RESUMO
Objetivo
Adaptar um software de ajuste de dose de antibióticos inicialmente elaborado em língua inglesa para o português e a conjuntura brasileira.
Métodos
Trata-se de estudo observacional, descritivo, em que foi utilizado o método Delphi para estabelecer consenso entre especialistas de diferentes áreas da saúde, com perguntas que abordaram os aspectos visuais e operacionais do software. Em uma segunda etapa, foi realizado um estudo piloto, experimental, com alocação aleatória dos pacientes, para avaliação e adaptação do software em ambiente real de uma unidade de tratamento intensivo, onde foram comparadas diferenças entre pacientes que utilizaram dose padronizada usual de piperacilina/tazobactam, e os que utilizaram a dose individualizada ajustada por meio do software Individually Designed Optimum Dosing Strategies.
Resultados
Participaram da primeira rodada 12 profissionais cujas sugestões foram encaminhadas ao desenvolvedor do software para adequação e ajustes, e posteriormente submetidas à segunda rodada. Oito especialistas participaram da segunda rodada. Foram obtidos índices de 80% e 90% de concordância entre os juízes, caracterizando uniformidade nas sugestões. Dessa forma, houve modificação no layout do software para adequação linguística e cultural, minimizando erros de entendimento e contradições. Na segunda etapa, foram incluídos 21 pacientes, e não houve diferenças entre doses de piperacilina nos grupos dose padronizada e dose ajustada.
Conclusão
A versão adaptada do software é segura e confiável para seu uso no Brasil.
Software; Formas de dosagem; Anti-infecciosos; Piperacilina; Unidades de terapia intensiva; Inquéritos e questionários; Brasil
ABSTRACT
Objective
To adapt an antibiotic dose adjustment software initially developed in English, to Portuguese and to the Brazilian context.
Methods
This was an observational, descriptive study in which the Delphi method was used to establish consensus among specialists from different health areas, with questions addressing the visual and operational aspects of the software. In a second stage, a pilot experimental study was performed with the random comparison of patients for evaluation and adaptation of the software in the real environment of an intensive care unit, where it was compared between patients who used the standardized dose of piperacillin/tazobactam, and those who used an individualized dose adjusted through the software Individually Designed and Optimized Dosing Strategies.
Results
Twelve professionals participated in the first round, whose suggestions were forwarded to the software developer for adjustments, and subsequently submitted to the second round. Eight specialists participated in the second round. Indexes of 80% and 90% of concordance were obtained between the judges, characterizing uniformity in the suggestions. Thus, there was modification in the layout of the software for linguistic and cultural adequacy, minimizing errors of understanding and contradictions. In the second stage, 21 patients were included, and there were no differences between doses of piperacillin in the standard dose and adjusted dose Groups.
Conclusion
The adapted version of the software is safe and reliable for its use in Brazil.
Software; Dosage forms; Anti-infective agents; Piperacillin; Intensive care units; Surveys and questionnaires; Brazil
INTRODUÇÃO
As infecções bacterianas são importante causa de morbimortalidade e estão entre as dez causas de morte da população mundial, principalmente em países de baixa renda.11. World Health Organization (WHO). The top 10 causes of death [Internet]. Geneva: WHO; 2018 [cited 2019 Sep 9]. Available from: http://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/the-top-10-causes-of-death
http://www.who.int/news-room/fact-sheets...
Adicionalmente, a resistência bacteriana aos antibióticos constitui preocupação global e grande problema de saúde pública mundial. Em março de 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propôs um plano de ação para combate à resistência bacteriana, considerando que a prescrição e a administração adequada devem ser consideradas prioridades para a redução da resistência crescente aos antibióticos, e o uso racional e responsável dos antibióticos foi umas das ações sugeridas.22. World Health Organization (WHO). Antibacterial agents in clinical development: an analysis of the antibacterial clinical development pipeline, including tuberculosis [Internet]. Geneva: WHO; 2017 [cited 2019 Sep 9]. Available from: http://www.who.int/iris/handle/10665/258965
http://www.who.int/iris/handle/10665/258...
