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O tabagismo altera a repolarização ventricular em adolescentes

RESUMO

Objetivo

Avaliar a associação entre tabagismo e arritmias ventriculares em adolescentes usando novos parâmetros eletrocardiográficos: intervalo Tp-e, e relações Tpe/QT e Tpe/QTc.

Métodos

A população do estudo incluiu 87 indivíduos de 16 a 19 anos de idade. Cinquenta e um adolescentes fumantes, sem risco de arritmia, formaram o Grupo Fumantes, e 36 adolescentes, que nunca tinham fumado cigarros, formaram o Grupo Controle. Os fumantes foram definidos como pacientes que fumavam mais de três cigarros por dia, há pelo menos 1 ano. O índice de massa corporal, e a pressão arterial sistólica, diastólica e média foram medidos, e foram realizados eletrocardiogramas em todos os participantes. Frequência cardíaca, intervalos PR e Tp-e, e as relações Tpe/QT e Tpe/QTc foram medidas por instrumentos digitais.

Resultados

Os adolescentes do Grupo Fumante fumavam há 2,9±1,4 anos (variação 1 a 6 anos). A média de idade ao começar a fumar foi 13,8±1,4 anos. Não houve diferença nas variáveis clínicas iniciais entre os Grupos Fumante e controle (p>0,05). Os intervalos PR, QT e QTc foram semelhantes em todos os grupos. O intervalo Tp-e (98,4±12,7ms e 78,3±6,9ms; p<0,001), e as relações Tpe/QT (0,28±0,04 e 22±0,03; p<0,01) e Tpe/QTc (0,24±0,03 e 0,19±0,01; p<0,001) foram significativamente maiores no Grupo Fumantes. Não houve correlação entre anos de tabagismo, número de cigarros por dia, intervalo Tpe e relações Tpe/QT e Tpe/QTc.

Conclusão

O hábito de fumar está associado ao risco de arritmogênese ventricular, com interval Tp-e prolongado e aumento nas relações Tpe/QT e Tpe/QTc em adolescentes.

Adolescente; Hábito de fumar/efeitos adversos; Arritmias cardíacas/etiologia

ABSTRACT

Objective

To assess the association between cigarette smoking and ventricular arrhythmias in adolescents. Novel electrocardiographic parameters –Tp-e interval, as well as Tpe/QT and Tpe/QTc ratios – were used to make this assessment.

Methods

The study population consisted of 87 subjects aged between 16-19 years. Fifty-one adolescent smokers with no risk of arrhythmia comprised the Smoker Group, and 36 adolescents who had never smoked cigarettes comprised the Control Group. Smokers were defined as patients smoking more than three cigarettes per day, for at least 1 year. Body mass index, systolic, diastolic and mean blood pressures were measured, and electrocardiograms were performed on all subjects. Heart rate, PR and Tp-e intervals, and Tpe/QT, Tpe/QTc ratio were digitally measured.

Results

Adolescents in Smoker Group had smoked cigarettes for 2.9±1.4 years (range 1 to 6 years). The mean age at starting smoking was 13.8±1.4 years. There were no differences between smokers and Control Group as to baseline clinical variables (p>0.05). The PR, QT and QTc intervals were similar in all groups. Tp-e interval (98.4±12.7ms and 78.3±6.9 ms; p<0.001), Tpe/QT (0.28±0.04 and 22±0.03; p<0.01), Tpe/QTc (0.24±0.03 and 0.19±0.01; p<0.001) ratios were significantly higher in Smoker Group. There were no correlations between years of smoking, number of cigarettes per day, Tpe interval, Tpe/QT or Tpe/QTc ratios.

Conclusion

Cigarette smoking is associated with risk of ventricular arrhytmogenesis with prolonged Tp-e interval and increased Tpe/QT and Tpe/QTc ratios in adolescents.

Adolescent; Smoking/adverse effects; Arrhythmias, cardiac/etiology

INTRODUÇÃO

Os efeitos do consumo de cigarros no sistema cardiovascular foram amplamente investigados em vários estudos realizados em adultos.(11. Tonstad S, Andrew Johnston J. Cardiovascular risks associated with smoking: a review for clinicians. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil. 2006;13(4):507-14. Review.

