Open-access Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil

Resumos

OBJETIVO: Analisar as intervenções realizadas por farmacêuticos clínicos durante a revisão de prescrições médicas das Unidades de Terapia Intensiva Adulto, Terapia Intensiva Cardiológica e de Cardiologia Clínica de um hospital universitário terciário do Brasil. MÉTODOS: A análise de prescrições foi realizada diariamente com avaliação dos seguintes parâmetros: dose, intervalo de administração, apresentação e/ou forma farmacêutica, presença de medicamentos inapropriados/desnecessários, necessidade de medicamento adicional, alternativas terapêuticas mais adequadas, presença de interações medicamentosas relevantes, inconsistências nas prescrições, incompatibilidades físico-químicas/estabilidade da solução. A partir dessa avaliação, os problemas relacionados aos medicamentos foram classificados, bem como as intervenções farmacêuticas resultantes, conforme estabelecido pelo manual de farmácia clínica do hospital. RESULTADOS: Durante o estudo, um total de 6.438 prescrições foi avaliado e foram realizadas 933 intervenções farmacêuticas. Os medicamentos mais envolvidos nos problemas foram: ranitidina (28,44%), enoxaparina (13,76%) e meropenem (8,26%). A aceitação das intervenções foi de 76,32%. O problema mais comumente encontrado foi relacionado à dose, representando 46,73% do total. CONCLUSÃO: Até 14,6% das prescrições avaliadas apresentaram algum problema relacionado a medicamentos. As intervenções farmacêuticas promoveram mudanças positivas em sete a cada dez dessas prescrições.

Serviço de farmácia hospitalar; Atenção farmacêutica; Prescrições de medicamentos


OBJECTIVE: To analyze the clinical pharmacist interventions performed during the review of prescription orders of the Adult Intensive Care, Cardiologic Intensive Care, and Clinical Cardiology Units of a large tertiary teaching hospital in Brazil. METHODS: The analysis took place daily with the following parameters: dose, rate of administration, presentation and/or dosage form, presence of inappropriate/unnecessary drugs, necessity of additional medication, more proper alternative therapies, presence of relevant drug interactions, inconsistencies in prescription orders, physical-chemical incompatibilities/solution stability. From this evaluation, the drug therapy problems were classified, as well as the resulting clinical interventions. RESULTS: During the study, a total of 6,438 drug orders were assessed and 933 interventions were performed. The most prevalent drug therapy problems involved ranitidine (28.44%), enoxaparin (13.76%), and meropenem (8.26%). The acceptability of the interventions was 76.32%. The most common problem found was related to dose, representing 46.73% of the total. CONCLUSION: Our study showed that up to 14.6% of the prescriptions reviewed had some drug therapy problem and the pharmacist interventions have promoted positive changes in seven to ten of these prescriptions.

Pharmacy service, hospital; Pharmaceutical care; Hospital pharmacy; Drug prescriptions


ARTIGO ORIGINAL

Análise das intervenções de farmacêuticos clínicos em um hospital de ensino terciário do Brasil

Wálleri Christini Torelli ReisI; Carolinne Thays ScopelI; Cassyano Januário CorrerII; Vânia Mari Salvi AndrzejevskiI

IHospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

IIUniversidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

Autor correspondente

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as intervenções realizadas por farmacêuticos clínicos durante a revisão de prescrições médicas das Unidades de Terapia Intensiva Adulto, Terapia Intensiva Cardiológica e de Cardiologia Clínica de um hospital universitário terciário do Brasil.

MÉTODOS: A análise de prescrições foi realizada diariamente com avaliação dos seguintes parâmetros: dose, intervalo de administração, apresentação e/ou forma farmacêutica, presença de medicamentos inapropriados/desnecessários, necessidade de medicamento adicional, alternativas terapêuticas mais adequadas, presença de interações medicamentosas relevantes, inconsistências nas prescrições, incompatibilidades físico-químicas/estabilidade da solução. A partir dessa avaliação, os problemas relacionados aos medicamentos foram classificados, bem como as intervenções farmacêuticas resultantes, conforme estabelecido pelo manual de farmácia clínica do hospital.

