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Transtornos do espectro autista: um guia atualizado para aconselhamento genético

RESUMO

O transtorno do espectro autista é um distúrbio complexo e geneticamente heterogêneo, o que sempre dificultou a identificação de sua etiologia em cada paciente em particular e, por consequência, o aconselhamento genético das famílias. Porém, nas últimas décadas, o acúmulo crescente de conhecimento oriundo das pesquisas sobre os aspectos genéticos e moleculares desta doença, assim como o desenvolvimento de novas ferramentas de diagnóstico molecular, tem mudado este cenário de forma substancial. Atualmente, estima-se que, por meio de testes moleculares, é possível detectar uma alteração genética potencialmente causal em cerca de 25% dos casos. Considerando-se também a avaliação clínica, a história pré-natal e a investigação de outros aspectos fisiológicos, pode-se atribuir uma etiologia para aproximadamente 30 a 40% dos pacientes. Assim, em vista do conhecimento atual sobre a arquitetura genética do transtorno do espectro autista, que tem tornado o aconselhamento genético cada vez mais preciso, e dos potenciais benefícios que a investigação etiológica pode trazer aos pacientes e familiares, tornam-se cada vez mais importantes os testes genéticos moleculares. Apresentamos aqui uma breve discussão sobre a visão atual da arquitetura genética dos transtornos do espectro autista, listando as principais alterações genéticas associadas, os testes moleculares disponíveis e os principais aspectos a se considerar para o aconselhamento genético destas famílias.

Transtorno autístico; Aconselhamento genético; Análise em microsséries; Testes genéticos; Patologia molecular

ABSTRACT

Autism spectrum disorder is a complex and genetically heterogeneous disorder, which has hampered the identification of the etiological factors in each patient and, consequently, the genetic counseling for families at risk. However, in the last decades, the remarkable advances in the knowledge of genetic aspects of autism based on genetic and molecular research, as well as the development of new molecular diagnostic tools, have substantially changed this scenario. Nowadays, it is estimated that using the currently available molecular tests, a potential underlying genetic cause can be identified in nearly 25% of cases. Combined with clinical assessment, prenatal history evaluation and investigation of other physiological aspects, an etiological explanation for the disease can be found for approximately 30 to 40% of patients. Therefore, in view of the current knowledge about the genetic architecture of autism spectrum disorder, which has contributed for a more precise genetic counseling, and of the potential benefits that an etiological investigation can bring to patients and families, molecular genetic investigation has become increasingly important. Here, we discuss the current view of the genetic architecture of autism spectrum disorder, and list the main associated genetic alterations, the available molecular tests and the key aspects for the genetic counseling of these families.

Autistic disorder; Genetic counseling; Microarray analysis; Genetic testing; Pathology, molecular

INTRODUÇÃO

O transtorno do espectro autista (TEA) é um grupo de distúrbios do desenvolvimento neurológico de início precoce, caracterizado por comprometimento das habilidades sociais e de comunicação, além de comportamento comportamentos estereotipados.11. American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Washington (DC): American Psychiatric Association; 2013. Embora definido por estes principais sintomas, o fenótipo dos pacientes com TEA pode variar muito, abrangendo desde indivíduos com deficiência intelectual (DI) grave e baixo desempenho em habilidades comportamentais adaptativas, até indivíduos com quociente de inteligência (QI) normal, que levam uma vida independente. Estes indivíduos também podem apresentar uma série de outras comorbidades, como hiperatividade, distúrbios de sono e gastrintestinais, e epilepsia.22. Zafeiriou DI, Ververi A, Vargiami E. Childhood autism and associated comorbidities. Brain Dev. 2007;29(5):257-72. Review. Estima-se que o TEA afete 1% da população e seja quatro vezes mais prevalente entre homens do que entre mulheres.33. Christensen DL, Baio J, Van Naarden Braun K, Bilder D, Charles J, Constantino JN, Daniels J, Durkin MS, Fitzgerald RT, Kurzius-Spencer M, Lee LC, Pettygrove S, Robinson C, Schulz E, Wells C, Wingate MS, Zahorodny W, Yeargin-Allsopp M; Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Prevalence and characteristics of autism spectrum disorder among children aged 8 years--Autism and Developmental Disabilities Monitoring Network, 11 Sites, United States, 2012. MMWR Surveill Summ. 2016;65(3):1-23. Erratum in: MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2016;65(15):404.