,33. Roca I, Akova M, Baquero F, Carlet J, Cavaleri M, Coenen S, et al. Corrigendum to “The global threat of antimicrobial resistance: science for intervention” [New Microbes New Infect 6 (2015):22-9]. New Microbes New Infect. 2015;8:175.
O uso de doses padronizadas de antibióticos é fator de risco modificável para a emergência de resistência bacteriana que a maioria dos profissionais de saúde tem ignorado. O ajuste e a individualização de dose, por meio da utilização de métodos que utilizam a correlação farmacocinética/farmacodinâmica (PK/PD), são ferramentas com potencial para melhora dos prognósticos clínicos em alguns cenários e também para auxiliar na redução da incidência de resistência, por permitirem a individualização de dose e, desta maneira, atingir concentrações terapêuticas do fármaco.44. World Health Organization (WHO). Global action plan on antimicrobial resistance [Internet]. Geneva: WHO; 2017[cited 2019 Sep 9]. Available from: http://www.wpro.who.int/entity/drug_resistance/resources/global_action_plan_eng.pdf
http://www.wpro.who.int/entity/drug_resi...
,55. Asín-Prieto E, Rodriguez-Gascon A, Isla A. Applications of the pharmacokinetic/pharmacodynamic (PK/PD) analysis of antimicrobial agents. J Infect Chemother. 2015;21(5):319-29. Review.
Atualmente, existem programas computacionais desenvolvidos na América do Norte e Europa que permitem a individualização e o ajuste de dose, baseados na utilização de dados de PK populacional.66. Roberts JA, Abdul-Aziz MH, Lipman J, Mouton JW, Vinks AA, Felton TW, Hope WW, Farkas A, Neely MN, Schentag JJ, Drusano G, Frey OR, Theuretzbacher U, Kuti JL; International Society of Anti-Infective Pharmacology and the Pharmacokinetics and Pharmacodynamics Study Group of the European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases. Individualised antibiotic dosing for patients who are critically ill: challenges and potential solutions. Lancet Infect Dis. 2014;14(6):498-509. Review. Nenhum destes programas foi adaptado para a língua portuguesa e nem validado para a população brasileira.
Os conteúdos não devem ser traduzidos apenas linguisticamente, mas também devem ser adaptados culturalmente, para manter a validade e o entendimento em diferentes culturas. A adaptação transcultural busca conseguir a equivalência do conteúdo, permitindo a validade e a confiabilidade nas informações.77. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91. Review.
O uso de aplicativos para ajuste de dose de antibióticos pode melhorar o tratamento das infecções bacterianas e, para correta utilização, é necessário um software claro, preciso e no idioma português, para sua utilização no Brasil.
OBJETIVO
Adequar e adaptar um software de ajuste de dose de antibióticos, inicialmente elaborado em língua inglesa, para o português e para a realidade brasileira, e avaliar adaptação do software em ambiente real de uma unidade de terapia intensiva.
MÉTODOS
Trata-se de estudo observacional, descritivo conduzido no período de 4 de dezembro de 2016 a 4 de dezembro de 2017. Na primeira etapa para adaptação linguística e cultural do instrumento software, foi utilizada a técnica de Delphi.
O software utilizado no presente estudo é o Individually Designed Optimum Dosing Strategies (ID-ODS) 2014 (http://www.optimum-dosing-strategies.org), um aplicativo disponibilizado via internet, que tem como objetivo a obtenção de doses de antibióticos otimizadas individualmente. Utiliza-se de métodos baseados em modelos estatísticos e simulação de Monte Carlo, com informações oriundas de determinadas populações de pacientes, objetivando proporcionar a máxima chance de resultados clínicos positivos. É uma ferramenta com recursos de simulação disponíveis, e extensa biblioteca construída a partir de modelos farmacocinéticos populacionais.
