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A ressemantização da literatura negra gaúcha1 1 O presente manuscrito é o resultado do projeto de pesquisa “A representação do negro na literatura contemporânea”, que vem sendo desenvolvido como iniciação científica no IFRS Campus Restinga (PROBICT - IFRS), com apresentação oral e publicação de resumo no 5º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino do IFRS, em 2020, disponível em: https://eventos.ifrs.edu.br/index.php/Salao_IFRS/5salao/paper/view/9779: PAIVA, Barbara; ASSIS, Bruna S.; SILVA, Marcel F.; PADILHA, Patrícia R. R.; GRIGOLETTO, Cassiana (2020). O despontar de vozes silenciadas: a representação do negro na literatura contemporânea do Rio Grande do Sul. In: SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA, 9., 2020, Bento Gonçalves. Anais [...]. Bento Gonçalves: 5º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino do IFRS, 2020. v. 9.

The resemantization of black gaucho literature

La resemantización de la literatura negra gaucha

Resumo

A comunidade negra foi sub-representada na literatura brasileira de outrora e teve sua história interpretada pelo entendimento branco, sofrendo uma interposição em sua discursividade, que relegou esses indivíduos a múltiplos silenciamentos como consequência do racismo. Neste artigo, são analisados dados que constatam uma ressemantização de narrativas literárias que representam aspectos vividos por esse coletivo, bem como a autoria e a predicação negras. Por meio de uma metodologia exploratória, que considerou tantos aspectos quantitativos como qualitativos, foi possível conhecer um novo cenário literário emergente no Rio Grande do Sul, como resultado da resistência desse estrato étnico. A representação contemporânea desses sujeitos marca uma reelaboração social que é ficcionalizada, respondendo às demandas de novos leitores que desejam ver-se encenados e humanizados, tendo suas histórias contadas por aqueles que vivem essa realidade e podem falar a respeito do tema com legitimidade. Investimentos recentes em políticas públicas voltados para a emancipação desse grupo proporcionaram uma ressignificação social que produziu um efeito de protagonismo, tão almejado ao longo dos tempos. Essas constatações foram feitas com base na análise da literatura gaúcha produzida por autores negros nas duas primeiras décadas deste século.

Palavras-chave:
literatura brasileira; predicação negra; literatura gaúcha

Abstract

The black community was underrepresented in Brazilian literature in the past and had its history interpreted by the understanding of white people, suffering an interposition in its discursiveness, which relegated these individuals to severe silencing as a consequence of racism. In this article, data are analyzed showing re-signification of literary narratives that represent aspects experienced by this collective, as well as black authorship and predication. Through an exploratory methodology, which considered both quantitative and qualitative aspects, it was possible to know a new emerging literary scene in Rio Grande do Sul, as a result of the resistance of this ethnic stratum. The contemporary representation of these subjects marks a fictionalized social re-elaboration, responding to the demands of new readers who wish to see themselves humanized, having their stories told by those who live this reality and can legitimately speak about the topic. Recent investments in public policies, aimed at the emancipation of this group, have provided a social re-signification that produced the so-desired feeling of protagonism. These findings were observed from the analysis of the Gaucho literature produced by black authors in the first two decades of this century.

Keywords:
Brazilian literature; black predication; gaucho literature

Resumen

La comunidad negra estuvo subrepresentada en la literatura brasileña en el pasado y tuvo su historia interpretada por el entendimiento blanco, sufriendo una interposición en su discursividad, que relegó a esos individuos a múltiples silenciamientos como consecuencia del racismo. En este artículo se analizan datos que muestran una resemantización de narrativas literarias que representan aspectos vividos por este colectivo, así como la autoría y predicación negra. A través de una metodología exploratoria, que consideró tanto aspectos cuantitativos como cualitativos, fue posible conocer un nuevo escenario literario emergente en Rio Grande do Sul, como resultado de la resistencia de ese estrato étnico. La representación contemporánea de esos sujetos marca una reelaboración social que se ficcionaliza, respondiendo a las demandas de nuevos lectores que desean verse escenificados y humanizados, que sus historias sean contadas por quienes viven en esa realidad y pueden legítimamente hablar sobre el tema. Las recientes inversiones en políticas públicas, encaminadas a la emancipación de este colectivo, aportaron una resignificación social que produjo un efecto protagonista, tan deseado en el tiempo. Estos hallazgos fueron observados a partir del análisis de la literatura gaucha elaborada por autores negros en las dos primeras décadas de este siglo.

Palabras clave:
literatura brasileña; predicación negra; literatura gaucha

PARA INÍCIO DE CONVERSA...

As sociedades modernas vêm sendo impactadas por transformações socioculturais, geopolíticas, históricas e epistemológicas que têm provocado a fragmentação de paisagens culturais e a configuração de novos cenários e pertenças, exigindo que determinados conceitos sejam repensados e revistos. Impulsionados pelos Estudos Culturais e Pós-Coloniais, grupos considerados minoritários vêm reivindicando espaço e voz, caso dos negros que foram subjugados e tiveram suas histórias escritas pela voz do Outro. É nesse cenário que surge a necessidade de esses sujeitos tornarem-se agentes e produtores de suas próprias histórias, resgatando aspectos culturais que foram desvalorizados, silenciados ou rasurados pelos longos períodos de colonização e de escravidão. Os produtos literários desempenham importante papel nesse processo, na medida em que são capazes de tensionar a memória, a História, os elementos formadores de identidades e as relações de poder que os constituem em seus tecidos narrativos.