Embora se acredite que fatores ambientais, como infecções ou o uso de determinados medicamentos durante a gestação, tenham papel no desenvolvimento do transtorno, estima-se que o TEA seja hereditário em cerca de 50 a 90% dos casos, o que demonstra a importância dos fatores genéticos na patogênese da doença.44. Ronald A, Hoekstra RA. Autism spectrum disorders and autistic traits: a decade of new twin studies. Am J Med Genet B Neuropsychiatr Genet. 2011; 156B(3):255-74. Review.,55. Sandin S, Lichtenstein P, Kuja-Halkola R, Larsson H, Hultman CM, Reichenberg A. The familial risk of autism. JAMA. 2014;311(7):1770-7. A compreensão dos aspectos genéticos envolvidos em uma doença fornece informações valiosas sobre o risco de recorrência, o prognóstico e as possíveis intervenções terapêuticas. Assim, todo o trabalho empreendido nas últimas décadas para entender melhor os fatores genéticos associados ao TEA melhorou muito a precisão diagnóstica e o aconselhamento genético para o transtorno. Nesta revisão, discutimos sobre a visão atual da arquitetura genética do TEA, destacando as diretrizes relativas a testes moleculares e aconselhamento genético para pacientes.

Arquitetura genética do transtorno do espectro autista

O TEA é considerado uma doença geneticamente heterogênea e complexa, já que apresenta diferentes padrões de herança e variantes genéticas causais. Para compreender a arquitetura genética atualmente definida do TEA, é importante considerar aspectos epidemiológicos e evolutivos, bem como todo o conhecimento disponível sobre as alterações moleculares relacionadas à doença. Primeiramente, devemos considerar uma regra evolutiva primordial que influencia a frequência de variantes genéticas presentes na população: se uma determinada variante genética tem efeito nocivo para o organismo e afeta negativamente a chance reprodutiva dos indivíduos (seu potencial reprodutivo), esta variante tende a apresentar baixa frequência na população, já que não será transmitida para as próximas gerações. Na verdade, é isto que acontece na maior parte das doenças monogênicas: elas são geralmente raras na população devido à baixa frequência dos respectivos alelos causais. De acordo com este pressuposto, se uma doença que reduz a adaptabilidade é comum na população, é improvável que ela seja causada por uma única variante com efeito funcional extremamente deletério. Por este motivo, supõe-se que doenças comuns com componentes genéticos tenham um modelo de herança poligênica ou multifatorial (genes combinados a fatores ambientais) e sejam, então, causadas pela herança de uma combinação de variantes genéticas, cada qual associadas baixo risco de desenvolvimento da doença. Como o impacto fenotípico de cada variante é baixo, se um indivíduo for portador de poucas ou algumas delas, não desenvolverá a doença e as variantes continuarão sendo transmitidas de geração a geração, tornando-se comuns na população. Consequentemente, a chance de um indivíduo herdar um número suficiente destas variantes de baixo risco a ponto de desenvolver a doença não é tão raro. Uma discussão mais aprofundada sobre o assunto pode ser lida em El-Fishawy et al.66. El-Fishawy P, State MW. The genetics of autism: key issues, recent findings, and clinical implications. Psychiatr Clin North Am. 2010;33(1):83-105. Review.

Com base nestes conceitos, considerava-se que um padrão poligênico ou multifatorial de herança seria responsável pela maioria dos casos de TEA. No entanto, ao longo dos anos, constatou-se que um número considerável de pacientes com TEA apresentava mutações raras com efeito deletério sobre o desenvolvimento neuronal, que seriam suficientes para, sozinhas, causarem a doença.77. Durand CM, Betancur C, Boeckers TM, Bockmann J, Chaste P, Fauchereau F, et al. Mutations in the gene encoding the synaptic scaffolding protein SHANK3 are associated with autism spectrum disorders. Nat Genet. 2007;39(1):25-7.