RESULTADOS: Durante o estudo, um total de 6.438 prescrições foi avaliado e foram realizadas 933 intervenções farmacêuticas. Os medicamentos mais envolvidos nos problemas foram: ranitidina (28,44%), enoxaparina (13,76%) e meropenem (8,26%). A aceitação das intervenções foi de 76,32%. O problema mais comumente encontrado foi relacionado à dose, representando 46,73% do total.

CONCLUSÃO: Até 14,6% das prescrições avaliadas apresentaram algum problema relacionado a medicamentos. As intervenções farmacêuticas promoveram mudanças positivas em sete a cada dez dessas prescrições.

Descritores: Serviço de farmácia hospitalar; Atenção farmacêutica; Prescrições de medicamentos

INTRODUÇÃO

O uso irracional de medicamentos é um importante problema de saúde pública em todo mundo, gerando grande impacto nos resultados clínicos, econômicos e humanistas. Estima-se que a prescrição incorreta pode acarretar elevação dos gastos em 50 a 70% dos recursos governamentais destinados à aquisição de medicamentos. Todavia, se usados adequadamente, os medicamentos são os recursos terapêuticos de maior custo-benefício(1,2).

O uso racional ocorre quando os pacientes recebem a medicação adequada as suas necessidades clínicas, na dose correta, por um período de tempo necessário, e ao menor custo para si e para a comunidade. Os seguintes processos estão incluídos nesse contexto farmacoterapia adequada, indicação adequada, medicação correta, dose certa de acordo com as condições clínicas do paciente, administração e duração de tratamento apropriadas, adesão adequada do paciente ao tratamento, assim como avaliação e acompanhamento de possíveis eventos adversos relacionados ao tratamento(2).

A publicação do relatório Errar é Humano: construindo um sistema de saúde mais seguro, pelo Instituto de Medicina, em 1999, mostrou que a assistência à saúde fornecida ao paciente não é tão segura quanto deveria ser e que muitos óbitos ocorrem anualmente devido a erros de medicação, inclusive de prescrição médica, enfatizando a importância de medidas que garantam a segurança e o uso racional dos medicamentos e salientando a necessidade do envolvimento e da mobilização da equipe multiprofissional nesse sentido(3). As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que mais de 50% de todos os medicamentos são inapropriadamente prescritos, administrados e vendidos(4).

Estudos demonstram que as prescrições estão ligadas à maioria dos casos de erro de medicação. Na análise de 4.031 prontuários em 2 hospitais de ensino dos Estados Unidos, 49% deles continham erros de prescrição(5,6). Da mesma forma, revisões sistemáticas mostram que, em média, 7 a 10% das prescrições apresentam algum tipo de erro(7,8).

As atividades desenvolvidas por farmacêuticos clínicos desempenham papel fundamental na promoção do uso racional de medicamentos, garantindo ao paciente uma farmacoterapia adequada, com resultados terapêuticos definidos, e minimizando consequentemente os riscos de resultados desfavoráveis da terapia medicamentosa, além de diminuir custos(2,9,10). Entre essas atividades, a revisão das prescrições médicas é um item extremamente importante, pois permite a identificação, a resolução e a prevenção do surgimento de problemas relacionados aos medicamentos (PRM) e desfechos negativos associados à farmacoterapia(11).

OBJETIVO

Analisar as intervenções realizadas por farmacêuticos clínicos durante a revisão de prescrições médicas das Unidades de Terapia Intensiva Adulto, Terapia Intensiva Cardiológica e de Cardiologia Clínica de um hospital universitário terciário do Brasil.

MÉTODOS

Este foi um estudo prospectivo das intervenções do farmacêutico clínico (IFC) e dos PRM identificados durante a revisão das prescrições médicas na Unidade de Farmácia Hospitalar (UFH) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR). O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética do hospital em 28 de fevereiro de 2012 com o nº. CAAE 00883912.0.0000.0096.

