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Fístula intestinal após ingestão de magnetos

Resumos

A ingestão acidental de corpo estranho magnético tem sido mais observada, devido à disponibilidade cada vez maior de brinquedos e objetos com imãs. A maioria deles é eliminada pelo trato digestivo espontaneamente. Porém, a ingestão de duas ou mais peças podem desencadear situações de resolução cirúrgica. Relatamos aqui o caso de uma menina de 18 meses que desenvolveu fístula intestinal após a ingestão de 2 peças imantadas.

Magnetismo; Fístula intestinal; Corpos estranhos; Jogos e brinquedos; Criança; Relato de casos


Accidental ingestion of magnetic foreign bodies has become more common due to increased availability of objects and toys with magnetic elements. The majority of them traverse the gastrointestinal system spontaneously without complication. However, ingestion of multiple magnets may require surgical resolution. The case of an 18-month girl who developed an intestinal fistula after ingestion of two magnets is reported.

Magnetics; Intestinal fistula; Foreign bodies; Play and playthings; Child; Case reports


RELATO DE CASO

Fístula intestinal após ingestão de magnetos

Maurício MacedoI; Manoel Carlos Prieto VelhoteII; Rafael Forti MaschiettoIII; Renata Dejtiar WaksmanIV

IHospital Infantil Darcy Vargas, São Paulo, SP, Brasil

IIHospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil

IIIHospital Municipal Infantil Menino Jesus, São Paulo, SP, Brasil

IVHospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente

RESUMO

A ingestão acidental de corpo estranho magnético tem sido mais observada, devido à disponibilidade cada vez maior de brinquedos e objetos com imãs. A maioria deles é eliminada pelo trato digestivo espontaneamente. Porém, a ingestão de duas ou mais peças podem desencadear situações de resolução cirúrgica. Relatamos aqui o caso de uma menina de 18 meses que desenvolveu fístula intestinal após a ingestão de 2 peças imantadas.

Descritores: Magnetismo/efeitos adversos; Fístula intestinal/etiologia; Corpos estranhos; Jogos e brinquedos/lesões; Criança; Relato de casos

INTRODUÇÃO

A ingestão de corpo estranho é uma queixa comum nos serviços de urgências em pediatria. No Estados Unidos, a incidência anual é de mais de 100 mil pacientes, sendo que mais de 80% ocorre na população pediátrica(1). A maioria dos casos de ingestão de corpo estranho ocorre em crianças com idade de 6 meses a 3 anos. Entre os artefatos mais comumente ingeridos, destacam-se moedas, pequenas peças de brinquedos, baterias e, menos frequentemente, peças imantadas. De modo geral, o objeto que alcança o estômago, costuma passar pelo piloro e pela válvula íleo-cecal, sendo eliminado naturalmente. Em cerca de 80% dos casos, ocorrerá eliminação espontânea, em 20%, será necessária endoscopia e, em menos de 1%, ocorrerão complicações, sendo necessário procedimento cirúrgico(2).

A endoscopia está indicada sempre que o corpo estranho estiver no esôfago ou no estômago e se tratar de objeto longo e afiado, múltiplos imãs, baterias, ou se permanecer no estômago, independentemente do tamanho(3). A cirurgia está reservada para os casos em que ocorrerem complicações ou, então, para a não eliminação do objeto. As complicações mais comuns são a obstrução e a perfuração do trato gastrintestinal

A ingestão de peças imantadas, ainda pouco frequente em nosso meio, apresenta características distintas de outros corpos estranhos, que devem ser conhecidas. Nesse trabalho, relatamos uma complicação relacionada à ingestão de peças imantadas.

RELATO DE CASO

Menina de 1 ano e 6 meses de idade, com história de ingestão, no mesmo dia, de 2 imãs de fixar fotografias em superfície metálica, há 7 dias. A paciente esteve assintomática durante todo esse período, porém as peças não foram eliminadas com as fezes. Ao exame físico, o abdome apresentava-se flácido, indolor à palpação e à percussão, fígado e baço não palpáveis, ausência de tumorações e com ruídos hidroaéreos normais. Radiografia realizada no dia da ingestão mostrou os artefatos na cavidade abdominal. No entanto, no seguimento radiológico, os mesmos se mantiveram na mesma posição em região de mesogástrio. Observava-se, adicionalmente, que as duas peças estavam juntas (Figura 1). Diante disso, optou-se por tratamento cirúrgico. Inicialmente, foi indicada videolaparoscopia para localização das peças. Durante o procedimento, cons-tatou-se que duas alças intestinais estavam aderidas e bloqueadas por epíplon. Quando desfeito o bloqueio, pode-se observar que os imãs estavam em segmentos diferentes do intestino, distantes um do outro cerca de 20cm, aderidos entre si e já com uma fístula entre eles (Figura 2). O intestino foi, então, exteriorizado pela cicatriz umbilical, realizando-se uma enterectomia com retirada dos imãs e êntero-êntero anastomose. A paciente apresentou boa evolução, recebendo alta no 3º dia pós-operatório.



