longo do texto, a começar pela valorização da liberdade individual, que perpassa todo o artigo e é vista como um dos pilares da cultura hebraica e um dos pontos de tensão que possibilita a emergência do antissemitismo ao longo da história.
O argumento central do texto aparece já nas primeiras páginas: a explosão de antissemitismo a que se assiste na década de 1930 é um fenômeno recorrente na história, um movimento reacionário que pode ser detectado pela emergência de outros aspectos obscurantistas que visam a destruição das liberdades - coletivas e individuais. Em suas palavras, “a reação contra a liberdade espiritual em todas as suas modalidades e o esforço para criar formas de governo mais compressivas precedem invariavelmente a eclosão do antissemitismo” (Azevedo Amaral, 1937b: 20).
É essa a narrativa que Azevedo Amaral constrói ao longo de mais de 2 mil anos de história. Há uma fórmula que se repete, de tempos em tempos, mas que pode ser resumida na equação acima enunciada. Caberia aos homens que defendem o progresso científico cerrar fileiras contra o antissemitismo que ressurgia com força desmesurada. Mesmo no Brasil, país que demonstrava “pendor para o liberalismo”, “influências exóticas” traziam os novos ventos. Ao fechar a apresentação do texto, conclui:
Ao escrever este ensaio e ao colaborar em uma obra de resistência ao antissemitismo, o autor tem, portanto, em vista não apenas obedecer aos impulsos de sua consciência de intelectual integrado no liberalismo, mas também de enfrentar como brasileiro as ameaças que as manobras nazistas para transplantar a questão judaica para o nosso país representam sob o ponto de vista da manutenção da soberania e da integridade territorial do Brasil (Azevedo, Amaral, 1937b: 24).
A partir daí busca reconstruir o “processo de plasmagem da civilização ocidental” para entender as ondas de antissemitismo ao longo da história. A nossa origem estaria intimamente ligada a duas civilizações que emergiram na região mediterrânea e no oriente próximo, respectivamente, os mediterrâneos e os caldeus, dos quais descendem os gregos e os semitas, povos que formam a base da civilização ocidental. De um lado, os gregos e a “invenção do espírito científico” e, do outro, os semitas, “mais introspectivos”, responsáveis pelo desenvolvimento dos estudos ligados à ética. Em resumo, ciência e moral, dois pilares da civilização ocidental.
Diferente é a posição de Roma que, a despeito de derivar, como os gregos, do ramo mediterrânico, herdou apenas o caráter religioso da primitiva civilização. Roma caracterizou-se, segundo ele, por ser um Estado militar15, de caráter absorvente e sem espaço para a liberdade individual. Na guerra com Cartago - esta herdeira dos gregos e semitas -, a vitória de Roma simbolizara a vitória do Estado compressivo. As conclusões vão além:
Para ter-se uma ideia concreta do que ocorreu no mundo antigo com a destruição de Cartago e a consequente afirmação da hegemonia romana no mediterrâneo, imaginemos o que sucederia em nossos dias, se a Alemanha nazista conseguisse esmagar o Império Britânico e os Estados Unidos (Azevedo Amaral, 1937b: 34).
Indo ainda mais longe, Azevedo Amaral afirma que o regime romano de então era o que se poderia entender por totalitarismo16, tais quais os regimes fascista e nazista (p. 36).
Com a derrota de Cartago e a queda - sem resistência - da Grécia, apenas sobrevive o Estado semi-independente dos hebreus na Palestina. E é a partir daí que emerge a “questão judaica”. De maneira resumida, o argumento desenvolvido é o da incompatibilidade intrínseca entre o Estado compressor romano e a ética judaica, que prega a “inviolabilidade da personalidade humana” (Azevedo Amaral, 1937b: 43).
Ao mesmo tempo, o longo intercâmbio com os gregos possibilitou o crescimento de ideais mais universalistas entre parte da elite hebraica, até culminar no projeto de universalização da religião histórica de Israel de Paulo de Tarso. A princípio uma dissidência, a incorporação da figura de Cristo levou ao cisma com a religião de Israel. O cristianismo surge como um ramo do judaísmo e, nos primeiros tempos,
afora as divergências que a partir de Paulo distinguiam a religião por ele fundada do mosaísmo, tudo mais era comum aos dois credos. E a persistência da ética judaica na estrutura doutrinária da Igreja Cristã vinha precipitar inevitável conflito com o Estado romano (Azevedo Amaral, 1937b: 46).