A sistematização do serviço de farmácia clínica começou com a revisão da literatura e a elaboração da proposta de trabalho. Posteriormente, foram realizadas reuniões com a participação dos residentes, da gerência da UFH, preceptores e tutores da residência, para definir as ações prioritárias e estabelecer uma metodologia de trabalho para orientar as atividades dos farmacêuticos clínicos.

A seleção das unidades de internação para a implantação das atividades clínicas pelos farmacêuticos ocorreu por meio da análise das demandas registradas no setor de dispensação, por meio do levantamento das intervenções realizadas pelos farmacêuticos desse setor no ano de 2010. Outro aspecto que orientou a referida escolha foi a área de concentração oferecida para os programas de residência em farmácia, do hospital.

A partir desses dados, foi elaborada a estratégia para abordagem dos chefes das unidades de internação, a fim de apresentar o serviço de farmácia clínica e de propiciar o início de uma relação de confiança e troca de saberes entre as equipes. A apresentação do serviço ocorreu por meio de reuniões presenciais e grupos de discussão.

As atividades clínicas foram iniciadas com a análise diária das prescrições realizada pelos farmacêuticos. No HC-UFPR, as prescrições são validadas a cada 24 horas, com horários definidos para cada unidade de internação, e não é possível dispensar medicamentos sem prescrição eletrônica. Após esse processo, os farmacêuticos clínicos avaliaram as prescrições, que foram subsequentemente dispensadas pelos técnicos da farmácia. Vale ressaltar que cada farmacêutico clínico acompanhou uma unidade de internação definida, avaliando as prescrições médicas, participando das visitas multiprofissionais, e interagindo com a equipe de assistência à saúde e com o paciente, quando possível. Desse modo, neste contexto, o farmacêutico clínico foi responsável pelo monitoramento das necessidades farmacoterapêuticas de seus pacientes, garantindo o uso racional e seguro dos medicamentos.

A coleta de dados para o estudo foi realizada de julho de 2011 a julho de 2012, nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) para Adultos, Terapia Intensiva Cardiológica e Cardiologia Clínica.

A revisão das prescrições médicas foi uma avaliação conduzida pelo farmacêutico referente à seleção da medicação, ao regime terapêutico e a instruções de administração. Com respeito à escolha do método de classificação de PRM e IFC várias referências foram consultadas, entretanto elas apresentavam limitações em suas aplicações na realidade hospitalar. Com base nisso, optou-se pela elaboração de uma metodologia aplicada à realidade local, considerando o Tercer Consenso de Granada, no Manual para la Atención Farmacéutica, proposto por Clemente Martí e Jiménez-Torres(12), e as recomendações da American College of Clinical Pharmacy e da American Society of Health-System Pharmacists(11-14).

Durante o processo de revisão de prescrição, o farmacêutico teve acesso às seguintes bases de dados: Drugdex®, UpToDate® e Medscape®. Cada parâmetro de avaliação foi considerado como segue:

- dose: avaliar se a dose prescrita encontrava-se de acordo com a preconizada pela literatura, considerando o peso ou a superfície corpórea do paciente, e a necessidade de ajustes para função renal e/ou hepática alteradas;

- intervalo de administração: avaliar se os intervalos dos medicamentos prescritos estavam descritos na literatura, além da possível necessidade de adequação dos mesmos para função renal e/ou hepática alterada, considerando também a possibilidade de redução de custos e tempo gasto pela enfermagem na administração;

- via de administração: avaliar a via de administração baseada nas características farmacocinéticas e condições clínicas do paciente;

- apresentação e/ou forma farmacêutica: adequar de acordo com a padronização do hospital e com o paciente (crianças, idosos, pacientes com sonda ou dificuldade de deglutição);

- medicamento inapropriado/desnecessário: presença de medicamento sem indicação para a condição clínica, duplicidade terapêutica, medicamento em duplicata, paciente com reação alérgica conhecida ao medicamento, medicamento contraindicado ou desnecessário à condição clínica do paciente;

- necessidade de medicamento adicional: condição clínica não tratada, continuação de tratamento, medicamento preventivo ou profilático;

