Resumos
Este ensaio sobre a história das ideias e a história das relações internacionais examina as origens do conceito de "América Latina" e discute o fato de que nem os intelectuais hispano-americanos e brasileiros, nem os governos hispano-americanos e brasileiros consideravam o Brasil parte da "América Latina" - expressão que se referia somente à América Espanhola - pelo menos até a segunda metade do século XX, quando os Estados Unidos e o resto do mundo exterior começaram a pensar o Brasil como parte integrante de uma região chamada "Latin America". Mesmo agora, os governos brasileiros e os intelectuais brasileiros, exceto talvez da esquerda, continuam sem convicção profunda de que o Brasil é parte da América Latina.
história intelectual; relações internacionais; conceito de América Latina; Brasil; América Espanhola; Estados Unidos; hemisfério ocidental; pan-americanismo; América do Sul
Cet article sur l'histoire des idées et des relations internationales examine les origines du concept d'Amérique Latine e discute le fait que ni les intellectuels, ni les gouvernements hispano-américains et brésiliens considéraient le Brésil comme faisant partie de l'Amérique Latine - qui donc désignait seulement l'Amérique Espagnole - au moins jusqu'à la seconde moitié du XX ème siècle, quand les Etats Unis et le reste du monde ont commencé a penser le Brésil comme faisant partie de la région. Encore aujourd'hui, les gouvernements et les intellectuels brésiliens, sauf, peut-être, ceux de gauche, ne sont pas entièrement convaincus que le Brésil fait partie de l'Amérique Latine.
histoire intellectuelle; relations internationales; concept d'Amérique Latine; Brésil; Amérique Espagnole; Etats Unis; hemisphère occidental; pan-américanisme; Amérique du Sud
This essay in the history of ideas and the history of international relations examines the origins of the concept "América Latina", and argues that neither Spanish American nor Brazilian intellectuals, and neither Spanish American nor Brazilian governments considered Brazil part of "América Latina" - which generally referred to Spanish America only - at least until the second half of the 20th century, when the United States, and the rest of the outside world, began to think of Brazil as an integral part of a region called "Latin America". Even now Brazilian governments and Brazilian intellectuals, except perhaps on the Left, had no deep engagement with Latin America.
intellectual history; international relations; concept of Latin America; Brazil; Spanish America; United States; Western Hemisphere; pan-americanism; South America
ARTIGOS
O Brasil e a ideia de "América Latina" em perspectiva histórica
Brazil and the idea of "Latin America" in historical perspective
Leslie Bethell
RESUMO
Este ensaio sobre a história das ideias e a história das relações internacionais examina as origens do conceito de "América Latina" e discute o fato de que nem os intelectuais hispano-americanos e brasileiros, nem os governos hispano-americanos e brasileiros consideravam o Brasil parte da "América Latina" - expressão que se referia somente à América Espanhola - pelo menos até a segunda metade do século XX, quando os Estados Unidos e o resto do mundo exterior começaram a pensar o Brasil como parte integrante de uma região chamada "Latin America". Mesmo agora, os governos brasileiros e os intelectuais brasileiros, exceto talvez da esquerda, continuam sem convicção profunda de que o Brasil é parte da América Latina.
Palavras-chave: história intelectual, relações internacionais, conceito de América Latina, Brasil, América Espanhola, Estados Unidos, hemisfério ocidental, pan-americanismo, América do Sul.
ABSTRACT
This essay in the history of ideas and the history of international relations examines the origins of the concept "América Latina", and argues that neither Spanish American nor Brazilian intellectuals, and neither Spanish American nor Brazilian governments considered Brazil part of "América Latina" - which generally referred to Spanish America only - at least until the second half of the 20th century, when the United States, and the rest of the outside world, began to think of Brazil as an integral part of a region called "Latin America". Even now Brazilian governments and Brazilian intellectuals, except perhaps on the Left, had no deep engagement with Latin America.
Key words: intellectual history, international relations, concept of Latin America, Brazil, Spanish America, United States, Western Hemisphere, pan-americanism, South America
RÉSUMÉ
Cet article sur l'histoire des idées et des relations internationales examine les origines du concept d'Amérique Latine e discute le fait que ni les intellectuels, ni les gouvernements hispano-américains et brésiliens considéraient le Brésil comme faisant partie de l'Amérique Latine - qui donc désignait seulement l'Amérique Espagnole - au moins jusqu'à la seconde moitié du XX ème siècle, quand les Etats Unis et le reste du monde ont commencé a penser le Brésil comme faisant partie de la région. Encore aujourd'hui, les gouvernements et les intellectuels brésiliens, sauf, peut-être, ceux de gauche, ne sont pas entièrement convaincus que le Brésil fait partie de l'Amérique Latine.
Mots-clés: histoire intellectuelle, relations internationales, concept d'Amérique Latine, Brésil, Amérique Espagnole, Etats Unis, hemisphère occidental, pan-américanisme, Amérique du Sud.
I
Tem sido consenso geral há algumas décadas - desde a publicação em 1968 do influente ensaio de John Leddy Phelan intitulado Pan-Latinism, French Intervention in Mexico (1861-7) and the Genesis of the Idea of Latin America1 - que o conceito "América Latina" é de origem francesa. A expressão "Amérique latine" era utilizada pelos intelectuais franceses para justificar o imperialismo francês no México sob domínio de Napoleão III. Os franceses argumentavam que existia uma afinidade cultural e linguística, uma unidade entre os povos "latinos", e que a França seria sua inspiração e líder natural (e seu defensor contra a influência e dominação anglo-saxã, principalmente a norte-americana). O conceito de "race latine", que é diferente do "race" anglo-saxão, foi primeiro concebido em Lettres sur l'Amérique du Nord (2 vols., Paris, 1836) escrito por Michel Chevalier (1806-1879). Depois de uma longa estada nos Estados Unidos (1833-5), seguindo os passos de Alexis de Tocqueville, Chevalier visitou o México e Cuba. Mais tarde se tornou um membro notável do College de France, do Conselho de Estado e do Senado - e conselheiro de Napoleão III. Foi o principal propagador da intervenção francesa no México em 1861, como mostram, por exemplo, seus artigos escritos para a Revue de Deux Mondes (1862) e Le Mexique Ancien et Moderne (1863). Mas, a primeira vez que foi usada a expressão "Amérique latine", de acordo com Phelan, foi em um artigo de L. M. Tisserand intitulado Situation de la latinité, publicado em janeiro de 1861 na Revue des Races Latines. Outros autores se referiam a "les republiques latines de l'Amérique" e a "les nations latines de l'Amérique", por exemplo: Prosper Vallefrange, em Le panlatinisme (Paris, 1862), e o abade Domenech, em L'empire mexicain, la paix et les intérêts du monde (México, 1866) e Le Mexique tel qu'il est (Paris, 1867).
Na verdade, alguns anos antes, alguns escritores e intelectuais hispano-americanos, muitos deles residentes em Paris (e Madri), utilizavam não só a expressão "la raza latina" - como fez, por exemplo, o poeta dominicano Francisco Muñoz Del Monte (1800-65) nos ensaios publicados em Madri para os periódicos Revista Española de Ambos Mundos (1853) e La América: Crônica Hispano-Americana (1857) -, como também a expressão "América Latina". Existem três grandes candidatos ao primeiro uso do termo "América Latina": José María Torres Caicedo, jornalista, poeta e crítico colombiano nascido em 1830 em Bogotá e falecido em 1889 em Paris; Francisco Bilbao, intelectual socialista chileno (1823-1865), e Justo Arosemena, jurista, político, sociólogo e diplomata colombo-panamenho (1817-1896).
A defesa de Torres Caicedo é feita pelo filósofo e historiador das ideias uruguaio Arturo Ardao.2 Em 1856, Torres Caicedo, residente em Paris, escreveu um longo poema intitulado Las dos Américas, que foi publicado em El Correo de Ultramar, um jornal em língua espanhola, em fevereiro de 1857. O poema faz inúmeras referências à América del Sur e à América Española e termina com um apelo dramático pela unidade dos Pueblos del Sur contra a América en el Norte:
La raza de la América latina
Al frente tiene la sajona raza,
Enemiga mortal que ja amenaza
Su libertad destruir y su pendón.
Torres Caicedo depois publicou Bases para la formación de una Liga Latinoamericana (Paris, 1861) e Unión latinoamericana, pensamiento de Bolívar para formar una liga americana, su orígen y desarrollo (Paris, 1865; 2ª ed. 1875). E declarou em Paris, em 1866, numa homenagem ao libertador argentino José de San Martín, com quem todos os "latino-americanos" tinham uma grande dívida: "Para mí, colombiano, que amo con entusiasmo mi noble pátria, existe una pátria mas grande - la América Latina".
O historiador chileno Miguel A. Rojas Mix argumenta em favor de Francisco Bilbao,3 que organizou o Movimiento Social de los Pueblos de la América Meridional em Bruxelas em 1856 e, em um discurso para aproximadamente trinta cidadãos de "casi todos las Repúblicas del Sur", realizado em Paris em 22 de junho de 1856, expôs suas reflexões sobre "la raza latinoamericana" e "la unidad latinoamericana". Esse discurso foi depois publicado em um panfleto de 32 páginas: Iniciativa de la América. Idea de un Congresso Federal de las repúblicas (Paris, 1856). Depois de sua mudança para Buenos Aires em 1857, Bilbao escreveu La América en peligro (1862), Emancipación del espíritu en América (1863) e El evangelio americano (1864).
