Acessibilidade / Reportar erro

Novos valores de referência de normalidade para análise seminal da Organização Mundial da Saúde: como ficamos?

Resumos

A análise seminal é o exame fundamental para a caracterização do potencial de fertilidade masculina, na investigação da infertilidade conjugal, para o acompanhamento do tratamento das causas de infertilidade masculina e para o estudo dos efeitos de gonadotóxicos sobre a espermatogênese. Desde 1987, a Organização Mundial da Saúde propõe a padronização da execução do exame e de seus valores de normalidade, baseados em avaliações populacionais. Em 2010, ela publicou seu último manual, contendo mudanças metodológicas que determinaram novos valores de normalidade e abrindo uma discussão que persiste na literatura. Neste artigo, revisaremos o trabalho original e os principais aspectos a respeito da mudança na metodologia, os novos valores e a repercussão na prática clínica.

Análise do sêmen; Infertilidade; Valores de referência


Semen analysis is of paramount importance to study potential male fertility, couple's infertility, the effects of gonadotoxic agents on spermatogenesis and as follow-up test during treatment of male infertility. Since 1987, the World Health Organization proposes the standardization of this test and its reference values based on population-based data. The latest version of the World Health Organization guidelines was published in 2010. It introduced a new methodology that produced new references values, which triggered a discussion that lies inconclusive. We revised the original World Health Organization paper focusing on methodological changes and its results, the new references values and their impact on clinical practice.

Semen Analysis; Infertility; Reference values


AVANÇOS MÉDICOS

Novos valores de referência de normalidade para análise seminal da Organização Mundial da Saúde: como ficamos?

Marcelo Vieira

Projeto ALFA – São Paulo, SP, Brasil

Autor correspondente

RESUMO

A análise seminal é o exame fundamental para a caracterização do potencial de fertilidade masculina, na investigação da infertilidade conjugal, para o acompanhamento do tratamento das causas de infertilidade masculina e para o estudo dos efeitos de gonadotóxicos sobre a espermatogênese. Desde 1987, a Organização Mundial da Saúde propõe a padronização da execução do exame e de seus valores de normalidade, baseados em avaliações populacionais. Em 2010, ela publicou seu último manual, contendo mudanças metodológicas que determinaram novos valores de normalidade e abrindo uma discussão que persiste na literatura. Neste artigo, revisaremos o trabalho original e os principais aspectos a respeito da mudança na metodologia, os novos valores e a repercussão na prática clínica.

Descritores: Análise do sêmen; Infertilidade; Valores de referência

A análise seminal é o exame laboratorial inicial na investigação do fator masculino da infertilidade conjugal. Desde 1987, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publica manuais normatizando a técnica do exame e propondo limites normais de valores determinados de acordo com dados obtidos em homens ao redor do mundo(1). A determinação de valores que expressem fertilidade, contudo, é muito difícil, uma vez que existem fatores que interferem no resultado do exame; faltam padronização e treinamento adequados dos laboratórios; existem diferenças regionais e socioeconômicas entre países e continentes, que interferem na fertilidade; e, finalmente, pelo fato de a fertilidade depender de duas pessoas e o fator feminino não ser avaliado(2).

Até o penúltimo manual publicado, em 1999 OMS, os dados obtidos vinham de vários laboratórios, que utilizavam metodologia diferente, analisavam populações variadas de homens e sem uma padronização ou definição de população fértil. Isso permitia erros na identificação de valores de normalidade, podendo classificar homens normais como inférteis, caso os valores propostos de normalidade sejam muito elevados e não reflitam a realidade, ou caso os valores sejam muito inferiores aos necessários para a gravidez. A população de homens estudada até o ano de 2010 era constituída por aqueles sem paternidade comprovada, por pacientes de clínicas de reprodução humana que procuravam tratamento, doadores de sêmen e candidatos a vasectomia. Nos dois últimos grupos de homens, os primeiros podem ser férteis por terem valores normais e o segundo grupo muito provavelmente o são, apesar de não haver dados sobre o tempo decorrido para as parceiras engravidarem(1).

O novo estudo da OMS, publicado em 2010, trouxe valores de normalidade abaixo daqueles que usávamos desde 1999, levantando dúvidas sobre diminuição de fertilidade que estaria acontecendo de uma forma global, alterações tendenciosas nos dados coletados ou falha na metodologia de estudo e determinação dos valores(2-4).

Em relação às dúvidas quanto ao método utilizado na coleta dos dados, à seleção dos grupos a serem estudados e à determinação dos parâmetros de normalidade é que este trabalho tem seu mérito e suas principais críticas(3,4).

O objetivo deste artigo é ressaltar os pontos positivos e as falhas metodológicas para a determinação dos novos valores de referência para os médicos envolvidos no tratamento do fator masculino da infertilidade conjugal.