- alternativa terapêutica mais adequada/disponível: medicamento mais seguro, mais efetivo, mais custo efetivo ou disponível na padronização do hospital;

- interações medicamentosas: presença de interações medicamentosas com relevância clínica, de acordo com classificações encontradas nas bases de dados;

- inconsistências nas requisições de medicamento: informação discrepante sobre posologia ou instruções de administração contidas na mesma prescrição;

- diluição e/ou taxa de infusão: avaliar a concentração e a taxa de infusão da medicação;

- incompatibilidades e/ou estabilidade físico-química: avaliar possíveis incompatibilidades entre fármacos e fármaco/diluente, e verificar a estabilidade entre medicações prescritas, de acordo com a diluição padrão de cada clínica.

Quando um PRM foi identificado durante a revisão de prescrição, o sistema adotado pelo farmacêutico foi entrar em contato com o médico ou outro profissional de saúde responsável pelo paciente para discutir a melhor conduta a ser adotada.

Os PRMs, as intervenções e a aceitabilidade foram registrados e classificados em formulários padronizados, sendo posteriormente tabulados em planilhas eletrônicas e analisados em seguida. A aceitabilidade das intervenções foi classificada da seguinte forma: aceitas; não aceitas com justificativa (quando a intervenção não era aceita e existia uma justificativa plausível que embasasse a decisão médica); não aceitas sem justificativa; aceitas com alterações (nesses casos foi proposta uma intervenção, entretanto durante a discussão com o médico surgiu a necessidade de alteração); não se aplica para as intervenções que consistiam em ações educativas.

Como forma de estabelecer um ciclo de aperfeiçoamento dos processos existentes, periodicamente foram encaminhados relatórios de apresentação dos dados obtidos com as atividades clínicas dos farmacêuticos aos responsáveis médicos das unidades de internação. Sequencialmente, foram agendadas reuniões para análise, discussão e definição de ações de melhoria.

RESULTADOS

Durante o período do estudo foram revisadas 6.438 prescrições de mais de 1.000 pacientes. As três unidades de internação selecionadas (Unidade de Cardiologia Clínica, UTI de Adultos e UTI Cardiológica) apresentavam, em sua infraestrutura, 15, 14 e 8 leitos, respectivamente. Todas as unidades tinham a participação integrada da equipe multiprofissional em suas atividades e incluíam os seguintes profissionais: médicos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.

Dentre a população estudada, 53,29% dos pacientes eram homens. A faixa etária mediana foi de 59 anos e o tempo médio de permanência na unidade de internação foi de 4,61 dias. Nove em cada dez pacientes apresentaram algum tipo de comorbidade, sendo as mais comuns a hipertensão (36,44%), a doença coronariana (23,27%) e o diabetes mellitus (15,40%).

Em média, foram avaliados 11 fármacos por prescrição e o tempo médio exigido para avaliação de cada prescrição foi 14,2 minutos. Foram encontrados 933 PRMs envolvendo 129 fármacos, em 247 dias de trabalho, representando 3,78 problemas por dia de trabalho.

Os tipos de PRM encontrados e suas frequências são apresentados na tabela 1. Sendo eles: dose em 46,73% (n=436), medicamento inapropriado/desnecessário em 19,08% (n=178), alternativa terapêutica mais adequada/disponível em 7,82% (n=73), interações em 7,50% (n=70), apresentação e/ou forma farmacêutica em 6,86% (n=64), necessidade de medicamento adicional em 5,25% (n=49), inconsistências nas prescrições em 3,32% (n=31) e intervalo de administração em 2,89% (n=27). Incompatibilidades físico-químicas e/ou estabilidade da preparação (n=3), via de administração (n=1) e diluição e/ou taxa de infusão (n=1) apresentaram porcentagens <1%.