A jovem historiadora norte-americana Aims McGuiness recentemente pôs Justo Arosemena em destaque.4 Na época um representante liberal do Estado do Panamá no Senado colombiano, Arosemena se referiu à "América Latina" e ao "interés latinoamericano" em um discurso em Bogotá no dia 20 de julho de 1856, nos artigos publicados em El Neogranadino, em 15 e 29 de julho de 1856 (La cuestión americana i su importancia) e mais tarde em Estudios sobre la idea de una liga americana [i.e., hispano-americana ou latino-americana] (1864).
Houve muitos outros: por exemplo, José María Samper (1831-88), colombiano residente em Madri, no seu artigo América y España, publicado no periódico La América (agosto de 1858); Santiago Arcos (1822-1874), amigo chileno de Bilbao no livro La Plata, étude historique (Paris, 1865); e José Victorino Lastarria (1817-1888), importante político e intelectual liberal chileno, em seu volume preparado com Benjamin Vicuña Mackenna e outros membros chilenos da recém-formada Sociedad Unión Americana, Coleción de ensayos e documentos relativa a la unión y confederación de los pueblos hispanoamericanos (1862), e em seu livro La América (1867). Arturo Ardao também mostra que muitos intelectuais liberais espanhóis, como Emílio Castelar (1832-1899) e Francisco Pi y Margall (1824-1901), começaram a referir-se à "América Latina" nessa época.5 Carlos Calvo, historiador argentino e advogado de direito internacional (1824-1906), autor de Derecho internacional teórico y práctico de Europa y América (2 vols., 1863), talvez fosse o primeiro a utilizar a expressão em trabalho acadêmico: na Colección completa de los tratados, convenciones, capitulaciones, armisticios y otros atos diplomáticos de todos los estados de la América Latina, comprendidos entre el golfo de Méjico y el Cabo de Hornos, desde el año de 1493 hasta nuestros dias (20 vols., Paris, 1862; trad. Francesa, Paris, 1864), que foi dedicada a Napoleão III, e nos Anales históricos de la revolución de la América Latina desde el año 1808 hasta el reconocimiento de la independencia de este extenso continente (3 vols., Paris, 1864-1867).6
Apesar da fragmentação da América Espanhola em dez repúblicas no momento de sua independência (até meados do século já havia 16), esses políticos, intelectuais e escritores, nos anos 1850 e 1860, mantinham a ideia (anteriormente propagada não só por Simón Bolívar, mas mais notavelmente por Andrés Bello) de que existe uma consciência e identidade hispano-americana/latino-americana comum que supera os "nacionalismos" locais e regionais. E, tal como Michel Chevalier, eles argumentavam que a "América Latina" era fundamentalmente distinta dos Estados Unidos, a "outra" América.7 Acima de tudo, também acreditavam que os Estados Unidos eram seu inimigo. A anexação do Texas em 1845, a Guerra Mexicana de 1846-8, a corrida do ouro californiano em 1848, o interesse norte-americano em construir uma rota interoceânica cortando o istmo do Panamá, as ameaças constantes de ocupação e anexação de Cuba, e, principalmente, a invasão da Nicarágua em 1855 por William Walker, tudo isso alimentava sua convicção de que os Estados Unidos só cumpririam seu Destino Manifesto à custa da "América Latina". Nos anos 1860, a França e a Espanha se juntaram aos Estados Unidos como inimigas da "América Latina" devido à intervenção francesa no México em 1861 (e ao apoio dado a Maximiliano até sua execução em 1867); à anexação de Santo Domingo à Espanha, em 1861-5; à guerra da Espanha com o Peru pelas Ilhas Chincha (1864-6), e à breve guerra com o Chile (em que Valparaíso foi bombardeada pela marinha espanhola). Foi por esse motivo que alguns preferiam se considerar parte da América Española, Hispanoamérica, ou simplesmente América del Sur, mais do que "América Latina": para eles, "latinidad" representava o conservadorismo, antiliberalismo, antirrepublicanismo, catolicismo e, não menos importante, ligações com a Europa Latina, que inclui a França e a Espanha.
Na história da ideia de uma identidade hispano-americana ou latino-americana comum, em meados do século XIX a Argentina aparece como um interessante caso à parte. A geração pós-independência de escritores, pensadores políticos e intelectuais liberais, a chamada "Geração de 37", da qual os mais notáveis eram Esteban Echeverría (1805-51), Juan Bautista Alberdi (1810-84) e Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), considerava a Argentina, e principalmente Buenos Aires, a manifestação da civilização europeia num ambiente hispano-americano predominantemente bárbaro. Eram influenciados pelas ideias dos ingleses, franceses e norte-americanos e acreditavam que a Argentina teria o potencial de se tornar o equivalente dos Estados Unidos na América do Sul. Para Alberdi, os Estados Unidos seriam "modelo do universo", para Sarmiento "o ponto mais elevado da civilização jamais atingido". Tinham pouco interesse pelo restante da América Espanhola, salvo quando se ofereciam como guias e mentores, e pode-se dizer que raramente utilizavam a expressão "América Latina". Também não denunciavam as intervenções francesa e norte-americana no México. Somente os primeiros nacionalistas, como Alberdi (depois de se distanciar de Mitre e Sarmiento), Carlos Guido y Spano (que considerava a Argentina um "estado americano" entre as diversas "repúblicas irmãs"), José Hernández e Olegario V. Andrade (autor do poema Atlántida: canto al porvenir de la raza latina en América, no fim dos anos 1870) demonstravam o que Nicolas Shumway descreve como "identificação destemida - e incomum para os argentinos - com os outros países da América Espanhola".8
O importante é que nenhum dos políticos, intelectuais e escritores hispano-americanos que primeiro utilizaram a expressão "América Latina", e nem seus equivalentes franceses e espanhóis, incluíam nela o Brasil. "América Latina" era simplesmente outro nome para América Española.
Por parte dos escritores e intelectuais brasileiros, apesar de reconhecerem a herança ibérica e católica que o Brasil e a América Espanhola têm em comum, também estavam cientes das diferenças que os separavam: a geografia, a história (a luta de Portugal para se manter independente da Espanha e as formas distintas de colonização da América Portuguesa e da América Espanhola), a economia e sociedade brasileiras baseadas na agricultura e escravatura e, acima de tudo, a língua, a cultura e as instituições políticas. Diferentemente da América Espanhola, a Independência do Brasil ocorreu de forma pacífica e o país se manteve unido sob a coroa. Após a instabilidade dos anos 1830, o Brasil se encontrava politicamente estável e "civilizado", ao contrário das repúblicas hispano-americanas, que os brasileiros consideravam violentas, extremamente instáveis e "bárbaras". Até na literatura - seja nos poemas de Antônio Gonçalves Dias, seja nos romances de José de Alencar -, nas artes e na música, de acordo com Gerald Martin, o romantismo brasileiro foi diferente daquele da América Espanhola.9 Quando os escritores e intelectuais brasileiros se referiam ao mundo fora do Brasil, não pensavam na América Espanhola - de fato, não se consideravam parte da "América Latina" -, e sim na Europa, principalmente na França ou, em casos mais raros, na América como um todo, incluindo os Estados Unidos. A herança indígena comum das Américas era o que despertava a imaginação dos autores, como Antônio Carlos Gomes com sua ópera O Guarani (1860); Joaquim Manoel de Souza Andrade, o Sousândrade (1833-1902), com seu poema sobre o lendário Índio Colombiano, O guesa errante, escrito em Nova York nos anos 1870, e Machado de Assis com Americanas (1875), seu terceiro volume de poemas.
II
No início do século XIX, políticos norte-americanos e, mais especificamente, o presidente Thomas Jefferson elaboraram a ideia do "Hemisfério Ocidental", republicano e independente da Europa.10 (Depois de deixar o cargo, em suas inúmeras conversas com o amigo e abade Correa da Serra, que foi nomeado ministro do Reino Unido de Portugal, Brasil e os Algarves em 1816, Jefferson considerava o Brasil, que ainda não se tornara independente e só se tornaria república em 1889, um elemento chave no seu "sistema americano".)11 O presidente James Monroe, na Doutrina Monroe, em dezembro de 1823, proclamou que os Estados Unidos não tolerariam qualquer extensão do sistema político europeu, e nem qualquer intervenção por nenhuma potência europeia "em parte alguma deste hemisfério". Foi, bem conhecidamente, uma declaração retórica: era a marinha britânica, e não os Estados Unidos, que nessa época guardava o hemisfério ocidental das forças reacionárias europeias. Todavia, George Canning, o secretário das relações exteriores britânicas, expressou preocupação acerca da "pretensão convicta dos Estados Unidos em colocar-se à frente de uma confederação que engloba todas as Américas e direcionar essa confederação contra a Europa (incluindo a Grã-Bretanha)".12 O secretário de Estado (1817-25) e presidente (1825-9) John Quincy Adams, mesmo compartilhando com Jefferson a oposição à influência europeia nas Américas, não tinha nenhum interesse num "sistema americano" que englobasse as antigas colônias espanholas e portuguesas, as quais, além de serem ibéricas e, com isso, católicas, eram inerentemente instáveis e degeneradas, em parte devido ao clima tropical! "Quanto ao sistema americano", Adams escreve, "temo-lo; somos o todo". Ele tinha "pouca expectativa de que qualquer benefício a este país [os Estados Unidos] resultasse da ligação com eles [os recém-independentes países hispanófonos e o lusófono], seja política ou comercial",13 e nos 60 anos seguintes nenhum presidente norte-americano demonstrou interesse no conceito de hemisfério ocidental, ou até mesmo em qualquer parte do hemisfério ao sul do Panamá.