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-1010. Bernier R, Golzio C, Xiong B, Stessman HA, Coe BP, Penn O, et al. Disruptive CHD8 mutations define a subtype of autism early in development. Cell. 2014; 158(2):263-76. Em algumas famílias, a mesma variante genética com potencial efeito deletério é compartilhada pelos indivíduos afetados, mas ela também está presente em indivíduos não afetados, o que sugere um padrão de herança monogênico com penetrância fenotípica incompleta. Desde então, os padrões de herança do TEA foram revisados e, atualmente, uma interação entre variantes comuns e raras parece ser a explicação mais provável para estes achados e para a arquitetura genética subjacente da doença (Figura 1). Deste modo, neste contexto, uma parte dos casos seria causada por um grande número de variantes comuns de baixo risco que, juntas, são capazes de desencadear o desenvolvimento da doença. Outros casos seriam causados por um número médio de variantes comuns de baixo risco, as quais levariam ao desenvolvimento do TEA quando combinadas a uma variante rara de risco moderado. Há também casos em que algumas poucas variantes de baixo risco levam ao desenvolvimento da doença, quando combinadas a algumas variantes de risco moderado. Em todas estas situações, o risco de recorrência do TEA na família é mais alto do que na população em geral, já que os alelos de risco estão presentes naquele grupo de indivíduos. Finalmente, o TEA também pode ser causado por uma única mutação com efeito deletério. Estas mutações de alto risco são geralmente eventos de novo, associados a uma alta penetrância. Neste caso, o risco de recorrência na família é o mesmo da população em geral (exceto em casos de mutações germinativas). Embora as variantes mais comuns possam contribuir amplamente para o risco de TEA, elas são difíceis de se identificar, pois estão associadas a efeitos sutis, e a maioria ainda é desconhecida.1111. Gaugler T, Klei L, Sanders SJ, Bodea CA, Goldberg AP, Lee AB, et al. Most genetic risk for autism resides with common variation. Nat Genet. 2014;46(8):881-5.,1212. Anney R, Klei L, Pinto D, Almeida J, Bacchelli E, Baird G, et al. Individual common variants exert weak effects on the risk for autism spectrum disorders. Hum Mol Genet. 2012;21(21):4781-92. Assim, muito de nosso conhecimento sobre os genes envolvidos na etiologia do TEA vem dos estudos que identificaram as variantes de risco moderado a alto. Estima-se que variantes em mais de 400 genes e diversas variações nos números de cópias (CNV - copy number variations), que correspondem a eventos de deleção e duplicação, possam representar um risco moderado a alto de desenvolvimento da doença.1313. Ronemus M, Iossifov I, Levy D, Wigler M. The role of de novo mutations in the genetics of autism spectrum disorders. Nat Rev Genet. 2014;15(2):133-41. Review.

14. Betancur C. Etiological heterogeneity in autism spectrum disorders: more than 100 genetic and genomic disorders and still counting. Brain Res. 2011; 1380:42-77. Review.
-1515. Sanders SJ, He X, Willsey AJ, Ercan-Sencicek AG, Samocha KE, Cicek AE, Murtha MT, Bal VH, Bishop SL, Dong S, Goldberg AP, Jinlu C, Keaney JF 3rd, Klei L, Mandell JD, Moreno-De-Luca D, Poultney CS, Robinson EB, Smith L, Solli-Nowlan T, Su MY, Teran NA, Walker MF, Werling DM, Beaudet AL, Cantor RM, Fombonne E, Geschwind DH, Grice DE, Lord C, Lowe JK, Mane SM, Martin DM, Morrow EM, Talkowski ME, Sutcliffe JS, Walsh CA, Yu TW; Autism Sequencing Consortium., Ledbetter DH, Martin CL, Cook EH, Buxbaum JD, Daly MJ, Devlin B, Roeder K, State MW. Insights into autism spectrum disorder genomic architecture and biology from 71 risk loci. Neuron. 2015;87(6):1215-33. Uma lista refinada e atualizada dos genes de risco para TEA, incluindo as evidências científicas que corroboram o envolvimento destes genes na doença, está disponível no banco de dados Sfari Gene (https://gene.sfari.org/autdb/Welcome.do). Os casos reportados de CNV em indivíduos com TEA podem ser encontrados no banco de dados DECIPHER (https://decipher.sanger.ac.uk/). É importante ressaltar que nenhuma destas alterações genéticas representa individualmente mais de 1% de todos os casos de TEA.1616. Bourgeron T. From the genetic architecture to synaptic plasticity in autism spectrum disorder. Nat Rev Neurosci. 2015;16(9):551-63. Review.

Figura 1
Padrões de herança do transtorno do espectro autista

Testes moleculares e aconselhamento genético no Transtorno do espectro autista

O aconselhamento genético para TEA envolve (1) explicação aos pais sobre os aspectos genéticos da doença; (2) avaliação clínica do paciente e estudo da história familiar; (3) discussão das opções de teste genético; (4) interpretação dos resultados; (5) explicação sobre os tratamentos disponíveis e prognóstico; e (6) comunicação do risco de recorrência aos pais e, em alguns casos, ao próprio paciente.