As categorias terapêuticas envolvidas nos PRM estão descritas na tabela 2. Um olhar mais atento aos erros de dose demonstrou que os medicamentos mais prevalentemente envolvidos foram: ranitidina (n=124; 28,44%), seguida por enoxaparina (n=60; 13,76%) e meropenem (n=36; 8,26%). No caso do PRM presença de medicamento inapropriado/desnecessário, houve distribuição mais uniforme dos 77 medicamentos envolvidos e os mais prevalentes foram: enoxaparina (n=9; 5,06%), propofol (n=7; 3,93%) e cetoprofeno (n=7; 3,93%). Considerando a visão global dos problemas encontrados, ranitidina (n=140; 15,01%) e enoxaparina (n=83; 8,90%) foram também as medicações mais prevalentes.

Conforme apresentado na tabela 3, as IFCs realizadas foram classificadas como: 50,38% (n=470) individualizar/corrigir posologia; 18,97% (n=177) suspender medicamento; 8,04% (n=75) substituir por apresentação e/ou forma farmacêutica mais segura, efetiva, custo-efetiva ou disponível; 7,50% (n=70) substituir por medicamento mais seguro, efetivo, custo-efetivo ou disponível; 6,43% (n=60) fornecer informação/educação para profissionais de saúde; 4,93% (n=46) iniciar terapia medicamentosa; 3,22% (n=30) corrigir inconsistências e 0,54% (n=5) corrigir preparação e/ou administração pela equipe de enfermagem.

Referente à aceitabilidade das IFCs, 74,71% (n=697) das intervenções foram aceitas, 10,61% (n=99) não foram aceitas com justificativa, 6,75% (n=63) não foram aceitas sem justificativa, 1,61% (n=15) foi aceita com alterações e 6,32% (n=59) dos casos foram incluídos sob o código "não se aplica" (Figura 1).


DISCUSSÃO

O trabalho em equipe multiprofissional é a melhor maneira de garantir a segurança do paciente. Há muitos anos, o farmacêutico brasileiro tem ficado restrito à gestão das farmácias hospitalares, entretanto, a cada dia, fica mais clara a necessidade da atuação desse profissional nas unidades clínicas, a fim de garantir o uso seguro e racional dos medicamentos. Estudos têm demonstrado que o seguimento farmacoterapêutico pode reduzir as taxas de erros de medicação em até 78%(15-17). Este estudo mostrou que a revisão das prescrições, integrada à rotina de dispensação hospitalar, permanece um meio importante de detectar e solucionar erros de medicação e melhorar a qualidade de uso de medicação.

No ambiente hospitalar, as prescrições desempenham um papel chave na promoção da comunicação entre as equipes de cuidados ao paciente, sendo responsáveis por garantir o uso correto da medicação. Considerando que o processo de revisão farmacêutica das prescrições é essencial para melhorar a farmacoterapia dos pacientes, especialmente em hospitais, essa atividade é definida como prioridade. Além disso, estudos demonstraram que a maioria dos erros de medicação ocorre durante o estágio de prescrição e o processo de administração da medicação; deste modo, os farmacêuticos podem ter maior influência na prescrição correta e na qualidade de uso da medicação(5,6).

Os erros de prescrição são a principal causa de eventos adversos que podem ser prevenidos, de modo que as intervenções com o objetivo de prevenir tais erros apresentam probabilidade de gerar redução de custo. Possibilidades para redução de erros de prescrição são o uso do sistema de prescrição eletrônico e serviços de farmácia clínica(18,19). A instituição avaliada neste estudo possui um sistema eletrônico de prescrição, e o início do programa de residência em farmácia possibilitou a implementação de atividades clínicas, para pacientes internados e ambulatoriais, com melhorias significativas para a UFH.

Um importante avanço conquistado nesta instituição durante o período do estudo foi a participação do farmacêutico nas atividades clínicas diárias das unidades de internação. Isso foi essencial para complementar as atividades clínicas dos farmacêuticos. Tal inserção permitiu identificar os PRM que não foram percebidos na unidade de farmácia, tais como presença de interações e incompatibilidades entre as soluções administradas via cateter Y; proteção ou armazenamento incorreto de medicamentos e infusões; e problemas de interpretação do registro de medicamentos no sistema de informação computadorizado do hospital.

