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Makunaima comeu Mário de Andrade: pós-humano, antropofagia e o fantástico no conto “Makunaima e os Manos Deuses” de Julie Dorrico

Makunaíma ate Mário de Andrade: Posthumanism, anthropophagy and the fantastic in the short story “Makunaíma e os Manos Deuses” by Julie Dorrico

Makunaíma se comió a Mário de Andrade: Posthumanismo, antropofagia y lo fantástico en el cuento “Makunaíma e os Manos Deuses” de Julie Dorrico

Resumo

O presente artigo analisa o conto Makunaíma e os Manos Deuses, da autora e acadêmica indígena Julie Dorrico, e sua relação antropofágica com a novela Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade, na qual performa ecos vingativos de complexo oral-canibal. O artigo procura definir se Makunaíma e os Manos Deuses pertence a uma nova literatura brasileira decolonial e menor que foge das tentativas frustradas de criar uma literatura nacional alinhada ao cânone ocidental e faz as pazes com suas raízes indígenas, africanas e populares. A presente análise dá-se por meio das chaves do pós-humanismo, do perspectivismo ameríndio, da menoridade literária, da antropofagia e do fantástico.

Palavras-chave:
literatura indígena; perspectivismo-ameríndio; Macunaíma; pós-humano

Abstract

This paper analyzed the short story Makunaíma e os Manos Deuses, by author and indigenous scholar Julie Dorrico, and its anthropophagic relationship with Mário de Andrade’s novel Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, in which it perfumes vengeful echoes of an “oral-cannibal complex”. The article sought to define whether Makunaíma e os Manos Deuses belongs to a new decolonial and minor Brazilian literature that eschews the failed attempts to create a national literature aligned with the Western canon and makes peace with its indigenous, African, and popular roots. The present analysis takes place through the keys of posthumanism, Amerindian perspectivism, literary minority, anthropophagy, and the fantastic.

Keywords:
indigenous literature; Amerindian perspectivism; Macunaíma; posthuman

Resumen

El presente artículo analizó el cuento Makunaíma e os Manos Deuses, de la autora y estudiosa indígena Julie Dorrico, y su relación antropofágica con Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade, en la que realiza ecos vengativos del “complejo oral-caníbal”. El artículo buscó definir si Makunaíma e os Manos Deuses pertenece a una nueva literatura brasileña decolonial y menor que evita los intentos frustrados de crear una literatura nacional alineada con el canon occidental y hace las paces con sus raíces indígenas, africanas y populares. El presente análisis se realiza a través de las claves del posthumanismo, el perspectivismo amerindio, la minoridad literaria, la antropofagia y lo fantástico.

Palabras clave:
literatura indígena; perspectivismo ameríndio; Macunaíma; posthumano

Só o menor é que é grande e revolucionário. Odiar qualquer literatura de mestres (Deleuze e Guattari, 1975DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1975). Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago., p. 40).

Se os brancos pudessem, como nós, ouvir outras palavras que não as da mercadoria, saberiam ser generosos e seriam menos hostis conosco. Também não teriam tanta gana de comer nossa floresta (Kopenawa e Albert, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce (2015). A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras., p. 413-414).

Para [...] a literatura burguesa, eu misturo verdade e reação. História e desabafo. Vida e voz indígena, misturo prosa e poesia. Eu luto pela sobrevivência (Potiguara, 2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global., p. 18).

TIRA-GOSTO: INTRODUÇÃO

A festa começava alguns dias antes da execução propriamente dita, com a chegada dos convidados e o início das danças e cauinagens (Fausto, 1992FAUSTO, Carlos (1992). Fragmentos de história e cultura tupinambá: da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Fapesp/SMC/Companhia das Letras., p. 391).

A escritora e acadêmica indígena Julie Dorrico nasceu em Guajará-Mirim, oeste de Rondônia, cidade de 41 mil habitantes, mas passou a infância em Abunã (RO), entre pés de lima, feixes de cana-de-açúcar, pés de coco e duas mangueiras. Seu pai, peruano, era garimpeiro, e a mãe, guianense, pertencia à etnia macuxi, povo que se divide em diversas aldeias localizadas em áreas amazônicas da Venezuela, da Guiana e do Brasil. Macunaíma (ou Makunaima/Makunaimã) é o demiurgo celebrado pela tradição macuxi (Sá e Fiorotti, 2018SÁ, Lucia; FIOROTTI, Devair (2018). Filhos de Macunaíma ou: não sou índio, sou macuxi e meu nome é… Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 53, p. 343-352. https://doi.org/10.1590/2316-40185315
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). Dorrico, que é doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, demorou 26 anos para descobrir sua ascendência macuxi e fê-lo influenciada por palestras dos escritores indígenas Daniel Munduruku e Kaka Werá (Giacomo, 2020cGIACOMO, Fred Di (2020c). Quando me descobri indígena: conheça a escritora Julie Dorrico. Arte Fora dos Centros. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/arte-fora-dos-centros/2020/06/04/quando-me-descobri-indigena-conheca-a-escritora-julie-dorrico.htm . Acesso em: 2 jan. 2020.
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). Desde 2018, a autora organiza a publicação acadêmica Literatura indígena brasileira contemporânea e, em 2019, publicou seu primeiro livro de ficção, a antologia de contos Eu sou Macuxi e outras histórias. É importante destacar aqui sua resumida trajetória biográfica para demarcar seu “lócus enunciativo” e o “espaço de onde se origina seu discurso” (Rosa, 2018ROSA, Francis Mary Soares Correia da (2018). A menoridade literária em Olívio Jekupé. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 53, p. 305-327. https://doi.org/10.1590/2316-40185313
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). Dorrico, ao publicar um livro autoral com seu nome na capa, integra o que ela e Graça Graúna (2013GRAÚNA, Graça (2013). Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições.) classificam como literatura indígena contemporânea, em detrimento da literatura indígena do período clássico - que é oral, de autoria coletiva e que “atravessa os tempos com as narrativas míticas” (Graúna, 2013, p. 74). Essas narrativas míticas já eram contadas por aqui quando o Brasil foi invadido pelos portugueses em 1500. Duzentos e cinquenta e dois anos depois, uma brasileira branca, Teresa Margarida da Silva Horta, foi a primeira mulher a publicar uma ficção em língua portuguesa, o romance Aventuras de Diófanes (Hipólito, 2004HIPÓLITO, Helaine Aparecida (2004). Aventuras de Diófanes: as aventuras do romance português. 130f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Assis. Disponível em: Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/94148 . Acesso em: 23 out. 2021.
http://hdl.handle.net/11449/94148...
). No entanto, foram necessários 480 anos (quase 500) da ocupação portuguesa para que um indígena conseguisse aparecer como autor de um livro impresso. Estamos falando de Antes o mundo não existia (Kenhíri e Kumu, 1980KENHÍRI, Tolamãn; KUMU, Tolamãn Kenhíri (1980). Antes o mundo não existia. São Paulo: Livraria Cultura.).