No momento da independência, os políticos e generais hispano-americanos, notavelmente o próprio Simon Bolívar (em sua Carta da Jamaica, escrita em 1815), idealizavam uma confederação de repúblicas hispano-americanas que formaria uma "única nação" que seguiria a mesma política contra o inimigo europeu. Em dezembro de 1824, Bolívar convidou representantes de todos os povos e governos da América, com exceção dos Estados Unidos, Brasil e Haiti, ao Congresso do Panamá, com a presença da Grã-Bretanha como observadora. Nota-se que o Brasil inicialmente não foi convidado ao Panamá. Bolívar acreditava que não apenas sua língua, história e cultura eram completamente diferentes, mas também sua economia e sociedade tinham base no tráfico negreiro e no escravismo, que eram repudiados e/ou abolidos na maioria das repúblicas hispano-americanas. Sobretudo, o Brasil permanecia parte do sistema europeu que ele detestava e temia, devido à manutenção do sistema monárquico de governo. Pior ainda, o Brasil se considerava um Império e tinha ambições imperialistas em relação ao rio da Prata.14
O Congresso do Panamá, realizado de junho a julho de 1826 (e transferido para Tacubaya, México, em 1827-8), foi um fracasso. A Grã-Colômbia, o Peru, o México e a confederação da América Central foram os únicos presentes, e somente a Grã-Colômbia assinou o tratado de aliança eterna. Houve várias tentativas de se criar uma confederação americana: nas conferências de Lima em 1847-8, de Santiago do Chile em 1856, de Washington em 1856, de Lima em 1864-5 e de Caracas em 1883 (no centenário do nascimento de Bolívar). Todas fracassadas. A principal motivação por trás dessas conferências era a necessidade de a América Espanhola se unir para resistir à expansão territorial dos Estados Unidos e, nos anos 1860, se opor à intervenção francesa no México e à intervenção espanhola em Santo Domingo, Peru e Chile (veja acima). As repúblicas hispano-americanas desconfiavam do Brasil imperial, o imenso vizinho lusófono que ocupava metade da América do Sul. Nas raras ocasiões em que se contemplava convidar o Brasil para suas conferências internacionais, eram convites informais, indiferentes e ambivalentes. Nenhum foi aceito.15
Os governos brasileiros do Segundo Reinado (1840-89) não se identificavam com a América Española, Hispanoamérica ou "América Latina", e nem com os inúmeros projetos dos países vizinhos de união interamericana. O Brasil, com sua costa Atlântica imensa, pertencia ao mundo atlântico, e suas principais ligações políticas e econômicas eram com a Grã-Bretanha, enquanto suas ligações culturais eram com a França e, em menor proporção, com Portugal. Portanto, diferentemente da maioria das repúblicas hispano-americanas, o Brasil não se sentia ameaçado pelos Estados Unidos, e menos ainda pela França e pela Espanha. As relações entre o Brasil e seus vizinhos hispano-americanos, os quais, de acordo com os diplomatas brasileiros, faziam parte da "América Meridional" ou simplesmente "América do Sul",16 eram muito limitadas nesse período - com uma grande exceção: o Rio da Prata, onde o Brasil, como fez Portugal no século XVIII e no início do século XIX, tinha interesse estratégico. O Brasil travou três guerras lá: a primeira contra as Províncias Unidas do Rio da Prata, pelo controle da Banda Oriental (o que resultou na Independência do Uruguai), em 1825-8; a segunda contra o ditador argentino Juan Manuel de Rosas, fazendo aliança com a província argentina Entre Rios e com o Uruguai, em 1851-2; e a terceira contra o ditador paraguaio Francisco Solano López, fazendo aliança com a Argentina e o Uruguai, a Guerra do Paraguai (1864-70).
O Manifesto Republicano de 1870 começa com as seguintes notórias palavras: "Somos da América e queremos ser americanos". Para os republicanos, o Brasil era "um país isolado", infelizmente separado das repúblicas hispano-americanas não só pela geografia, história, língua e cultura, mas também pelo seu ponto de vista imperial/monárquico da forma de governo. Esse fato também separava o Brasil dos Estados Unidos. Com a Proclamação da República em 1889, o Brasil começaria a desenvolver relações mais próximas com alguns vizinhos hispano-americanos, principalmente a Argentina e o Chile. Ao mesmo tempo, no entanto, o Brasil se tornou mais próximo ainda dos Estados Unidos e se tornou árduo defensor do pan-americanismo.
III
No fim do século XIX e início do século XX, a história das Américas começa a contar com o surgimento dos Estados Unidos como potência naval e militar e com o crescimento do investimento e do comércio norte-americanos - no México, no Caribe e na América Central antes da Primeira Guerra Mundial, e na América do Sul durante e após a Guerra. O comentário do secretário de Estado norte-americano Richard Olney durante a crise da Venezuela em 1895 ("os Estados Unidos são praticamente soberanos neste continente e seu fiat tem força de lei para os sujeitos que estão confinados à sua interposição"), a guerra com a Espanha (1898) e a ocupação seguida de Cuba, Porto Rico e Filipinas, a Independência do Panamá (1903), o corolário de Theodore Roosevelt à Doutrina Monroe (dezembro de 1904), a intervenção norte-americana na República Dominicana (1905) e no México (1914-5), e a ocupação norte-americana da Nicarágua (1916-1924) atestam o estabelecimento crescente da hegemonia norte-americana no México, na América Central e no Caribe, e futuramente na América do Sul, e a tal superioridade norte-americana em relação aos "latinos".
Paralelamente, os Estado Unidos, através do pan-americanismo, tentavam de forma pacífica estabelecer sua liderança no hemisfério ocidental. O pan-americanismo, com ênfase na história e geografia em comum e nas ideias de republicanismo, liberdade e democracia (sic), foi inicialmente um projeto de James G. Blaine ("Jingo Jim" Blaine), duas vezes secretário de Estado dos Estados Unidos no anos 1880. O objetivo era promover o comércio e o investimento estadunidense na região, criar estruturas políticas mais ordenadas e previsíveis nos países ao sul e deter quaisquer ambições imperialistas europeias. Depois do cancelamento de uma conferência planejada para 1882, a primeira Conferência Internacional de Estados Americanos (mais conhecida como as Conferências Pan-Americanas) foi realizada em Washington de outubro de 1889 a abril de 1890. As conferências seguintes foram realizadas no México (1901-2), Rio de Janeiro (1906) e Buenos Aires (1910) antes da Primeira Guerra Mundial, mais duas em Santiago do Chile (1923) e Havana (1928) antes da Depressão, e mais duas em Montevidéu (1933) e Lima (1938) nos anos 1930 - além do número crescente de reuniões dos ministros de relações exteriores americanos, na medida em que a guerra na Europa se tornava cada vez mais provável.
Os governos hispano-americanos, em geral, reagiam com suspeita e desconfiança em relação a esse novo interesse dos Estados Unidos no hemisfério. Eles condenavam fortemente a guerra com a Espanha e o estabelecimento do protetorado estadunidense em Cuba. Temiam, com razão, que o pan-americanismo fosse uma ferramenta utilizada para ratificar a hegemonia política e econômica dos Estados Unidos e assegurar a futura exploração da região. A Argentina, o país mais importante da América do Sul na época, desafiava a hegemonia dos Estados Unidos e o próprio conceito de pan-americanismo. As relações interamericanas chegaram ao máximo de tensão em fevereiro de 1928, na desastrosa Conferência Pan-Americana em Havana, em que os governos hispano-americanos se juntaram para denunciar a intervenção estadunidense na Nicarágua, que tinha como propósito interromper o levante popular liderado por Augusto Sandino.
Os governos brasileiros da Primeira República (1889-1930), como na época do Império, não demonstravam qualquer interesse pelos "povos da língua espanhola" e pelas "nações latino-americanas", com exceção das disputas fronteiriças (geralmente vitoriosas) com seus vizinhos sul-americanos - como com a Argentina em 1895 e a Bolívia (pelo território do Acre) em 1903, e também Colômbia, Peru e Uruguai - e das tentativas (menos bem-sucedidas) de estabelecer boas relações com a Argentina e o Chile no Cone Sul. O Brasil preferia estreitar as relações com a Europa, mais especificamente a Grã-Bretanha e, de certo modo, com a Alemanha, e cada vez mais com os Estados Unidos. Na visão dos brasileiros, existiam dois gigantes no hemisfério ocidental, sem dúvida desiguais: os Estados Unidos e o Brasil. Ambos de proporções continentais; ambos com recursos naturais abundantes e alto potencial econômico; ambos "democracias" (sic) estáveis (a Constituição da República Federativa do Brasil de 1891 foi amplamente baseada na Constituição norte-americana); e ambos, acima de tudo, distintos da América Espanhola ou Latina. O Brasil também reconhecia as grandes mudanças - geopolíticas, econômicas e culturais - que estavam acontecendo no mundo na véspera do século XX. Era inevitável que a hegemonia global norte-americana substituísse a britânica e europeia. Era interesse do Brasil fortalecer os laços entre as duas nações.