Foram convidados a participar e serem os juízes do estudo 128 especialistas, profissionais de farmácia, infectologia, clínica médica, medicina intensiva e pesquisadores, de diferentes instituições de saúde, escolhidos a partir de uma lista de e-mails de profissionais, envolvidos com terapia intensiva, em instituições com unidades de terapia intensiva, em banco de e-mail pessoal dos pesquisadores, além de e-mails de profissionais envolvidos com pesquisas em farmacologia.
O instrumento de pesquisa foi desenvolvido por meio da plataforma Google Forms, que consistiu em carta convite com a opção de aceite ou rejeição, seguida de um questionário para preenchimento, com algumas questões classificadas como sim ou não, e para as questões sobre nível de concordância com alternativas de zero a 10. Na primeira etapa, foi enviada carta convite por e-mail aos juízes. A carta foi reenviada por e-mail para relembrar aos não respondentes no 7º, 15º e 30º dias após o primeiro convite. Os participantes que não preencheram o questionário após as três tentativas foram considerados como recusa e excluídos do estudo. Os e-mails que retornaram, após conferência de sua correta digitação, foram excluídos. Foram realizadas rodadas (Figura 1), até obtenção do consenso definido como concordância superior a 80%. Na primeira rodada, foi obtido consenso superior a 80%; a segunda etapa apenas realizou as modificações sugeridas pelos participantes da primeira rodada, e foi novamente checado o nível de concordância após essas modificações.88. Elliott D, Elliott R, Burrell A, Harrigan P, Murgo M, Rolls K, et al. Incidence of ventilator-associated pneumonia in Australasian intensive care units: use of a consensus-developed clinical surveillance checklist in a multisite prospective audit. BMJ Open. 2015;5(10):e008924.
9. Goodrich GL, Martinsen GL, Flyg HM, Kirby J, Asch SM, Brahm KD, Brand JM, Cajamarca D, Cantrell JL, Chong T, Dziadul JA, Hetrick BJ, Huang MA, Ihrig C, Ingalla SP, Meltzer BR, Rakoczy CM, Rone A, Schwartz E, Shea JE; U.S. Department of Veterans Affairs. Development of a mild traumatic brain injury-specific vision screening protocol: a Delphi study. J Rehabil Res Dev. 2013;50(6):757-68.
10. Kennedy ED, Milot L, Fruitman M, Al-Sukhni E, Heine G, Schmocker S, et al. Development and implementation of synoptic MRI report for preoperative staging of rectal cancer on a population-based level. Dis Colon Rectum. 2014;57(6):700-8.-1111. Mendes JC, Justo da Silva L. Neonatal palliative care: developing consensus among neonatologists using the Delphi Technique in Portugal. Adv Neonatal Care. 2013;13(6):408-14. Para as demais rodadas, foram convidados, seguindo os critérios da primeira rodada, todos os juízes que responderam ao primeiro questionário.
Etapas da técnica Delphi para avaliação do software Individually Designed Optimum Dosing Strategies
Foram realizadas perguntas que abordaram os aspectos visuais e operacionais do programa computacional, a saber: apresentação visual do software; clareza e precisão das informações; “Você considera a plataforma de fácil acesso?”, “Alguma informação é duvidosa?”; “O tempo necessário para aguardar a geração do gráfico e das informações da dose do antibiótico é aceitável?”; “O gráfico é de fácil entendimento?”; “Você modificaria alguma informação no gráfico?”; “Você utilizaria esse aplicativo em sua prática clínica?”; “Que pontuação você daria para este aplicativo?”; e “Você teria mais alguma sugestão ou crítica para o aprimoramento do aplicativo?”.