Diante da representação minoritária e estereotipada dessa parcela da população na literatura brasileira, identificar movimentos insurgentes que lutam para que a diferença encontre um lugar verdadeiramente discursivo no coletivo mostra-se necessário e urgente. Assim, promover estudos capazes de romper com o silenciamento produzido pela prática e autorização de narrativas racistas2 2 Entende-se o racismo como estrutura de poder que permeia diversos espaços e se vale de ferramentas que subalternizam os sujeitos negros, reificando-os. significa subverter a lógica colonialista racial que perdurou por muito tempo no meio acadêmico, além de promover a decolonização do pensamento, transformando as comunidades negras e afrodiaspóricas em sujeitos de sua própria História.

Nesse sentido, o presente texto apresenta e discute questões referentes à literatura produzida por autores gaúchos que se predicam negros e publicaram alguma obra nos últimos vinte anos (2000-2020). Buscando descobrir quem são os sujeitos autores dessa literatura, conhecer suas produções e verificar que representações e problemáticas estão sendo construídas, fez-se um levantamento inicial por meio de informações encontradas em revistas especializadas, sites e páginas pessoais, assim como materiais de divulgação de lançamentos de obras, eventos, publicações etc. O objetivo principal deste artigo é apresentar os resultados obtidos nessa investigação, problematizando algumas das questões que se interpuseram. Reflexões de pensadores contemporâneos acerca da predicação negra e do contexto social brasileiro remetem ao conceito de aquilombamento literário, ponto de partida deste texto.

O AQUILOMBAMENTO LITERÁRIO

A definição da identidade do negro é algo bastante complexo e vem gerando inúmeros debates, tanto no meio acadêmico quanto fora dele. Na sociedade brasileira, essa questão passou a ser problematizada a partir do momento em que políticas públicas voltadas para a população negra foram implementadas, caso do programa de cotas raciais nas universidades públicas. O questionamento sobre o que é ser negro marca parte do conflito identitário em que se vê enredada essa parcela da população. Essa discussão ultrapassa os traços fenotípicos, elementos que nortearam, no passado, tal identificação. Nas palavras de Kabengele Munanga (2004MUNANGA, Kabengele (2004). A difícil tarefa de definir quem é negro no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 18, n. 50, p. 51-66. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9968 . Acesso em: 2 maio 2021.
https://www.revistas.usp.br/eav/article/...
, p. 52):

Há pessoas negras que introjetaram o ideal de branqueamento e não se consideram como negras. Assim, a questão da identidade do negro é um processo doloroso. Os conceitos de negro e de branco têm um fundamento etnossemântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico. Politicamente, os que atuam nos movimentos negros organizados qualificam como negra qualquer pessoa que tenha essa aparência. É uma qualificação política que se aproxima da definição norte-americana. Nos EUA não existe pardo, mulato ou mestiço e qualquer descendente de negro pode simplesmente se apresentar como negro. Portanto, por mais que tenha uma aparência de branco, a pessoa pode se declarar como negro.

Assim, hoje, a identidade negra é vista como um processo em construção, atravessado por elementos culturais, históricos, políticos e ideológicos. Diante disso, definir as marcas dessa negritude num país como o Brasil, marcado pela mestiçagem e pela ilusão da democracia racial, onde a cor da pele continua estabelecendo hierarquias sociais, econômicas e culturais, não é tarefa fácil.

Se, por um lado, observa-se o aumento do número de indivíduos que se veem como negros e levantam suas vozes pela comunidade, impulsionados por políticas públicas e construções de novos espaços epistêmicos e de fala, por outro, ocorre o oposto a esse sentimento de identificação. Frantz Fanon (2008FANON, Frantz (2008). Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Edufba.) descreve, por intermédio da psicologia, as rupturas que produziram pensamentos divergentes da luta antirracista. O autor referiu a realidade martinicana/antilhana em sua obra Pele negra, máscaras brancas, contudo suas reflexões acerca das características de oposição à negritude, ou ainda de negação da própria cor, podem ser facilmente verificadas no contexto brasileiro, sobretudo na contemporaneidade gaúcha:

Compreendemos agora por que o negro não pode se satisfazer no seu isolamento. Para ele só existe uma porta de saída, que dá no mundo branco. Donde a preocupação permanente em atrair a atenção do branco, esse desejo de ser poderoso como o branco, essa vontade determinada de adquirir as propriedades de revestimento, isto é, a parte do ser e do ter que entra na constituição de um ego. Como dizíamos há pouco, é pelo seu interior que o negro vai tentar alcançar o santuário branco. A atitude revela a intenção (Fanon, 2008FANON, Frantz (2008). Pele negra, máscaras brancas. Salvador: Edufba., p. 60).

Nesse sentido, é possível imaginar que, em um contexto como o brasileiro, em que discursos de embranquecimento foram propagados como forma de desvalorização dos negros, os modelos da branquitude estejam interiorizados e façam parte de uma narrativa de igualdade inexistente. Uma parte da população negra não consegue reconhecer-se nas lutas antirracistas, portanto não adere aos imperativos do movimento que exige reparação social. Entre os argumentos utilizados por esse grupo, está a ideia de que não foram eles as pessoas que sofreram com o escravismo, sendo assim não há dívida histórica. Para que se tenha uma ideia das dimensões do racismo internalizado, pode-se observar a análise de Adriana Saraiva (2017SARAIVA, Adriana (2017). População chega a 205,5 milhões, com menos brancos e mais pardos e pretos. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos . Acesso em: 3 abr. 2021.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
) sobre os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes à distribuição das etnias no território brasileiro, tendo como critério a autoavaliação:

A pesquisa mostra que, entre 2012 e 2016, a participação percentual dos brancos na população do país caiu de 46,6% para 44,2%, enquanto a participação dos pardos aumentou de 45,3% para 46,7% e a dos pretos, de 7,4% para 8,2%. Há marcantes diferenças regionais na distribuição da população por cor ou raça, o que pode ser explicado pelo processo de ocupação do território. No Sul, 76,8% da população se declarou branca, 18,7% parda e apenas 3,8% preta. Por outro lado, na região Norte, 72,3% da população se declarou parda, 19,5% branca e 7,0% preta (Saraiva, 2017SARAIVA, Adriana (2017). População chega a 205,5 milhões, com menos brancos e mais pardos e pretos. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282-populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos . Acesso em: 3 abr. 2021.
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/ag...
, p. 1, grifo nosso).

