Acessibilidade / Reportar erro

Melanoma: implicações da falha diagnóstica e perspectivas

O melanoma representa apenas cerca de 5% de todos os diagnósticos de cânceres de pele no mundo, porém adquire importância muito grande devido ao seu potencial metastático e de levar o indivíduo ao óbito.(11. Najita JS, Swetter SM, Geller AC, Gershenwald JE, Zelen M, Lee SJ. Sex Differences in Age at Primary Melanoma Diagnosis in a Population-Based Analysis (US Surveillance, Epidemiology, and End Results, 2005-2011). J Invest Dermatol. 2016;136(9):1894-7.) No Brasil, em 2019, ocorreram 1.978 mortes pela doença, e a estimativa era de 8.450 casos novos para o ano de 2020.(22. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Câncer de pele melanoma. Rio de Janeiro: INCA; 2021 [citado 2021 Jun 1]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-melanoma
https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/...
) Estudo recentemente publicado com dados brasileiros mostrou que a incidência média em homens aumentou de 2,52 para 4,84 e, nas mulheres, de 1,33 para 3,22 casos/100 mil habitantes no período de 2000 a 2013.(33. de Melo AC, Wainstein AJ, Buzaid AC, Thuler LC. Melanoma signature in Brazil: epidemiology, incidence, mortality, and trend lessons from a continental mixed population country in the past 15 years. Melanoma Res. 2018;28(6):629-36.) A melhor conduta para o melanoma continua sendo seu diagnóstico e tratamento precoces, que é curativo em 95% das vezes, quando o melanoma está localizado somente na pele.(44. Neuman HB, Patel A, Ishill N, Hanlon C, Brady MS, Halpern AC, et al. A single-institution validation of the AJCC staging system for stage IV melanoma. Ann Surg Oncol. 2008;15(7):2034-41.) A falha no diagnóstico precoce de um caso de melanoma localizado pode trazer muitas consequências ruins para o paciente. Quanto maior o tempo perdido para se diagnosticar, pior se torna a situação. O impacto sobre os gastos com saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS) aumenta exponencialmente nos casos mais avançados.

Não existem muitos dados sobre o custo do melanoma no Brasil. Estudo em 2009 mostrou que 95,8% de todo o gasto no estado de São Paulo com o melanoma foi destinado ao tratamento dos pacientes nos estádios III e IV.(55. Souza RJ, Mattedi AP, Rezende ML, Corrêa MP, Duarte EM. An estimate of the cost of treating melanoma disease in the state of Sao Paulo - Brazil. An Bras Dermatol. 2009;84(3):237-43.) Esse estudo foi feito quando o tratamento dos casos avançados envolvia apenas interferon alfa e dacarbazina. No caso de utilização da terapia-alvo e imunoterapia, o custo certamente aumenta, como foi mostrado em estudos recentes na Austrália e na França.(66. Elliott TM, Whiteman DC, Olsen CM, Gordon LG. Estimated healthcare costs of melanoma in Australia over 3 years post-diagnosis. Appl Health Econ Health Policy. 2017;15(6):805-16.,77. Kandel M, Allayous C, Dalle S, Mortier L, Dalac S, Dutriaux C, et al. Update of survival and cost of metastatic melanoma with new drugs: estimations from the MelBase cohort. Eur J Cancer. 2018;105:33-40.) Entretanto, esse investimento se refletiu na sobrevida dos indivíduos. Há 10 anos, a taxa de sobrevida em 5 anos dos pacientes com melanoma metastático era de apenas 10% com quimioterápicos como dacarbazina, paclitaxel e carboplatina. Com as novas medicações, essa sobrevida em 5 anos foi para 52% para a combinação de ipilimumabe + nivolumab (duas imunoterapias).(88. Larkin J, Chiarion-Sileni V, Gonzalez R, Grob JJ, Rutkowski P, Lao CD, et al. Five-year survival with combined nivolumab and ipilimumab in advanced melanoma. N Engl J Med. 2019;381(16):1535-46.)