Já para a segunda etapa, foi realizado um piloto para avaliação da adaptação do software em ambiente real de uma unidade de terapia intensiva (UTI). Foi realizado estudo experimental, prospectivo, com alocação aleatória, tendo sido comparadas as diferenças entre doses de piperacilina/tazobactam, e variáveis de interesse de indivíduos em uso de dose padronizada usual de piperacilina/tazobactam, e os que utilizaram a dose individualizada ajustada por meio do ID-ODS. O estudo foi desenvolvido na UTI de um hospital de médio porte do centro-oeste de Minas Gerais. A UTI possuía dez leitos e era de porte II, atendendo a população adulta. A piperacilina/tazobactam foi o fármaco de pesquisa, uma vez que esta foi implementada no protocolo de antimicrobianos da instituição recentemente, sendo limitado o uso apenas para pacientes da UTI, facilitando a randomização e o ajuste dose, quando necessário, de cada paciente.
Foram recrutados todos os pacientes admitidos na UTI que receberam piperacilina/tazobactam no período de 12 meses: de 1º de fevereiro de 2017 até o dia 1º fevereiro de 2018. Foram elegíveis para participar do estudo os pacientes com idade superior a 18 anos; infecção confirmada ou suspeita; indicação de uso do antibiótico piperacilina/tazobactam, conforme protocolo institucional. Foram excluídos gestantes; indivíduos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou de hepatite B ou C; com alergia ao antibiótico utilizado; inscritos previamente neste estudo; com creatinina >2mg/dL, ou elevação superior a duas vezes o valor basal; com insuficiência de dados para calcular a dose inicial por meio do software.
As variáveis de interesse avaliadas, obtidas por meio de prontuários de pacientes, foram mortalidade global em 30 dias; tempo de permanência em UTI; número de dias de uso de antibiótico; concentração de creatinina sérica >2mg/dL ou aumento em duas vezes nas últimas 72 horas; variação da creatinina na admissão e após 72 horas; pontuação do Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3), do Multiple Organ Dysfunction Score (MODS) e Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) no momento da randomização; pontuação MODS e SOFA nos dias 5, 7 e 14 de tratamento com o antibiótico piperacilina+tazobactam; e pontuação SAPS 3, no dia 28 de tratamento.
Pressão de oxigênio (PaO2), fração inspirada de oxigênio (FiO2), plaquetas, bilirrubinas, creatinina, frequência cardíaca, pressão venosa central, pressão arterial média, global de leucócitos, temperatura axilar, saturação de oxigênio (SatO2), bicarbonato e escala de coma de Glasgow foram os dados necessários para cálculo do SAPS 3, do SOFA e do MODS.
Para o ajuste de dose do software, foram usados: idade, altura, peso, sexo, creatinina, local de internação do paciente e concentração inibitória mínima (CIM).
A alocação dos pacientes foi obtida por meio de números aleatórios randomizados em bloco obtidos pelo software StatsDirect, na opção alocação balanceada em blocos de 20. Os participantes do ensaio clínico não tiveram conhecimento do grupo em que foram alocados.
Foram formados dois grupos, sendo o controle com dose inicial empírica calculada por meio das recomendações da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar da instituição (tazobactam 4,5g por via endovenosa a cada 8 horas) e o intervenção com ajuste de dose individualizada, calculada pelo software de dosagem de antibiótico ID-ODS adaptado para o português, disponível em um computador.
Doses de infusão prolongada não foram utilizadas durante o período de pesquisa na UTI. O tempo de duração de tratamento seguiu o protocolo interno de administração de antimicrobianos de 10 a 14 dias.
Foi apresentado o software para todos os prescritores da UTI, realizando treinamento individual simulando situações para obtenção de doses e orientação do prescritor no uso do software. Foram feitas reuniões com equipe técnica de farmácia e enfermagem, para sanar quaisquer dúvidas em relação a fracionamento, administração e armazenamento das doses, para garantir segurança ao paciente. A equipe técnica também foi orientada a notificar qualquer evento adverso relacionado ao fármaco.