A importância do farmacêutico clínico na prevenção, detecção precoce e resolução dos PRMs mostrou-se evidente. O benefício do envolvimento do farmacêutico nas atividades clínicas pode ser confirmado por um grande número (n=933) de intervenções realizadas. Cerca de uma em cada sete prescrições apresentou algum tipo de PRM, exigindo a intervenção desse profissional. Tal resultado é semelhante ao encontrado por Franklin et al.(8), que mostraram uma taxa de erro de 14,7% em seu estudo. Neste estudo, o farmacêutico clínico demonstrou importância principalmente da individualização da farmacoterapia, fato que pode ser deduzido por meio de PRMs e IFCs mais prevalentes, que foram, respectivamente, dose e individualizar/corrigir posologia. Outros estudos também detectaram a necessidade de ajuste da dose como o erro de medicação mais frequente(20,21).

A presença de medicamento inapropriado/desnecessário e sua intervenção farmacêutica correlata à suspensão de medicação, também apresentaram prevalência elevada. LaPointe(22), em sua revisão, apresentou medicamento incorreto (36,0%) e dose incorreta (35,3%) como os erros de medicação mais frequentes, semelhante aos resultados encontrados no HC-UFPR.

Em relação aos PRMs mais frequentes, algumas situações precisam ser relembradas: a maioria da população do estudo foi formada por pacientes com quadro crítico (UTI Adultos e UTI Cardiológica) e, nesse grupo, a incidência de insuficiência renal aguda é elevada, atingindo até 23% dos pacientes, o que justifica, assim, a necessidade de ajuste das doses(23). Além disso, a prevalência absoluta de polifarmácia e o elevado número de medicamentos por prescrição (média de 11 medicamentos por ordem) podem ter predisposto a uma maior prevalência de medicamentos inapropriados ou desnecessários.

As medicações predominantemente envolvidas em PRMs foram ranitidina, enoxaparina e meropenem. Esses medicamentos são prescritos, de modo geral, para pacientes com quadro crítico, por constituírem parte dos protocolos clínicos (por exemplo: ranitidina para profilaxia da úlcera de estresse, enoxaparina para profilaxia de trombose venosa profunda, e enoxaparina para tratamento da síndrome coronariana aguda) ou por serem usados para tratar patologias frequentes nessa população (como, por exemplo, meropenem para infecções por bactérias Gram-negativas).

A aceitação das intervenções feitas no período foi de 76,32% (74,71% aceitos e 1,61% aceitos com alterações). É importante considerar que, neste estudo, as recomendações farmacêuticas para os médicos referentes ao monitoramento da farmacoterapia, correspondendo a 6,32% do total, foram registradas apenas como ações educativas, portanto sem aceitabilidade mensurável. Tal aspecto pode ter levado a redução na taxa de aceitabilidade do estudo. Um estudo semelhante realizado por Néri em um grande hospital universitário no Ceará demonstrou uma aceitabilidade de 88,66% das intervenções farmacêuticas realizadas durante 1 mês(24). Por outro lado, em um estudo realizado por Leape et al., a aceitação foi de 99%, enquanto em outro estudo publicado por Charpiat et al., a taxa de aceitação foi apenas 47%(15,25).

Durante a classificação de PRMs, várias questões surgiram, as quais foram discutidas em reuniões semanais entre a equipe de farmacêuticos e os preceptores. Por meio dessas discussões, foi possível identificar as necessidades de ajustes em várias etapas, incluindo revisão da padronização das intervenções farmacêuticas e da metodologia de registros; revisão periódica do manual de farmácia clínica; treinamento e capacitação dos farmacêuticos residentes do primeiro ano, técnicos em farmácia, membros da equipe de enfermagem e médicos; além de atualização das rotinas do setor de dispensação.

Com relação à divulgação dos dados coletados, relatórios contínuos do desempenho da farmácia clínica foram encaminhados aos responsáveis pelas unidades de internações, à direção de assistência, à direção de ensino e à direção clínica do hospital. Essa estrutura forneceu ampla disseminação das atividades realizadas e permitiu a discussão dos resultados com as equipes assistenciais, possibilitando a identificação das intervenções mais prevalentes e a definição das ações, com potencial de melhoria junto aos responsáveis das unidades e à equipe de residência para reduzir esses números.