A americanização da política externa brasileira deve-se ao Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores durante dez anos (1902-1912), e a Joaquim Nabuco, o primeiro embaixador brasileiro em Washington (1905-10), que buscou e assegurou, de acordo com E. Bradford Burns (um tanto exageradamente), uma "aliança não escrita" com os Estados Unidos. Mas essa aliança já havia sido estabelecida com a República e continuou um bom tempo após a morte de Nabuco, em 1910, e do Barão do Rio Branco, em 1912. O governo brasileiro, ao contrário da maioria dos governos hispano-americanos, não havia criticado a guerra dos Estados Unidos contra a Espanha, aprovava o corolário de Roosevelt à Doutrina Monroe, e fez vista grossa às inúmeras intervenções no México, na América Central e no Caribe. Os Estados Unidos eram vistos não só como a melhor defesa contra o imperialismo europeu (que, para o Brasil, era uma ameaça maior do que o imperialismo estadunidense), mas também como responsáveis por estabelecer ordem, paz e estabilidade na América Espanhola. E desde o início o Brasil era mais favorável à ideia do pan-americanismo do que às repúblicas hispano-americanas, e deu apoio total aos Estados Unidos nas Conferências Pan-Americanas. Paralelamente, o Brasil tinha mais ambição do que as repúblicas hispano-americanas em desempenhar um papel internacional além do hemisfério e, em prol disso, buscou e assegurou o apoio norte-americano (como na II Conferência da Paz em Haia em 1907).
Na Primeira Guerra Mundial, entre as repúblicas hispano-americanas mais importantes, só o Brasil seguiu os Estados Unidos e declarou guerra contra a Alemanha em 1917; a Argentina e o Chile, por exemplo, se mantiveram neutros. Só o Brasil foi eleito membro não permanente no Conselho da Liga das Nações - novamente com o apoio dos Estados Unidos (que terminou não se juntando à Liga). Depois da saída da Liga em 1926 (por não ter conseguido assegurar uma cadeira permanente no Conselho), o Brasil se concentrou ainda mais em estreitar os laços com os Estados Unidos, que nesse momento já haviam substituído a Grã-Bretanha como principal parceiro comercial do Brasil (ou seja, o principal provedor de bens manufaturados e de produção - os Estados Unidos sempre foram o maior importador de café, o principal bem de exportação brasileiro) e estavam desafiando a Grã-Bretanha como fonte principal de capital, seja portfólio ou direto, do Brasil.
Ao longo dos anos 1930, apesar do interesse na nova Alemanha, a relação com os Estados Unidos continuava sendo o principal foco da política externa do Brasil. Depois de Pearl Harbor, as repúblicas hispano-americanas se juntaram ao Brasil e fizeram uma declaração de solidariedade aos Estados Unidos na III Conferência de Ministros de Relações Exteriores Americanos, realizada no Rio de Janeiro em janeiro de 1942, mas o Brasil foi o primeiro a cerrar relações diplomáticas com o Eixo e, em agosto de 1942, foi o primeiro a declarar guerra. Durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil foi de longe o mais importante parceiro estratégico dos Estados Unidos na América do Sul, provendo bases aéreas em Belém, Natal e Recife para a guerra no norte da África, fornecendo borracha e inúmeros minerais cruciais à guerra, e, por fim, enviando a tropa da Força Expedicionária Brasileira (FEB), de 25.000 homens, para se juntar à Aliança na Itália. A Argentina se manteve neutra até março de 1945.
IV
Os intelectuais hispano-americanos, dos anos 1880 até a Segunda Guerra Mundial, eram bastante hostis aos Estados Unidos, ao imperialismo norte-americano, à cultura norte-americana - e ao pan-americanismo. Os catalisadores foram, sem dúvida, Cuba e a Guerra Hispano-Americana de 1898.17 O conceito das duas Américas - de um lado, os Estados Unidos, e do outro, a América Espanhola, Hispanoamérica, América Latina, na época mais frequentemente chamada "Nuestra América", que era distinta e superior à América Anglo-Saxã (o humanismo e o idealismo latinos eram exaltados em detrimento do utilitarismo e do materialismo anglo-saxãos) - já havia sido desenvolvido por escritores hispano-caribenhos como Eugenio María de Hostos (Porto Rico, 1839-) e, principalmente, José Martí (Cuba, 1853-1895), em seus artigos escritos em Washington (1889-90) e Nova York (1891-5), e publicados em La Revista Ilustrada (Nova York), El Partido Liberal (Cidade do México) e La Nación (Buenos Aires).18 Porém, se encontra mais evidente nos escritos do uruguaio José Enrique Rodó (1871-1917), cujos Ariel (1900) e Mirador de Próspero (1913) tiveram profundo impacto nos jovens de uma geração inteira ao redor de toda a América Espanhola (Ariel foi dedicado à "juventude da América"). Rodó alertava sobre "el peligro ianque", que era de cunho mais social, cultural e moral do que político e econômico, e também alertava sobre o que chamava de "nordomania", que enfraquecia "el espíritu dos americanos latinos". Também havia o colombiano José Maria Vargas (1860-1933), que era muito lido e cujo título Antes los bárbaros, publicado primeiramente em Roma em 1900, obteve muitas edições expandidas com diferentes subtítulos (como El yanqui, he ahi el enemigo) até a edição definitiva de Barcelona em 1923.
Para alguns dos intelectuais hispano-americanos dessa geração, tornou-se mais comum, a partir da abolição da escravatura no Brasil em 1888 e do fim do Império em 1889, apontar as similaridades entre o Brasil e a América Espanhola em relação à cultura, à religião, à estrutura política, ao direito e à miscigenação. O termo "Iberoamérica" passou a ser mais utilizado para se referir a ambas as Américas, Espanhola e Portuguesa. Porém, como fizeram os intelectuais dos anos 1850 e 1860, poucos mostraram real interesse pelo Brasil. Martín García Merou (1862-1905) foi rara exceção; ministro argentino no Brasil em 1894-6, e depois nos Estados Unidos em 1896-1905, escreveu, em 1897, para o periódico La Biblioteca, de Buenos Aires, uma série de artigos sobre a vida intelectual, cultural e literária brasileira, que depois foram publicados com o nome El Brasil intelectual, Impresiones y notas literárias (Buenos Aires, 1900). A grande maioria continuava a excluir o Brasil do que idealizava como "Nuestra América" ou "América Latina". Os estudos clássicos das deficiências da América Espanhola, influenciados pelo darwinismo social e realizados pelos pessimistas em relação ao seu futuro - por exemplo, César Zumeta (Venezuela, 1860-1955), El continente enfermo (1899); Francisco Bulnes (México, 1847-1924), El porvenir de las naciones hispanoamericanas (1899); Carlos Octavio Bunge (Argentina, 1875-1918), Nuestra América (1903); Alcides Arguedas (Bolívia, 1879-1946), Pueblo enfermo (1909) - não tinham, é claro, nada a dizer sobre o Brasil. Francisco García Calderón (Peru, 1883-1953), Les democraties latines de l'Amérique (1912), inclui um capítulo sobre o Brasil, mas um capítulo de apenas dez páginas.
O argentino Manuel Baldomero Ugarte (1875-1951) é provavelmente o primeiro intelectual a defender a inclusão do Brasil na "América Latina", "la nación latinoamericana", "la parte superior del continente", unida em oposição ao imperialismo norte-americano. Em seus primeiros escritos, como El porvenir de América Latina. La raza, la integridad territorial y moral, la organización interior (Valencia, 1910; 2ª ed. México, 1918) (o que também aparece com o título El porvenir de América Española) e nos discursos feitos em Barcelona, Paris, Nova York, México e ao redor da América do Sul no período entre 1910 e 1917, publicados sob o título Mi campaña hispanoamericana (Barcelona, 1922), sua principal preocupação era a América Espanhola. Já a sua palestra intitulada The Future of Latin America, ministrada na Universidade de Columbia em julho de 1912 (publicada em espanhol com o título Los pueblos del Sur ante el imperialismo norteamericano), faz referência ao Brasil. Em Un destino de un continente (1923) Ugarte defende que o Brasil é simplesmente "una variante especial" de "La Gran España" e deve ser considerado e tratado como "parte integrante da nossa família de nações [América Latina], como parte do ideal vindo da península Hispânica". Não pode existir, Ugarte insiste, "latino-americanismo parcial".19
Não houve grandes mudanças nas atitudes da maioria dos políticos e intelectuais hispano-americanos em relação ao Brasil nos anos 1920 e 1930. Victor Raúl Haya de la Torre (Peru, 1895-1979) propagava o conceito de "Indoamérica" em vez de "América Latina", como no exemplo do seu título A donde va Indoamérica? (1928), de modo a incluir as populações indígenas, negras e mestiças da América Espanhola. José Carlos Mariátegui (Peru, 1895-1930) discorre sobre a "América Indo-Ibérica" em Temas de nuestra América, uma coleção de artigos publicados entre 1924 e 1928. Seja a expressão preferida Indoamérica, América Indo-Ibérica ou América Latina, o Brasil permanecia na maioria das vezes excluído.