2. Bullen C. Impact of tobacco smoking and smoking cessation on cardiovascular risk and disease. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2008;6(6):883-95. Review.
-33. Heitzer T, Meinertz T. [Prevention of coronary heart disease: smoking]. Z Kardiol. 2005;94(Suppl 3):30-42.) Estes estudos demonstraram que o tabagismo é uma das principais causas de eventos cardiovasculares relacionados à aterosclerose. Ainda, o tabagismo pode levar a arritmias ventriculares e à morte súbita cardíaca.(44. D’Alessandro A, Boeckelmann I, Hammwhöner M, Goette A. Nicotine, cigarette smoking and cardiac arrhythmia: an overview. Eur J Prev Cardiol. 2012;19(3):297-305. Review.)

A influência do tabagismo sobre a arritmogênese ventricular é explicada com alterações no tempo de recuperação ventricular por estudos com algumas limitações.(55. Taşolar H, Balli M, Bayramoğlu A, Otlu YÖ, Cetin M, Altun B, et al. Effect of smoking on Tp-e interval, Tp-e/QT and Tp-e/QTc ratios as indices of ventricular arrhythmogenesis. Heart Lung Circ. 2014;23(9):827-32.

6. Ilgenli TF, Tokatli A, Akpinar O, Kiliçaslan F. The Effects of Cigarette Smoking on the Tp-e Interval, Tp-e/QT Ratio and Tp-e/QTc Ratio. Adv Clin Exp Med. 2015;24(6):973-8.

7. Singh K. Effect of smoking on QT interval, QT dispersion and rate pressure product. Indian Heart J. 2004;56(2):140-2.
-88. Akbarzadeh MA, Yazdani S, Ghaidari ME, Asadpour-Piranfar M, Bahrololoumi-Bafruee N, Golabchi A, et al. Acute effects of smoking on QT dispersion in healthy males. ARYA Atheroscler. 2014;10(2):89-93.) É reconhecidamente sabido que a nicotina liberada na circulação durante o fumo aumenta os níveis de catecolaminas plasmáticas, a frequência cardíaca e a pressão arterial, e, como resultado de todas estas alterações, o trabalho miocárdico aumentado e a maior demanda de oxigênio podem contribuir para a geração de arritmias cardíacas.(99. Schrör K, Zimmermann KC, Tannhäuser R. Augmented myocardial ischaemia by nicotine--mechanisms and their possible significance. Br J Pharmacol. 1998;125(1):79-86.) Em estudo experimental, Mehta et al.,(1010. Mehta MC, Jain AC, Mehta A, Billie M. Cardiac arrhythmias following intravenous nicotine: experimental study in dogs. J Cardiovasc Pharmacol Ther. 1997;2(4):291-8.) determinaram a arritmogenicidade dose-dependente da nicotina em cães e relataram que doses mais elevadas e bioequivalentes ao consumo de dois cigarros padrão podem levar a arritmias supraventriculares, arritmias juncionais atrioventriculares e arritmias ventriculares. Hayashi et al.,(1111. Hayashi H, Omichi C, Miyauchi Y, Mandel WJ, Lin SF, Chen PS, et al. Age-related sensitivity to nicotine for inducible atrial tachycardia and atrial fibrillation. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2003;285(5):H2091-8.) compararam a influência da nicotina na modulação da vulnerabilidade à taquicardia e fibrilação atriais (TA/FA) em ratos jovens e velhos, relatando que a nicotina prolongava o tempo de condução interatrial e o período refratário efetivo em ambos os grupos. Também descreveram que a nicotina tinha efeitos bifásicos na TA/FA induzível em ratos jovens, mas os suprimia em ratos idosos por provocar bloqueio de alto grau da condução interatrial. Em um estudo clínico recente, Conrad et al.,(1212. Conrad M, Gorka SM, Kassel J. Smoking’s effects on respiratory sinus arrhythmia in adolescent smokers. Int J Psychophysiol. 2015;97(1):8-13.) também relataram que, em adolescentes, o tabagismo reduziu significativamente a arritmia sinusal respiratória em repouso e aumentou a frequência cardíaca média, que são indicadores de boa manutenção da homeostase do organismo em resposta a demandas ambientais.

Em estudos prévios, foi relatado que o intervalo entre o pico e o final da onda T (Tp-e) é um indicador da dispersão total da repolarização, e o prolongamento do Tp-e foi associado a arritmias ventriculares.(1313. Kors JA, Ritsema van Eck HJ, van Herpen G. The meaning of the Tp-Te interval and its diagnostic value. J Electrocardiol. 2008;41(6):575-80.) Além disto, os intervalos QT (QT) e QT corrigido (QTc) também podem mostrar a repolarização do miocárdio nos eletrocardiogramas (ECG). As relações Tp-e/QT e Tp-e/QTc também são usadas como índices de arritmogênese ventricular.(1414. Gupta P, Patel C, Patel H, Narayanaswamy S, Malhotra B, Green JT, et al. T(p-e)/QT ratio as an index of arrhythmogenesis. J Electrocardiol. 2008;41(6): 567-74. Review.)