Dos anos 1990 para cá, as editoras têm aberto, lentamente, suas portas para autores nativos. Julie Dorrico faz parte dessa geração de indígenas, que se une a outros brasileiros (vindos do interior do país, de suas periferias e bordas e de comunidades de ascendência negra e indígena) para admitir que a literatura brasileira é uma literatura menor, com todos os significados que Deleuze e Guattari (1975DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1975). Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago.) atribuem ao termo cunhado pelo escritor checo Franz Kafka (“die kleinen Literaturen”, no original em alemão). As mudanças na literatura brasileira promovida por esses autores atravessam o que Pierre Bourdieu (1996BOURDIEU, Pierre (1996). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras.) definiu como “campo literário” e ecoam as questões de “lugar de fala” levantadas pela filósofa Djamila Ribeiro (2017RIBEIRO, Djamila (2017). O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento.) e pela teórica da literatura Regina Dalcastagnè (2013DALCASTAGNÈ, Regina (2013). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-book., p. 23), que afirma ser “possível descrever nossa literatura como sendo a classe média olhando para a classe média”. É interessante observar o impacto causado nas estruturas do campo literário quando Julie Dorrico, uma mulher indígena vinda de um estado periférico brasileiro, passa não só a produzir ficção e publicá-la, mas também a produzir crítica literária e estudos acadêmicos que refletem a produção contemporânea, já que, como escreve Hunt (2014HUNT, Sarah (2014). Ontologies of indigeneity: the politics of embodying a concept. Cultural Geographies, v. 21, n. 1, p. 27-32. https://doi.org/10.1177/1474474013500226
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, p. 29):

Yet Indigenous knowledge is rarely seen as legitimate on its own terms, but must be negotiated in relation to pre-established modes of inquiry. The heterogeneity of Indigenous voices and worldviews can easily become lost in efforts to understand Indigeneity in ways that fix indigenous knowledge, suppressing its dynamic nature1 1 “Contudo, o conhecimento indígena raramente é visto como legítimo em seus próprios termos, mas deve ser negociado em relação a modos de investigação preestabelecidos. A heterogeneidade das vozes e das visões de mundo indígenas pode facilmente se perder nos esforços para compreender a identidade indígena de maneiras que fixam o conhecimento indígena, suprimindo sua natureza dinâmica” (tradução nossa). .

Sobre a importância desses conhecimentos e das perspectivas que partem “de baixo” (Haraway, 1988HARAWAY, Donna (1988). Situated knowledges: the science question in feminism and the privilege of partial perspective. Feminist Studies, v. 14, n. 3, p. 575-599. https://doi.org/10.2307/3178066
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), Walter Mignolo (2016MIGNOLO, W. (2016). La razón postcolonial: herencias coloniales y teorías postcoloniales. Revista Chilena de Literatura, n. 47, p. 91-114. Disponível em: Disponível em: https://revistaliteratura.uchile.cl/index.php/RCL/article/view/39564/41158 . Acesso em: 10 out. 2021.
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, p. 103) já apontara que as práticas teóricas pós-coloniais não mudam apenas a visão dos processos coloniais, mas também a base do “concepto Occidental del conocimiento y del entendimiento al establecer conexiones epistemológicas entre el lugar geocultural y la producción teórica”2 2 “Conceito ocidental de conhecimento e compreensão ao estabelecer conexões epistemológicas entre o lugar geocultural e a produção teórica” (tradução nossa). . Ora, então, não só “quem” fala importa, mas também “de onde” fala. Daí a revolução proporcionada por toda produção de conteúdo “de baixo”, justamente por ele vir “de baixo”; assim como toda literatura menor é política e revolucionária, simplesmente, por ser menor (Deleuze e Guattari, 1975DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1975). Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago.).

Protagonizada por indígenas, quilombolas, deuses, animais e árvores, a obra de Dorrico e a de seus contemporâneos - e aqui vamos citar Micheliny Verunschk (2021VERUNSCHK, Micheliny (2021). O som do rugido da onça. São Paulo: Companhia das Letras.) e Itamar Vieira Junior (2019VIEIRA JUNIOR, Itamar (2019). Torto arado. Lisboa: Leya.) - joga com as perspectivas narrativas, com a polifonia (Bakhtin, 2008BAKHTIN, Mikhail (2008). Problemas da poética de Dostoiévski. 4. ed. São Paulo: Forense Universitária.) e com elementos do fantástico, além de ser atravessada pela violência. Sua prosa dialoga, ainda, com elementos do realismo mágico - que Eric Camayd-Freixas (1998CAMAYD-FREIXAS, Eric (1998). Realismo magico y primitivismo: relecturas de Carpentier, Asturias, Rulfo y Garcia Marquez. Nova York: University Press of America.) define como “un modo de cosmovisión propio del pensamiento ‘mágico primitivo’ de las sociedades arcaicas”3 3 “Um modo de cosomovisão próprio do pensamento ‘mágico primitivo’ das sociedades arcaicas” (tradução nossa). . Contudo, esses autores parecem avançar para uma representação menos “pitoresca” (Candido, 1975CANDIDO, Antonio (1975). Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 5. ed. Belo Horizonte; São Paulo: Itatiaia: Ed. da Universidade de São Paulo. v. 2.) do “pensamento mágico primitivo” (Camayd-Freixas, 1998CAMAYD-FREIXAS, Eric (1998). Realismo magico y primitivismo: relecturas de Carpentier, Asturias, Rulfo y Garcia Marquez. Nova York: University Press of America., p. 3) do que a de seus predecessores, alinhando-se ao perspectivismo ameríndio teorizado por Viveiros de Castro (1996VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo (1996). Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, v. 2, n. 2, p. 115-144. https://doi.org/10.1590/S0104-93131996000200005
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), que diz:

O modo como os humanos veem os animais e outras subjetividades que povoam o universo - deuses, espíritos, mortos, habitantes de outros níveis cósmicos, fenômenos meteorológicos, vegetais, às vezes mesmo objetos e artefatos, é profundamente diferente do modo como esses seres os veem e se veem (Viveiros de Castro, 1996VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo (1996). Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, v. 2, n. 2, p. 115-144. https://doi.org/10.1590/S0104-93131996000200005
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, p. 2).

Até então, a literatura brasileira da “Nova República”4 4 “Nova República” é um termo criado pelo político Tancredo Neves, primeiro presidente eleito depois do regime militar brasileiro, para denominar a democracia pós-ditadura. tinha cara, gênero e classe social: era escrita por homens brancos, ricos e heterossexuais nascidos nos grandes centros urbanos da Regiões Sul e Sudeste do país. Segundo estudo coordenado por Regina Dalcastagnè (apudMassuela, 2018MASSUELA, Amanda. Quem é e sobre o que escreve o autor brasileiro. Cult, 2018. Disponível em: Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/quem-e-e-sobre-o-que-escreve-o-autor-brasileiro/ . Acesso em: 20 out. 2021.
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), 97% dos autores brasileiros contemporâneos publicados por grandes editoras até 2014 eram brancos. Isso em um país onde 56, 4% das pessoas são negras. O estilo literário desses autores, muitas vezes, privilegiava a autoficção, como definido por Diana Irena Klinger (2008KLINGER, Diana Irene (2008). A escrita de si como performance. Revista Brasileira de Literatura Comparada, v. 10, n. 12, p. 11-30.), e o fluxo psicológico, enfocando seus dramas internos. O cenário de suas narrativas era essencialmente urbano, “deixando para trás tanto o mundo rural, quanto os vilarejos interioranos” (Dalcastagnè, 2013DALCASTAGNÈ, Regina (2013). Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Rio de Janeiro: Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-book., p. 158).

BANQUETE: ANTROPOFÁGICO, FANTÁSTICO E PÓS-HUMANO

Tu me matarás, porém eu já matei muitos companheiros teus. Se me comerdes, fareis apenas o que já fiz eu mesmo. Quantas vezes me enchi com a carne de tua nação! Ademais, tenho irmãos e primos que me vingarão (Fausto, 1992FAUSTO, Carlos (1992). Fragmentos de história e cultura tupinambá: da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Fapesp/SMC/Companhia das Letras., p. 392).

Após viver uma infância rural, Julie Dorrico mudou-se para a capital e estudou formalmente literatura na Universidade Federal de Rondônia, onde se graduou e defendeu o mestrado (Giacomo, 2020cGIACOMO, Fred Di (2020c). Quando me descobri indígena: conheça a escritora Julie Dorrico. Arte Fora dos Centros. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/arte-fora-dos-centros/2020/06/04/quando-me-descobri-indigena-conheca-a-escritora-julie-dorrico.htm . Acesso em: 2 jan. 2020.
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). Lá pesquisou Borges, Goethe e Tolstói, entre outros escritores clássicos do cânone ocidental (Bloom, 1994BLOOM, Harold (1994). The Western canon: the books and school of the ages. Nova York: Harcourt Brace.), e chorou “ao ler o Guarani, de José de Alencar” (Giacomo, 2020cGIACOMO, Fred Di (2020c). Quando me descobri indígena: conheça a escritora Julie Dorrico. Arte Fora dos Centros. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/arte-fora-dos-centros/2020/06/04/quando-me-descobri-indigena-conheca-a-escritora-julie-dorrico.htm . Acesso em: 2 jan. 2020.
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). Eu sou Macuxi e outras histórias (2019), seu primeiro trabalho de ficção, desenrola-se quase todo na amazônica cidade de Bonfim (RR), onde sua bisavó vivia e onde a autora passou parte da infância, na fronteira com Lethem (Guiana). Há também, no livro, histórias ambientadas na capital de Rondônia, como “A Castanheira”, toda diagramada em formato de árvore, lembrando um poema concreto de Augusto de Campos. Em “A Castanheira”, a protagonista pergunta pela direção de um endereço que precisa encontrar e recebe como resposta “fica ali perto da castanheira”, mas não consegue identificar que árvore seria a castanheira. É sintomático que isso se passe em Porto Velho, uma cidade pouco arborizada, localizada em plena Amazônia, onde os brasileiros desaprenderam a enxergar as “gentes-floresta” (Giacomo, 2020cGIACOMO, Fred Di (2020c). Quando me descobri indígena: conheça a escritora Julie Dorrico. Arte Fora dos Centros. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/arte-fora-dos-centros/2020/06/04/quando-me-descobri-indigena-conheca-a-escritora-julie-dorrico.htm . Acesso em: 2 jan. 2020.
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). Por meio de seus contos (que às vezes adotam o formato de poemas, com versos, parágrafos curtos e linguagem figurada), Julie Dorrico narra sua história, a história de sua família, a história de seu povo (os macuxi) e a história de como se descobriu indígena. No conto “Makunaíma e os Manos Deuses”, segundo a própria autora, ela arrisca “fazer com o deus cristão o que Mário de Andrade fez com o deus Macuxi” (Giacomo, 2020cGIACOMO, Fred Di (2020c). Quando me descobri indígena: conheça a escritora Julie Dorrico. Arte Fora dos Centros. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/arte-fora-dos-centros/2020/06/04/quando-me-descobri-indigena-conheca-a-escritora-julie-dorrico.htm . Acesso em: 2 jan. 2020.
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), “transformando-o em um caçula birrento dos deuses ameríndios, pai do povo mercadoria”. Para os macuxi contemporâneos, Mário de Andrade transformou seu demiurgo e pai em um malandro, símbolo da integração nacional. Julie Dorrico não é a primeira artista indígena a metamorfosear essa insatisfação em arte, como ela mesma afirma:

Segundo o Jaider [Esbell, escritor e artista plástico macuxi], o próprio deus Macunaíma se permitiu ficar na capa [do] livro do Mário de Andrade, [para] viajar o mundo, só esperando que algum neto seu o resgatasse. O Jaider é pioneiro nessa crítica [à apropriação da divindade Macuxi por Mário de Andrade], ele tem uma performance em que foi a um sebo em São Paulo e falou ‘eu vim buscar meu vô.’ Aí o cara do sebo pensa ‘Quê? Esse cara é doido?’ (risos) Aí, ele compra uns 40 livros [do Macunaíma] e leva para a aldeia [macuxi]. Como se, simbolicamente, ele levasse seu avô Macunaíma de volta para o seu povo (Giacomo, 2020cGIACOMO, Fred Di (2020c). Quando me descobri indígena: conheça a escritora Julie Dorrico. Arte Fora dos Centros. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/arte-fora-dos-centros/2020/06/04/quando-me-descobri-indigena-conheca-a-escritora-julie-dorrico.htm . Acesso em: 2 jan. 2020.
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).

Tanto a novela Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (2019 [1928]), de Mário de Andrade, quanto o conto “Makunaima e os manos deuses”, de Julie Dorrico, iniciam suas narrativas com o protagonista Macunaíma e um nascimento. No conto de Dorrico, temos Makunaima, divindade, criando o povo macuxi e sua terra natal: “Quando Makunaima criou a Raposa Serra do Sol, ele convocou de sua criação gente que faria a diferença no mundo. Então ele criou os macuxês” (Dorrico, 2019DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Nova Lima: Caos e Letras., p. 33).

Já no Macunaíma de Andrade, o personagem é humanizado, dessacralizado e nasce de uma mulher comum - deixando de dar a vida para recebê-la. Ele é também “uma criança feia” e “preta retinta”, retirando-se o fenótipo macuxi da entidade e procurando-se retratar, com humor, a aparência do deus amazônico:

No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma (Andrade, 2019ANDRADE, Mário de (2019). Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Chapecó: Ed. UFFS., p. 21).

É marcante que Dorrico faça questão de colocar Macunaíma de volta em seu papel de demiurgo sagrado dos macuxi logo no início de seu conto, trazendo “de volta pra casa” a divindade, como fez o artista macuxi Jaider Esbell, anteriormente citado. No entanto, Dorrico, doutora em Letras na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), usa das artimanhas antropofágicas de Oswald de Andrade (1928ANDRADE, Oswald de (1928). Manifesto antropofágico. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano 1, n. 1, Maio.)5 5 Para quem q antropofagia é “absorpção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem” (Andrade, 1928). para criar sua versão do deus católico como um caçula birrento, nascido anos depois dos milenares deuses indígenas: “No tempo da criação, a Mãe-Terra olhou para Makunaima e os manos brincando na roça e quis criar um outro filho, porque gostava de ver o quintal cheio de gente” (Dorrico, 2019DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Nova Lima: Caos e Letras., p. 35). Em Dorrico, as personagens principais são não humanos (os deuses ameríndios e o deus cristão), mas em alguns trechos ela narra a vida de sua avó (“Vovó conta que antigamente, no tempo do Piatai Datai…”) e se coloca como “narradora-observadora” (“Mas eu já sabia, porque a vó me contou” ), tal qual Mário de Andrade em Macunaíma (2019ANDRADE, Mário de (2019). Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Chapecó: Ed. UFFS., p. 17): “Tudo ele - o papagaio - contou pro homem e depois abriu asa rumo a Lisboa. E o homem sou eu, minha gente, e eu fiquei pra vos contar a história”.

