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Células T reguladoras isoladas do fluido peritoneal de mulheres com endometriose expressam um número diferente de receptores do tipo Toll

RESUMO

Objetivo

Analisar e comparar a expressão de receptores do tipo Toll por células T reguladoras presentes no líquido peritoneal de pacientes com endometriose.

Métodos

Células T reguladoras foram isoladas do líquido peritoneal de mulheres com e sem endometriose, coletadas durante a cirurgia, e o RNAm foi extraído para análise da expressão de receptores do tipo Toll por reação em cadeia da polimerase com transcriptase reversa.

Resultados

Pacientes com endometriose apresentaram células T reguladoras expressando maior número e variedade de Toll por células quando comparadas com T reguladoras de pacientes do Grupo Controle. Receptores do tipo Toll-1 e receptores do tipo Toll-2 foram expressos em ambos os grupos. Todos os outros tipos de receptores Toll foram encontrados expressos apenas em células T reguladoras do grupo com endometriose.

Conclusão

Pacientes com endometriose apresentaram células T reguladoras peritoneais expressando vários tipos de receptores tipo Toll.

Linfócitos T reguladores; Receptores toll-like; Sistema imunitário; Endometriose

ABSTRACT

Objective

To analyze and compare the expression of Toll-like receptors by regulatory T cells present in the peritoneal fluid of patients with and without endometriosis.

Methods

Regulatory T cells were isolated from peritoneal fluid of women with and without endometriosis, collected during surgery, and mRNA was extracted for analysis of Toll-like receptors expression by reverse-transcriptase polymerase chain reaction.

Results

Patients with endometriosis presented regulatory T cells expressing a larger number and variety of Toll-like receptors when compared to regulatory T cells from patients in the Control Group. Toll-like receptor-1 and Toll-like receptor-2 in regulatory T cells were expressed in both groups. All other expressed Toll-like receptors types were only found in regulatory T cells from the Endometriosis Group.

Conclusion

Patients with endometriosis had peritoneal regulatory T cells expressing various Toll-like receptors types.

T-lymphocytes, regulatory; Toll-like receptors; Immune system; Endometriosis

INTRODUÇÃO

A patogênese da endometriose permanece incerta.11. Augoulea A, Alexandrou A, Creatsa M, Vrachnis N, Lambrinoudaki I. Pathogenesis of endometriosis: the role of genetics, inflammation and oxidative stress. Arch Gynecol Obstet. 2012;286(1):99-103. Review.,22. Klemmt PA, Starzinski-Powitz A. Molecular and Cellular Pathogenesis of Endometriosis. Curr Womens Health Rev. 2018;14(2):106-16. Review. A teoria mais aceita é a de Sampson;33. Sampson JA. Metastatic or Embolic Endometriosis, due to the Menstrual Dissemination of Endometrial Tissue into the Venous Circulation. Am J Pathol. 1927;3(2):93-110.43. a qual propõe que, durante a menstruação, as células endometriais são transportadas pelas tubas uterinas por fluxo reverso até a cavidade peritoneal, onde aderem às superfícies da serosa. No entanto, embora a menstruação retrógrada ocorra em 90% das mulheres, apenas cerca de 10% são acometidas pela endometriose.44. Rosa e Silva JC, do Amara VF, Mendonca JL, Rosa e Silva AC, Nakao LS, Poli Neto OB, et al. Serum markers of oxidative stress and endometriosis. Clin Exp Obstet Gynecol. 2014;41(4):371-4.,55. Zhang T, De Carolis C, Man GC, Wang CC. The link between immunity, autoimmunity and endometriosis: a literature update. Autoimmun Rev. 2018;17(10):945-55. Review. Devido a essa discrepância, teorias complementares sugerem que a resposta imunológica de pacientes com endometriose fica alterada e não consegue eliminar os implantes endometriais ectópicos.66. Acién P, Velasco I. Endometriosis: a disease that remains enigmatic. ISRN Obstet Gynecol. 2013;2013:242149.