Existem as recorrentes exceções, como no caso de José Vasconcelos (México, 1882-1959), que em seu ensaio El problema del Brasil (1921) defende a integração dessa futura grande nação com as outras repúblicas do hemisfério. Ele liderou uma missão mexicana ao Brasil para comemorar o centenário da Independência do Brasil em 1922, e sua grande obra La raza cosmica (Barcelona, 1925) teve origem na introdução do seu relato da jornada ao Brasil (e à Argentina), que ele chama de "misión de la raza ibero-americana". O primeiro e mais notório capítulo, El mestizaje, foi inspirado no que aprendeu sobre a miscigenação no Brasil. Seu trabalho posterior, Bolivarismo y Monroismo: temas ibero-americanos (Santiago do Chile, 1934), no entanto, abre com as palavras: "Llamaremos bolivarismo al ideal hispanoamericano de crear una federación con todos los pueblos de cultura española. Llamaremos monroismo al ideal anglosajon de incorporar las veinte naciones hispánicas al Imperio nordico, mediante la politica del pan-americanismo". Dizia "México para los mexicanos, Hispanoamérica para los hispanoamerianos" e expressava seu medo de que o Brasil não estivesse ao lado da América espanhola contra os Estados Unidos e mantivesse suas próprias ambições imperialistas/expansionistas sobre as quais os países da América espanhola deveriam estar preocupados. Vasconcelos ficou abismado com o fato de o Brasil ter dedicado a construção de um importante prédio público no Rio de Janeiro ao presidente norte-americano Monroe.20
José Vasconcelos teve grande influência sobre outro grande intelectual mexicano, Alfonso Reyes, que foi nomeado embaixador no Brasil em 1930. Nos seis ou sete anos seguintes, Reyes escreveu mais de 50 ensaios sobre a cultura e a literatura brasileiras.21 Reyes, no entanto, é mais uma exceção. Os escritores, críticos literários e intelectuais hispano-americanos em geral continuavam a mostrar pouco interesse pelo Brasil. Focavam em suas próprias identidades e culturas nacionais. Além disso, se preocupavam com a cultura hispânica ou latina, isto é, a cultura hispano-americana, separada e diferente da dos Estados Unidos - e do Brasil. Um grande exemplo é Pedro Henriquez Ureña (1884-1946), que nasceu na República Dominicana mas viveu grande parte de sua vida no México, em Cuba e na Argentina e cujas obras incluem Literary currents in Hispanic America (Cambridge, MA, 1945; trad. esp. Las corrientes literárias en la América Hispânica, Mexico, 1949), livro baseado nas palestras de Charles Eliot Norton dadas em Harvard em 1940-1, e La história de la cultura en la América Hispânica (Mexico, 1947). Nenhum incluía o Brasil.
Durante a Primeira República, os principais intelectuais brasileiros - entre eles, Eduardo Prado, Manuel de Oliveira Lima, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Manoel Bomfim - tinham ideias bastante diferentes em relação aos Estados Unidos e ao pan-americanismo.22 E os que eram mais hostis viam vantagens em se solidarizar e colaborar com os vizinhos hispano-americanos. Porém, apesar da maior interação com os equivalentes hispano-americanos e da maior consciência do progresso econômico e político conquistado por algumas das repúblicas hispano-americanas, com destaque para Argentina, Uruguai e Chile, a maioria tinha uma visão bastante negativa da América Espanhola. A América Latina, Nuestra América, América Ibérica, Indoamérica - toda essa discussão teve pouca ressonância no Brasil.
Em A ilusão americana (1893; 2ª ed., Paris, 1895; trad. esp. La ilusión yanqui, Madri, 1920), Eduardo Prado (1860-1901) condena a conquista territorial e a exploração econômica da América Espanhola pelos Estados Unidos, sua diplomacia arrogante e seu uso de força militar. Mas, como monarquista, também detestava as repúblicas hispano-americanas e era cético em relação à capacidade de elas se unirem contra o inimigo comum. Quanto ao pan-americanismo, "a fraternidade americana é uma mentira". Prado foi um dos primeiros expoentes da ideia de que o Brasil seria "uma imensa ilha", um continente. Disse que ouvira de um geólogo que o Rio da Prata e o Rio Amazonas já haviam sido conectados. De qualquer jeito, o Brasil estava separado das repúblicas hispano-americanas pela "diversidade da origem e da língua", e "nem o Brasil físico, nem o Brasil moral formam um sistema com aquelas nações".
Em Pan-Americanismo (Monroe, Bolivar, Roosevelt) (1907), baseado nos artigos escritos para O Diário de Pernambuco e O Estado de São Paulo no período de 1903-7, Manuel de Oliveira Lima (1867-1928) também se opunha ao pan-americanismo, que ele considerava uma tentativa de "latinizar o monroísmo" e promover a "hegemonia hemisférica", e ao que ele chamava de "rooseveltismo" ("a edição última do monroísmo"). Porém, em Impressões da América espanhola (1907), com base em artigos que em sua maioria foram escritos na Venezuela e na Argentina e foram publicados em O Estado de São Paulo em 1904-6, ele revela um olhar um tanto negativo sobre a "América Latina", "os países latinos do continente". E em América Latina e América Ingleza: a evolução brasileira comparada com a hispano-americana e com a anglo-americana (Livraria Garnier, s/d [1913]; trad. ing. The Evolution of Brazil Compared with that of Spanish and Anglo-Saxon America, 1914), com base em seis palestras dadas na Universidade de Stanford em outubro de 1912, elabora a visão de que o Brasil e a América Espanhola seriam civilizações separadas e "por vezes hostis", mesmo defendendo sua colaboração para enfrentar os Estados Unidos.
É bastante evidente, em suas obras e nas palestras dadas em universidades norte-americanas enquanto era embaixador em Washington,23 que Joaquim Nabuco (1849-1910) era um grande admirador dos Estados Unidos e apoiador entusiasmado do pan-americanismo. De acordo com Nabuco, o livro de Eduardo Prado, A ilusão americana, é "um livrinho que nos faz muito mal, entretém no espírito público a desconfiança contra êste país [os Estados Unidos], nosso único aliado possível".24 "Eram dois caminhos", ele escreveu ao Barão do Rio Branco em dezembro de 1905, "o americano e o outro, a que não sei como chamar, se de latino-americano, se de independente, se de solitário. Eu, pela minha parte, sou francamente monroísta".25 Nabuco considerava "natural" a ascendência dos Estados Unidos no continente americano, visão esta que terminou sua amizade com Oliveira Lima, seu conterrâneo pernambucano. Tinha pouco entusiasmo com relação à América Espanhola que, com exceção da Argentina e do Chile, na visão dele, era uma região ainda caracterizada pela anarquia, guerra civil e caudillismo. "Na América (quando não fosse por outra causa, pela exceção da língua, que nos isola do resto da Ibero-América, como separa Portugal da Espanha)", escreveu, "não podemos hesitar entre os Estados Unidos e a América Espanhola",26 apesar de que, para o pan-americanismo, era essencial a aproximação entre o Brasil e a América Espanhola.
Euclides da Cunha (1866-1909), o autor de Os sertões (1902), também acreditava que a hegemonia norte-americana nas Américas era inevitável. Ele era favorável a "uma vasta confederação das repúblicas americanas" liderada pelos Estados Unidos - e pelo Brasil. Porém, como mostra seu ensaio Solidariedade sul-americana, em Contrastes e confrontos (1907), era mais um intelectual brasileiro pessimista quanto à relação do Brasil com seus vizinhos e quanto à possibilidade de união com a América Espanhola.
Manoel Bomfim (1868-1932) foi durante um tempo uma voz discordante. Em América Latina: males de origem (1905), escrito em Paris em 1903, ele critica o pan-americanismo, que, para ele, significava "dominação norte-americana". Mas também era crítico da visão negativa da América Latina (ou América Espanhola) por parte dos Estados Unidos, da Europa e do Brasil. De acordo com ele, a América Latina era quase sempre retratada como retrógrada e bárbara para facilitar sua dominação e exploração. Defendia a "fraternidade" e "solidariedade" entre o Brasil e a América Espanhola com base em "uma homogeneidade de sentimentos". Vinte anos depois, no entanto, em O Brasil na América: caracterização da formação brasileira (1929), a maior parte escrita em 1925, ele mostra sua desilusão com a América Espanhola. "América Latina" não era mais do que "uma designação geográfica" na qual havia inconciliáveis diferenças históricas, culturais e políticas entre o Brasil e "os chamados latino-americanos", "os neocastelhanos". O primeiro capítulo de O Brasil na América tem o sugestivo título "Portugal heróico", o último, "Diferenças entre os neoibéricos".
José Veríssimo (1857-1916), jornalista e crítico literário, é um raro exemplo de intelectual brasileiro que, como mostra seu livro A educação nacional (Belém, 1890; 2ª ed., Rio de Janeiro, 1906) e seu artigo A regeneração da América Latina no Jornal do Comércio, 18 de dezembro de 1900, incluído posteriormente em Homens e coisas estrangeiras (Rio de Janeiro, 1902), detestava o imperialismo político e econômico e a influência cultural norte-americana na América Espanhola (visão bastante comparada a de Rodó), mas também no Brasil. Tinha atitude negativa em relação às repúblicas hispano-americanas e pouco simpatizava com a ideia da "confraternidade latino-americana", mas ao mesmo tempo acreditava que "Hispano-americanos também somos nós, pois Portugal é Espanha".27 Ele deplorava a visão dominante no Brasil de que a vida intelectual brasileira, assim como a literatura e a cultura, eram superiores às da América Espanhola. O poeta nicaraguense Rubén Darío, em sua visita à Academia Brasileira de Letras em 1912, ouviu Veríssimo lamentar que, "filhos do mesmo continente, quase da mesma terra, oriundos de povos em suma da mesma raça ou pelo menos da mesma formação cultural, com grandes interesses comuns, vivemos nós, latino-americanos, pouco mais que alheios e indiferentes uns aos outros, e nos ignorando quase por completo".28
Em 1909 o Itamaraty criou, e durante uma década (até 1919) financiou, a Revista Americana,29 cujo objetivo era aumentar o intercâmbio político e cultural entre o Brasil, a América Espanhola e os Estados Unidos. Publicava artigos em espanhol e português, incluindo artigos de hispano-americanos críticos em relação à política externa brasileira, principalmente à proximidade entre o Brasil e os Estados Unidos e o pan-americanismo. Porém, a maioria dos artigos era de brasileiros defensores de ambas as ideias. O primeiro artigo a ser publicado na primeira edição foi uma tradução da palestra de Nabuco dada na Universidade de Wisconsin-Madison em 1909 (A parte da América na civilização). Sua palestra na Universidade de Chicago no ano anterior (The Approach of the Two Américas, traduzido em português com o título A aproximação das duas Américas) aparece na terceira edição.