Este estudo tem algumas limitações. A prevalência PRMs e as intervenções farmacêuticas podem não refletir a realidade total deste hospital, considerando que as três unidades clínicas avaliadas representam menos de 10% do número total de unidades do hospital. Por outro lado, foram avaliadas mais de 6.000 prescrições na área cardiovascular e de cuidados intensivos. Na presente experiência, estas unidades corresponderam às áreas mais importantes de ocorrência de erros de medicação. Outra limitação corresponde ao fato de que a avaliação das prescrições foi realizada na UFH, prejudicando a comunicação com a equipe de assistência à saúde e a percepção dos erros associados à rotina de preparo e administração dos medicamentos. A despeito do fato, a participação do farmacêutico nas visitas clínicas pode ter minimizado tal limitação, entretanto não é possível descartar a possibilidade de a prevalência de PRMs ter sido subestimada.

Como em qualquer novo processo, a ação efetiva de um farmacêutico clínico, no Brasil, ainda tem um longo caminho a percorrer. No entanto, cada dia fica mais evidente a necessidade de incluir o farmacêutico clínico nas equipes de saúde, visto que a incidência de erros de medicação ainda é alarmante e que as intervenções do farmacêutico podem gerar benefícios diretos para a segurança do paciente, bem como proporcionar melhoria na qualidade do cuidado. Além disso, o processo de uso de medicamentos é dinâmico e as intervenções feitas pelo farmacêutico clínico podem melhorar os resultados terapêuticos, garantindo segurança, eficácia e custo-efetividade da farmacoterapia.

CONCLUSÃO

Constatou-se que a revisão de prescrições médicas desempenha um papel essencial nas atividades dos farmacêuticos clínicos hospitalares e pode colaborar para melhorar a qualidade do uso de medicamentos bem como a segurança do paciente. Os dados confirmam que até 14,6% das prescrições revisadas apresentaram algum PRM e que as intervenções do farmacêutico clínico promovem mudanças benéficas em sete de cada dez prescrições com algum problema. Além disso, essas atividades demonstram melhorar a comunicação do farmacêutico com a equipe assistencial e com o paciente.

AGRADECIMENTOS

Queremos agradecer a Unidade de Farmácia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná, pelo suporte de busca em campo e suporte científico. Agradecemos também aos residentes farmacêuticos que ajudaram na coleta de dados.