Ambas as narrativas empregam elementos do fantástico, mas se Andrade os usa de forma pitoresca (Candido, 1975CANDIDO, Antonio (1975). Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 5. ed. Belo Horizonte; São Paulo: Itatiaia: Ed. da Universidade de São Paulo. v. 2.), Dorrico o faz com reverência, seguindo a tradição oral indígena em que deuses e animais falam e pensam como humanos. E isso não configura figura de linguagem, técnica narrativa ou uma tentativa de causar estranheza ao leitor, pois, como destaca Heloisa Helena Siqueira Correia (2018CORREIA, Heloísa Helena Siqueira (2018). Saberes não humanos nas mitologias ameríndias: o que ensinam e para quem? In: DORRICO, Julie; DANNER, Leno Francisco; CORREIA, Heloisa Helena Siqueira; DANNER, Fernando (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Editora Fi. p. 359-375., p. 360): “As etnias (principalmente sul-americanas) consideram que as figuras não humanas que povoam as mitologias podem ser protagonistas e conviver em sociedade”. Está aí uma diferença entre a visão do estudioso branco que utiliza a tradição indígena como “metáfora”, mesmo que antropofágica, e “o sujeito indígena que reivindica, cada vez mais, protagonismo para articular em nome de suas ancestralidades, sem mediações alheias a eles” (Dorrico, 2018DORRICO, Julie (2018). Vozes da literatura indígena brasileira contemporânea: do registro etnográfico à criação literária. In: DORRICO, Julie; DANNER, Leno Francisco; CORREIA, Heloisa Helena Siqueira; DANNER, Fernando (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Editora Fi. p. 227-255., p. 230). Ou então a diferença, se nos atermos ao texto das duas obras, entre o estudioso branco que foi ao meio da mata pesquisar o “folclore”, tal qual Andrade, e acabou ouvindo a história de Macunaíma de segunda mão (na novela Macunaíma, através de um papagaio) e a indígena macuxi que conheceu o “bisavô” Macunaíma pelas narrativas orais e familiares da avó, numa transmissão genealógica. Dorrico usa da antropofagia e do humor característicos dos modernistas para satirizar o deus cristão, em uma crítica que não mira apenas o “deus em si”, mas toda a sociedade eurocêntrica/antropocêntrica/ocidental e sua insistência em ver-se no centro do universo, como parte da distinção de natureza e cultura que vem se esfacelando em meio ao Antropoceno, como destaca Simoni (2020SIMONI, Mariana (2020). Narrativas do esgotamento e a historiografia (literária) brasileira no Antropoceno. Revista Odisseia, v. 5, n. esp., p. 127-143. https://doi.org/10.21680/1983-2435.2020v5nEspecialID23554
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). Antonio Candido (1992CANDIDO, Antonio (1992). Dois Oswalds. Itinerário, São Paulo, n. 3.) escreveu que uma das “lições do nosso Modernismo foi o papel profilático, regenerador e humanizador do humorismo” e lamenta o fato de que na literatura brasileira contemporânea “há notória e lamentável decadência do humor” (Candido, 1992CANDIDO, Antonio (1992). Dois Oswalds. Itinerário, São Paulo, n. 3., p. 137). O acadêmico ficaria feliz ao ver, no conto de Dorrico, o humor modernista reconfigurado em crítica a, justamente, o mais conhecido dos modernistas brasileiros:

Mas, quando ele nasceu, ele não gostou de ser amarelo. Desejou ser branco pra ser diferente dos parentes. Maquinou-maquinou e foi na vaca tomar banho de leite pra ficar branco. Por isso que hoje quando tiramos leite da vaca, o leite sai bem mirrado, porque o caçula se banhou com gosto, e, por se banhar com gosto, machucou demais suas tetas. Pra sempre o homem vai sofrer pra tirar leite dela por causa disso.

Depois do banho de leite o caçula disse: - Decidi que não sou “nós”. Não vou ser pronome. Eu vou ser verbo! Eu vou ser Deus.

Os manos acharam aquilo tudo estranho, todo mundo ali era deus com letra minúscula. (Dorrico, 2019DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Nova Lima: Caos e Letras., p. 35).

O deus cristão que nasce amarelo - como um indígena - e resolve mudar de cor, banhando-se no leite da vaca, é uma paráfrase do Macunaíma, de Mário de Andrade (2019ANDRADE, Mário de (2019). Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Chapecó: Ed. UFFS.), que nasce preto, mas banha-se nas águas de um rio mágico e sai de lá “branco louro e de olhinhos azuis”. No entanto, o Deus de Dorrico não apenas se banha, mas extrai os recursos naturais, deixando o leite da vaca, a partir daí, condenado a ser “bem mirrado”. Esse Deus também passará a transformar todos os bens naturais em mercadorias, sem perceber que esses bens são sua própria “Mãe-Terra” (Dorrico, 2019DORRICO, Julie (2019). Eu sou macuxi e outras histórias. Nova Lima: Caos e Letras.), e transmitirá a seus filhos a narrativa de que a natureza não tem espírito, pois, como alega Alexandre Nodari (2015NODARI, Alexandre (2015). A literatura como antropologia especulativa. Revista da Anpoll, v. 1, n. 38, p. 75-85. https://doi.org/10.18309/anp.v1i38.836
https://doi.org/https://doi.org/10.18309...
, p. 77): “O homem moderno não cria mundos, ele empobrece o mundo para estandardizá-lo”. Dorrico, que pertence à etnia “menor” colonizada pelos brancos, e cujo deus foi devorado pelo modernismo antropofágico de Mário de Andrade, devora o modernista em vingança narrativa, experimentando “a possibilidade de troca de posições entre o matador e a vítima” do complexo oral-canibal (Zular, 2019ZULAR, Roberto (2019). Complexo oral canibal. Eutomia, v. 25, n. 1, p. 41-63. https://doi.org/10.51359/1982-6850.2019.244649
https://doi.org/https://doi.org/10.51359...
, p. 23).

MINGAU: PERSPECTIVISMO & MENORIDADE

Se a comida era pouca e muitos os convivas, desfrutava-se do caldo de pés e mãos cozidas (Fausto, 1992FAUSTO, Carlos (1992). Fragmentos de história e cultura tupinambá: da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Fapesp/SMC/Companhia das Letras., p. 392).