Foi realizada análise descritiva dos dados, por meio da distribuição de frequência e medidas de tendência central. As variáveis categóricas (sexo, sepse e uso prévio de antibiótico) foram expressas em frequência e percentagem, e analisadas utilizando o teste exato de Fisher e teste χ2 de Pearson. Para as variáveis numéricas, primeiramente foi verificada a normalidade dos dados e, posteriormente, foram realizada análises de comparação. Para os dados que não apresentam distribuição normal (idade, peso, altura, SOFA, MODS, SAPS, dose diária, tempo de internação UTI, creatinina sérica e dose administrada no intervalo de dose), utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Todas as análises foram realizadas considerando o nível de significância de 5%, realizadas pelo programa (SPSS), versão 19.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas Envolvendo Seres Humanos da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Campus Centro-Oeste, protocolo de aprovação 1.835.004, CAAE: 56916216.5.0000.5545 em 14 de novembro de 2016. Todos os participantes ou seus responsáveis legais foram orientados e convidados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Foram enviados 128 convites aos juízes, sete retornaram na caixa de correios, totalizando 121 enviados. Destes, foram obtidos 12 retornos, conforme mostra a figura 2.
Participaram da primeira rodada seis médicos (três infectologistas e três intensivistas), quatro farmacêuticos docentes e pesquisadores e dois pós-graduandos (um mestrando e um doutorando) da área de ciências da saúde, conforme tabela 1.
O consenso obtido na primeira rodada foi superior a 80%, e as sugestões derivadas das respostas dos juízes foram encaminhadas ao desenvolvedor do software, para adequação e ajustes. Posteriormente foram submetidas à segunda rodada, para verificação e permanência de concordância. Na segunda rodada, os juízes determinaram um consenso superior a 90% dos questionamentos, conforme tabela 2.
A frequência das principais sugestões obtidas pelos juízes, importantes para a adequação do software, encontra-se na tabela 3.
Foram realizadas mudanças no layout do software antes e após as sugestões dos juízes, não tendo sido registradas dificuldades quanto ao uso do software. Ele foi, então, implementado na rotina da UTI, para realização da segunda etapa da pesquisa.
Na segunda etapa, foram admitidos na UTI, no período de recrutamento, 29 pacientes com indicação de uso de piperacilina/tazobactam. Destes, 21 preenchiam todos os requisitos para inclusão no estudo, sendo 20 pacientes do primeiro bloco de randomização e um do segundo bloco.
Os grupos foram compostos por pacientes predominantemente do sexo masculino (66,6%) com idade variando entre 48 e 87 anos e mediana entre os grupos de 70,14 anos para o grupo dose ajustada e 67,0 anos para o grupo dose padronizada. A tabela 4 apresenta as características antropométricas dos grupos. Não houve diferença estatisticamente significativa entre eles em nenhuma das variáveis sociodemográficas avaliadas neste estudo (p>0,05).
Os resultados das culturas de material biológico foram disponibilizados para 18 (86%) pacientes. Não houve crescimento detectado de bactérias em culturas de nove pacientes (43%), e, para os pacientes com resultados apresentando crescimento bacteriano, oito (38%) apresentaram perfil de suscetibilidade sensível e um (4,8%) intermediário a piperacilina/tazobactam. Para os demais pacientes, não foram solicitadas culturas (3; 14,3%).
Não se verificaram diferenças para as doses totais administradas entre os grupos. Por outro lado, tanto a dose administrada por horário quanto a frequência de administração destas doses apresentaram diferença entre os grupos (p<0,0001). Em relação ao perfil clínico dos participantes do estudo, não houve diferença em relação às variáveis clínicas e laboratoriais no início da antibioticoterapia (D0), conforme apresentado na tabela 5.
Ao avaliar os escores e os desfechos, observou-se ausência de diferenças estatisticamente significativas, exceto MODS no quinto dia de antibioticoterapia (D5). Destaca-se que, apesar do grupo dose padronizada possuir menores valores do MODS no D5, esta diferença não se manteve no decorrer do tratamento. O cálculo do SAPS 3 no 28º dia não foi possível, pois eram poucos os pacientes para análise (Tabela 6).
Houve boa aceitação da equipe de prescritores em relação ao uso do software. Não foram registrados eventos adversos relacionado ao uso de piperacilina/tazobactam, mas houve vários registros da equipe técnica de enfermagem em relação às dificuldades encontradas na administração de piperacilina/tazobactam durante o período de estudo.