Roma não podia tolerar os novos personagens, os cristãos. Assim, segundo Azevedo Amaral, é a perseguição sistemática a eles pelo Império que se pode entender como a primeira manifestação da “questão judaica”. E os judeus propriamente ditos? Segundo ele, a perseguição era menor por uma simples razão (que estava na base do cisma, inclusive): os cristãos, com sua pretensão universalizante, faziam proselitismo, ao passo que os judeus “tradicionais”, não. Mais uma vez chama a atenção para o fato de que não é a religião o aspecto central que leva à intolerância, mas sim a ética e a defesa do “livre arbítrio” e da “liberdade do indivíduo” perante o Estado romano.
A partir do século IV o cristianismo sofre uma mutação, com o abandono da herança judaica a Igreja torna-se a sucessora do Império, inclusive no aspecto hostil aos judeus. Assim, no início do período medieval, a questão judaica emerge como o “antagonismo entre a Igreja e a Sinagoga” (Azevedo Amaral, 1937b: 50-51). Ao longo do período, irrupções de antissemitismo seriam localizadas, mas entre os “mais cultos” os judeus eram bastante tolerados por conta de suas habilidades médicas, comerciais e financeiras. No entanto, ao final do período a situação de tolerância sofre um abalo, principalmente, segundo Azevedo Amaral, por questões econômicas: em especial na península ibérica, o quinhão dos judeus nas riquezas oriundas da expansão marítima e dos descobrimentos levava os cristãos a se enciumarem de seus - até então - parceiros. Assim, primeiramente na Espanha e, depois, em Portugal, os judeus são expulsos. A questão, é necessário enfatizar mais uma vez, era fundamentalmente econômica, como já havia sido anteriormente na Inglaterra e na França (para o confisco de terras e bens), por isso a Inquisição, para o autor, a despeito de ser um instrumento de caráter religioso - e ligado a Roma - agia politicamente para eliminar os adversários e consolidar a ainda incipiente unificação dos países ibéricos (Espanha, em especial).
A expulsão dos judeus da península ibérica provocou efeitos deletérios em Portugal e na Espanha, ao mesmo tempo que possibilitou à Holanda um afluxo de pessoas e capitais que impulsionaram o país. Ainda, provocou uma enorme migração de judeus para regiões da Europa oriental, em especial a Rússia e a Polônia, levando à grande concentração (e isolamento, até certo ponto) de judeus nessa região.
O século XVIII e as transformações operadas primeiro pelo iluminismo inglês e depois pelo francês levaram a questão judaica a submergir. Ou melhor, tornaram o processo de emancipação dos judeus possível: em vários países, ao longo dos séculos XVIII e XIX, os judeus foram ganhando cidadania e direitos e sendo incorporados às nacionalidades. Ensaiava-se e defendia-se, por parte da elite, uma “demolição do gueto” e a assimilação, sobrevivendo a especificidade na religião - num mundo cada vez mais tolerante com as diversas crenças.
A despeito do caminho positivo que se traçava, Azevedo Amaral chama atenção para o caráter ilusório dessa assimilação por uma simples questão: “o israelita por mais que se identificasse sob o ponto de vista cívico-social com a nacionalidade em que se integrara, não podia ser racialmente assimilado” (Azevedo Amaral, 1937b: 66). Seria mesmo uma ilusão supor que as raças poderiam se amalgamar numa raça universal17. Essa fusão, para Azevedo Amaral, seria impossível - uma etnia superior não se deixa reduzir por uma inferior (e os judeus eram superiores, em certa medida). Mais ainda, a hibridização não seria bem-vinda e, no futuro, o mundo ideal seria aquele no qual várias raças conviveriam e contribuiriam com o que teriam de melhor.
O caráter ilusório do processo de assimilação tranquilo foi desnudado ao final do século XIX pelo aparecimento de episódios de antissemitismo em vários locais, mas especialmente nos progroms que explodiram na Rússia. Nunca os judeus russos tiveram tantos direitos quanto os que viviam no Ocidente, mas havia uma lenta assimilação que se iniciara no século XIX. No entanto, a partir de 1870, e principalmente após o assassinato de Alexandre II em 1881, a onda antissemita varreu a Rússia, país que possuía a maior colônia da Europa, com aproximadamente seis milhões de judeus vivendo em seu território. Os efeitos dessa nova emergência da questão judaica foram, de um lado, a imigração em massa para os Estados Unidos e, por outro, o surgimento de um pensamento nacionalista - cultivado entre a elite jovem e ocidentalizada - que buscava uma solução definitiva para a questão: o sionismo.