Depois da Primeira Guerra Mundial, houve certamente um maior interesse na literatura e cultura hispano-americana entre os intelectuais e escritores brasileiros, e mais intercâmbio cultural. Mário de Andrade (1893-1945), por exemplo, manteve uma correspondência regular com Jorge Luis Borges em Buenos Aires. No entanto, em uma das cartas, confessa que tinha "horror dessa história de América Latina muito agitada hoje em dia".30 Ronald de Carvalho (1893-1935) deu boas-vindas a José Vasconcelos em sua visita ao Rio em 1922 e aceitou o convite de lecionar literatura brasileira no México no ano seguinte. Mas, como muitos dos modernistas dos anos 1920, Carvalho se sentia muito mais um cidadão da América como um todo, as Américas, do que da América Latina. Seu poema mais famoso, Toda a América (1924), foi muito mais influenciado por Walt Whitman do que por qualquer poeta hispano-americano.
Os intelectuais brasileiros do período entre-guerras, assim como os hispano-americanos, estavam mais interessados na formação de sua própria identidade nacional. O conceito de Brasil, as raízes do Brasil (os povos indígenas, os portugueses, os africanos), a miscigenação racial, social e cultural, eram as principais questões para, entre outros, José Francisco de Oliveira Viana em Evolução do povo brasileiro (1923) e Raça e assimilação (1932); Manuel Bomfim em O Brasil na história (1930) e O Brasil nação: realidade da soberania brasileira (2 vols., 1931); Gilberto Freyre em Casa grande e senzala (1933) e Sobrados e mucambos (1936); Sergio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936); e Caio Prado Jr. em Evolução política do Brasil (1933) e Formação do Brasil contemporâneo. Colônia (1942). O governo de Getúlio Vargas (1930-45), principalmente durante o Estado Novo (1937-45), com Gustavo Capanema como ministro da Educação e Saúde e também como responsável pela Cultura, utilizou-se do Estado e de intelectuais ligados ao Estado - como Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer - para promover uma identidade nacional brasileira. A América Espanhola, "América Latina", ainda era vista como "a outra América". 31
Ao mesmo tempo, durante a Segunda Guerra Mundial, houve também ênfase na identidade americana do Brasil ("brasilidade americanista"). A partir de agosto de 1941 (até fevereiro de 1948) o jornal oficial do Estado Novo, A Manhã, "o veículo de brasilidade", publicou uma seção de domingo intitulada Pensamento da América, que promovia o interesse nos acontecimentos culturais, literários e intelectuais contemporâneos em "todas as Américas", incluindo a América Espanhola e os Estados Unidos, no "espírito pan-americano". "Há vinte e uma maneiras de ser americano, e não uma apenas", escreveu Cassiano Ricardo, o editor de A Manhã, dizendo ainda que "o Brasil e os Estados Unidos são duas âncoras prendendo um só continente".32 Pedro Calmon, um dos maiores historiadores brasileiros, autor de Brasil e América: história de uma política (1942; 2ª ed., 1944), que celebra a "união continental" para salvar a humanidade e a civilização do fascismo, foi o principal colaborador (com o historiador norte-americano William Spence Robertson) da série de volumes intitulada História de las Américas, editada pelo historiador argentino Ricardo Levene (14 vols., Buenos Aires, 1940/1942; trad. port., 1945).
V
Quando foi que o Brasil finalmente começou a fazer parte da "América Latina"? Quando a "América Latina" se tornou "Latin America", isto é, quando os Estados Unidos, e por extensão a Europa e o restante do mundo, passaram a considerar o Brasil parte integrante de uma região chamada Latin America, começando nos anos 1920 e 1930, mas principalmente durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. E quando, ao mesmo tempo, os governos e intelectuais hispano-americanos passaram a incluir o Brasil no seu conceito de "América Latina", e alguns (poucos) brasileiros começaram a se identificar com a América Latina.
Desde os anos 90 do século XIX, a expressão "Latin America" pode ser encontrada em documentos oficiais norte-americanos que se referem aos tratados recíprocos de comércio com os países ao sul do Rio Grande, incluindo o Brasil. Em 1909 o secretário de Estado do presidente Taft, Philander Knox, delegou ao primeiro secretário de Estado assistente Francis M. Huntington Wilson a tarefa de expandir e reorganizar o Departamento de Estado. Pela primeira vez foram criadas divisões regionais, que incluíam a divisão da América Latina, que na prática só se referia ao México, ao Caribe e à América Central; não havia interesse pela América do Sul.33 As pesquisas de João Feres Jr. revelam que nem a Library of Congress nem a Biblioteca Pública de Nova York têm algum livro, diário ou periódico em inglês que contenha o termo "Latin America" no título antes de 1900; na Library of Congress somente dois títulos sobre a América Latina foram publicados entre 1900 e 1910, e somente 23 na década de 1911-1920.34
Em 1918 houve um debate interessante sobre a nomeação da primeira revista acadêmica estadunidense dedicada à história dos países ao sul dos Estados Unidos. "Latin America" não foi aprovado porque naquela época significava América Espanhola. Ibero-América foi também rejeitado porque Ibéria (do grego) incluía partes da França. Por fim, com seis votos a favor e um contra, decidiu-se chamar a revista de Hispanic American Historical Review, já que, argumentava-se, Hispanic (do nome romano Hispania) se referia à península e, portanto, à Espanha e a Portugal e, por extensão, à América Espanhola e ao Brasil.35 O HAHR era praticamente a única revista a publicar artigos sobre a "Hispanic America" antes da Segunda Guerra Mundial. Só em 1940 aparece o primeiro artigo com "Latin America" no título: Some Cultural Aspects of Latin America, por Herbert Eugene Bolton, autor de The Epic of Greater America, seu famoso discurso presidencial à American Historical Association em 1932, em que fez um apelo ao estudo da história comum das Américas.36
A primeira história geral da América Latina desde a Conquista foi escrita por William Spence Robertson, The History of the Latin-American Nations (Nova York, 1922). Robertson era professor de história na Universidade de Illinois, onde lecionava história da América Latina desde 1909. No prefácio de seu livro Rise of the Spanish-American Republics as Told in the Lives of their Liberators (Nova York, 1918) ele fala da origem, como aluno de graduação da Universidade de Wisconsin, de sua vontade de estudar "a história e a política da América Hispânica, a vasta região habitada pelos filhos rebeldes da Espanha e de Portugal". O objetivo desse novo livro, escreve, era "traçar os principais acontecimentos na história da América Latina ou, como também é chamada, a América Hispânica" - a história de todas as "nações que surgiram das colônias da Espanha e de Portugal", ou seja, a América Latina ou América Hispânica, incluindo o Brasil. Outro livro revelador que foi publicado nessa época, The Republics of Latin America: Their History, Governments and Economic Conditions (Nova York, 1923), de Herman G. James e Percy A. Martin, também incluía um capítulo sobre o Brasil. Martin, professor de história na Universidade de Stanford desde 1908 e, como Robertson, um dos cofundadores da HAHR, havia traduzido as palestras de Oliveira Lima em Stanford (veja acima) e se considerava algo como um "Brazilianist". Outro "Latinamericanist" norte-americano que se interessava pelo Brasil é J. Fred Rippy. Ele editou e escreveu a introdução à tradução inglesa de Un destino de un continente, de Manuel Ugarte (veja acima): Destiny of a continent (Nova York, 1925).
Foi no final dos anos 1920, após a desastrosa Conferência Pan-Americana em Havana (1928), que demonstrou o péssimo estado das relações entre os Estados Unidos e seus vizinhos, incluindo agora os vizinhos da América do Sul, onde o comércio e investimento norte-americanos cresceram consideravelmente desde a Primeira Guerra Mundial, que a oficialidade em Washington e a política externa norte-americana começaram a focar mais seriamente na América Latina. Isso significava as 20 repúblicas ao sul do Rio Grande (18 hispano-americanas, o Haiti e o Brasil). Nos anos 1930, com os interesses não só econômicos mas também geopolíticos dos Estados Unidos na América Latina ameaçados pelas potências fascistas europeias (a Alemanha era vista como ameaça à Argentina, ao Chile e, principalmente ao Brasil), a administração de Franklin D. Roosevelt respondeu com a política da Boa Vizinhança. Com o agravamento do quadro na Europa, se tornou cada vez mais importante a solidariedade pan-americana ou interamericana, a unidade do hemisfério, e os Estados Unidos e a América Latina unidos na luta mundial pela democracia, contra o fascismo.