Em meio aos revezes do colorismo3 3 Segundo Alice Djokic (2015), o colorismo, ou a pigmentocracia, foi um conceito apresentado por Alice Walker no livro If the Present Looks Like the Past, What Does the Future Look Like? (1982) e refere-se à discriminação pela cor da pele, ou seja, quanto mais pigmentada for a pele de um indivíduo, mais ele sofrerá com o racismo. No Brasil, as discussões a respeito das cotas raciais colocaram em diálogo as questões que poderiam definir um sujeito como negro ou não, invocando o termo de Walker. , nota-se uma parcela de cidadãos que vem se identificando com a negritude, predicando-se negra, principalmente os mestiços, com peles pouco “pigmentadas”. Os atos racistas que permeiam as relações sociais modernamente originaram-se em discursos oriundos do entendimento europeu, difundidos nos territórios invadidos no passado e revestidos de argumentos que rotulavam seres humanos com o conceito de raça4 4 Segundo Aníbal Quijano (2005, p. 118), “a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova identidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não europeus”. , inferiorizando, assim, os povos conquistados. Biologicamente, sabe-se que isso é uma falácia, no entanto, culturalmente, um movimento reverso investe-se da racialização como fator identitário. Diante disso, a predicação abarca todos os fatores de exclusão que atingem os indivíduos marginalizados, contudo respalda-se na ideia de raça para a (re)apropriação, ressignificando suas existências com base na própria cor e, consequentemente, (re)valorizando todos os elementos que fazem parte de suas histórias, culturas e manifestações coletivas.

A etnicidade5 5 Entende-se que etnicidade/etnização/etnicização e racialização são conceitos da Sociologia que se interseccionam para apresentar uma perspectiva sobre a construção identitária enquanto produto cultural. Ver: Barker (2004, p. 62-63) e Ceia (2009). , enquanto autoconsciência da especificidade cultural e social de um grupo particular, acaba gerando uma reelaboração de entendimentos e está se reconstituindo como uma égide de pensamentos e de sentimentos que permitem a produção de ideologias humanizantes referentes ao orgulho da cor. Não como um atributo de superioridade, mas, sobremaneira, com o sentido de resgate das dignidades subalternizadas e interrompidas pelo racismo estrutural. Assim, o movimento negro atrai para si os dissidentes, como também os escritores separados por uma gota de sangue.6 6 De acordo com o texto “Apartheid genético”, de Fabrício Marques (2007), one drop rule é uma expressão estadunidense que se refere a um princípio legal de classificação étnica, presente nos EUA no século XX. Qualquer indivíduo que possua um único ancestral africano é considerado negro. Tal critério era utilizado como forma de segregação e, assim como o colorismo, gera hierarquização atribuída ao tom de pele. No entanto, em um movimento reverso, o termo tem sido usado para a predicação de pessoas que assumem sua negritude como fator identitário. No Brasil, esse princípio é referido como “regra de uma gota de sangue”. Predicar-se negro, nesse novo contexto, significa olhar para si e reconhecer a necessidade de posicionamento político e ideológico diante da exclusão racista.

Algumas reflexões a respeito da etnia, da predicação e do lugar discursivo são examinadas na obra Literatura negro-brasileira. Nela, Cuti (2010CUTI (2010). Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro.) reelabora a nomenclatura literária produzida no Brasil, elencando argumentos que justificam tal escolha. Se os textos são produzidos por autores negros brasileiros, em território brasileiro, e versam sobre o contexto social dos negros brasileiros, por que termos como afro-brasileiro ainda nomeiam essa literatura?

Denominar de afro a produção literária negro-brasileira (dos que se assumem como negros em seus textos) é projetá-la à origem continental de seus autores, deixando-a à margem da literatura brasileira, atribuindo-lhe, principalmente, uma desqualificação com base no viés da hierarquização das culturas, noção bastante disseminada na concepção de Brasil por seus intelectuais (Cuti, 2010CUTI (2010). Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro., p. 35).

Ainda que exista uma raiz que nos liga ao passado africano, as produções não aconteceram na África, devendo ser realocadas em sua autoria. Entre as várias premissas do autor, cabe ressaltar as ideias (positivas e negativas) que conectam a identidade com os processos de etnização, mas, principalmente, com os da predicação negra, que foi e ainda é um entrave para as produções desse segmento. O elitismo brasileiro criou barreiras para o coletivo negro e seus produtos culturais, logo, para muitos autores, identificar-se com tais temáticas significa expor-se ao julgamento social e mercadológico que reproduz o racismo estrutural.

As reflexões de Cuti (2010CUTI (2010). Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro.) perpassam pelos textos de diversos autores e, sobremaneira, a necessidade de se posicionar em uma militância que tinha (e tem) a primazia de emancipar os indivíduos, assegurando que suas existências sejam reconhecidas. Renomear as literaturas brasileiras produzidas por esse segmento étnico, designando-as de negro-brasileiras, é um passo importante para a representatividade desse coletivo. Tais reflexões estão ligadas à insurgência afrodiaspórica que, em seus atos de resistência e oposição à realidade brutal do escravismo, gerou os primeiros quilombos brasileiros, exemplos de antagonismo contra a privação da liberdade.