Com o sionismo como solução para os judeus que viviam de maneira precária em alguns países, de um lado, e com a assimilação dos judeus em Estados como Inglaterra, Estados Unidos e França, de outro, parecia que a questão judaica se encaminhava para uma resolução. Porém, “o surto do nazismo na Alemanha subverteu, pelo menos temporariamente, o curso normal do desenvolvimento da civilização” (Azevedo Amaral, 1937b: 77). Na Alemanha, mesmo antes da ascensão do nazismo, o antissemitismo era latente, numa rivalidade racial que o êxito dos judeus acirrava (Azevedo Amaral, 1937b: 79). Além disso, o Estado alemão, já sob Bismarck, se não era totalitário, era avesso ao pensamento liberal, e não poderia, assim, deixar de ir de encontro à ética do povo judeu. Mas é após a Primeira Guerra que o antissemitismo emerge com mais força na Alemanha, a despeito de os judeus alemães terem lutado “como alemães” nas trincheiras. Em parte devido às humilhações impostas pelos vencedores, mas também pela própria colocação da guerra como um conflito entre os “civilizados” versus os “bárbaros germânicos”, os alemães desenvolveram uma consciência racial, expandida por uma mística nacional e étnica.
Essa seria, segundo Azevedo Amaral, a razão imediata do recrudescimento do antissemitismo. Mas há uma razão mais de fundo, com a qual ele finaliza - de uma maneira um tanto apocalíptica - o seu artigo: a aversão dos germanos à civilização ocidental criada por gregos e semitas. A recusa a tudo que vem “do sul”, inclusive ao próprio cristianismo. Os “bárbaros germanos” nunca foram realmente cristianizados, segundo o autor. A questão judaica adquire, assim, uma feição totalmente nova:
A Alemanha nazista vem, assim, imprimir à Questão Judaica uma fisionomia nova e de significação extraordinariamente relevante. O Judaísmo não é combatido pela nova Alemanha social-nacionalista apenas por uma razão ditada pelo exclusivismo racial. O judeu personifica para o nazismo a base ética de toda a estrutura cultural que a Europa assimilou durante os últimos 2000 anos (Azevedo Amaral, 1937b: 83-84).
Os nazistas, ao mirarem os judeus, querem atingir todo o edifício da civilização ocidental. Por isso Azevedo Amaral termina o texto voltando o apelo a que todos os dotados de “espírito liberal” cerrem as fileiras contra o antissemitismo. A questão não é de caráter humanitário ou emocional, mas sim muito mais grave: é a sobrevivência da civilização que se encontra em jogo.
ALÉM D’“A QUESTÃO JUDAICA”
Ler o artigo de Azevedo Amaral após ter lido outros textos produzidos por ele causa no mínimo estranheza. A defesa enfática dos judeus, as críticas aos regimes autoritários (não só totalitários), a defesa da democracia, das liberdades individuais, a crítica à censura, tudo isso parece destoar do ideólogo do Estado Novo. Talvez tenha sido esse o motivo que levou à confusão na autoria do texto de Almanack Israelita. A revista Morashá, aqui citada, atribui a Inácio de Azevedo Amaral - o irmão matemático e reitor da Universidade do Brasil - a autoria do texto. Alberto Dines, em artigo publicado em 2011 no Observatório da Imprensa, também aponta Inácio como o autor do texto e vai além, atribuindo-lhe a parceria com Wainer em Diretrizes. A errata formulada foi direto ao ponto:
Este observador também errou. Na matéria “Lacerda vs. Wainer, onde tudo começou“, aqui publicada em 29/11/2011, refere-se ao parceiro do jornalista Samuel Wainer na Revista Brasileira, Almanack Israelita e Diretrizes: Azevedo Amaral. Este observador acompanhou no fim dos anos 1940 a trajetória de um grande intelectual carioca, humanista, catedrático de geometria, reitor da Universidade do Brasil, filossemita ostensivo, Inácio Manuel de Azevedo Amaral (1883-1950). Não conhecia o irmão jornalista, Antônio José Azevedo do Amaral (1881-1942), que no período 1906-1916 foi correspondente em Londres de grandes jornais brasileiros e depois chegou a redator-chefe de O Paiz (Rio). Inácio era um liberal, enquanto o mano Antônio José defendia um regime autoritário para o Brasil, foi ardoroso adepto do Estado Novo. Pela lógica, o Azevedo Amaral que teria acompanhado Samuel Wainer no início da carreira seria o professor Inácio. A lógica e os sentimentos atrapalham o pesquisador: o intelectual autoritário foi o mentor de Wainer em Diretrizes e o seu nome está associado ao de Oliveira Viana e Francisco Campos. Wainer depois se livrou dele (Dines, 2012)18.