Em agosto de 1940, o Office for the Coordination of Commerce and Cultural Relations between the American Republics foi criado sob a direção de Nelson Rockefeller, e em 1941 se tornou o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA). Durante a Segunda Guerra Mundial, o OCIAA formulou e lançou um programa para seduzir o público latino-americano através de cinema, rádio, música - e da palavra impressa. Agora muito mais livros sobre a América Latina eram publicados - mais de 150 nos anos 1940, incluindo Hubert Herring, Good Neighbors: Argentina, Brazil, Chile and Seventeen Other Countries (1941); Latin America (1942) do geógrafo Preston James; Samuel Flagg Bemis, The Latin American Policy of the United States (1943); The Green Continent: A Comprehensive View of Latin America by its Leading Writers, editado pelo escritor colombiano German Arciniegas com textos traduzidos do espanhol e do português por Harriet de Onis e outros (1944); e o livro didático para o ensino secundário Our Latin American Neighbors (New York, 1944), de Harriet M. Brown e Helen B. Miller.37
O surgimento dos Estados Unidos como potência mundial durante e depois da Segunda Guerra Mundial levou à necessidade de mais especialização no planejamento estratégico militar e político. Durante a guerra, criou-se o chamado Ethnogeographic Board, que reunia especialistas do National Research Council, do American Council of Learned Societies, do Social Science Research Council e da Smithsonian Institution, e que teve como finalidade criar uma estrutura em torno da qual se organizariam as políticas e através da qual se desenvolveriam ensino e pesquisa. O Board começou por separar o mundo em continentes - com uma exceção: em vez de hemisfério ocidental, ou as Américas, ou América do Norte e América do Sul, criaram-se os Estados Unidos e a América Latina. Em seguida, ao separar o mundo em regiões com um grau de homogeneidade geográfica, geopolítica e cultural, a América Latina era apresentada como uma das regiões mais coesas em termos de religião, língua, cultura, história e estruturas políticas, sociais e econômicas.38 As diferenças entre a América Espanhola e o Brasil em relação a esses quesitos (exceto, até certo ponto, a religião) e a grande disparidade do tamanho e da população do Brasil em relação aos outros países da região (com exceção do México) foram simplesmente ignoradas.
Nos primeiros anos do pós-guerra e no início da Guerra Fria, a visão oficial dos Estados Unidos de que as 20 repúblicas ao sul do Rio Grande, incluindo o Brasil, formavam a América Latina influenciou outros governos, instituições multilaterais (a Comissão Econômica para a América Latina das Nações Unidas, ECLA/CEPAL, fundada em 1948, foi a primeira organização internacional responsável pela "América Latina"), ONGs, fundações e universidades nos Estados Unidos e na Europa, onde os "Latin American Studies" (na maioria estudos sobre a América Espanhola, especialmente México e América Central, com os estudos brasileiros mais provavelmente encontráveis, como diz Wanice Galvão, "no fim do corredor") cresciam cada vez mais, e aceleraram depois da Revolução Cubana. A América Latina como um todo era vista não só como diferente dos Estados Unidos, mas também como uma região problemática, e fazia parte do então chamado "Terceiro Mundo" - econômica, social e culturalmente atrasado, politicamente violento e instável. Samuel P. Hungtington concluiria bizarramente, em sua teoria de enorme influência chamada "clash of civilizations", formulada em 1992-3, que a América Latina era uma "civilização separada", com uma "identidade distinta que a diferencia do Ocidente".
Para o governo norte-americano, no período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial a América Latina era importante por motivos econômicos (comércio e investimento) e geopolíticos (segurança), e também por ser o maior bloco de votos na Assembleia Geral da ONU. Os Estados Unidos deram atenção considerável à América Latina a partir da Conferência Interamericana sobre Problemas de Guerra e Paz, realizada na Cidade do México em janeiro e fevereiro de 1945; da Conferência Interamericana para a Manutenção da Paz e da Segurança no Continente, realizada no Rio de Janeiro em agosto de 1947, onde foi assinado o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca; da IX Conferência Internacional Americana, realizada em Bogotá em março e abril de 1948, onde foi estabelecida a Organização dos Estados Americanos (OEA) para dar moldura institucional às relações interamericanas no pós-guerra. O OCIAA, responsável pelas relações políticas e principalmente culturais interamericanas, no entanto, foi fechado em maio de 1946. E tanto o presidente Truman, no Rio, quanto o secretário de Estado Marshall, em Bogotá, deixaram claro que não haveria nenhuma ajuda econômica, nenhum Plano Marshall, para a América Latina. "O Plano Marshall tem existido há um século e meio no hemisfério ocidental", declarou Truman em uma conferência de imprensa em Washington em agosto de 1947, "Ele é conhecido como a Doutrina Monroe".39
Porém, para os Estados Unidos, logo após a Doutrina Truman (março de 1947) e o começo da Guerra Fria, cada vez mais as questões hemisféricas davam lugar às questões globais. A Europa, o Oriente Médio e a Ásia se tornaram mais importantes do que a América Latina, onde se acreditava que os interesses econômicos, geopolíticos e ideológicos norte-americanos estavam seguros. Havia certo receio inicial de que as aberturas democráticas na América Latina ao fim da guerra, que haviam sido incentivadas pelos Estados Unidos, pudessem dar margem à influência soviética na região. Mas os fechamentos políticos do período inicial da Guerra Fria em detrimento da esquerda comunista, os sindicatos e a democracia em si asseguravam que a América Latina fosse uma região do mundo onde a URSS não representasse uma ameaça significante à hegemonia norte-americana.40 Os Estados Unidos se encontravam em posição confortável para negligenciar a América Latina. Já em 1949, Adolf Berle, que servira como secretário de Estado assistente na América Latina durante a administração de Roosevelt e como embaixador do Brasil em 1945-6, reclamou que encontrava "pura negligência e ignorância" com relação à América Latina em Washington. "Simplesmente nos esquecemos da América Latina".41
A reação popular à visita do vice-presidente Nixon à região em 1958 serviu como alerta aos Estados Unidos da intensidade do sentimento antiamericano que corria na América Latina, pelo menos na América Espanhola. A Revolução Cubana, em 1959, resultou diretamente na proposta do presidente Kennedy, em 1961, de uma Aliança para o Progresso com a América Latina, para propulsionar o desenvolvimento econômico e social da região. Porém, assim que a Crise dos Mísseis de Cuba foi resolvida pacificamente e a ameaça externa imediata foi diminuída, os Estados Unidos puderam novamente, de forma relativa, deixar a América Latina de lado, ainda que se prontificassem a intervir, direta ou indiretamente, para lidar com qualquer ameaça interna e salvar a América Latina do "comunismo", como disseram ter feito no Brasil em 1964, na República Dominicana em 1965, no Chile em 1973 e na América Central nos anos 1980.
Em vista da relação especial, da aliança não escrita que o Brasil desfrutara com os Estados Unidos desde o início do século, e do apoio dado na Segunda Guerra Mundial, o Brasil se mostrou decepcionado com o tratamento dado no pós-guerra pelos Estados Unidos, que não o diferenciavam do restante da América Latina. O Brasil não recebeu nenhum papel especial na ordem global do pós-guerra (nenhuma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU) e tampouco recebeu assistência especial de desenvolvimento econômico. Embora, em última análise, o Brasil estivesse sempre ao lado dos Estados Unidos e do "Ocidente" na Guerra Fria, uma política externa mais independente surgiu, primeiro com o presidente Vargas, que em 1951 rejeitou o pedido dos Estados Unidos para enviar tropas brasileiras à Coreia como parte de uma força interamericana,42 e depois, mais vigorosamente, com os presidentes Quadros e Goulart (1961-4). A política externa independente incluía a restauração das relações com a URSS (encerradas em 1947) e o estreitamento das relações com a Cuba revolucionária e também com a China e com o restante do "Terceiro Mundo" subdesenvolvido, incluindo os países da África e da Ásia em sua luta contra o colonialismo, mas ainda sem contemplar os países da América Latina.
Mesmo com a ditadura militar de 21 anos que se seguiu ao golpe de Estado apoiado pelos Estados Unidos em 1964, houve vários pequenos conflitos com os Estados Unidos e, apesar de nunca ter se juntado ao Movimento dos Não Alinhados (tinha status apenas de observador), o Brasil buscava ter políticas "terceiro-mundistas" independentes muitas vezes contrárias aos interesses e políticas norte-americanos, como, por exemplo, no Oriente Médio e no sul da África, mais especificamente na África portuguesa. Como disse certo oficial do Tesouro norte-americano, o Brasil liderado por militares estava ansioso "para sair da categoria de república de banana e jogar no time dos grandes líderes (play in the big league)". 43 No entanto, na América Latina, onde já se tornara o país dominante - a população subiu de 35 milhões em 1930 para 170 milhões em 1980, a economia crescia com a taxa anual de sete por cento entre 1940 e 1980, uma das taxas de crescimento econômico mais elevadas do mundo -, o Brasil não tinha nem a vocação nem os recursos para ser líder, e certamente não teria capacidade de ser o "xerife" regional, papel este que o Departamento de Estado norte-americano visava para o Brasil. Na verdade, a relação do Brasil com sua arquirrival e vizinha mais próxima, a Argentina, chegou ao ponto mais baixo nos anos 1970 por conta dos programas incipientes de armas nucleares e da usina hidrelétrica de Itaipu no rio Paraná.44 Ao mesmo tempo, o Brasil se juntou à Associação Latino-Americana de Integração (ALADI) em 1980, e as relações com a Argentina melhoraram drasticamente após a democratização dos dois países em meados dos anos 1980, uma reaproximação que resultou no Tratado de Assunção (1991) e na criação do bloco econômico MERCOSUL, do qual fazem parte Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai (Chile e Bolívia também se associaram). Apesar disso tudo, mais de 40 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e do início da Guerra Fria, quando o Brasil passou a ser considerado pelos Estados Unidos e o restante do mundo como parte integrante da América Latina, pode-se dizer que o Brasil não tinha forte engajamento com o restante da região.