Por outro lado, nos casos em que a hipótese diagnóstica de melanoma cutâneo for feita e a biópsia revelar lesão benigna, como um nevo melanocítico ou ceratose seborreica, temos um caso falso-positivo. Assim, o indivíduo terá sofrido um procedimento diagnóstico desnecessário, tendo se sujeitado a riscos cirúrgicos, à formação de cicatriz, ao estresse do procedimento, à perda de dias de trabalho e ao custo do deslocamento. Há consequências também para o sistema de saúde, como os gastos da realização da biópsia e do exame anatomopatológico e a sobrecarga desnecessária do sistema, entre outras. O número de lesões benignas removidas para cada diagnóstico de melanoma varia de 4,5 para experts até 22,3 para os não especialistas.(66. Elliott TM, Whiteman DC, Olsen CM, Gordon LG. Estimated healthcare costs of melanoma in Australia over 3 years post-diagnosis. Appl Health Econ Health Policy. 2017;15(6):805-16.) Melhorar a acurácia diagnóstica é algo extremamente útil para todos os envolvidos e o sistema de saúde.

E como enfrentar esse desafio? O Brasil tem uma extensão territorial muito grande, e os dermatologistas, médicos especialistas em detectar o melanoma precocemente, estão distribuídos de forma heterogênea pelo país. De acordo com o último censo, 58,9% estão no Sudeste, 15,8% no Sul, 13,8% no Nordeste, 8% no Centro-oeste e 3,5% no Norte.(99. Schmitt JV, Miot HA. Distribution of Brazilian dermatologists according to geographic location, population and HDI of municipalities: an ecological study. An Bras Dermatol. 2014;89(6):1013-5.) Apenas 9,1% dos municípios brasileiros têm dermatologistas. Isso faz com que os moradores distantes dos grandes centros urbanos tenham que percorrer distâncias imensas para ter acesso ao especialista. Mesmo em grandes centros, a demanda por dermatologistas pode ser muito superior ao que o SUS tem capacidade de atender, gerando uma fila de espera de até um ano.(1010. Giavina Bianchi M, Santos AP, Cordioli E. The majority of skin lesions in pediatric primary care attention could be managed by Teledermatology. PLoS One. 2019;14(12):e0225479.)

O uso da teledermatologia é uma excelente opção, pois a avaliação pelo especialista, especialmente se associada ao uso do dermatoscópio (teledermoscopia), pode evitar muitas cirurgias desnecessárias, além de diagnosticar mais precocemente os casos verdadeiramente positivos e impedir o avanço do melanoma e todas as consequências de um diagnóstico num estadiamento tardio.(1111. Bruce AF, Mallow JA, Theeke LA. The use of teledermoscopy in the accurate identification of cancerous skin lesions in the adult population: a systematic review. J Telemed Telecare. 2018;24(2):75-83. Review.,1212. Marwaha SS, Fevrier H, Alexeeff S, Crowley E, Haiman M, Pham N, et al. Comparative effectiveness study of face-to-face and teledermatology workflows for diagnosing skin cancer. J Am Acad Dermatol. 2019;81(5):1099-106.) A teledermatologia tem outras vantagens, como conveniência para o paciente em não se deslocar para serviços especializados; alta acurácia quando comparada à presencial; custo comparável ou até inferior à forma tradicional e rapidez no atendimento. Em projeto realizado no município de São Paulo, o uso da teledermatologia diminuiu em 78% o tempo médio de espera para a consulta com o dermatologista presencial, e os pacientes suspeitos de câncer de pele já eram encaminhados à biópsia diretamente, na tentativa de abreviar ainda mais o tempo para o diagnóstico e tratamento.(1010. Giavina Bianchi M, Santos AP, Cordioli E. The majority of skin lesions in pediatric primary care attention could be managed by Teledermatology. PLoS One. 2019;14(12):e0225479.)

O desenvolvimento da inteligência artificial na detecção precoce do melanoma é um assunto muito atual e vem sendo desenvolvido por muitos serviços universitários e empresas privadas ao redor do mundo. Alguns estudos mostraram que, in silico, algoritmos provaram ter, no mínimo, o mesmo nível de acerto diagnóstico que especialistas médicos.(1313. Tschandl P, Codella N, Akay BN, Argenziano G, Braun RP, Cabo H, et al. Comparison of the accuracy of human readers versus machine-learning algorithms for pigmented skin lesion classification: an open, web-based, international, diagnostic study. Lancet Oncol. 2019;20(7):938-47.