Analisando a ideia de quilombismo presente na obra de Abdias do Nascimento (2019NASCIMENTO, Abdias (2019). O quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipeafro.), pode-se imaginar que a resistência negra ecoou em espaços diversos, gerando uma multiplicidade de associações que, na modernidade, podem ser concebidas como meios de resistir:

O quilombismo se estruturava em formas associativas que tanto podiam estar localizadas no seio de florestas de difícil acesso que facilitava sua defesa e sua organização econômico-social própria, como também assumiram modelos de organizações permitidas ou toleradas, frequentemente com ostensivas finalidades religiosas (católicas), recreativas, beneficentes, esportivas, culturais ou de auxílio mútuo. Não importam as aparências e os objetivos declarados: fundamentalmente todas elas preencheram uma importante função social para a comunidade negra, desempenhando um papel relevante na sustentação da continuidade africana. Genuínos focos de resistência física e cultural. Objetivamente, essa rede de associações, irmandades, confrarias, clubes, grêmios, terreiros, centros, tendas, afoxés, escolas de samba, gafieiras foram e são os quilombos legalizados pela sociedade dominante; do outro lado da lei se erguem os quilombos revelados que conhecemos. Porém tanto os permitidos quanto os “ilegais” foram uma unidade, uma única afirmação humana, étnica e cultural, a um tempo integrando uma prática de libertação e assumindo o comando da própria história. A este complexo de significações, a esta práxis afro-brasileira, eu denomino de quilombismo (Nascimento, 2019NASCIMENTO, Abdias (2019). O quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista. São Paulo: Perspectiva; Rio de Janeiro: Ipeafro., p. 281).

O quilombismo encontra guarida também na literatura e, caso se atente para os contextos regionais, instaura-se na constituição de bolsões de produção negra que se mantiveram atuantes, mas que foram negligenciados pelo mercado - uma espécie de aquilombamento literário. A série Cadernos negros7 7 A série Cadernos Negros começou a ser publicada em 1978 pelo Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR). Em 1982, esse movimento paulista passou a se chamar Quilombhoje. é um desses produtos, reunindo em suas produções as reflexões de diversos literatos negros que discutem, desde a década de 1980, as pautas referentes à comunidade negra.

Um fator marcante para o aumento desse nicho literário foi, sem dúvida, o desenvolvimento de tecnologias que proporcionaram maior rapidez na interação entre os participantes dos movimentos sociais voltados para a causa negra. O acesso a mídias diversas e a ferramentas de comunicação mais rápidas diminuiu o espaço, otimizou o tempo e promoveu a aproximação de saberes. Assim, rapidamente, formaram-se grupos espalhados por um território com as dimensões brasileiras em prol de interesses comuns.

No mundo virtual, foram criados espaços de divulgação em que autores desconhecidos expõem seu trabalho, alcançando um público que, até bem pouco tempo atrás, não tinha acesso a essa produção. Esses aspectos da contemporaneidade estreitaram os laços com o passado dividido pelo coletivo negro e novas ideias ganharam corpo, gerando alternativas para os produtos artísticos e, também, para a transformação dos conhecimentos seculares que chegaram no Brasil com o processo diaspórico, produzindo identidades culturais marcadas pela negritude.

Outro fator que contribuiu para a expansão dessas literaturas foi o aumento de editoras independentes, criadas por sujeitos pertencentes a esses grupos étnicos ou por indivíduos que perceberam o crescimento desse estrato literário, que passou a ganhar maior espaço e consumidores. Como alternativa para a exclusão mercadológica, os escritores que se predicam negros, em regiões brasileiras distintas, publicaram por selos menores ou organizaram publicações coletivas, objetivando tornar viável a elaboração de artefatos literários que transportem suas impressões, reflexões e críticas, assim como as histórias vividas por grupos diversos, mas que possuem a mesma cor.

No Rio Grande do Sul, as editoras Falange Produções e Figura de Linguagem8 8 Organização editorial que estabelece uma cota para escritores brancos. são exemplos dessas iniciativas, mantendo-se atuantes graças à demanda de leitores que buscam obras com a temática negra. As produções (independentes/coletivas) esbarram em empecilhos mercadológicos, como o custo mais alto e a distribuição, que limitam seu alcance; entretanto, fazem parte de uma realidade que se desenvolve e procura atender uma comunidade que, antes, não tinha opções.

Se, em face das transformações sociais, os grandes grupos editoriais abriram espaço para autores negros - caso de Jeferson Tenório, publicado pela Companhia das Letras9 9 O Grupo Companhia das Letras é a maior editora do Brasil e tem 17 selos editoriais: Companhia das Letras, Objetiva, Zahar, Alfaguara, Suma, Paralela, Penguin-Companhia, Companhia de Bolso, Portfolio-Penguin, Fontanar, Companhia de Mesa, Quadrinhos na Companhia, Seguinte, Companhia das Letrinhas, Pequena Zahar, Claro Enigma e Boa Companhia. -, não foram as demandas desse grupo o principal fator para essa expansão. A brecha, em si, é significativa, contudo atende às necessidades capitalistas. Se existe uma comunidade consideravelmente grande, capaz de consumir, o mercado ajustar-se-á a essas demandas.

Todas essas transformações vivenciadas pela sociedade brasileira têm relação direta com as iniciativas públicas que ajudaram a formar um novo grupo de leitores em busca de representatividade. Essas ações sociopolíticas possibilitaram a reformulação da consciência étnica, dando visibilidade aos grupos marginalizados e, como consequência da educação formal, uma nova representação do coletivo negro manifesta-se na literatura.