O conto “Makunaima e os Manos Deuses” é dividido em quatro segmentos separados por asteriscos triplos (***). O primeiro segmento narra o nascimento dos macuxês/macuxis e de seu lar (Raposa Serra do Sol), além de descrever alguns de seus costumes, transmitidos pela memória da avó à narradora-observadora. O segundo segmento traz o surgimento do caçula de Makunaima, o deus cristão que quer vender a própria mãe. A terceira parte, a mais curta de todas, narra como o deus cristão se revoltou contra sua família e criou seus filhos (Adão e Eva) com partes do próprio corpo, mentindo a esses filhos (nós, os ocidentais) ao dizer que a “floresta não tem espírito” (referência à divisão, moderna e antropocêntrica, entre natureza e cultura). A quarta parte faz uma ligação da cosmologia macuxi e da cosmologia bíblica com o tempo presente, o antropoceno e o massacre dos indígenas pelos brancos. Esse segmento adota uma linguagem menos literária e passa a ser mais factual, lembrando a multiplicidade de estilos de escrita de obras como Metade cara, metade máscara, da autora indígena Eliane Potiguara (2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global.). Nesse trecho final, Dorrico revela que sua avó e os xamãs indígenas haviam profetizado o nascimento de uma série de escritores, líderes e organizações indígenas, que ela enumera, nome por nome, no encerramento de seu conto. “Mais avançada que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”, a avó previra o surgimento do exército terrano que vai utilizar bricolagem, medicinas ancestrais, cantos e literatura oral em sua “guerra de gaia” (Latour, 2013LATOUR, Bruno (2013). Facing Gaia: six lectures on the political theology of nature. Being the Gifford Lectures on Natural Religion. Disponível em: Disponível em: https://eportfolios.macaulay.cuny.edu/wakefield15/files/2015/01/LATOUR-GIFFORD-SIX-LECTURES_1.pdf . Acesso em: 5 jan. 2021.
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; Viveiros de Castro e Danowski, 2014VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; DANOWSKI, Déborah (2014). Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Desterro, Cultura e Barbárie e Instituto Socioambiental.). Paralelamente ao cânone da literatura indígena brasileira contemporânea que Dorrico elenca em seu apocalipse ameríndio (“Daniel Munduruku, Eliane Potiguara, Olívio Jekupé, Márcia Kambeba, Auritha Tabajara, Cristino Wapichana, Graça Graúna, Sulamy Katy, Tiago Hakiy, Yaguarê Yamã”), a autora destaca o xamã Davi Kopenawa, cuja obra A queda do céu (2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce (2015). A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.), escrita em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert, Dorrico analisou em sua tese de doutorado, intitulada “Autobiografia como correlato de história pessoal e destino coletivo na obra A queda do céu: palavras de um xamã yanomami” (2021DORRICO, Julie (2021). Julie Dorrico: entrevista [4 jan. 2021]. Entrevistador: Frederico Di Giacomo Rocha. São Paulo.).

As influências de Kopenawa no conto que analisamos são múltiplas. A expressão “povo da mercadoria”, que Dorrico utiliza duas vezes em “Makunaima e os manos deuses”, é utilizada por Kopenawa para designar os brancos em A queda do céu. O fato de os descendentes do deus branco terem tomado as terras de Macunaíma é explicado ao leitor com uma citação de Kopenawa, que diz que os brancos “não sabem e não querem aprender a sonhar”. Muitas vezes, como no conto “A Castanheira”, Dorrico caminha para uma linguagem mais oral-poética-xamânica, que se soma aos momentos de prosa, poesia e não ficção que compõem Eu sou macuxi e outras histórias; tal qual a literatura de sobrevivência de Eliane Potiguara (2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global.), que não conhece as fronteiras de gêneros cartesianamente delimitadas pela literatura ocidental. É possível afirmar, assim, que a intertextualidade de “Makunaima e os manos deuses” se dá em diálogo com A queda do céu (Kopenawa e Albert, 2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce (2015). A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.), com Macunaíma (Andrade, 2019ANDRADE, Mário de (2019). Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Chapecó: Ed. UFFS.), com as tradições orais macuxi transmitidas a Dorrico por sua avó e com a tradição bíblica que aparece em algumas descrições sobre o deus branco. Kopenawa - classificado por Dorrico, em “Makunaima e os manos deuses”, como xamã, e não como escritor - é uma ponte entre os saberes clássicos e orais das florestas e a literatura contemporânea indígena (Graúna, 2013), que adota as novas técnicas urbanas. O pajé ianomâmi faz, assim, o papel de tradutor entre os dois mundos - como já seria esperado dos xamãs que, tradicionalmente, “são capazes de assumir o papel de interlocutores ativos no diálogo transespecífico; sobretudo, são capazes de voltar para contar a história” (Viveiros de Castro, 2015VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo (2015). Metafísicas canibais: elementos para uma antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify., p. 231).

Em “Makunaima e os manos deuses”, Dorrico também busca, para compor sua ficção escrita, a fonte ancestral e oral nos mitos e tradições narrados por sua avó. A autora parte do oral/ancestral/coletivo para criar uma narrativa escrita/contemporânea/autoral. Como escreve em seu artigo acadêmico “Vozes da literatura indígena brasileira contemporânea” (Dorrico, 2018DORRICO, Julie (2018). Vozes da literatura indígena brasileira contemporânea: do registro etnográfico à criação literária. In: DORRICO, Julie; DANNER, Leno Francisco; CORREIA, Heloisa Helena Siqueira; DANNER, Fernando (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Editora Fi. p. 227-255., p. 243), é comum na literatura indígena contemporânea que os “mitos, de origem fundamentalmente oral” componham “a base da escrita individual, em prosa ou poesia”. Isso acaba aproximando-a dos pilares do cânone ocidental (como as obras de Homero), surgidos de relatos orais. Escrever com base nos sons e não em uma representação gráfica do mundo, escrever buscando “figuras de oralidade”, é característica “menor”, apontada por Francis Mary Soares Correia da Rosa (2018ROSA, Francis Mary Soares Correia da (2018). A menoridade literária em Olívio Jekupé. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 53, p. 305-327. https://doi.org/10.1590/2316-40185313
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, p. 309) como forma de “desvirtuar uma língua maior de seu uso ordenativo”. Existe um paralelo nessa autoria coletiva da literatura indígena, mesmo quando contemporânea, e a “literatura menor” de Deleuze e Guattari (1975DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1975). Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago., p. 40), na qual “tudo toma um valor coletivo”. Se a literatura brasileira criada no terceiro mundo, na América Latina e com uma língua imposta ao continente por seu colonizador (um país periférico da Europa) já tem todos os pré-requisitos para ser classificada como “menor”, que dizer da literatura indígena escrita nesse país por indivíduos diaspóricos, muitas vezes desterritorializados nas periferias dos grandes centros urbanos (Potiguara, 2004POTIGUARA, Eliane (2004). Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global.) e que empregam uma fusão do português ensinado nas escolas do Brasil com suas próprias línguas nativas, quase sempre aprendidas de forma oral? Sobre o tópico da menoridade literária, Deleuze e Guattari (1975DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1975). Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago., p. 38) definem: “Uma literatura menor não pertence a uma língua menor, mas, antes, à língua que uma minoria constrói numa língua maior. E a primeira característica é que a língua, de qualquer modo, é afetada por um forte coeficiente de desterritorialização”.