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9. de Barros IB, Malvezzi H, Gueuvoghlanian-Silva BY, Piccinato CA, Rizzo LV, Podgaec S. “What do we know about regulatory T cells and endometriosis? A systematic review”. J Reprod Immunol. 2017;120:48-55. Review. Erratum in: J Reprod Immunol. 2017;121:34.
-1010. Gueuvoghlanian-Silva BY, Bellelis P, Barbeiro DF, Hernandes C, Podgaec S. Treg and NK cells related cytokines are associated with deep rectosigmoid endometriosis and clinical symptoms related to the disease. J Reprod Immunol. 2018;126:32-8.

Por exemplo, os linfócitos T reguladores (Treg) são uma subpopulação de linfócitos T especializados na regulação da resposta imune, que já foram implicados no surgimento da endometriose.99. de Barros IB, Malvezzi H, Gueuvoghlanian-Silva BY, Piccinato CA, Rizzo LV, Podgaec S. “What do we know about regulatory T cells and endometriosis? A systematic review”. J Reprod Immunol. 2017;120:48-55. Review. Erratum in: J Reprod Immunol. 2017;121:34.

Embora as células Treg estejam associados à produção de citocinas anti-inflamatórias, há evidências de que, sob condições inflamatórias, eles também expressam citocinas inflamatórias e, quando desregulados, contribuem para a manutenção da doença.1111. Khan KN, Fujishita A, Kitajima M, Hiraki K, Nakashima M, Masuzaki H. Intra-uterine microbial colonization and occurrence of endometritis in women with endometriosisdagger†. Hum Reprod. 2014;29(11):2446-56.

Recentemente, uma nova teoria foi proposta, associando a presença de microrganismos ao desenvolvimento da endometriose.1111. Khan KN, Fujishita A, Kitajima M, Hiraki K, Nakashima M, Masuzaki H. Intra-uterine microbial colonization and occurrence of endometritis in women with endometriosisdagger†. Hum Reprod. 2014;29(11):2446-56.,1212. Khan KN, Fujishita A, Hiraki K, Kitajima M, Nakashima M, Fushiki S, et al. Bacterial contamination hypothesis: a new concept in endometriosis. Reprod Med Biol. 2018;17(2):125-33. Essa teoria parte de estudos que indicam uma maior contaminação bacteriana no sangue menstrual, principalmente por Escherichia coli, e maiores níveis de endotoxina no fluido peritoneal de mulheres com endometriose, em comparação a pacientes sem a doença.1111. Khan KN, Fujishita A, Kitajima M, Hiraki K, Nakashima M, Masuzaki H. Intra-uterine microbial colonization and occurrence of endometritis in women with endometriosisdagger†. Hum Reprod. 2014;29(11):2446-56.,1313. Khan KN, Kitajima M, Hiraki K, Yamaguchi N, Katamine S, Matsuyama T, et al. Escherichia coli contamination of menstrual blood and effect of bacterial endotoxin on endometriosis. Fertil Steril. 2010;94(7):2860-3.e1-3. Outro estudo mostrou que, em mulheres com endometriose, a presença de Mycoplasma genitalium é associada com a regulação negativa de genes relacionados à resposta inflamatória.1414. Campos GB, Marques LM, Rezende IS, Barbosa MS, Abrao MS, Timenetsky J. Mycoplasma genitalium can modulate the local immune response in patients with endometriosis. Fertil Steril. 2018;109(3):549-60.e4. A ideia é que, durante a menstruação retrógrada, tecido endometrial e microrganismos são carregados para a cavidade peritoneal,1212. Khan KN, Fujishita A, Hiraki K, Kitajima M, Nakashima M, Fushiki S, et al. Bacterial contamination hypothesis: a new concept in endometriosis. Reprod Med Biol. 2018;17(2):125-33. com posterior adesão, proliferação, diferenciação e invasão por essas células.22. Klemmt PA, Starzinski-Powitz A. Molecular and Cellular Pathogenesis of Endometriosis. Curr Womens Health Rev. 2018;14(2):106-16. Review.

Estudos sugerem que microrganismos podem ser diretamente detectados pelos linfócitos Treg por meio dos receptores do tipo Toll (TLRs), capazes de modular as funções supressoras dos Tregs, e essa função supressora dos linfócitos Treg pode ser potencializada ou revertida pelos TLRs.1515. Medzhitov R, Janeway CA Jr. Innate immunity: the virtues of a nonclonal system of recognition. Cell. 1997;91(3):295-8. Review.