REFERÊNCIAS

Referências bibliográficas

  • 1.   le Grand A, Hogerzeil HV, Haaijer-Ruskamp FM. Intervention research in rational use of drugs: a review. Health Policy Plan. 1999;14(2):89-102.
  • 2.   Marin N, Luiza VL, Castro CG, Santos SM, organizadores. Assistência farmacêutica para gerentes municipais. Rio de Janeiro: OMS/OPAS; 2003.
  • 3.   Kohn LT, Corrigan JM, Donaldson Molla S, editors. To err is human: building a safer health system. Washington, DC: National Academy Press; 1999.
  • 4   World Health Organization (WHO). The role of education in the rational use of medication. WHO: Genebra; 2006.
  • 5.   Allard J, Carthey J, Cope J, Pitt M, Woodward S. Medication errors: causes, prevention and reduction. Br J Haematol. 2002;116(2):255-65.
  • 6.   Dean B, Schachter M, Vincent C, Barber N. Causes of prescription errors in hospital inpatients: a prospective study. Lancet. 2002;359(9315):1373-8.
  • 7.   Lewis PJ, Dornan T, Taylor D, Tully MP, Wass V, Ashcroft DM. Prevalence, incidence and nature of prescription errors in hospital inpatients: a systematic review. Drug Saf. 2009;32(5):379-89.
  • 8.   Franklin BD, McLeod M, Barber N. Comment on 'prevalence, incidence and nature of prescription errors in hospital inpatients: a systematic review'. Drug Saf. 2010;33(2):163-5; author reply 165-6.
  • 9.   ASHP guidelines: minimum standard for pharmacies in hospitals. American Society of Health-System Pharmacists. Am J Health Syst Pharm. 1995;52(23): 2711-7.
  • 10. Kaboli PJ, Hoth AB, McClimon BJ, Schnipper JL. Clinical pharmacists and inpatient medical care: a systematic review. Arch Intern Med. 2006;166(9): 955-64.
  • 11. Comitê de Consenso. Tercer consenso de Granada sobre problemas relacionados con los medicamentos (PRM) y resultados negativos asociados a la medicación (RNM). Ars Pharm. 2007;48(1):5-17.
  • 12.          Climente Martí M, Jiménez Torres NV. Manual para la atención farmacéutica. 3a ed. Valencia: AFAHPE; 2005.
  • 13. American College of Clinical Pharmacy. The definition of clinical pharmacy. Pharmacotherapy. 2008;28(6):816-7.
  • 14. American College of Clinical Pharmacy, Burke JM, Miller WA, Spencer AP, Crank CW, Adkins L, Bertch KE, Ragucci DP, Smith WE, Valley AW. Clinical pharmacist competencies. Pharmacotherapy. 2008;28(6):806-15.
  • 15. Leape LL, Cullen DJ, Clapp MD, Burdick E, Demonaco HJ, Erickson JI, et al. Pharmacist participation on physician rounds and adverse drug events in the intensive care unit. JAMA. 1999;282(3):267-70. Erratum in: JAMA 2000; 283(10):1293.
  • 16. Scarsi KK, Fotis MA, Noskin GA. Pharmacist participation in medical rounds reduces medication errors. Am J Health Syst Pharm. 2002;59(21): 2089-92.
  • 17. Kucukarslan SN, Peters M, Mlynarek M, Nafziger DA. Pharmacists on rounding teams reduce preventable adverse drug events in hospital general medicine units. Arch Intern Med. 2003;163(17):2014-8.
  • 18. Bond CA, Raehl CL, Franke T. Clinical pharmacy services, pharmacist staffing, and drug costs in United States hospitals. Pharmacotherapy. 1999; 19(12):1354-62.
  • 19. van den Bemt PM, Postma MJ, van Roon EN, Chow MC, Fijn R, Brouwers JR. Cost-benefit analysis of the detection of prescription errors by hospital pharmacy staff. Drug Saf. 2002;25(2):135-43.
  • 20. Lesar TS, Briceland L, Stein DS. Factors related to errors in medication prescribing. JAMA. 1997;277(4):312-7.
  • 21. Miranda TM, Petriccione S, Ferracini FT, Borges Filho WM. Interventions performed by the clinical pharmacist in the emergency department. Einstein (São Paulo). 2012;10(1):74-8.
  • 22. LaPointe NM, Jollis JG. Medication errors in hospitalized cardiovascular patients. Arch Intern Med. 2003;163(12):1461-6.
  • 23. Wilkins RG, Faragher EB. Acute renal failure in an intensive care unit: incidence, prediction and outcome. Anaesthesia. 1983;38(7):628-34.
  • 24. Néri EDR. Determinação do perfil dos erros de prescrição de medicamentos em um hospital universitário [dissertação]. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará; 2004.
  • 25. Charpiat B, Goutelle S, Schoeffler M, Aubrun F, Viale JP, Ducerf C, et al. Prescriptions analysis by clinical pharmacists in the post-operative period: a 4-year prospective study. Acta Anaesthesiol Scand. 2012;56(8):1047-51.
  • Corresponding author:
    Wálleri Christini Torelli Reis
    Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
    Rua General Carneiro, 181 – Alto da Glória
    Zip code: 80060-900 – Curitiba, PR, Brazil
    Phone: (55 41) 3360-1814
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Fev 2013
    • Aceito
      05 Jun 2013
    location_on
    Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@einstein.br
    rss_feed Stay informed of issues for this journal through your RSS reader
    Acessibilidade / Reportar erro