DISCUSSÃO
O uso de um software de ajuste e individualização de dose de antibióticos pode contribuir para o uso racional de antibióticos, otimizando e maximizando sua eficácia terapêutica.66. Roberts JA, Abdul-Aziz MH, Lipman J, Mouton JW, Vinks AA, Felton TW, Hope WW, Farkas A, Neely MN, Schentag JJ, Drusano G, Frey OR, Theuretzbacher U, Kuti JL; International Society of Anti-Infective Pharmacology and the Pharmacokinetics and Pharmacodynamics Study Group of the European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases. Individualised antibiotic dosing for patients who are critically ill: challenges and potential solutions. Lancet Infect Dis. 2014;14(6):498-509. Review. Por outro lado, sua utilização em idioma estrangeiro, sem a adaptação linguística e cultural para a língua portuguesa, pode desencadear erros de entendimento e provocar contradições.77. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91. Review. Desta forma, sua adequação e validação são maneiras de evitar eventuais erros ou equívocos relacionados à ambientação linguística, como verificado no presente estudo – por exemplo, ajustes de idioma, como a substituição do ponto final pela vírgula, foram necessários, para que não fossem ocasionadas divergências nos cálculos do programa computacional.
Houve concordância superior a 80% em todos os itens avaliados já na primeira rodada, e, após a realização das adequações, na segunda rodada, observou-se aumento na concordância. O alcance de uma concordância superior a 90% em todas as perguntas denotou homogeneidade na avaliação dos juízes, apesar das diferentes áreas de atuação e de profissões.
Destaca-se, ainda, a sugestão de alguns juízes que solicitaram uma melhor caracterização da CIM, a qual tem grande importância no controle das infecções bacterianas. O entendimento da CIM e de suas consequências é de fundamental importância para uma ótima utilização do software.
Estudo recente, avaliando a capacidade de atingir o alvo terapêutico em pacientes sépticos e criticamente doentes, analisou dados de 68 UTI em 10 países e verificou que a dose padronizada, associada à frequência de administração habitual, não atingiu concentrações que efetivamente fossem capazes de abranger todos os organismos suscetíveis.1212. De Waele JJ, Lipman J, Akova M, Bassetti M, Dimopoulos G, Kaukonen M, et al. Risk factors for target non-attainment during empirical treatment with β-lactam antibiotics in critically ill patients. Intensive Care Med. 2014;40(9):1340-51. Erratum in: Intensive Care Med. 2015;41(5):969. Dosage error in article text. Em outros estudos, a dose ajustada aumentou a probabilidade de se atingirem os alvos terapêuticos preconizados, principalmente em subpopulações de pacientes criticamente doentes.55. Asín-Prieto E, Rodriguez-Gascon A, Isla A. Applications of the pharmacokinetic/pharmacodynamic (PK/PD) analysis of antimicrobial agents. J Infect Chemother. 2015;21(5):319-29. Review. O presente estudo evidenciou que, utilizando o software para ajuste individualizado, e com o alvo de CIM em 8mg/dL, as doses totais diárias foram estatisticamente similares às do grupo dose padronizada. Apesar de terem sido fornecidas doses totais similares, o software otimiza a forma de administração do fármaco, ocasionando um fracionamento da dose e aumentando sua frequência de administração.
Vários estudos têm proposto que antimicrobianos administrados por infusão contínua ou prolongada apresentam taxas de cura clínica superiores, quando comparados à administração por dose convencional, e que a individualização de dose, baseada na estimativa bayesiana e em covariáveis clínicas, apresenta maior probabilidade de atingir concentrações terapêuticas capazes de eliminar a infecção e reduzir o surgimento de resistência.1313. Charmillon A, Novy E, Agrinier N, Leone M, Kimmoun A, Levy B, et al. The ANTIBIOPERF study: a nationwide cross-sectional survey about practices for β-lactam administration and therapeutic drug monitoring among critically ill patients in France. Clin Microbiol Infect. 2016;22(7):625-31.