Considerando-se que mulheres com endometriose, de fato, apresentam mais microrganismos na cavidade peritoneal que mulheres saudáveis, e os microrganismos expressam e secretam agonistas de TLR, que poderiam afetar os linfócitos Treg, nossa hipótese é a de que há uma diferença entre a expressão de TLR em linfócitos Treg isolados de pacientes com endometriose em comparação aos controles.

OBJETIVO

Analisar e comparar a expressão de receptores do tipo Toll por células T reguladoras isoladas de fluido peritoneal obtidos de pacientes com endometriose e de mulheres sem endometriose.

MÉTODOS

População do estudo

Este estudo de caso-controle foi realizado no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), em São Paulo (SP), de 1º de janeiro a 1º de dezembro de 2018. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HIAE, número 563.939, CAAE: 25915014.2.0000.0071, e todas as pacientes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Informado. As pacientes foram divididas em dois grupos com base nos achados cirúrgicos: com e sem endometriose. O diagnóstico de endometriose dependia da observação de lesões características durante a cirurgia e posterior confirmação por histologia. O Grupo Controle foi composto por mulheres sem qualquer evidência de endometriose, que tinham sido operadas por cistos benignos de ovário, miomas uterinos, laparoscopia diagnóstica ou laqueadura.

Foram incluídas 29 pacientes neste estudo: 23 com endometriose e 6 controles. Os critérios de inclusão foram mulheres com idade entre 18 e 40 anos com ciclos eumenorreicos, submetidas à cirurgia laparoscópica (para confirmar ou excluir endometriose). Os critérios de exclusão foram mulheres com doença autoimune, inflamatória e/ou neoplásica e/ou em terapia hormonal, incluindo análogos do hormônio de liberação de gonadotrofinas (GnRH), progestinas ou anticoncepcionais combinados, por 3 meses antes da cirurgia.

Para coleta de amostras, logo após a passagem do trocarte auxiliar na cirurgia laparoscópica, todo o fluido peritoneal depositado na escavação retouterina anterior e/ou posterior foi coletado com uma agulha laparoscópica.

As pacientes foram caracterizadas clinicamente pela presença de dispareunia profunda, dismenorreia, dor pélvica crônica, abortos, infertilidade, fase do ciclo menstrual, idade, etnia e índice de massa corporal (IMC). A dismenorreia foi medida por meio da Escala Visual Analógica (VAS), uma escala validada na qual uma linha de 10cm representa uma graduação entre “nenhuma dor” e “pior dor”.

Isolamento e caracterização de linfócitos T reguladores provenientes do fluido peritoneal

O fluido peritoneal foi processado para que os linfócitos fossem isolados. Os eritrócitos foram lisados com tampão de lise em temperatura ambiente por 15 minutos. Em seguida, os linfócitos foram lavados com tampão fosfato-salino (PBS), contados e congelados em soro fetal bovino (SFB) (Gibco, USA) com dimetilsulfóxido (DMSO) a 10% (Sigma-Aldrich, USA) e criopreservados em nitrogênio líquido até o uso, quando foram descongelados sob agitação em banho-maria a 37°C. Os linfócitos foram lavados por centrifugação (250g, 8 minutos, 8°C) inicialmente com 0,01M PBS, pH 7,2, seguido por uma segunda lavagem em meio de cultura (R-10) (Invitrogen-Gibco, Gaithersburg, MD, USA). Depois, as células foram suspensas em meio R-10 para contagem e avaliação da viabilidade celular em um contador de células automático Countess™. O CD4+CD25+CD127dim regulatory T Cell Isolation Kit II (MACS, MiltenyiBiotec, Auburn, CA, USA) foi usado para separar as células de acordo com as instruções do fabricante. Rapidamente, os linfócitos não CD4+ e CD127high foram marcados com um coquetel de anticorpos conjugados com biotina (CD8, CD19, CD123 e CD127) e submetidos à separação magnética. Esta fração enriquecida de linfócitos T CD4+ foi marcada com anticorpos anti-CD25 e depois, novamente, submetida à separação magnética. Os Treg (CD4+CD25+CD127dim) foram eluídos como a fração de células selecionadas positivamente. As amostras foram centrifugadas, suspensas em 200μL de Trizol (reagente TRIzol®, Invitrogen) e congeladas a -80°C para extração total do ácido ribonucleico (RNA).