Acredito que Dines tem razão: seria muito mais fácil entender Inácio de Azevedo Amaral assinando o texto de 1937. Mas foi Antônio que o fez. Talvez fosse importante resgatar o momento em que o texto foi escrito, bem como a associação até então fraternal que o ligava a Samuel Wainer. O texto pode ser visto como um ato político de Azevedo Amaral, preocupado com os avanços dos integralistas no Brasil e, mais ainda, com sua influência crescente no governo de então. Azevedo Amaral não era, nem nunca foi simpático às teses integralistas, que acusava de serem transposições das ideias fascistas e nazistas para uma realidade que não tinha nenhuma relação com a europeia. Além disso, nunca atrelou o Estado Novo, posteriormente, aos regimes fascista e nazista, tendo, para tanto, desenvolvido longamente a diferença entre regimes autoritários e totalitários - tanto no livro Estado autoritário e realidade nacional quanto em diversos artigos em Novas Diretrizes.
Mas é inegável que, com o advento do Estado Novo e com o rompimento com Samuel Wainer, o discurso contra o antissemitismo que se encontra no artigo de Almanack desapareceu. Mais ainda, em alguns artigos posteriores há praticamente um flerte com teses caras aos antissemitas. O engajamento no novo regime, o afastamento e a neutralização dos integralistas e, no plano externo, a eclosão da Segunda Guerra pautaram as mudanças operadas nos textos do jornalista. Mais do que nunca, era necessário reforçar a “autoridade nacional”, o que implicava abandonar as teses liberais e democráticas (tradicionais) e entender a democracia como companheira do regime autoritário, em novos moldes. Assim, a defesa e o alinhamento ao campo liberal dão lugar a críticas ao que ele chamava de “exageros” do liberalismo. O discurso que pregava um futuro pacífico de “convivência entre as raças” também é abandonado, não pela defesa da guerra, mas sim por uma postura “alerta” diante dos perigos que se avizinhavam - daí a necessidade da educação militar imposta pelo novo regime.
Em relação ao conflito mundial, estamos longe da postura defendida ao final de seu artigo no Almanack. Se a defesa dos judeus e o alinhamento contra o nazismo era uma questão de defender a própria civilização, agora esta era ameaçada justamente pela aliança do Ocidente com os bolcheviques - aliança essa que era costurada justamente pelos judeus. Não são poucos os textos de editoriais e artigos de Azevedo Amaral que trazem críticas tanto aos “judeus capitalistas” quanto aos “judeus comunistas” (Fernandes, 2018). Aparentemente, o próprio conflito havia sido engendrado por eles, que teriam o objetivo maior de se tornarem os mandatários nos países em que eram numerosos.
É importante frisar, entretanto, que em nenhum momento Azevedo Amaral assume o apoio ao Eixo. Na política externa, defende a “neutralidade” até o fim, desistindo apenas às vésperas da entrada do Brasil na guerra. A questão era, segundo ele, fundamentalmente econômica e refletia uma postura pragmática ao extremo: um país como o Brasil não poderia optar por um dos lados, já que, se o outro fosse vencedor, poderia ter dificuldades numa nova ordem mundial.