Primeiramente, deve-se esclarecer para a família que o TEA é um transtorno geneticamente heterogêneo e complexo, o que torna o processo de aconselhamento genético bastante difícil. Com base nos conhecimentos atuais, uma variante genética só pode ser apontada como a principal causa etiológica do TEA se associada a um alto risco de desenvolvimento do transtorno; por outro lado, as variantes de baixo risco mais comuns que levariam às formas poligênicas ou multifatoriais do TEA ainda não foram identificadas. Assim, os pais devem estar cientes de que os testes moleculares só fornecem um diagnóstico molecular assertivo em uma minoria dos casos.

Para a maioria dos casos de TEA, não existem sinais clínicos que indiquem uma alteração genética específica. No entanto, o TEA pode fazer parte da sintomatologia de alguns transtornos monogênicos e metabólicos (Tabela 1). Por isto, uma avaliação clínica cuidadosa do paciente e o estudo da história familiar, que fornecem informações sobre possíveis padrões de herança, podem melhorar a precisão do diagnóstico e a escolha dos testes moleculares apropriados para serem usados em cada caso específico (Figura 2).

Tabela 1
Síndromes monogênicas selecionadas* associadas ao transtorno do espectro autista e a genes correspondentes

Figura 2
Aconselhamento genético no transtorno do espectro autista

No geral, recomenda-se que todos os pacientes com TEA sejam submetidos a investigação de CNV utilizando-se análise cromossômica por microarray,1717. Schaefer GB, Mendelsohn NJ; Professional Practice and Guidelines Committee. Clinical genetics evaluation in identifying the etiology of autism spectrum disorders: 2013 guideline revisions. Genet Med. 2013;15(5):399-407. Erratum in: Genet Med. 2013;15(8):669. pois se estima que aproximadamente 10% dos pacientes apresentem alguma CNV com significância clínica.1818. Pinto D, Pagnamenta AT, Klei L, Anney R, Merico D, Regan R, et al. Functional impact of global rare copy number variation in autism spectrum disorders. Nature. 2010;466(7304):368-72. Pacientes com micro/macrocefalia, convulsões, características dismórficas, malformações congênitas, e histórico familiar de outros transtornos psiquiátricos e do desenvolvimento neurológico comprovadamente apresentam taxas mais altas de CNV com significância clínica.1717. Schaefer GB, Mendelsohn NJ; Professional Practice and Guidelines Committee. Clinical genetics evaluation in identifying the etiology of autism spectrum disorders: 2013 guideline revisions. Genet Med. 2013;15(5):399-407. Erratum in: Genet Med. 2013;15(8):669. As CNV mais frequentes encontradas em pacientes com TEA estão localizadas em 15q11-13, 16p11 e 22q11-13 e, juntas, têm incidência de 3 a 5%.1515. Sanders SJ, He X, Willsey AJ, Ercan-Sencicek AG, Samocha KE, Cicek AE, Murtha MT, Bal VH, Bishop SL, Dong S, Goldberg AP, Jinlu C, Keaney JF 3rd, Klei L, Mandell JD, Moreno-De-Luca D, Poultney CS, Robinson EB, Smith L, Solli-Nowlan T, Su MY, Teran NA, Walker MF, Werling DM, Beaudet AL, Cantor RM, Fombonne E, Geschwind DH, Grice DE, Lord C, Lowe JK, Mane SM, Martin DM, Morrow EM, Talkowski ME, Sutcliffe JS, Walsh CA, Yu TW; Autism Sequencing Consortium., Ledbetter DH, Martin CL, Cook EH, Buxbaum JD, Daly MJ, Devlin B, Roeder K, State MW. Insights into autism spectrum disorder genomic architecture and biology from 71 risk loci. Neuron. 2015;87(6):1215-33. Como a cariotipagem tem uma resolução mais baixa que a análise cromossômica por microarray, atualmente este teste citogenético é indicado apenas quando há suspeita de aneuploidia ou histórico de abortos de repetição, indicando a possibilidade de rearranjos cromossômicos.