Extração de RNA e teste de expressão do RNA mensageiro

O RNA total dos Tregs isolados foi extraído de acordo com um protocolo padrão de isolamento com Trizol e purificado (Rneasy Micro Kit™, Qiagen, Dusseldorf, Germany). A concentração de RNA foi determinada usando-se um espectrofotômetro NanoDrop® ND-1000 (Nano-Drop Technologies, Wilmington, Australia). Todas as amostras foram armazenadas a -80°C.

Foi realizada síntese de ácido desoxirribonucleico complementar (cDNA) por transcrição reversa usando-se o kit específico ImProm-II™ Reverse Transcription System (Promega, Madison, WI, USA). As amostras foram incubadas com o volume específico de Random Primer a 70°C por 5 minutos e, depois, colocadas em gelo por 5 minutos. Depois, as amostras foram centrifugadas brevemente e deixadas em gelo até a conclusão do próximo passo. Uma mistura de reagentes contendo desoxinucleotídeo trifosfato (dNTP), MgCl2, transcriptase reversa ImProm-II (Promega) e tampão de reação ImProm-II™ 5x (Promega) foi preparada, adicionada ao RNA com Random Primer e incubada a 25°C por 5 minutos, 42°C por 60 minutos, seguida por 10 minutos a 70°C. Os cDNAs resultantes foram armazenados a -20°C. Todas as reações foram realizadas a uma concentração de RNA de 20ng/mL.

Uma pré-amplificação complementar de ácido desoxirribonucleico foi realizada utilizando-se uma mistura de reagentes composta pelos testes Taqman de expressão gênica (Applied Biosystems, Foster City, CA, USA) e tampão TE para completar o volume. Tubos com a mistura de reagentes, amostras de cDNA e o Master Mix Pre-Amp (Applied Biosystems) foram incubados a 95°C por 10 minutos e, depois, por dez ciclos de 95°C por 15 minutos, seguidos por 4 minutos a 60°C. Todas as amostras foram armazenadas a -20°C.

A expressão de RNA mensageiro foi determinada por reação em cadeia da polimerase com transcriptase reversa (RT-PCR) em um sistema de detecção de sequências ABI 7500 (Applied Biosystems). A reação em cadeia da polimerase foi realizada em tubos separados para cada reação, e cada amostra foi processada em duplicata. Foram usados testes TaqMan de expressão gênica (Applied Biosystems) para os genes-alvo TLR1 (Hs00413978_m1), TLR2 (Hs00610101_m1), TLR3 (Hs01551078_m1), TLR4 (Hs00152939_m1), TLR5 (Hs00152825_m1), TLR6 (Hs00271977_s1), TLR7 (Hs00152971_m1), TLR8 (Hs00152972_m1) e TLR9 (Hs00152973_m1).

Análise estatística

As análises de dados foram realizadas no programa estatístico R. O nível de significância de 0,05 foi adotado para todas as comparações.

A distribuição de dados e variações de todas as variáveis contínuas foram analisadas pelos testes de Shapiro-Wilk e F, respectivamente. Considerando-se essas análises e o tamanho pequeno da amostra, foram usados testes não paramétricos. Para avaliar diferenças clínicas entre os grupos que poderiam influenciar nos resultados, comparou-se a presença de dispareunia profunda, dismenorreia, dor pélvica crônica, abortos, infertilidade, fase do ciclo menstrual, idade, etnia e IMC. Abortos, dispareunia profunda e dor pélvica crônica foram comparadas pelo teste exato de Fisher, considerando-se o pequeno tamanho da amostra e a tabela 2x2. Etnia, fase menstrual e infertilidade foram comparados pelo teste χ2. Idade, IMC e dismenorreia foram comparados pelo teste de soma de postos de Wilcoxon. Como não havia dados sobre etnia de quatro pacientes e sobre IMC de cinco pacientes, a análise foi realizada com os dados disponíveis.