OBJETIVO

Avaliar a associação entre tabagismo e arritmias ventriculares em adolescentes.

MÉTODOS

Este estudo observacional foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de um hospital terciário público (número 2012-KAEK-15/1323). A população do estudo consistiu em dois grupos: foram recrutados 51 adolescentes fumantes (29 do sexo masculino; média de idade 17,2±0,5 anos, variação de 16 a 19 anos) para o Grupo Fumante, e 36 indivíduos saudáveis, que nunca fumaram (19 do sexo feminino; média de idade 17,05±0,5 anos, variação de 16 a 18,4 anos), foram incluídos no Grupo Controle. Ambos os grupos foram recrutados dentre os pacientes admitidos no departamento de cardiologia pediátrica por vários motivos (sopro inocente, dor torácica não cardíaca, participação em esportes etc.) entre março e junho de 2016. Os fumantes foram definidos como adolescentes que fumavam mais de três cigarros por dia, por, no mínimo, 1 ano. Foi pedido aos participantes que não fumassem por um período de 30 minutos antes da avaliação, para evitar os efeitos agudos da nicotina. Os adolescentes que apresentavam quaisquer outros riscos para arritmia além do tabagismo, como cardiopatia congênita, valvulopatia reumática, diabetes mellitus, hipertensão, anormalidades nos exames de tireoide, ou que faziam uso de medicamentos que poderiam afetar o tempo de recuperação ventricular (como sertralina, azitromicina, difenidramina etc.) foram excluídos do estudo.

Foi realizada anamnese dos participantes, além de exames físico e ecocardiográfico, juntamente da avaliação da pressão arterial e os dados antropométricos, incluindo peso e altura, de todos os participantes. O índice de massa corporal (IMC) foi definido como peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros (kg/m2). A pressão arterial foi medida três vezes, após descanso de 10 minutos na posição sentada, usando-se um esfigmomanômetro de mercúrio, com tamanho adequado de manguito. As fases 1 e 5 de Korotkoff foram usadas para definir a pressão arterial sistólica e diastólica.(1515. Yan W, Liu F, Li X, Wu L, Zhang Y, Cheng Y, et al. Blood pressure percentiles by age and height for non-overweight Chinese children and adolescents: analysis of the China health and nutrition surveys 1991-2009. BMC Pediatr. 2013;13:195.) Os adolescentes diagnosticados com qualquer problema clínico no exame físico, ou distúrbio cardíaco na ecocardiografia transtorácica, também foram excluídos do estudo.

Foi utilizado um gravador de ECG (Nihon Kohden, Tóquio, Japão) calibrado para a velocidade de deslocamento do papel de 25mm/s e a voltagem de 10mm/mV. Todos os ECG foram registrados com o participante em repouso, em posição supina, e transferidos para a mídia digital por escaneamento com escâner óptico (Hewlett Packard Deskjet 2130). Todas as medidas foram feitas digitalmente por um cardiologista pediátrico experiente, cegado para a condição de fumante dos participantes, a fim de evitar a variabilidade interobservador.

O intervalo PR foi medido desde a primeira deflexão positiva visível da onda P até o ponto inicial do complexo QRS (Figura 1). O intervalo QT foi definido a partir do início do complexo QRS até o final da onda T, e o intervalo Tp-e, a partir do pico da onda T até o ponto em que ela retorna à linha de base (Figura 1). Esse ponto também pode ser descrito como a intersecção entre a tangente do declive da onda T e a linha isoelétrica. Ao menos três ondas P, ondas T, intervalos PR e complexos QRS-T foram avaliados em cada derivação, e os períodos médios de PR, QT e Tp-e foram calculados em milissegundos. Os intervalos QT foram corrigidos de acordo com a fórmula of Bazett, na qual (QTc=QT/√ RR).(1616. Bazett HC. An analysis of the time-relations of electrocardiograms. Ann Noninvasive Electrocardiol. 1997;2(2):177-94.) As relações Tp-e /QT e Tp-e/QTc foram calculadas a partir destas medidas. Também foram avaliados ritmo, frequência, eixo QRS, hipertrofia ventricular e alterações ST-T no ECG.