14. Yang H, Zhang C, Zhou Q, Wang Y, Chen L. Clinical outcomes with alternative dosing strategies for piperacillin/tazobactam: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2015;10(1):e0116769. Review.
15. Sime FB, Roberts MS, Roberts JA. Optimization of dosing regimens and dosing in special populations. Clin Microbiol Infect. 2015;21(10):886-93. Review.-1616. Roberts JA, Kirkpatrick CM, Roberts MS, Dalley AJ, Lipman J. First-dose and steady-state population pharmacokinetics and pharmacodynamics of piperacillin by continuous or intermittent dosing in critically ill patients with sepsis. Int J Antimicrob Agents. 2010;35(2):156-63. Evidencia-se, no presente estudo, a tendência de menor mortalidade no grupo dose ajustada. Mesmo no quinto dia, no qual foram encontrados escores de gravidade mais elevados no grupo que teve a dose ajustada em comparação com os do grupo dose padronizada, observou-se um desfecho similar e numericamente inferior em relação ao total de mortes no decorrer do estudo. O baixo número de participantes pode ter influenciado no desfecho, impedindo extrapolações, mas, ainda assim, nossos resultados permitem inferir a possibilidade de se utilizarem os softwares de ajuste de dose desenvolvidos com base populacional estrangeira na população brasileira.
Muitas vezes, doses elevadas são necessárias para se atingirem concentrações adequada, para tratar infecções causadas por organismos menos suscetíveis (por exemplo, Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumannii).1717. Hayashi Y, Roberts JA, Paterson DL, Lipman J. Pharmacokinetic evaluation of piperacillin-tazobactam. Expert Opin Drug Metab Toxicol. 2010;6(8):1017-31. Review. Além disso, para antibióticos tempo-dependente, quando se aumenta a frequência de administração, ou seja, reduz-se o intervalo entre as doses, a probabilidade de alcance do alvo PK/PD aumenta consideravelmente, uma vez que se reduz também o tempo em que o antimicrobiano necessita ficar acima da CIM. Consequentemente, o aumento da percentagem do tempo acima da CIM (%T≥CIM) está relacionado a resultados clínicos mais favoráveis.66. Roberts JA, Abdul-Aziz MH, Lipman J, Mouton JW, Vinks AA, Felton TW, Hope WW, Farkas A, Neely MN, Schentag JJ, Drusano G, Frey OR, Theuretzbacher U, Kuti JL; International Society of Anti-Infective Pharmacology and the Pharmacokinetics and Pharmacodynamics Study Group of the European Society of Clinical Microbiology and Infectious Diseases. Individualised antibiotic dosing for patients who are critically ill: challenges and potential solutions. Lancet Infect Dis. 2014;14(6):498-509. Review.,1818. Felton TW, Roberts JA, Lodise TP, Van Guilder M, Boselli E, Neely MN, et al. Individualization of piperacillin dosing for critically ill patients: dosing software to optimize antimicrobial therapy. Antimicrob Agents Chemother. 2014;58(7):4094-102.,1919. Mah GT, Mabasa VH, Chow I, Ensom MH. Evaluating outcomes associated with alternative dosing strategies for piperacillin/tazobactam: a qualitative systematic review. Ann Pharmacother. 2012;46(2):265-75. Review.