A expressão de TLR em células Treg do fluido peritoneal dos Grupos de Endometriose e Controle foi analisada qualitativamente considerando-se o valor de limiar do ciclo (em inglês, cycle threshold, ou CT) de 32 para categorização da expressão dos receptores em uma variável binária qualitativa, “expresso” ou “não expresso”.

Em seguida, comparamos a expressão de TLRs específicos em cada grupo. Também avaliamos a expressão de TLR de acordo com o tipo de endometriose. Em ambos os casos, foi usado o teste exato de Fisher. O número de TLRs expressos em cada grupo foi comparado pelo teste de soma de postos de Wilcoxon. Considerando-se a menor eficiência deste método para amostras pequenas, incluímos também o teste t de Student. A correlação entre o número de TLRs expressos e a idade das pacientes com endometriose foi analisada pelo teste de Spearman.

RESULTADOS

Parâmetros clínicos

As características clínicas são apresentadas na tabela 1. Infertilidade foi reportada por 14 pacientes no Grupo de Endometriose e duas nos controles (p=0,019). A média para dismenorreia na EVA foi 8,37 no Grupo de Endometriose e 5,83 nos controles (p=0,027). Não houve diferença entre os grupos para os outros parâmetros clínicos.

Tabela 1
Características iniciais de pacientes com endometriose e controles

Expressão de receptores do tipo Toll

A expressão de TLRs nos linfócitos Treg obtidos do fluido peritoneal foi resumida na tabela 2. No Grupo Controle, três das seis mulheres não expressaram nenhum TLR em Tregs peritoneais, uma expressou apenas TLR1, e duas expressaram apenas TLR2. A expressão de TLR 3 a 9 por linfócitos Treg peritoneais foi negativa em todos os indivíduos do Grupo Controle.

Tabela 2
Expressão de receptores do tipo Toll por linfócitos T reguladores peritoneais de pacientes com endometriose e controles

No Grupo de Endometriose, sete pacientes apresentaram Tregs peritoneais com expressão de três ou mais TLRs, sendo TLR5 o mais frequente (em seis de sete pacientes). Quatro pacientes expressaram apenas TLR2, uma paciente expressou tanto TLR1 quanto TLR2, e em 11 pacientes, os Tregs peritoneais não expressaram TLR.

Exceto pelo TLR9, foi observada expressão de todos os TLRs (sozinhos ou coexpressos) em Tregs de pacientes com endometriose.

Não foi identificada associação na avaliação da expressão de TLR específicos em cada grupo, nem de acordo com o tipo de endometriose.

A comparação do número de TLR entre os Grupos de Endometriose e Controle deveria sugerir que a presença da endometriose pode estar relacionada à expressão de um maior número de receptores (Figura 1). Como o número de TLR expressos não mostrou distribuição normal nem variâncias homogêneas e considerando-se o tamanho pequeno da amostra, o teste de soma de pontos de Wilcoxon foi usado, mas não foram observados resultados estatisticamente significativos (p=0,453). Tendo em vista a eficiência mais baixa desse método com amostras menores, incluímos também o teste t de Student, que mostrou diferença estatisticamente significante (p=0,027). Nenhuma correlação foi identificada (dados não mostrados) na avaliação do número de TLRs expressos, de acordo com a idade das pacientes com endometriose.

Figura 1
Número de receptores do tipo Toll expressos em células T reguladoras isoladas dos Grupos Endometriose e Controle

* Teste t de Student; teste de soma de postos de Wilcoxon. TLR: receptores do tipo Toll.


DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo que avaliou a expressão de diferentes TLRs em células Treg isoladas do fluido peritoneal de pacientes com e sem endometriose.