Nas últimas duas décadas, foi possível perceber uma mudança relevante no perfil do estudante do ensino superior no Brasil. O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), as políticas de ações afirmativas, a reestruturação do programa de financiamento estudantil (Fundo de Financiamento Estudantil - Fies), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com o Sistema de Seleção Unificada (SiSU) para ingresso nas universidades brasileiras e a criação do Programa Universidade para Todos (ProUni) foram políticas públicas que permitiram uma expansão significativa da educação superior em um curto período. Um estudo divulgado em 2020 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Inep) apontou a ampliação da participação de negros no ensino superior, tanto público como privado, acima até mesmo da variação percentual de pretos e pardos no total da população. Em 2001, os negros representavam apenas 22% dos estudantes de nível superior. Em 2015, aponta a pesquisadora do Ipea e autora do estudo, Tatiana Dias Silva (2020SILVA, Tatiana Dias (2020). Ação afirmativa e população negra na educação superior: acesso e perfil discente. Ipea Sumário Executivo, p. 1-2. Disponível em: Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2569_sumex.pdf . Acesso em: 25 abr. 2021.
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)10 10 A base de dados utilizada pela autora foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE e, para analisar o perfil discente, no caso das ações afirmativas, o Censo da Educação Superior (CES). , essa participação alcançou aproximadamente 44%. É importante destacar que, ao longo desse período, houve também aumento relevante no percentual de pessoas que se autodeclararam pretas ou pardas. Se a população negra em 2001, considerando-se o somatório entre pretos e pardos, era de 46,1%, em 2015, esse número passa a 53,9% -variação de 17%. Assim, observa-se que a inclusão do critério racial nos processos de ingresso também foi fundamental para a expansão da educação superior.

A população negra é constituinte da nação brasileira, mas pouco foi atendida ou reconhecida, e somente agora se verifica que o processo de educação institucional ajudou a produzir um número maior de leitores capazes de compreender e propagar um sentimento que está sendo representado na literatura. Quando o sentimento de valorização retorna aos indivíduos marginalizados e eles se veem como sujeitos de direito em suas próprias vidas, acontece um movimento catártico capaz de alterar o status quo compartilhado por coletivos que foram subalternizados.

OS AUTORES E AS OBRAS

O recorte espaçotemporal desta investigação centrou-se nas obras literárias produzidas e publicadas individualmente por escritores gaúchos negros nos últimos vinte anos (2000-2020). O levantamento inicial apontou a existência total de 60 títulos, entre poesia e prosa, produzidos por 27 autores gaúchos que se predicam negros. Assim, o presente artigo centra sua discussão em um corpus constituído por 17 obras, sendo 14 em prosa e três em verso, como amostra das obras publicadas nestas duas últimas décadas.

Nesse processo de levantamento inicial, foi possível constatar que, mesmo diante da abertura (tardia) do mercado editorial hegemônico para a produção de escritores negros e para a representação ficcional dessas populações historicamente marginalizadas, muitas obras não estão disponíveis para a aquisição no mercado, principalmente as publicações de editoras independentes e as da primeira década. Além disso, uma comparação entre as décadas pesquisadas revelou que, embora o gênero poético ainda seja o predileto, houve aumento de 10% nas produções em prosa (contos e romances) da segunda década, como se pode observar no Gráfico 1.

Gráfico 1 -
Poesia, contos e romances.

Supunha-se que a produção de romances, por exemplo, refletisse a complexidade de identidades que deslizam pela sociedade, representando-se em espaços diversos no coletivo. Esses construtos identitários foram erigidos ao longo do tempo e podem ser facilmente plasmados pela literatura; no entanto, com relação à população negra brasileira e, sobretudo, a gaúcha, a construção da identidade está em pleno desenvolvimento e pode-se compreender esse atraso quando se analisam os embates que envolvem o colorismo nessa comunidade étnica. Quando o assunto são as cotas raciais nas universidades, por exemplo, um debate complexo desenvolve-se, buscando definir o quão negro um indivíduo é.

Se ainda não existe uma definição precisa a respeito de quem ou do que é ser negro, como haverá uma anuência que permita que essas representações ganhem corpo no espaço ficcional? Zilá Bernd (1988BERND, Zilá (1988). Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense., p. 76) refletiu sobre esse processo em sua obra Introdução à literatura negra:

para a maturação de um romance negro brasileiro, algumas etapas ainda precisam ser vencidas, como o resgate da sua participação na História do Brasil, sobre a qual tantas sombras se projetaram, e a definição de sua própria identidade. Para que exista um discurso ficcional do negro é preciso que o negro defina a imagem que possui de si mesmo e que consolide o processo já iniciado de construção de uma consciência de ser negro na América (Bernd, 1988BERND, Zilá (1988). Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense., p. 76).

As impressões de Bernd (1988BERND, Zilá (1988). Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense.) foram apresentadas em um momento sócio-histórico marcado pelo início de uma jornada política que passou a criminalizar o racismo, com a Constituição de 1988, viabilizando a criação da Lei nº 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, obrigando a inclusão de temáticas que envolvem a História e a cultura afro-brasileira e africana no ensino básico. Sendo assim, é possível compreender que os elementos primordiais utilizados para compor as representações ainda precisam de amadurecimento para que haja a consolidação da consciência negra em nossa sociedade e, como consequência, sua expressividade ficcional em narrativas longas.

Na primeira década (2000/2009), apareceram os nomes de Maria Helena Vargas da Silveira, Valdecir de Oliveira Anselmo e Luiz Horácio, além de algumas produções de Paulo Scott e Valdomiro Martins. Nesse período, foram publicadas seis obras poéticas, dois títulos de contos e três romances.

Na década seguinte (2010/2020), encontraram-se os nomes de Maria do Carmo dos Santos, Jeferson Tenório, José Falero, Paulo Scott, Renato Dornelles, Tônio Caetano, Luiz Horácio, Luiz Maurício Azevedo, Alê (Alessandro) Garcia, Valdomiro Martins e Oscar Henrique Marques Cardoso. Nesse período, foram publicadas 13 obras poéticas, cinco títulos de contos e dez romances. Em ambas as décadas, esses números referem-se aos títulos publicados individualmente.