Os elementos da linguagem macuxi são presença recorrente no livro de Dorrico, criando uma linguagem híbrida e diaspórica; portanto, menor. Sua frase de encerramento é: “Parixarara-a-xará pawá-caxiri-pá piá’san-pantonkon-si’á!”. Há outras palavras macuxis no conto, como tarenkpokon (“os cantos de cura”) e pantokon (“a arte de contar histórias sagradas”). O livro de Dorrico encerra-se, diga-se, com um glossário de palavras nativas. Sobre a expressão final de seu conto, a autora afirmou:

“Parixarara-a-xará pawá-caxiri-pá piá’san-pantonkon-si’á” significa [um] neologismo. ­Queria dar um ritmo no fechamento do conto, aí, criei ela. As palavras são da língua macuxi, família Caribe. Parixara é uma dança tradicional, caxiri é uma bebida, pia’san é pajé, pantonkon é a contação de histórias de origem. Eu quis passar a ideia de dançar e beber com o pajé, contando histórias.” (Dorrico, 2021DORRICO, Julie (2021). Julie Dorrico: entrevista [4 jan. 2021]. Entrevistador: Frederico Di Giacomo Rocha. São Paulo.).

Para Rosa (2018ROSA, Francis Mary Soares Correia da (2018). A menoridade literária em Olívio Jekupé. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, Brasília, n. 53, p. 305-327. https://doi.org/10.1590/2316-40185313
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), que analisa a literatura indígena pelo viés da chave da “menoridade” de Deleuze e Guattari (1975DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1975). Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago.), essa literatura “surge como uma possibilidade de constituir devires e agenciamentos de poder, capaz de conectar multiplicidades e de experimentar linhas de fuga que refletem o processo de criação”. Não à toa, outros autores contemporâneos de destaque têm se inspirado nas perspectivas e narrativas ameríndias para criar obras premiadas. É o caso de Micheliny Verunschk, vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura 2015, e seu O som do rugido da onça (2021); bem como de Torto Arado (2019) de Itamar Vieira Junior - vencedor dos prêmios Leya 2019VIEIRA JUNIOR, Itamar (2019). Torto arado. Lisboa: Leya., Jabuti na categoria melhor romance 2020 e Oceanos 2020. Micheliny considera A queda do céu (2015) “o livro sagrado do Brasil, como o Mahabharata, a Torá e outros livros sagrados de outros povos. Todo ele é história, poema, aquilo que É” (Verunschk, 2020VERUNSCHK, Micheliny (2020). Notícias de outras ilhas: Micheliny Verunschk. Cult, São Paulo. Disponível em: Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/micheliny-verunschk-ilhas/ . Acesso em: 4 jan. 2021.
https://revistacult.uol.com.br/home/mich...
). Tanto Micheliny Verunschk quanto Itamar Vieira Junior são leitores do perspectivismo ameríndio proposto por Viveiros de Castro (1996VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo (1996). Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, v. 2, n. 2, p. 115-144. https://doi.org/10.1590/S0104-93131996000200005
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), como deixaram claro em entrevistas:

O “eu animal” sempre me interessou, como história de vida, mas só vim compreender melhor isso quando comecei a ler o Viveiros de Castro. Porque sempre teve muita coisa do “bicho que fala” na minha família, “do tempo em que os bichos falavam”, uma coisa que vinha dos meus avós, dois ótimos contadores de histórias (Verunschk apudGiacomo, 2020aGIACOMO, Fred Di (2020a). Milicianos entraram em Palmares e continuam entrando em Paraisópolis. Arte Fora dos Centros. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/arte-fora-dos-centros/2020/07/02/milicianos-entraram-em-palmares-e-continuam-entrando-em-paraisopolis.htm . Acesso em: 4 jan. 2020.
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)

“Se eu não tivesse [...] estudado antropologia, talvez eu não fosse capaz de escrever livros em que me colocasse no lugar do outro. [...] estar nesse exercício é reencontrar aquilo que se perdeu na minha ancestralidade” (Vieira Junior apudGiacomo, 2020bGIACOMO, Fred Di (2020b). O racismo não cortou a língua de Itamar Vieira Jr; escutemos sua(s) voz(es). Arte Fora dos Centros. Disponível em: Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/arte-fora-dos-centros/2020/06/11/o-racismo-nao-cortou-a-lingua-de-itamar-vieira-jr-escutemos-suas-vozes.htm . Acesso em: 4 jan. 2020.
https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/arte...
)

Para os ianomâmis, como Davi Kopenawa e Albert (2015KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce (2015). A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras.) e grande parte dos ameríndios da região amazônica, os animais, as plantas e os elementos naturais, como os rios e as montanhas, também um dia foram humanos. Em uma espécie de evolução às avessas, tudo partiu do humano, da gente-gente, para depois especificar-se em gente-onça, gente-rio e gente-castanheira. O perspectivismo ameríndio proposto por Viveiros de Castro (1996VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo (1996). Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, v. 2, n. 2, p. 115-144. https://doi.org/10.1590/S0104-93131996000200005
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) empresta dos ameríndios essa noção de que, sob a perspectiva de uma onça, ela é o humano. Sendo ela o humano, nós somos as queixadas, sua caça. Já na visão das queixadas, são elas os humanos e os humanos são as onças: os predadores. Isso faz parte do antropomorfismo, que seria “uma inversão irônica (dialética?) do antropocentrismo” (Viveiros de Castro e Danowski, 2014VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; DANOWSKI, Déborah (2014). Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Desterro, Cultura e Barbárie e Instituto Socioambiental., p. 97). Na visão antropomórfica, todos são humanos, o que torna os humanos “algo comum”, fora do centro do mundo - o que revela aos homens que não somos “um evento excepcional que veio interromper magnífica ou tragicamente a trajetória monótona da matéria do universo” (Viveiros de Castro e Danowski, 2014VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; DANOWSKI, Déborah (2014). Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Desterro, Cultura e Barbárie e Instituto Socioambiental., p. 97). A obra de Dorrico está impregnada desse antropomorfismo, e “Makunaima e os manos deuses” é um de seus ápices, uma vez que coloca como algo digno de troça o fato de o deus branco e seus descendentes acharem-se superiores em relação não só aos outros deuses e povos, mas aos animais e plantas, todos filhos da deusa originária “Mãe-Terra”, que pode ser lida como outra versão de Gaia ou de Pachamama.