A avaliação de padrões de normalidade laboratorial na área da saúde vem da utilização de dados individuais ou de grupo de indivíduos saudáveis (ou sem a doença). Os limites dos valores são definidos pelos percentis 5, com limites inferiores e superiores determinados pelos percentis 2,5 e 95. Para identificar os indivíduos saudáveis, no caso, férteis, foi utilizada a definição de infertilidade (ausência de concepção após 12 meses de relações sexuais sem contracepção) e definiu-se um grupo de homens (1.953 amostras, 5 estudos, 8 países em 3 continentes) com tempo para a obtenção da gestação (TPG) de até 12 meses(1). Esse grupo foi comparado a outros três outros grupos: (1) não selecionados, homens da população em geral ou jovens voluntários para estudos de contraceptivo masculino, vistos como representativos da população em geral (965 amostras, 7 estudos, 5 países, 3 continentes); (2) selecionados, homens de diversas origens, sem conhecimento de paternidade mas com padrões normais de análise seminal, escolhidos para revelar efeitos de pré-selecionar homens com valores normais (934 amostras, 4 estudos, 4 países, 3 continentes, 2 estudos multinacionais da OMS); e (3) homens férteis sem conhecimento de TPG, representando o grupo e a fertilidade em suas diversas formas - normal, comprometida ou muito comprometida (817 amostras, 2 estudos, 2 países, 2 continentes, 2 estudos multinacionais da OMS). Essa metodologia consegue definir quatro grupos com diferentes potenciais de fertilidade e, o mais importante, um grupo que sabidamente engravidou no período de 12 meses, considerado normal. Os valores referenciais mínimos de normalidade foram obtidos a partir dos dados dos homens cujas mulheres engravidaram até o 12º mês de tentativa (TPG≤12 meses): volume ejaculado 1,5mL (1,4 a 1,7mL); total de espermatozoides ejaculados 39 milhões (33 a 46 milhões); concentração de espermatozoides 15 milhões/mL (12 a 16 milhões/mL); vitalidade, 58% vivos (55 a 63%); motilidade progressiva 32% (31 a 34%); motilidade total (progressiva e não progressiva) 40% (38 a 42%); formas normais 4% (3 a 4%). A análise da qualidade seminal mostrou superioridade dos homens com esposas com TPG≤12 meses em comparação com população em geral e pacientes normozoospérmicos(1).

Apesar dos avanços na metodologia nesse último manual, ainda persiste o debate sobre o uso de dados obtidos por trabalhos que utilizavam outra metodologia para a análise seminal, sobretudo para a morfologia espermática. Outra questão é a representatividade populacional da amostra, que contém dados principalmente do hemisfério Norte, sem a inclusão da América do Sul, África e Ásia, e concentra na Austrália, Norte da Europa e América do Norte os dados sobre homens com TPG até 12 meses. A utilização de uma única amostra de sêmen para coleta dos dados também é criticada, dada a grande variabilidade temporal da qualidade seminal até no mesmo homem(3).

As novas referências trazem implicações clínicas quando classificam como normais homens que, anteriormente, seriam classificados como inférteis, podendo causar retardo na indicação do tratamento com prejuízo no resultado(3,4). De forma prática, a indicação da cirurgia de correção de varicocele, por exemplo, mudou de acordo com a mudança nos valores normais, podendo trazer até aspectos legais e de autorização do tratamento por seguradoras. Os novos valores propostos devem ser avaliados em conjunto com a situação do casal e não como exame único. Esperamos que o número de laboratórios que se propõe a realizar a verificação de qualidade, a padronização dos procedimentos e o acompanhamento desses novos valores possa resolver essas dúvidas no futuro.

REFERÊNCIAS

  • 1.   Cooper TG, Noonan E, von Eckardstein S, Auger J, Baker HW, Behre HM, et al. World Health Organization reference values for human semen characteristics. Hum Reprod Update. 2010;16(3):231-45.
  • 2.   Ellekilde Bonde JP. Semen analysis from an epidemiologic perspective. Asian J Androl. 2010;12(1):91-4.
  • 3.   Esteves SC, Zini A, Aziz N, Alvarez JG, Sabanegh ES Jr., Agarwal A. Critical appraisal of World Health Organization's new reference values for human semen characteristics and effect on diagnosis and treatment of subfertile men. Urology. 2012;79(1):16-22.
  • 4.   Yerram N, Sandlow JI, Brannigan RE. Clinical implications of the new 2010 WHO reference ranges for human semen characteristics. J Androl. 2012; 33(3):289-90.
  • Corresponding author:

    Marcelo Vieira – Rua Cincinato Braga, 37 – Bela Vista – Zip code: 01333-011 – São Paulo, SP, Brazil
    Phone: (55 11) 3515-7910
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Abr 2013
    • Aceito
      23 Maio 2013
    Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@einstein.br