14. Haenssle HA, Fink C, Schneiderbauer R, Toberer F, Buhl T, Blum A, et al. Man against machine: diagnostic performance of a deep learning convolutional neural network for dermoscopic melanoma recognition in comparison to 58 dermatologists. Ann Oncol. 2018;29(8):1836-42.
-1515. Esteva A, Kuprel B, Novoa RA, Ko J, Swetter SM, Blau HM, et al. Dermatologist-level classification of skin cancer with deep neural networks. Nature. 2017;542(7639):115-8.) Como esses algoritmos ainda não foram colocados em prática no mundo real, não se conhece, contudo, a eficiência, a aplicabilidade, a aceitabilidade e a confiabilidade por parte dos profissionais que utilizarão esses recursos. De toda forma, pode-se pensar em vários benefícios, os quais já foram observados na avaliação de outras doenças, como a retinopatia diabética, o acidente vascular cerebral e a isquemia coronariana.(1616. Imani E, Pourreza HR, Banaee T. Fully automated diabetic retinopathy screening using morphological component analysis. Comput Med Imaging Graph. 2015;43:78-88.

17. Liaw N, Liebeskind D. Emerging therapies in acute ischemic stroke. F1000Res. 2020;9:F1000 Faculty Rev-546. Review.
-1818. Tesche C, Gray HN. Machine learning and deep neural networks applications in coronary flow assessment: the case of computed tomography fractional flow reserve. J Thorac Imaging. 2020;35 Suppl 1:S66-S71. Review.)

Uma perspectiva de utilização da teledermatologia seria na triagem de lesões dermatológicas tumorais. A inteligência artificial pode ajudar a antecipar o diagnóstico do melanoma e outros cânceres de pele muito frequentes, ao analisar nuances das lesões que poderiam passar desapercebidas pelos médicos, principalmente para os não especialistas, podendo salvar vidas e poupando recursos. No caso de uma lesão suspeita de malignidade pelo algoritmo de inteligência artificial, o paciente seria encaminhado para o dermatologista com urgência, para que a dermatoscopia fosse realizada, e, de posse desse conjunto de informações, a conduta fosse tomada. É importante ressaltar que a interpretação dos resultados do algoritmo de inteligência artificial deve ser feita pelo médico. No caso de tanto o dermatologista quanto a inteligência artificial concordarem no diagnóstico, a confiança na tomada da conduta, seja exérese ou observação, deve ser maior. No caso de lesões benignas que não necessitam ser removidas, a concordância de opiniões poderia ser usada para amparar o médico no convencimento daquele paciente, que, por medo do câncer, insista em remover a lesão. Já para as situações em que existe divergência entre o dermatologista e a inteligência artificial, o médico deve ter a palavra final, porém, levando-se em conta a disparidade das análises, seria prudente sugerir reavaliar a lesão num curto prazo, como, por exemplo, em três meses. Já o uso da inteligência artificial por meio de aplicativos para smartphones para o público leigo deve ser melhor estudado, porque, ao mesmo tempo em que pode alertar o paciente para possíveis problemas com uma determinada lesão, fazendo com que ele procure ajuda especializada, pode também gerar estresse e custos desnecessários nos casos benignos (falso-positivos).

Embora haja um grande entusiasmo com o desenvolvimento dessas tecnologias, há também o medo, por parte dos dermatologistas, de que elas substituiriam ou mudariam significativamente a situação atual deles no futuro, diminuindo o número de consultas, a remuneração financeira ou, até mesmo, tornando-os obsoletos. A princípio, esse receio não tem fundamento, pois a teledermatologia tem como objetivo oferecer mais opções de atendimento ao paciente e aumentar sua acessibilidade aos dermatologistas, e não substituir a consulta presencial. Da mesma forma, a aplicação da inteligência artificial será incorporada para rastreamento de casos de interesse, como melanoma, e como sistema de suporte ao diagnóstico para dermatologistas, aumentando a acurácia dos diagnósticos. Ao se atualizar os dermatologistas sobre as limitações e os benefícios dessas tecnologias, pode-se diminuir esse temor. Existem, no entanto, muitas questões legais e regulamentárias que ainda estão em aberto, fazendo-se necessário que estas também evoluam em paralelo, para que tanto o médico quanto o paciente sejam amparados em sua totalidade.