DISCUSSÃO

Ingestão acidental de corpos estranhos magnéticos por crianças tem ocorrido cada vez mais, devido à disponibilidade de objetos e brinquedos contendo elementos magnéticos(4,5).

A ingestão de magnetos e suas complicações são pouco discutidas na literatura. A maioria dos trabalhos publicados é da Coreia, Japão e China, onde magnetos são comercializados em grande escala, para o tratamento de dores musculares e melhora da circulação(6,7). Outra fonte de magnetos são os utilizados como peças em brinquedos e bijuterias(8).

A ingestão de um único magneto, pequeno o suficiente para passar pelo trato gastrintestinal, não representa risco adicional. Da mesma maneira, a ingestão de dois ou mais magnetos não representa risco se forem simultâneas e as peças aderirem entre si. As complicações ocorrem quando duas ou mais peças transitam separadas entre si, em segmentos distintos do trato digestivo, atraindo-se quando próximas. Quando isso ocorre, a compressão pode ocasionar isquemia da alça intestinal e complicações podem surgir, como perfuração com peritonite(8) ou formação de fístula(7,9), obstrução intestinal(2,10) e volvo de delgado(11).

Uma vez diagnosticada a ingestão e quando não estiverem mais no estômago, devem ser submetidos a uma observação rigorosa, uma vez que a diferenciação radiológica entre a ingestão de um único ou de vários magnetos pode ser sutil ou até impossível de ser determinada.

O acompanhamento, na ausência de sinais de obstrução intestinal ou perfuração, é radiológico. As radiografias devem ser realizadas por ocasião da ingestão e repetidas após 48 a 72 horas, para demonstrarem a progressão do objeto. Se durante esse acompanhamento ficar demonstrado que as peças se encontram na mesma posição, deve ser realizada abordagem cirúrgica.

Pais devem ser orientados a realizarem a prevenção desse acidente. Profissionais da saúde devem ser alertados sobre os riscos em potencial e as possíveis complicações da ingestão de magnetos, que deve ser tratada de forma diferente daquelas causadas por ingestão de outros tipos de objetos, pela alta morbidade associada.

REFERÊNCIAS

  • 1.   Kay M, Wyllie R. Pediatric foreign bodies and their management. Curr Gastroenterol Rep. 2005;7(3):212-8.
  • 2.   Butterworth J, Feltis B. Toy magnet ingestion in children: revising the algorithm. J Pediatr Surg. 2007;42(12):E3-5.
  • 3.   Louie MC, Bradin S. Foreign body ingestion and aspiration. Pediatr Rev. 2009;30(8):295-301, quiz 301.
  • 4.   George AT, Motiwale S. Magnet ingestion in children--a potentially sticky issue? Lancet. 2012;379(9834):2341-2.
  • 5.   Lee BK, Ryu HH, Moon JM, Jeung KW. Bowel perforations induced by multiple magnet ingestion. Emerg Med Austr. 2010;22(2):189-91.
  • 6.   Honzumi M, Shigemori C, Ito H, Mohri Y, Urata H, Yamamoto T. An intestinal fistula in a 3-year old child caused by the ingestion of magnets: report of a case. SurgToday. 1995;25(6):552-3.
  • 7.   Chung JH, Kim JS, Song YT. Small bowel complication caused by magnetic foreign body ingestion of children: two case reports. J Pediatr Surg. 2003; 38(10):1548-50.
  • 8.   Hernández Anselmi E, Gutiérrez San Román C, Barrios Fontoba JE, Ayuso González L, Valdés Dieguez E, Lluna González J, et al. Intestinal perforation caused by magnetic toys. J Pediatr Surg. 2007;42(3):E13-6.
  • 9.   Berg DA, Tynan MG, Grewal H. Magnets in the stomach. J Pediatr Surg. 2006;41(5):1037-9.
  • 10. Wildhaber EB, Le Coulte C, Genin B. Ingestion of magnets: innocent in solitude, harmful in groups. J Pediatr Surg. 2005;40(10):e33-5.
  • 11. Nui A, Hirama T, Ktsuramaki T, Maeda T, Meguro M, Nagayama M, et al. An intestinal volvulus caused by multiple magnet ingestion: an unexpected risk in children. J Pediatr Surg.2005;40(9):e9-11.
  • Corresponding author:

    Maurício Macedo
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      03 Set 2012
    • Aceito
      22 Fev 2013
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