DIGESTÃO: CONCLUSÃO

O único que não comia era o matador, que iniciava um período de resguardo [...] o homicida tomava, enfim, um novo nome que [...] só revelaria durante uma cauinagem no final do resguardo (Fausto, 1992FAUSTO, Carlos (1992). Fragmentos de história e cultura tupinambá: da etnologia como instrumento crítico de conhecimento etno-histórico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Fapesp/SMC/Companhia das Letras., p. 392).

Em seu pequeno conto “Makunaima e os manos deuses”, dividido em quatro partes e protagonizado por personagens não humanos, Julie Dorrico alimenta-se dos domínios técnicos ocidentais a fim de que sua enunciação lhe dê “visibilidade política e estética” e lhe permita defender seu povo (Dorrico, 2018DORRICO, Julie (2018). Vozes da literatura indígena brasileira contemporânea: do registro etnográfico à criação literária. In: DORRICO, Julie; DANNER, Leno Francisco; CORREIA, Heloisa Helena Siqueira; DANNER, Fernando (org.). Literatura indígena brasileira contemporânea: criação, crítica e recepção. Porto Alegre: Editora Fi. p. 227-255.) e retomar para a figura de Makunaima o papel de divindade, tomado de maneira extrativista (Gómez-Barris, 2017GÓMEZ-BARRIS, Macarena (2017). Extractive zones: social ecologies and decolonial perspectives. Durham/Londres: Duke University Press.) pelo modernismo antropofágico de Mário de Andrade. Para isso, Dorrico utiliza-se tanto da tradição oral do povo macuxi, transmitida a ela por sua avó, parte da “literatura indígena clássica” (Graúna, 2013), quanto das técnicas modernistas e antropofágicas de Andrade, que a fazem transformar o deus branco em um “moleque birrento”, criando uma releitura do Gênesis judaico-cristão e da obra de Mário de Andrade. Nesse intuito, a escritora e acadêmica utiliza elementos fantásticos de forma não pitoresca, alinhados com a cosmologia ameríndia não só do povo macuxi, mas também a ensinada pelo xamã do povo ianomâmi Davi Kopenawa. Esses elementos fazem parte de uma renovação da literatura brasileira e latino-americana, alinhada com outras “perspectivas a partir de baixo” que “produzem narrativas do esgotamento” (Simoni, 2020SIMONI, Mariana (2020). Narrativas do esgotamento e a historiografia (literária) brasileira no Antropoceno. Revista Odisseia, v. 5, n. esp., p. 127-143. https://doi.org/10.21680/1983-2435.2020v5nEspecialID23554
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) e que se aliam com a ideia de “literatura menor” proposta por Deleuze e Guattari (1975DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1975). Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago.).

Tais perspectivas, polifônicas e subterrâneas, renovam a prosa brasileira contemporânea criando narrativas do antropoceno (Viveiros de Castro e Danowski, 2014VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; DANOWSKI, Déborah (2014). Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Florianópolis: Desterro, Cultura e Barbárie e Instituto Socioambiental.) que refletem as catástrofes ambientais-climáticas, pandêmicas e financeiras em uma literatura que não pode insistir em ecoar apenas o que se fez na Europa no século anterior. Uma literatura menor, profetizada pela avó macuxi de Dorrico e pelos xamãs de seu povo, em que “tudo é político” e “revolucionário”, como queriam Deleuze e Guattari (1975DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (1975). Kafka: por uma literatura menor. Rio de Janeiro: Imago.). Uma literatura que devora o inimigo e sua força em um banquete estético, deglutindo-o em uma arte nova que não perde nunca a memória de sua própria ancestralidade.

CAUIM: REFERÊNCIAS

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  • 1
    “Contudo, o conhecimento indígena raramente é visto como legítimo em seus próprios termos, mas deve ser negociado em relação a modos de investigação preestabelecidos. A heterogeneidade das vozes e das visões de mundo indígenas pode facilmente se perder nos esforços para compreender a identidade indígena de maneiras que fixam o conhecimento indígena, suprimindo sua natureza dinâmica” (tradução nossa).
  • 2
    “Conceito ocidental de conhecimento e compreensão ao estabelecer conexões epistemológicas entre o lugar geocultural e a produção teórica” (tradução nossa).
  • 3
    “Um modo de cosomovisão próprio do pensamento ‘mágico primitivo’ das sociedades arcaicas” (tradução nossa).
  • 4
    “Nova República” é um termo criado pelo político Tancredo Neves, primeiro presidente eleito depois do regime militar brasileiro, para denominar a democracia pós-ditadura.
  • 5
    Para quem q antropofagia é “absorpção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem” (Andrade, 1928ANDRADE, Oswald de (1928). Manifesto antropofágico. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano 1, n. 1, Maio.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2022
  • Aceito
    13 Out 2022
Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, Programa de Pós-Graduação em Literatura da Universidade de Brasília (UnB) Programa de Pós-Graduação em Literatura, Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília , ICC Sul, Ala B, Sobreloja, sala B1-8, Campus Universitário Darcy Ribeiro , CEP 70910-900 – Brasília/DF – Brasil, Tel.: 55 61 3107-7213 - Brasília - DF - Brazil
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