Figura 1
Demonstração dos intervalos PR, QT e Tp-e no eletrocardiograma

Análise estatística

Todas as análises estatísticas foram realizadas usando-se o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows, versão 20.0. As variáveis contínuas foram expressas como média±desvio padrão. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para avaliar a adequação das variáveis para uma distribuição normal. De acordo com a distribuição, utilizou-se o teste t de Student ou o teste U de Mann Whitney para comparar os grupos. A correlação entre as variáveis foi avaliada usando-se o teste de correlação de postos de Spearman. Considerou-se p<0,05 com significância estatística.

RESULTADOS

As características clínicas dos dois grupos estão resumidas na tabela 1. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os Grupos Fumante e Controle, no tocante a sexo, idade e IMC. Todos os participantes estavam em ritmo sinusal.

Tabela 1
Características clínicas dos grupos de estudo*

Os valores iniciais de PR, QT e QTc foram semelhantes nos dois grupos. No Grupo Fumante, o intervalo Tp-e mostrou-se significativamente prolongado em comparação ao do Grupo Controle (98,4±12,7msn e 78,3±6,9msn, respectivamente; p<0,001). Uma diferença estatisticamente significativa na relação Tp-e/QT também foi verificada entre os grupos (0,28±0,04 e 22±0,03, respectivamente; p<0,01). Além destes resultados, a relação Tp-e/QTc também estava elevada no Grupo Fumante, em comparação com os Controles (0,24±0,03 e 0,19±0,01, respectivamente; p<0,001) (Tabela 2).

Tabela 2
Medidas de eletrocardiograma nos grupos do estudo

Os adolescentes do Grupo Fumante consumiam cigarros há 2,9±1,4 anos (variação de 1 a 6 anos). A média de idade do início do consumo de cigarros foi 13,8±1,4 anos. Vinte e quatro (47,1%) adolescentes do Grupo Fumante consumiam mais de dez cigarros por dia. Não foram determinadas quaisquer correlações entre anos de tabagismo, número de cigarros por dia e intervalo Tp-e ou relações Tp-e/QT e Tp-e/QTc.

DISCUSSÃO

O consumo de cigarros aumenta a mortalidade não apenas devido à indução da doença arterial coronariana, mas também secundária à morte súbita cardíaca, porque o fumo está associado ao aumento do tono simpático e a uma redução da modulação vagal.(44. D’Alessandro A, Boeckelmann I, Hammwhöner M, Goette A. Nicotine, cigarette smoking and cardiac arrhythmia: an overview. Eur J Prev Cardiol. 2012;19(3):297-305. Review.,1717. Hayano J, Yamada M, Sakakibara Y, Fujinami T, Yokoyama K, Watanabe Y, et al. Short- and long-term effects of cigarette smoking on heart rate variability. Am J Cardiol. 1990;65(1):84-8.,1818. Niedermaier ON, Smith ML, Beightol LA, Zukowska-Grojec Z, Goldstein DS, Eckberg DL. Influence of cigarette smoking on human autonomic function. Circulation. 1993;88(2):562-71.) A nicotina é o principal componente do cigarro e sabidamente um bloqueador não específico dos canais de potássio. Apresenta vários efeitos sistêmicos, inclusive taquicardia, hipertensão arterial e liberação de catecolaminas, sendo definida como arritmogênica.(1919. Srivastava SK, Barua RS, Saha DC, Eales-Reynolds LJ, DeVoe MC, Ambrose JA. Endogenous free radical generating sources are involved in smoking-mediated dysfunction of nitric oxide biosynthesis in human coronary artery endothelial cells: an in vitro demonstration. J Am Coll Cardiol. 2003;41(6):306.,2020. Grassi D, Desideri G, Ferri L, Aggio A, Tiberti S, Ferri C. Oxidative stress and endothelial dysfunction: say NO to cigarette smoking! Curr Pharm Des. 2010;16(23):2539-50. Review.)