VI
Nos anos após a Segunda Guerra Mundial houve muito mais intercâmbio entre os intelectuais, escritores, artistas, críticos e acadêmicos da América Espanhola e do Brasil. Os hispano-americanos mais em sintonia com a América Latina estavam mais preparados para incorporar as ideias, a literatura e a cultura brasileira aos seus trabalhos, mas na maioria das vezes de forma marginal e sem grandes convicções ou entusiasmo. Houve notáveis exceções, como Arturo Torres-Rioseco (Chile, 1897-1971); Emir Rodrigues Monegal (Uruguai, 1921-1985), que editou os dois volumes de Borzoi Anthology of Latin American Literature (Nova York, 1977) em que o Brasil foi bem representado; Angel Rama (Uruguai, 1926-83), e Eduardo Galeano (Uruguai, 1940-), o autor de Las venas abiertas de América Latina (1971). Não é de se estranhar que muitos dos autores que davam mais atenção ao Brasil lecionavam nos departamentos de estudos de língua espanhola e portuguesa nas principais universidades dos Estados Unidos - Torres-Rioseco, por exemplo, lecionou mais de 40 anos na Universidade da Califórnia, Berkeley; Monegal, mais de 15 anos em Yale - e/ou pertenciam aos países menores da América Latina.
Nenhum intelectual hispano-americano escreveu mais sobre a América Latina que o acadêmico mexicano Leopoldo Zea (1912-2004). Suas obras incluem The Latin American Mind (1963), El pensamiento latinoamericano (1965, 1976), América Latina y el mundo, Latinoamérica, Tercer Mundo (1977), Latinoamérica en la encrucijada de la historia (1981), América Latina en sus ideas (1986), Filosofía latinoamericana (1987) e Descubrimiento e identidad latinoamericana (1990). No entanto, pode-se dizer que o Brasil não foi abordado de forma adequada em nenhum desses livros. Nos três volumes de Fuentes de la cultura latinoamericana (México, 1993) editados por Zea, somente três dos mais de cem textos são de autoria brasileira: Darcy Ribeiro, considerado um "brasileño latinoamericano" (La cultura latinamericana), João Cruz Costa (El pensamiento brasileño) e Gilberto Freyre (Raices europeos de la historia brasileña).
No Brasil também havia intelectuais, artistas, escritores e críticos que davam muito mais atenção à cultura hispano-americana do que anteriormente. Manuel Bandeira, por exemplo, publicou Literatura hispano-americana em 1949. Alguns, a maioria de esquerda, até começaram a se identificar com a "América Latina". Não era só uma questão de afinidade ideológica e solidariedade com seus colegas hispano-americanos durante a Guerra Fria. Era na maior parte das vezes consequência de anos de exílio no Uruguai (até o golpe de Estado lá em 1972), Chile (até o golpe em 1973), México e Venezuela durante a ditadora miltar brasileira. "Foi em (...) Santiago [imediatamente após o golpe de 1964]", escreveu Fernando Henrique Cardoso (2006: 88), "que me despertou o conceito de 'América Latina'. Agora me parece quase intuitivo, mas o conceito da região ser um bloco político e cultural não era popular naquela época. Não acreditávamos que o Brasil, com sua herança portuguesa e tamanho continental, tivesse muito a ver com Peru, Venezuela ou México."
Cardoso (com o chileno Enzo Faletto) escreveu Dependency and Development in Latin America, que foi primeiro publicado em espanhol em 1969. Economistas como Celso Furtado (1920-2004) haviam sido treinados e influenciados por Raul Prebisch no ECLA/CEPAL em Santiago e, portanto, já haviam sido, até certo ponto, "latino-americanizados". Furtado se exilou primeiro no Chile e depois nos Estados Unidos e França. Seus livros publicados nesse período incluem Subdesenvolvimento e estagnação na America Latina (1966) e o bem mais influente Formação econômica da America Latina (1969). Os teóricos da dependência brasileiros Ruy Mauro Marini (1932-97) e Theotonio dos Santos (1936-), cujos pensamentos e inúmeras publicações sobre a América Latina foram em grande parte influenciados pelo "latino-americanista" alemão André Gunder Frank, autor de Capitalism andUnderdevelopment in Latin America (1967), ficaram ambos de 15 a 20 anos em exílio no México e no Chile. O antropólogo Darcy Ribeiro (1922-97), que trabalhou no governo do presidente Goulart, se exilou durante o regime militar primeiro no Uruguai e depois na Venezuela. Suas obras incluem As Américas e a civilização: processo de formação e causa do desenvolvimento cultural desigual dos povos americanos (1970), O dilema de America Latina - estruturas de poder e forças insurgentes (1978) e, após seu retorno, um ensaio intitulado América Latina: pátria grande (1986).45 Outro exemplo surpreendente de intelectual brasileiro que se identificou com a América Latina é Gilberto Freyre, que era, na época, um dos intelectuais brasileiros mais reconhecidos internacionalmente, sendo conhecido pelos seus trabalhos sobre a excepcionalidade luso-brasileira. No seu ensaio Americanidade e latinidade da América Latina, publicado em 1963, Freyre declara: "O brasileiro é uma gente hispânica, sua cultura é hispânica - no sentido de ibérica (...). O Brasil é duplamente hispânico (Portugal e a Espanha)". De acordo com ele, os países latino-americanos eram todos "países americano-tropicais". Existia "uma unidade pan-hispânica (...) uma cultura transnacionalmente pan-hispânica a que o Brasil pertence."46
A maioria dos intelectuais brasileiros, no entanto, como a maioria dos brasileiros, continuava a considerar que "América Latina" era sinônimo de América Espanhola, que o Brasil não pertencia à "América Latina" e que os brasileiros não eram essencialmente "latino-americanos".47
VII
Existe mais uma reviravolta nesta história da relação do Brasil com a "América Latina"/"Latin America".
Ao fim da Guerra Fria, seguiram grandes mudanças no cenário político global, uma aceleração do processo de globalização e, além disso, mudanças fundamentais na política e na economia brasileiras; e nos governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003- ) a presença e a influência brasileira no mundo cresceram de forma significante. O Brasil desempenha um papel cada vez mais importante na articulação das relações Norte-Sul e Sul-Sul. O país tem sido líder nas discussões sobre uma gama de questões globais importantes, como o papel da OMC; a reforma democrática da ONU, do FMI e do Banco Mundial; a redução da pobreza e de doenças (HIV/AIDS); direitos de propriedade intelectual; energia alternativa; e, acima de tudo, devido à floresta amazônica, o aquecimento global. O Brasil é considerado pela comunidade global, junto à China e à Índia, uma das "potências globais emergentes" na primeira metade do século XXI.
Paralelamente, enquanto faz parte das várias reuniões da Cúpula das Américas - a primeira realizada em Miami em dezembro de 1994, a quinta em Trindade e Tobago em abril de 2009 - o Brasil tem resistido à agenda norte-americana para a integração das Américas, e principalmente à proposta da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) que englobaria os 34 países do hemisfério ocidental. E pela primeira vez na história o Brasil busca de forma ativa uma política de engajamento econômico e político com seus vizinhos. Mas, na prática, são considerados vizinhos na América do Sul e não América Latina. Essa foi uma decisão tomada conscientemente, e reforçada devido à junção, em 1994, do México à "América do Norte", com os Estados Unidos e o Canadá, e ao fato de os Estados Unidos incentivarem o Brasil a assumir o papel de líder na América do Sul. O presidente FHC foi anfitrião da primeira cúpula dos presidentes sul-americanos em Brasília no ano 2000. Na terceira cúpula, realizada em Cuzco em dezembro de 2004, com o governo de Lula, foi formada a Comunidade Sul-Americana de Nações. Dela fazem parte 12 nações, incluindo a Guiana e Suriname, e todos os países, com exceção de Chile e Equador, fazem fronteira com o território brasileiro. A Comunidade se tornou a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL) na cúpula realizada em Brasília em maio de 2008.
A melhora das relações com os vizinhos sul-americanos e, mais ainda, a integração política e econômica efetiva da América do Sul têm sido o foco principal da política externa brasileira durante o governo Lula. E, talvez pela primeira vez, com grande hesitação, incerteza e ambivalência, o Brasil começou a se considerar uma potência regional - não só por seus interesses econômicos e estratégicos de longo prazo, mas também de acordo com os argumentos de alguns politicos e diplomatas brasileiros de que é necessário ser uma potência regional para se tornar uma potência global. E, novamente a região é a América do Sul, e não a América Latina.
A pesquisa de opinião mais extensa já feita sobre a "comunidade brasileira de política externa" (diplomatas, senadores e deputados, líderes empresariais, acadêmicos, pesquisadores, jornalistas, líderes de ONGs etc.), realizada pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) no Rio de Janeiro, comandada por Amaury de Souza, e que consiste num corpus de quase 100 entrevistas exaustivas e 250 questionários em 2001 e 2008, abre com a seguinte afirmação: "Nos últimos 20 anos, o Brasil ampliou significativamente sua presença no mundo e na América do Sul."48 O restante do livro tem muito a dizer sobre a agenda brasileira na América do Sul na primeira década do século XXI - a respeito da qual as opiniões se tornaram mais divididas em 2008 do que em 2001 - e nada sobre a América Latina. O termo "América Latina" sequer consta no índice.
É chegada a hora de o mundo parar de considerar o Brasil como parte daquilo que, na segunda metade do século XX, foi chamado de América Latina, um conceito que seguramente perdeu a utilidade que talvez tenha tido alguma vez.
Notas
Artigo recebido em 27 de julho de 2009 e aprovado para publicação em 27 de agosto de 2009.
Leslie Bethell é professor emérito de história da América Latina da Universidade de Londres, Inglaterra; fellow emérito do St Antony's College, Universidade de Oxford, Inglaterra; senior scholar do Woodrow Wilson International Center for Scholars, Washington D.C., Estados Unidos; e pesquisador associado do CPDOC/FGV, Rio de Janeiro, Brasil (leslie.bethell@fgv.br)
Tradução de Érica Cristina de Almeida Alves.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Jul 2010 -
Data do Fascículo
Dez 2009
Histórico
-
Aceito
27 Ago 2009 -
Recebido
27 Jul 2009