O retrato dessas produções revela outro fator marcante: o sexismo na literatura, pois aparecem apenas dois nomes femininos em 20 anos de textos em prosa. Embora esse número seja mais expressivo quando se trata de poesia, ainda revela um sexismo. Entre as obras poéticas publicadas, consta a presença de autoras como Fernanda Bastos, Eliane Marques, Taiasmin Ohnmacht, Fátima Farias, Lilian Rocha e Ana dos Santos, ao lado dos autores Irio Rodrigues, Alceu Amaral, Paulo Scott, Duan Kissonde, Marlon Pires Ramos, Jorge Fróes, Marcelo Martins, Mamau Castro e Ronald Augusto.

A poesia, veículo da arte desde a antiguidade, assume um lugar de maior destaque, talvez pelo formato menor e menos custoso, ou ainda por evidenciar um valor estético mais apreciado no princípio da escrita literária de muitos autores. No contexto contemporâneo, em que é possível encontrar mídias com materiais artísticos, por exemplo, o acesso à cênica poética pode ser desfrutado por um número expressivo de pessoas que são apresentadas ao trabalho de poetas diversos e, por conseguinte, buscam suas produções literárias. O protagonismo negro e as formas de representatividade são encenadas em produções tocantes que incentivam o consumo dessa artisticidade, produzindo uma identificação com as temáticas abordadas e colocando o sujeito negro no centro da representação, a conclamar os malungos11 11 Do kikongo m’alungu: aquele que participa das atividades, da amizade, do destino etc. de outrem; camarada, companheiro, parceiro; termo utilizado conceitualmente por Bernd para se referir aos indivíduos que fazem parte do coletivo negro. para se juntarem à expressividade poética, como aponta Zilá Bernd (1988BERND, Zilá (1988). Introdução à literatura negra. São Paulo: Brasiliense., p. 77, grifo nosso):

Efetivamente, a força deste eu (lírico) é dada não apenas pela fusão no nós coletivo, mas sobretudo pelo apelo constante à capacidade interpretativa do leitor (tu), cuja adesão determinará a ampliação e a afirmação do grupo negro bem como a vitória de sua luta contra todas as formas de preconceito e discriminação.

Assim, o aumento sensível das produções poéticas femininas pode ser o reflexo da maior educação formal decorrente das ações afirmativas que contemplaram recentemente indivíduos em situação de desigualdade social. Quanto à predileção pela poesia, tal fenômeno pode estar atrelado ao cotidiano de uma mulher negra, que exige seu tempo e presença divididos entre diversos afazeres, o que dificulta a tarefa de produção de textos mais extensos, caso dos romances.

Sobremaneira, pode-se perceber que o machismo estrutural interfere diretamente na produção feminina, atingindo duplamente as mulheres negras, que além do sexismo precisam lidar com o racismo em qualquer área de suas relações. Para que se tenha noção de tal interferência na literatura, é possível analisar o quadro de imortais da Academia Brasileira de Letras (Academia Brasileira de Letras, 2021ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (2021). Membros. Brasil: Academia Brasileira de Letras. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/membros?title=&field_cadeira_value= . Acesso em: 28 maio 2021.
https://www.academia.org.br/academicos/m...
), que possui hoje, entre os 40 participantes, somente cinco mulheres; ou mesmo o quadro de premiações:

Em 115 anos, apenas 13 mulheres receberam o prêmio Nobel de Literatura. No Prêmio Camões, que é concedido por Brasil e Portugal a escritores lusófonos, apenas seis mulheres foram homenageadas em 28 anos. O Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, foi dado a apenas 12 mulheres desde 1959, na categoria romance (Santana, 2017SANTANA, Ana Elisa (2017). Em 115 anos, apenas 13 mulheres receberam o Nobel de Literatura. Agência Brasil. Disponível em: Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2017-03/em-115-anos-apenas-13-mulheres-receberam-o-nobel-de-literatura . Acesso em: 28 maio 2021.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura...
).

Além do sexismo, percebe-se que a literatura brasileira de outrora rasurou as humanidades das pessoas negras no espaço diegético, tornando sua presença irrelevante, reificada ou priorizando o sujeito branco como o protagonista detentor de vida. Tais percepções são evidenciadas em uma pesquisa coordenada por Regina Dalcastagnè (2008DALCASTAGNÈ, Regina (2008). Quando o preconceito se faz silêncio: relações raciais na literatura brasileira contemporânea. Gragoatá, Niterói, n. 24, p. 203-219. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33169/19156 . Acesso em: 4 abr. 2021.
https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
), cujos dados revelam que:

A personagem do romance brasileiro contemporâneo é branca. Os brancos somam 79,8% das personagens, contra apenas 7,9% de negros e 6,1% de mestiços - os restantes incluem indígenas, orientais e personagens sem indícios de cor ou não humanas. Em 56,6% dos romances, não há nenhuma personagem não branca. Em apenas 1,6%, não há nenhuma personagem branca. E dois livros, sozinhos, respondem por mais de 20% das personagens negras (Dalcastagnè, 2008DALCASTAGNÈ, Regina (2008). Quando o preconceito se faz silêncio: relações raciais na literatura brasileira contemporânea. Gragoatá, Niterói, n. 24, p. 203-219. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33169/19156 . Acesso em: 4 abr. 2021.
https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
, p. 206, grifo nosso).