Alguns anos separam os últimos artigos de Azevedo Amaral d’“A questão judaica”. Houve uma inflexão no pensamento do autor, sem dúvida. Mas também não se pode exagerar esse movimento. Sua defesa do autoritarismo sempre foi sui generis, bem como sua filiação anterior ao liberalismo. Mal ou bem, nunca foi um defensor do totalitarismo, nem sua adesão ao regime corporativista, por exemplo, significava uma adesão ao fascismo. Pelo contrário, no prefácio que escreve ao livro de Manoilescu - O século do corporativismo - por ele traduzido, alerta para o erro cometido pelo autor ao identificar o regime fascista italiano ao corporativismo (Gomes, 2012). Entendia o Estado Novo como um aprimoramento do Estado brasileiro, uma retomada dos trilhos, rumo ao desenvolvimento. Assim como os países ocidentais, como os Estados Unidos sob o novo presidencialismo de Roosevelt - que via como um modelo de centralização e abandono dos exageros liberais -, o Brasil se adequava aos novos tempos, corrigindo os excessos, mas ainda dentro do campo valorativo da defesa do indivíduo, do livre pensamento e da livre iniciativa (como ele fazia questão de frisar). Isso mesmo com a centralização do poder e com o DIP. A censura, nesse caso, seria meramente corretiva e necessária para melhor formar a opinião pública, mas não para sufocá-la.
Azevedo Amaral, definitivamente, não é um personagem fácil. Sua filiação ao autoritarismo não é só uma classificação de estudiosos, mas uma autoafirmação. A biografia laudatória de Vargas escrita por ele, sua defesa enfática do novo regime e sua atuação jornalística sob os auspícios do DIP são inegáveis. Conhecido principalmente por sua obra maior - O Estado autoritário e a realidade nacional -, é em textos “menores” e menos conhecidos que se descobrem facetas bastante diversas do pensamento do autor. As opiniões aparentemente (algumas efetivamente) contraditórias, as viradas de posição iluminam mais do que as ideias de Azevedo Amaral, mas ilustram uma conjuntura em que não só os homens mudavam rapidamente, mas o próprio tempo.
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REFERÊNCIAS
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1
A recuperação mais efetiva de Oliveira Vianna se deu em período posterior ao texto citado. Acredito que a coletânea organizada por Elide Rugai Bastos e João Quartim de Moraes, O pensamento de Oliveira Vianna, publicada em 1993, teve um papel fundamental nesse processo. Como diria José Murilo de Carvalho em texto publicado nesse mesmo livro, o autor fluminense havia sido lançado ao Inferno nos anos 1950, e era para lá que Carvalho se dirigia para fazer uma “visita desarmada”.
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2
Guerreiro Ramos, lembrado por Lamounier, tinha posição parecida. Ao se referir a Azevedo Amaral, afirmava: “no que diz respeito a Azevedo Amaral afirmo tranquilamente, sem receio de contestação, que nenhum publicista da época o excede em objetividade e rigor. Para entender esse período da vida política do Brasil, de 1930 a 1945, nenhum estudioso mais útil que Azevedo Amaral. Oliveira Vianna mesmo não alcança a profundidade dos estudos de Azevedo Amaral, nem a sua segurança intelectual na aplicação ao estudo do Brasil do saber sociológico. [...] O que prejudicou o sucesso e o reconhecimento da obra de Azevedo Amaral foi, de um lado, a sua falta de status acadêmico e, de outro lado, a sua ostensiva participação no trabalho ideológico de justificação do Estado Novo [...]” (Guerreiro Ramos, 1961: 178).
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3
Sem me deter muito na questão, é importante ressaltar o papel que Wanderley Guilherme dos Santos e o próprio Bolívar Lamounier tiveram nessa retomada, ao atribuir ao objeto pensamento político brasileiro um status que ia além da rotulação de “pré-científico” ou “ideológico”, “mera cópia”, “incipiente” ou qualquer outro qualificativo negativo. A esse respeito, ver Santos (1978), Lamounier (1985), Brandão (2010), Lynch (2016), entre outros.
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4
Corro o risco de deixar obras relevantes de fora de uma eventual lista, por isso chamo a atenção apenas para o livro de Luiz Guilherme Piva (2000) e, mais recentemente, para o artigo de Ângela de Castro Gomes (2012).
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5
Por exemplo, em Botelho e Schwarcz (2009); Botelho e Ferreira (2010). Mas antes ainda, Azevedo Amaral não teve espaço na coletânea organizada por Djacir Menezes (1998) sobre o pensamento brasileiro, ou nos dois volumes organizados por Lourenço Dantas Mota (1999 e 2002).