Os efeitos do fumo no ECG foram mostrados em estudos que verificaram maior intervalo QT e dispersão do QT em períodos agudos e crônicos de consumo de cigarros.(77. Singh K. Effect of smoking on QT interval, QT dispersion and rate pressure product. Indian Heart J. 2004;56(2):140-2.,88. Akbarzadeh MA, Yazdani S, Ghaidari ME, Asadpour-Piranfar M, Bahrololoumi-Bafruee N, Golabchi A, et al. Acute effects of smoking on QT dispersion in healthy males. ARYA Atheroscler. 2014;10(2):89-93.) Neste estudo, não encontramos nenhuma diferença nos intervalos QT e QTc entre os grupos. Entretanto, o risco de arritmia ventricular é geralmente avaliado utilizando-se o intervalo QT e alterações na onda T, sendo relatado que as medidas destas alterações também são preditores de arritmia. O intervalo Tp-e entre o pico e o final da onda T é um reflexo da dispersão transmural da repolarização. O prolongamento deste intervalo representa um período de vulnerabilidade a arritmias ventriculares reentrantes.(1313. Kors JA, Ritsema van Eck HJ, van Herpen G. The meaning of the Tp-Te interval and its diagnostic value. J Electrocardiol. 2008;41(6):575-80.,1414. Gupta P, Patel C, Patel H, Narayanaswamy S, Malhotra B, Green JT, et al. T(p-e)/QT ratio as an index of arrhythmogenesis. J Electrocardiol. 2008;41(6): 567-74. Review.) Em estudos prévios, foi mostrado existir uma associação entre maior risco de mortalidade e prolongamento do intervalo Tp-e na síndrome de Brugada, na síndrome do QT longo e na cardiomiopatia hipertrófica.(2121. Shimizu M, Ino H, Okeie K, Yamaguchi M, Nagata M, Hayashi K, et al. T-peak to T-end interval may be a better predictor of high-risk patients with hypertrophic cardiomyopathy associated with a cardiac troponin I mutation than QT dispersion. Clin Cardiol. 2002;25(7):335-9.

22. Castro Hevia J, Antzelevitch C, Tornés Bárzaga F, Dorantes Sánchez M, Dorticós Balea F, Zayas Molina R, et al. Tpeak-Tend and Tpeak-Tend dispersion as risk factors for ventricular tachycardia/ventricular fibrillation in patients with the Brugada syndrome. J Am Coll Cardiol. 2006;47(9):1828-34.
-2323. Yamaguchi M, Shimizu M, Ino H, Terai H, Uchiyama K, Oe K, et al. T wave peak-to-end interval and QT dispersion in acquired long QT syndrome: a new index for arrhythmogenicity. Clin Sci (Lond). 2003;105(6):671-6.) Um estudo de caso controle realizado por Panikkath et al., também relatou que o prolongamento do intervalo Tp-e estava associado à morte súbita cardíaca na comunidade geral.(2424. Panikkath R, Reinier K, Uy-Evanado A, Teodorescu C, Hattenhauer J, Mariani R, et al. Prolonged Tpeak-to-tend interval on the resting ECG is associated with increased risk of sudden cardiac death. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2011;4(4):441-7.)

Os efeitos do consumo de cigarros sobre o intervalo Tp-e foram avaliados em um número limitado de estudos, especialmente em adultos. Ilgenli et al., mostraram prolongamento do intervalo Tp-e e aumento das relações Tp-e /QT e Tp-e/QTc em fumantes inveterados.(66. Ilgenli TF, Tokatli A, Akpinar O, Kiliçaslan F. The Effects of Cigarette Smoking on the Tp-e Interval, Tp-e/QT Ratio and Tp-e/QTc Ratio. Adv Clin Exp Med. 2015;24(6):973-8.) Taşolar et al., também encontraram prolongamento do QT e da dispersão do QT, além destes parâmetros.(55. Taşolar H, Balli M, Bayramoğlu A, Otlu YÖ, Cetin M, Altun B, et al. Effect of smoking on Tp-e interval, Tp-e/QT and Tp-e/QTc ratios as indices of ventricular arrhythmogenesis. Heart Lung Circ. 2014;23(9):827-32.)

Neste estudo, o intervalo Tp-e e as relações Tp-e/QT e Tp-e/QTc estavam significativamente mais elevadas no Grupo Fumante. No entanto, não se verificou uma diferença significativa nas médias de QT e da dispersão de QT. Porém, aparentemente, esta diferença significativa do intervalo Tp-e no Grupo Fumante poderia estar associada a uma avaliação indireta da dispersão do tempo de repolarização. A relação Tp-e/QT é considerada um índice mais sensível de arritmogênese, pois não é afetada por variações de peso corpóreo e frequência cardíaca.(1414. Gupta P, Patel C, Patel H, Narayanaswamy S, Malhotra B, Green JT, et al. T(p-e)/QT ratio as an index of arrhythmogenesis. J Electrocardiol. 2008;41(6): 567-74. Review.) Pelo que sabemos, este estudo é o primeiro a verificar alterações no intervalo Tp-e em adolescentes fumantes.