É importante ressaltar que, apesar de o presente estudo analisar obras da produção negra gaúcha em outro tempo, contrastando com o corpus e o recorte temporal da pesquisa conduzida por Regina Dalcastagnè (2008DALCASTAGNÈ, Regina (2008). Quando o preconceito se faz silêncio: relações raciais na literatura brasileira contemporânea. Gragoatá, Niterói, n. 24, p. 203-219. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33169/19156 . Acesso em: 4 abr. 2021.
https://periodicos.uff.br/gragoata/artic...
), nota-se um aumento no número de títulos com personagens negros. Anteriormente, Oliveira Silveira12 12 Oliveira Ferreira Silveira (1941-2009): professor, ativista do movimento negro gaúcho e escritor (Pêlo escuro, Roteiro dos tantãs, Poema sobre Palmares, entre outros; antologias e coletâneas no país e no exterior: Cadernos negros, A razão da chama, Quilombo de Palavras, Schwarze poesie/Poesia negra e Schwarze prosa/Prosa negra). Informações disponibilizadas pelos pesquisadores do projeto “Oliveira Silveira: o poeta da consciência negra brasileira”, no âmbito do Programa CriaNegra (UFRGS, 2022a). e Maria Helena Vargas da Silveira13 13 Maria Helena Vargas da Silveira (Helena do Sul - 1940-2009): professora, pesquisadora, ativista do movimento negro gaúcho e escritora (É Fogo, Meu Nome Pessoa - Três Momentos de Poesia, O Sol de Fevereiro, Odara - Fantasia e Realidade, Negrada, Tipuana, O Encontro, As filhas das lavadeiras, Rota Existencial). Informações disponibilizadas em site que integra o projeto de extensão Massive Open Oline Course (MOOC) - “Maria Helena Vargas da Silveira: escritora das gentes negras do sul” (UFRGS, 2022b). eram os expoentes da literatura negra no Rio Grande do Sul. Caso se compare a autoria de outrora, representada pelos dois escritores citados, aos nomes que foram descobertos no presente estudo, pode-se perceber um número crescente de obras, o que marca uma ressignificação tanto da autoria como da representação negra na literatura gaúcha.

OS PRODUTOS CONTEMPORÂNEOS

Uma nova geração de escritores desponta a cada dia, ganhando mais espaço literário. Suas obras apresentam um eu enunciador que não está reduzido à cor de sua pele, suas origens ou ao imaginário social. Essa recomposição reflete o pensamento e o desejo de uma literatura inclusiva e despida de rótulos, na qual encontram suporte para o ecoar de vozes, antes escritas pelo não negro, sem estereotipia e percepções deturpadas.

A produção em prosa, gênero elegido para uma breve análise neste artigo, ganha títulos que referenciam experiências compartilhadas pela comunidade negra, deslocando-se do telurismo presente na literatura gaúcha anterior e realocando-se no espaço urbano (principalmente na segunda década pesquisada). Essa nova organização possui um caráter distinto que marca uma ressemantização - processo de recriação dos significados - da presença dessas pessoas na urbe, agora socializadas e atuantes em um contexto moderno.

Além do espaço, outra característica marcante é a tematização da identidade negra. Longe dos estereótipos, essas personagens são retratadas com todas as singularidades pertencentes a qualquer ser humano, mas que foram rasuradas por produções que as alienavam, baseadas em racismo ou sub-representações. Quase todas as personagens identificadas no corpus são negras ou mestiças, com poucas exceções para a ausência de marcadores étnicos. Nesses casos, a ausência de tais marcadores é substituída pela descrição dos espaços periféricos. Essa referenciação torna-se possível pela observação da realidade que nos cerca, comprovada pelos seguintes dados do IBGE, como traz a Agência Brasil: “Enquanto 27,9% das pessoas brancas vivem em domicílios sem ao menos um serviço de saneamento - coleta de esgoto e de lixo e fornecimento de água -, a proporção sobe para 44,5% entre pretos e pardos” (Nitahara, 2019NITAHARA, Akemi (2019). Negros são maioria entre desocupados e trabalhadores informais no país. Agência Brasil. Disponível em: Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/negros-sao-maioria-entre-desocupados-e-trabalhadores-informais-no-pais . Acesso em: 14 maio 2021.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economi...
).

O romance Os supridores (2020)FALERO, José (2020). Os supridores. São Paulo: Todavia., de José Falero, é um exemplo da marcação étnica referenciada pela descrição de espaços suburbanos. Seus personagens periféricos vivem a desigualdade social, mas não são representados por sua cor de pele. O autor referido predica-se como negro. Em contraste, Renato Dornelles encena sua protagonista no livro A cor da Esperança (2019DORNELLES, Renato (2019). A cor da esperança. Porto Alegre: Falange.) em uma realidade periférica semelhante, construída, sobremaneira, com base em sua etnia. Dona Esperança é uma mulher ativa, ainda que seja uma anciã, e representa uma realidade comum nas periferias, onde as mulheres têm papel decisivo na manutenção de suas famílias.

Ocupando um lugar de ativo protagonismo, esses seres de letras podem falar por si mesmos e são as projeções daqueles que têm a legitimidade para escrever - autores negros, criando personagens negros, dividindo cenários comuns e, sobretudo, retratando-os com humanidade. Observa-se, ainda, um cotidiano de mazelas sociais enredando suas vidas, no entanto verifica-se, também, uma gama de possibilidades e realidades que são relatadas por pessoas que estão vivendo e reagindo aos ambientes compartilhados, onde a resistência é palavra de ordem.

Distantes da vitimização, os negros representados são atores sociais dinâmicos e emancipados, ligados a suas histórias e culturas ancestrais, mas conectados com o mundo contemporâneo. O personagem Pedro, da obra O avesso da pele (2019)TENÓRIO, Jefferson (2019). O avesso da pele. Rio de Janeiro: Companhia das Letras., é um exemplo dessa reconfiguração. Vivendo na Porto Alegre contemporânea, ele reconstrói sua trajetória de vida em meio a uma tragédia pessoal, revelando os percalços por que seus pais passaram e como o racismo afetou suas existências. Além disso, é possível identificar personagens com uma vida independente, detentores de suas ações no mundo e ressignificados pela ótica de quem conhece a materialidade negra gaúcha - como é o caso de Federico, criação de Paulo Scott, no livro Marrom e amarelo (2019SCOTT, Paulo (2019). Marrom e amarelo. Rio de Janeiro: Alfaguara.). O protagonista vive os embates do colorismo nesse romance, mas é um homem atuante, consciente de seu papel no Brasil que discute as cotas raciais. Nos títulos supracitados, os protagonistas são homens negros que possuem um diferencial para sua representação: ambos tiveram acesso à educação formal e esse fator foi determinante para que eles tivessem vidas economicamente estáveis, ainda que sofram com o racismo em algum nível.