Três síndromes monogênicas com sintomas que incluem o TEA merecem atenção especial. Devido a uma alta prevalência entre indivíduos com TEA, testes moleculares para a síndrome do X frágil devem ser realizados em todos os pacientes do sexo masculino, independentemente da ausência de manifestações clínicas da síndrome.1717. Schaefer GB, Mendelsohn NJ; Professional Practice and Guidelines Committee. Clinical genetics evaluation in identifying the etiology of autism spectrum disorders: 2013 guideline revisions. Genet Med. 2013;15(5):399-407. Erratum in: Genet Med. 2013;15(8):669. Para pacientes do sexo feminino, este exame só é recomendado em caso de deficiência intelectual não diagnosticada com padrão de herança ligada ao X, história familiar de síndrome do X frágil ou falência ovariana prematura. Recomenda-se também que todas as meninas com TEA sejam submetidas à investigação de mutações no gene MECP2, responsável pela síndrome de Rett, pois se estima que 4% das mulheres com TEA e deficiência intelectual grave apresentem mutações deletérias no referido gene.1717. Schaefer GB, Mendelsohn NJ; Professional Practice and Guidelines Committee. Clinical genetics evaluation in identifying the etiology of autism spectrum disorders: 2013 guideline revisions. Genet Med. 2013;15(5):399-407. Erratum in: Genet Med. 2013;15(8):669. Finalmente, mutações no gene PTEN, associadas à síndrome do tumor hamartoma, uma doença que causa macrocefalia/macrossomia e um risco elevado de tumorigênese, devem ser investigadas nos casos de TEA com macrocefalia (perímetro cefálico superior a 2,5 DP da média), principalmente devido ao maior risco de desenvolvimento de câncer.1717. Schaefer GB, Mendelsohn NJ; Professional Practice and Guidelines Committee. Clinical genetics evaluation in identifying the etiology of autism spectrum disorders: 2013 guideline revisions. Genet Med. 2013;15(5):399-407. Erratum in: Genet Med. 2013;15(8):669.

O TEA também pode estar associado a distúrbios metabólicos em um número relativamente pequeno dos casos. Apesar de os distúrbios metabólicos estarem predominantemente associados a um padrão recessivo de herança (sendo mais prováveis em casos de casamentos consanguíneos) e apresentarem características clínicas claras, como convulsões, regressão neurológica e outras alterações fisiológicas, recomendam-se investigações de erros inatos do metabolismo em todos os pacientes com TEA.1717. Schaefer GB, Mendelsohn NJ; Professional Practice and Guidelines Committee. Clinical genetics evaluation in identifying the etiology of autism spectrum disorders: 2013 guideline revisions. Genet Med. 2013;15(5):399-407. Erratum in: Genet Med. 2013;15(8):669.

Recentemente, o sequenciamento do exoma ou do genoma completo tem se tornado cada vez mais acessível e já começa a ser usado na prática clínica. Na verdade, estima-se que variantes de perda de função de novo envolvendo um único nucleotídeo sejam encontradas em cerca de 8 a 20% dos casos de TEA.1515. Sanders SJ, He X, Willsey AJ, Ercan-Sencicek AG, Samocha KE, Cicek AE, Murtha MT, Bal VH, Bishop SL, Dong S, Goldberg AP, Jinlu C, Keaney JF 3rd, Klei L, Mandell JD, Moreno-De-Luca D, Poultney CS, Robinson EB, Smith L, Solli-Nowlan T, Su MY, Teran NA, Walker MF, Werling DM, Beaudet AL, Cantor RM, Fombonne E, Geschwind DH, Grice DE, Lord C, Lowe JK, Mane SM, Martin DM, Morrow EM, Talkowski ME, Sutcliffe JS, Walsh CA, Yu TW; Autism Sequencing Consortium., Ledbetter DH, Martin CL, Cook EH, Buxbaum JD, Daly MJ, Devlin B, Roeder K, State MW. Insights into autism spectrum disorder genomic architecture and biology from 71 risk loci. Neuron. 2015;87(6):1215-33.,1919. Tammimies K, Marshall CR, Walker S, Kaur G, Thiruvahindrapuram B, Lionel AC, et al. Molecular diagnostic yield of chromosomal microarray analysis and whole-exome sequencing in children with autism spectrum disorder. JAMA. 2015;314(9):895-903. Elas estão particularmente presentes em maior frequência em pacientes com deficiência intelectual moderada a grave, em comparação aos pacientes com QI normal.1616. Bourgeron T. From the genetic architecture to synaptic plasticity in autism spectrum disorder. Nat Rev Neurosci. 2015;16(9):551-63. Review. É importante destacar que, exceto em casos em que a suposta variante causal é uma mutação rara de perda de função localizada em um gene candidato bem estabelecido, a interpretação dos resultados do sequenciamento do exoma e do genoma completo por enquanto ainda é difícil. Por outro lado, espera-se que os dados de sequenciamento de grandes coortes de indivíduos com autismo, que estão sendo gerados por grandes consórcios, possam, em breve, facilitar a interpretação destes resultados. Assim, as tecnologias de sequenciamento de nova geração ainda não são consideradas ferramentas diagnósticas de primeira linha, mas com o desenvolvimento de novas abordagens de análise, preços cada vez mais baixos e a quantidade crescente de conhecimento sendo gerado, elas provavelmente se tornarão o padrão-ouro dos testes moleculares para TEA.