Akbarzadeh et al., relataram que até mesmo um único cigarro induz potencialmente a morte súbita cardíaca e a arritmia por prolongamento da dispersão do QT.(88. Akbarzadeh MA, Yazdani S, Ghaidari ME, Asadpour-Piranfar M, Bahrololoumi-Bafruee N, Golabchi A, et al. Acute effects of smoking on QT dispersion in healthy males. ARYA Atheroscler. 2014;10(2):89-93.) Ilgenli et al., descobriram intervalo Tp-e, relações Tp-e/QT e Tp-e/QTc significamente elevados pouco após o fumo.(66. Ilgenli TF, Tokatli A, Akpinar O, Kiliçaslan F. The Effects of Cigarette Smoking on the Tp-e Interval, Tp-e/QT Ratio and Tp-e/QTc Ratio. Adv Clin Exp Med. 2015;24(6):973-8.) Em nosso estudo, em concordância com estudos anteriores, o consumo de cigarros alterava a repolarização ventricular, independentemente da história pregressa. Não encontramos uma relação estatisticamente significativa entre os parâmetros anos de tabagismo, número de cigarros por dia e repolarização ventricular. Esses achados também sugerem que o consumo de cigarros pode aumentar o risco de morte súbita cardíaca, até mesmo na adolescência, por alterações na repolarização ventricular, independentemente dos efeitos cumulativos e de longo prazo.

O consumo de cigarros aumenta a descarga simpática e a frequência cardíaca.(2525. Narkiewicz K, van de Borne PJ, Hausberg M, Cooley RL, Winniford MD, Davison DE, et al. Cigarette smoking increases sympathetic outflow in humans. Circulation. 1998;98(6):528-34.) Neste estudo, também verificamos que a frequência cardíaca média dos fumantes era mais elevada que a do Grupo Controle, mas a diferença estava no limiar de significância (p=0,053). Neste estudo, pedimos aos participantes que não fumassem por pelo menos 30 minutos antes da avaliação, a fim de evitar os efeitos agudos da nicotina, que poderiam alterar a frequência cardíaca e aumentar as medidas de QT e QTc. Não verificamos nenhuma diferença nas medidas de QT e QTc entre os grupos. O motivo disto pode ser o aumento da frequência cardíaca, que era positivo no limiar estatístico. Já é sabido que o tabagismo é um problema de saúde pública mundial. Rosewich et al., relataram que o vício em nicotina se desenvolve principalmente antes da idade de 20 anos (80% de todos os fumantes adultos começaram na adolescência) na Alemanha, e a proporção de fumantes adolescentes vem aumentando regularmente nos últimos anos.(2626. Rosewich M, Adler S, Zielen S. [Effects of active and passive smoking on the health of children and adolescents]. Pneumologie. 2008;62(7):423-9. German.) No presente estudo, a média de idade do início do consumo de cigarros chegava a ser tão jovem quanto 13,8±1,4 anos, e os adolescentes do Grupo Fumante vinham fumando há 2,9±1,4 anos (variação de 1 a 6 anos).

Limitações

Este é um estudo preliminar, e ele tem algumas limitações. Em primeiro lugar, incluiu somente um pequeno número de participantes. No futuro, estudos maiores podem fornecer resultados mais precisos. Em segundo lugar, não perguntamos nem registramos qual foi o intervalo de tempo decorrido entre o último cigarro fumado e a realização do ECG no Grupo Fumante. Sabe-se que o fumo tem alguns efeitos agudos nas funções cardíacas, tendo sido pedido aos participantes que não fumassem nos 30 minutos que antecediam a avaliação para evitar tais efeitos. Estudos futuros podem investigar os efeitos do fumo em diferentes períodos de tempo. Em terceiro lugar, somente puderam ser obtidos registros de curto prazo. Outros estudos de acompanhamento prospectivo devem ser realizados para a compreensão da importância prognóstica do prolongamento do intervalo Tp-e e do aumento da relação Tp-e/QT na arritmogênese ventricular e na morte súbita cardíaca.

CONCLUSÃO

Este é o primeiro estudo realizado em adolescentes a relatar um prolongamento do intervalo Tp-e e o aumento da relação Tp-e/QT e Tp-e/QTc em fumantes. O presente estudo fornece evidências de que o fumo está associado a alterações no tempo de repolarização ventricular que podem contribuir para a arritmogênese ventricular.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2016
  • Aceito
    2 Ago 2017
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