Os resultados mostram que pacientes com endometriose apresentaram células Treg com expressão de maior número e variedade de TLRs em comparação aos linfócitos Treg de pacientes do Grupo Controle. TLR1 e TLR2 foram expressos pelos linfócitos Treg em ambos os grupos. Todos os outros tipos de TLRs foram encontrados somente em Tregs do Grupo de Endometriose, embora só tenha sido possível identificar essa expressão em cerca de 33% (7 de 23) das pacientes com endometriose. A avaliação quantitativa do número total de receptores expressos demonstrou que o Grupo de Endometriose apresenta um número maior de TLRs em relação aos controles, usando-se análise paramétrica, devido à eficiência desta para amostras pequenas.1616. Sakaguchi S, Yamaguchi T, Nomura T, Ono M. Regulatory T cells and immune tolerance. Cell. 2008;133(5):775-87. Review. Assim, a expressão de diferentes receptores sugere um efeito cumulativo sobre o balanço da resposta imune. Além disso, o TLR5 foi encontrado apenas em pacientes que expressavam três ou mais TLRs diferentes, correspondendo a seis de sete pacientes.

Para respostas mais conclusivas, este estudo deveria ter analisado mais pacientes, e o tamanho pequeno da amostra é sua principal limitação.

As células Treg são uma subpopulação de células T que mantêm a autotolerância imunológica e a homeostase, controlam a supressão da resposta imune excessiva ao hospedeiro,1616. Sakaguchi S, Yamaguchi T, Nomura T, Ono M. Regulatory T cells and immune tolerance. Cell. 2008;133(5):775-87. Review. e supostamente influenciam no comprometimento imunológico observado na endometriose.77. Podgaec S, Rizzo LV, Fernandes LF, Baracat EC, Abrao MS. CD4(+) CD25(high) Foxp3(+) cells increased in the peritoneal fluid of patients with endometriosis. Am J Reprod Immunol. 2012;68(4):301-8.

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A maior variedade de tipos de TLRs expressos por Tregs presentes na cavidade peritoneal de pacientes com endometriose poderia sugerir uma suposta estimulação das células-alvo por microrganismos. Estes, teoricamente, chegariam à cavidade peritoneal pela menstruação retrógrada.1212. Khan KN, Fujishita A, Hiraki K, Kitajima M, Nakashima M, Fushiki S, et al. Bacterial contamination hypothesis: a new concept in endometriosis. Reprod Med Biol. 2018;17(2):125-33.

Os agonistas de receptores Toll presentes nos microrganismos podem influenciar nas funções dos linfócitos Treg.1919. Olivier A, Sainz-Perez A, Dong H, Sparwasser T, Majlessi L, Leclerc C. The adjuvant effect of TLR agonists on CD4(+) effector T cells is under the indirect control of regulatory T cells. Eur J Immunol. 2011;41(8):2303-13.,2424. Liu G, Zhao Y. Toll-like receptors and immune regulation: their direct and indirect modulation on regulatory CD4+ CD25+ T cells. Immunology. 2007; 122(2):149-56. Review. Os agonistas de TLR2 e TLR8 podem inibir a função supressora dos linfócitos Treg, enquanto os agonistas de TLR4 e TLR5 podem ter o efeito oposto.1919. Olivier A, Sainz-Perez A, Dong H, Sparwasser T, Majlessi L, Leclerc C. The adjuvant effect of TLR agonists on CD4(+) effector T cells is under the indirect control of regulatory T cells. Eur J Immunol. 2011;41(8):2303-13. Como os microrganismos não foram isolados, não foi possível avaliar sua associação direta com o fenótipo dos Treg, mas pode-se supor que, pelo menos para algumas das mulheres acometidas pela endometriose, a presença de microrganismos na cavidade peritoneal poderia modificar, por meio dos Tregs, o balanço entre as populações de células imunes ou inflamatórias. O desequilíbrio em direção a um microambiente mais tolerogênico prejudicaria a eliminação normal das células endometriais carregadas para a cavidade peritoneal.

CONCLUSÃO

Embora um grupo de pacientes com endometriose tenha apresentado células T reguladoras peritoneais com expressão de receptores do tipo Toll em maior número e variedade em comparação ao tipo correspondente no Grupo Controle, a análise não foi capaz de alcançar significância estatística. Assim, é necessário um estudo com coortes maiores de pacientes para comprovar nossa hipótese e investigar alterações fenotípicas e funcionais em células peritoneais na endometriose.

AGRADECIMENTOS

Este estudo teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) auxílios nº. 2013/27092-2 e 2014/08227-7.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    6 Ago 2019
  • Aceito
    9 Fev 2020
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