Uma consideração importante é, que no presente estudo, foi evidenciada a dificuldade de adaptação da equipe em realizar o fracionamento, o armazenamento e a administração da piperacilina/tazobactam em doses fracionadas e em intervalos diferentes dos habituais na dose padronizada. Erros na administração podem responder por 13% de eventos adversos em UTI. Ainda, observam-se taxas de eventos adversos medicamentosos potencialmente evitáveis duas vezes superior em UTI, em comparação com unidades não intensivas.2020. Cullen DJ, Sweitzer BJ, Bates DW, Burdick E, Edmondson A, Leape LL. Preventable adverse drug events in hospitalized patients: a comparative study of intensive care and general care units. Crit Care Med. 1997;25(8):1289-97.,2121. Nebeker JR, Hoffman JM, Weir CR, Bennett CL, Hurdle JF. High rates of adverse drug events in a highly computerized hospital. Arch Intern Med. 2005;165(10):1111-6. Desta forma, instituições que optam por utilizar dose ajustada precisam investir em treinamento da equipe e criar barreiras de segurança para evitar tais erros.2222. Machado AS. O impacto do monitoramento terapêutico de antimicrobianos sobre o tratamento e mortalidade intra-hospitalar de pacientes em uma UTI de queimados [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2016.
Dentre as limitações do presente estudo, verificou-se o baixo índice de respostas dos participantes na primeira rodada. Não existe um consenso determinando o número ideal de participantes para realização da técnica de Delphi. Reid2323. Reid N. The Delphi technique: its contribution to the evaluation of professional practice. In: Roger E. Professional competence and quality assurance in the caring professions. London: Chapman and Hall; 1989. Cap. 230. p.262.observou variação de 10 a 1.685 participantes entre os estudos. No presente estudo, obteve-se taxa de retorno de 10%, ou seja, valor abaixo dos encontrados em inquéritos online realizados na América do Norte, Europa e Oceania, que tiveram média de 33%.2424. Nulty DD. The adequacy of response rates to online and paper surveys: what can be done? Assess Eval High Educ. 2008;33(3):301-14. Estratégias descritas para aumentar a taxa de respostas, como reenvio por três vezes do questionário e envio em horários comerciais, foram utilizadas no presente estudo. Alguns fatores podem ter influenciado este resultado: os participantes foram convidados apenas por meio da carta convite por e-mail, sem prévia abordagem pessoal dos pesquisadores; não houve garantia de leitura do e-mail; e muitos e-mails podem ter caído automaticamente na lista de spams. Habitualmente, para as análises estatísticas, o número de participantes é determinado após o aceite em participar da técnica Delphi, sendo contabilizadas as abstenções apenas entre que aceitaram responder o questionário, mas não responderam. No nosso estudo, todos os juízes convidados cujos e-mails não retornaram foram contabilizados para definição da taxa de resposta, o que pode explicar a divergência com a literatura na primeira rodada. A segunda rodada, por sua vez, apresentou retorno de 72,7%, que é compatível com a literatura.2525. Wright JT, Giovinazzo RA. Delphi uma ferramenta de apoio ao planejamento prospectivo. Cad Pesq Admin. 2000;1(12):54-65.
A utilização do software traduzido e adaptado para o português e para a realidade brasileira transcorreu sem dificuldades. Em relação ao tratamento dos pacientes com doses ajustada e padronizadas, não foram observadas diferenças estatísticas entre os grupos, mas são necessários mais ensaios clínicos randomizados, para avaliar desfechos clínicos entre as doses e a verificação de suas concentrações séricas.
CONCLUSÃO
O presente estudo evidenciou que a versão do software em português é semanticamente segura e apresenta bom nível de validade, permitindo sua utilização no Brasil com confiabilidade, no que concerne à adaptação linguística e cultural. Além disso, a realização do piloto permitiu realizar os ajustes para melhorar a adaptação cultural do software Individually Designed Optimum Dosing Strategies e, com base nos resultados obtidos, concluímos que é viável sua utilização em pacientes críticos no Brasil. Deve-se dar continuidade nas avaliações e nos ajustes do programa computacional, até se obterem amostras de concentrações plasmáticas de base populacional nativa. Outros pontos importantes a serem considerados são o treinamento e a orientação da equipe da unidade, para o ajuste e a administração adequada das doses ajustadas.
AGRADECIMENTOS
À Universidade de Itaúna, pela parceria e pelo apoio a este estudo. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Código de Financiamento 001.
REFERENCES
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Jan 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
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Recebido
19 Fev 2019 -
Aceito
11 Set 2019