Infelizmente, na maioria dos casos de TEA, a identificação da alteração genética não permite determinar um prognóstico ou o tratamento/conduta médica mais apropriado. Há algumas poucas exceções, no entanto, como os casos de distúrbios metabólicos ou síndromes monogênicas associadas à tumorigênese com um diagnóstico de TEA como comorbidade, como, por exemplo, a síndrome do tumor hamartoma, a neurofibromatose tipo 1 e a síndrome da esclerose tuberosa. Estes exemplos ilustram a importância de um diagnóstico correto, já que isto permite um tratamento adequado e/ou à prevenção de problemas de saúde.

Embora a análise cromossômica por microarray e as tecnologias de sequenciamento de nova geração − que têm permitido a varredura do genoma completo − tenham aprimorado muito o diagnóstico do TEA, as variantes consideradas como fatores etiológicos são identificadas apenas em cerca de 25% dos pacientes.1616. Bourgeron T. From the genetic architecture to synaptic plasticity in autism spectrum disorder. Nat Rev Neurosci. 2015;16(9):551-63. Review. Considerando o fenótipo clínico e a história familiar, combinados aos testes bioquímicos e moleculares para síndromes metabólicas e monogênicas relacionadas ao TEA, é possível determinar a etiologia do TEA em aproximadamente 30 a 40% dos casos.1717. Schaefer GB, Mendelsohn NJ; Professional Practice and Guidelines Committee. Clinical genetics evaluation in identifying the etiology of autism spectrum disorders: 2013 guideline revisions. Genet Med. 2013;15(5):399-407. Erratum in: Genet Med. 2013;15(8):669. Nestas situações, o risco de recorrência também pode ser mais previsível. No entanto, é importante lembrar que muitas variantes bem conhecidas relacionadas ao TEA são associadas a uma suscetibilidade a outros fenótipos psiquiátricos ou a uma penetrância incompleta, comprometendo a confiabilidade da estimativa do risco de recorrência. Em casos de TEA sem causa identificável, o risco de recorrência baseia-se em observações empíricas: para um casal com um filho acometido, calcula-se que este risco seja de 3 a 10%, sendo ele mais alto quando o filho acometido é do sexo feminino (~7%) e mais baixo para o sexo masculino (~4%). Se dois ou mais filhos forem acometidos, o risco de recorrência aumenta para 33 a 50%.55. Sandin S, Lichtenstein P, Kuja-Halkola R, Larsson H, Hultman CM, Reichenberg A. The familial risk of autism. JAMA. 2014;311(7):1770-7.,2020. Ozonoff S, Young GS, Carter A, Messinger D, Yirmiya N, Zwaigenbaum L, et al. Recurrence risk for autism spectrum disorders: a baby siblings research consortium study. Pediatrics. 2011;128(3):e488-95.

Apesar de todos estes avanços, o número de famílias com filhos autistas que recebem aconselhamento genético ainda é pequeno.2121. Selkirk CG, McCarthy Veach P, Lian F, Schimmenti L, LeRoy BS. Parents’ perceptions of autism spectrum disorder etiology and recurrence risk and effects of their perceptions on family planning: recommendations for genetic counselors. J Genet Couns. 2009;18(5):507-19. O aconselhamento genético pode trazer muitos benefícios nestes casos, fornecendo às famílias informações apropriadas para orientar decisões reprodutivas e, em alguns casos, ajudar a determinar a conduta clínica. Além disto, o fato de existir uma explicação biológica para a doença também pode ajudar a convencer os pais de que todo o possível foi feito para tratar a criança, proporcionando a eles um certo conforto. Finalmente, acredita-se que a rápida evolução do conhecimento proporcionada pelas pesquisas genéticas relacionadas ao autismo certamente contribuirá para o desenvolvimento de técnicas diagnósticas mais precisas e, possivelmente, para terapias baseadas em evidências genéticas, tornando a investigação da etiologia genética do TEA em crianças ainda mais importante.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2017
  • Aceito
    4 Maio 2017
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