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Também Francisco Campos, o jurista do Estado Novo, responsável pela redação da Constituição de 1937, tinha um passado de vinculação à política oligárquica da Primeira República como membro do Partido Republicano Mineiro (PRM), tendo sido deputado estadual e depois federal da base de apoio de Artur Bernardes. Tanto Azevedo Amaral quanto Francisco Campos, entretanto, tornaram-se críticos do sistema oligárquico do qual fizeram parte. Mas é necessário lembrar que, mesmo antes da Revolução de 1930, defendiam a reforma da Constituição de 1891, o fortalecimento do poder executivo federal e a correção dos excessos descentralistas.
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A coluna chamava-se “Notícias de Londres” e versava sobre política externa. Manteve-se até 1916, quando Azevedo Amaral retornou ao Brasil.
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Há um primeiro volume do Almanack de 1934, mas não consegui localizá-lo. As referências ao primeiro volume são bastante esparsas e, aparentemente, ele não circulou tanto quanto o de 1937. Azevedo Amaral só participou do volume de 1937.
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9
Como se pode perceber, a autoria foi equivocadamente atribuída a Inácio de Azevedo Amaral, irmão de Antônio José de Azevedo Amaral. Esse “erro” será abordado posteriormente.
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10
Não há atribuição de autoria do texto no site da revista.
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O Brasil como sendo formado por um “povo semitizado”, porque herdeiro dos portugueses, é exposto por Gilberto Freyre (1994) em Casa-Grande e Senzala, de 1933.
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Azevedo Amaral participou do Congresso de Eugenia realizado no Rio de Janeiro, em julho de 1929. Defendeu teses polêmicas, entre elas a defesa de uma política de imigração que fosse baseada nos atributos coletivos da raça (para se permitir ou proibir a imigração): “Os argumentos defendidos por esse autor levaram a uma divisão entre os congressistas, sobretudo no que se refere ao modelo de imigração a ser assumido pelo governo brasileiro. Apoiado nos pressupostos que reafirmavam a desigualdade racial, Azevedo Amaral defendia que a seleção eugênica dos imigrantes deveria ser observada a partir das qualidades hereditárias e raciais, medidas acima de tudo pelos ‘caracteres de inteligência e de caráter’ e não pelo mero estado de saúde. Em seu ponto de vista, os imigrantes desejáveis, capazes de possuir uma ‘herança satisfatória’, seriam os da Europa setentrional, como os arianos do tipo germânico” (Souza et al., 2009: 768).
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13
O texto que abre a coletânea, “Minha carta”, é também de autoria de Azevedo Amaral.
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14
Nesta seção do texto todas as referências ao artigo serão acompanhadas apenas dos números das páginas para facilitar a leitura.
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15
É oportuno lembrar-se da caracterização de Estado militar que aparece em A aventura política do Brasil (1935). Nessa exposição inspirada no evolucionismo, o Estado militar aparece como o mais baixo na escala de evolução e o menos propenso ao desenvolvimento.
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16
A referência ao totalitarismo que já aparece no texto de 1937 é retomada, com mais profundidade, no livro O Estado autoritário e a realidade nacional, de 1938, no qual Azevedo Amaral opera a diferenciação entre Estado autoritário e Estado totalitário, para defender o primeiro arranjo como legítimo e compatível com o moderno conceito de democracia, sendo o Estado Novo um exemplo de “democracia autoritária”.
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17
Já aludi às ideias sobre raça de Azevedo Amaral anteriormente. Só gostaria de chamar a atenção neste trecho para outra particularidade de seu pensamento: a defesa de uma visão poligenista da humanidade, o que leva, necessariamente, a esse raciocínio da impossibilidade da miscigenação como saída para a criação de uma “raça universal”.
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18
O rompimento da parceria não foi muito tranquilo. Segundo Ferrari (2008), além das divergências de cunho ideológico - já que Azevedo Amaral usava o veículo para apoiar o Estado Novo -, outras de cunho pessoal interferiram no fim da união: Samuel Wainer, secretário de Azevedo Amaral, teria registrado a revista apenas em seu nome (ver Fernandes, 2018: 50).
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Contribuição dos autores:
Não se aplica.
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Fonte de financiamento:
CNPq - Projeto Casadinho/Procad e Projeto Universal.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Dez 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
13 Abr 2025 -
Aceito
25 Ago 2025