REFERENCES

  • 1
    Najita JS, Swetter SM, Geller AC, Gershenwald JE, Zelen M, Lee SJ. Sex Differences in Age at Primary Melanoma Diagnosis in a Population-Based Analysis (US Surveillance, Epidemiology, and End Results, 2005-2011). J Invest Dermatol. 2016;136(9):1894-7.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer (INCA). Câncer de pele melanoma. Rio de Janeiro: INCA; 2021 [citado 2021 Jun 1]. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-melanoma
    » https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-pele-melanoma
  • 3
    de Melo AC, Wainstein AJ, Buzaid AC, Thuler LC. Melanoma signature in Brazil: epidemiology, incidence, mortality, and trend lessons from a continental mixed population country in the past 15 years. Melanoma Res. 2018;28(6):629-36.
  • 4
    Neuman HB, Patel A, Ishill N, Hanlon C, Brady MS, Halpern AC, et al. A single-institution validation of the AJCC staging system for stage IV melanoma. Ann Surg Oncol. 2008;15(7):2034-41.
  • 5
    Souza RJ, Mattedi AP, Rezende ML, Corrêa MP, Duarte EM. An estimate of the cost of treating melanoma disease in the state of Sao Paulo - Brazil. An Bras Dermatol. 2009;84(3):237-43.
  • 6
    Elliott TM, Whiteman DC, Olsen CM, Gordon LG. Estimated healthcare costs of melanoma in Australia over 3 years post-diagnosis. Appl Health Econ Health Policy. 2017;15(6):805-16.
  • 7
    Kandel M, Allayous C, Dalle S, Mortier L, Dalac S, Dutriaux C, et al. Update of survival and cost of metastatic melanoma with new drugs: estimations from the MelBase cohort. Eur J Cancer. 2018;105:33-40.
  • 8
    Larkin J, Chiarion-Sileni V, Gonzalez R, Grob JJ, Rutkowski P, Lao CD, et al. Five-year survival with combined nivolumab and ipilimumab in advanced melanoma. N Engl J Med. 2019;381(16):1535-46.
  • 9
    Schmitt JV, Miot HA. Distribution of Brazilian dermatologists according to geographic location, population and HDI of municipalities: an ecological study. An Bras Dermatol. 2014;89(6):1013-5.
  • 10
    Giavina Bianchi M, Santos AP, Cordioli E. The majority of skin lesions in pediatric primary care attention could be managed by Teledermatology. PLoS One. 2019;14(12):e0225479.
  • 11
    Bruce AF, Mallow JA, Theeke LA. The use of teledermoscopy in the accurate identification of cancerous skin lesions in the adult population: a systematic review. J Telemed Telecare. 2018;24(2):75-83. Review.
  • 12
    Marwaha SS, Fevrier H, Alexeeff S, Crowley E, Haiman M, Pham N, et al. Comparative effectiveness study of face-to-face and teledermatology workflows for diagnosing skin cancer. J Am Acad Dermatol. 2019;81(5):1099-106.
  • 13
    Tschandl P, Codella N, Akay BN, Argenziano G, Braun RP, Cabo H, et al. Comparison of the accuracy of human readers versus machine-learning algorithms for pigmented skin lesion classification: an open, web-based, international, diagnostic study. Lancet Oncol. 2019;20(7):938-47.
  • 14
    Haenssle HA, Fink C, Schneiderbauer R, Toberer F, Buhl T, Blum A, et al. Man against machine: diagnostic performance of a deep learning convolutional neural network for dermoscopic melanoma recognition in comparison to 58 dermatologists. Ann Oncol. 2018;29(8):1836-42.
  • 15
    Esteva A, Kuprel B, Novoa RA, Ko J, Swetter SM, Blau HM, et al. Dermatologist-level classification of skin cancer with deep neural networks. Nature. 2017;542(7639):115-8.
  • 16
    Imani E, Pourreza HR, Banaee T. Fully automated diabetic retinopathy screening using morphological component analysis. Comput Med Imaging Graph. 2015;43:78-88.
  • 17
    Liaw N, Liebeskind D. Emerging therapies in acute ischemic stroke. F1000Res. 2020;9:F1000 Faculty Rev-546. Review.
  • 18
    Tesche C, Gray HN. Machine learning and deep neural networks applications in coronary flow assessment: the case of computed tomography fractional flow reserve. J Thorac Imaging. 2020;35 Suppl 1:S66-S71. Review.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    2021
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br