As personagens femininas dos contos de Tônio Caetano são descritas com uma verossimilhança capaz de superar a perspectiva masculina que, comumente, as estereotipa. O autor humaniza e valoriza suas personagens femininas, aspectos geralmente encontrados em textos de escritoras. Comparando essas personagens com as diversas construções do eu lírico presente em Poerotisa (2019)SANTOS, Ana dos (2019). Poerotisa. Porto Alegre: Figura de Linguagem., de Ana dos Santos, por exemplo, foi possível perceber movimentos literários que encenam o feminino por uma ótica múltipla e diversa, autônoma e consciente do seu papel social.

No Rio Grande do Sul, o desenvolvimento dessas literaturas ocupa uma nova interface de luta que, anteriormente, possuía características regionais, dadas as grandes dimensões territoriais brasileiras, que dificultavam o acesso a novas informações. Os produtos literários contemporâneos, sobretudo as obras dos literatos que se predicam negros, indicam um despontar de consciência e atitudes sociais que movimentam o coletivo gaúcho, apresentando um universo de significações que está sendo recontado de maneira mais legítima.

PARA FINALIZAR...

O material analisado proporcionou importantes reflexões sobre o contexto vivido pela comunidade negra gaúcha, tornando possível constatar que, apesar dos embates antirracistas (ou talvez por causa deles), um novo cenário literário vem se desenvolvendo pautado pelas ressignificações sociais que produziram uma autoria mais atuante nas questões étnicas. Observou-se um aumento gradativo do número de obras que carregam a temática negra, reconfigurando as personagens, remodelando os espaços e contando as histórias de pessoas que, agora, são representadas singularmente.

A sociedade brasileira defrontou-se com a problematização a respeito da presença dos indivíduos negros nos ambientes onde sempre foram excluídos, e o coletivo afro/preto brasileiro reflete sobre a própria etnia e condição, tentando definir o que é ser negro no contexto atual. O racismo, combatido há séculos, ganhou novos opositores que dispõem de argumentos sólidos e são protagonistas de uma representatividade almejada desde há muito tempo por meio de ações voltadas para e pela negritude.

Concluiu-se que uma série de fatores contribuiu para que esse momento de produções acontecesse e, além das políticas públicas que fomentaram ações de reparação histórica no Brasil e o desenvolvimento de tecnologias que diminuíram distâncias, um novo estrato de leitores e cidadãos formou-se e está construindo uma renovação social que se projeta, também, no espaço literário. As reflexões teóricas de diversos pesquisadores, colocadas em diálogo, proporcionaram um entendimento transcultural capaz de alicerçar uma reconstrução identitária que, como consequência, proporcionou uma ressemantização da literatura negra no Rio Grande do Sul.

Diante disso, são corroboradas ideias de emancipação, de cidadania e de igualdade para o coletivo negro. O escrutínio do tema produz reflexões que devem ser compartilhadas com o corpo social, partindo da academia e convidando todos os cidadãos para discussões que aproximem saberes distintos e produzam ações educativas capazes de quebrar os paradigmas de segregação. Em movimentos contínuos, a literatura absorve aspectos da realidade para os reencenar no espaço ficcional e, como efeito produtivo, a ficção é capaz de devolver para a sociedade, simbolicamente, as reflexões que ajudarão a moldar as humanidades futuras.

REFERÊNCIAS

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    » https://www.ufrgs.br/oliveirasilveira/obra/
  • 1
    O presente manuscrito é o resultado do projeto de pesquisa “A representação do negro na literatura contemporânea”, que vem sendo desenvolvido como iniciação científica no IFRS Campus Restinga (PROBICT - IFRS), com apresentação oral e publicação de resumo no 5º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino do IFRS, em 2020, disponível em: https://eventos.ifrs.edu.br/index.php/Salao_IFRS/5salao/paper/view/9779: PAIVA, Barbara; ASSIS, Bruna S.; SILVA, Marcel F.; PADILHA, Patrícia R. R.; GRIGOLETTO, Cassiana (2020). O despontar de vozes silenciadas: a representação do negro na literatura contemporânea do Rio Grande do Sul. In: SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA, 9., 2020, Bento Gonçalves. Anais [...]. Bento Gonçalves: 5º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino do IFRS, 2020. v. 9.
  • 2
    Entende-se o racismo como estrutura de poder que permeia diversos espaços e se vale de ferramentas que subalternizam os sujeitos negros, reificando-os.
  • 3
    Segundo Alice Djokic (2015DJOKIC, Aline (2015). Colorismo: o que é, como funciona. Portal Geledés. Disponível em: Disponível em: https://www.geledes.org.br/colorismo-o-que-e-como-funciona/ . Acesso em: 3 abr. 2021.
    https://www.geledes.org.br/colorismo-o-q...
    ), o colorismo, ou a pigmentocracia, foi um conceito apresentado por Alice Walker no livro If the Present Looks Like the Past, What Does the Future Look Like? (1982) e refere-se à discriminação pela cor da pele, ou seja, quanto mais pigmentada for a pele de um indivíduo, mais ele sofrerá com o racismo. No Brasil, as discussões a respeito das cotas raciais colocaram em diálogo as questões que poderiam definir um sujeito como negro ou não, invocando o termo de Walker.
  • 4
    Segundo Aníbal Quijano (2005QUIJANO, Aníbal (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, Ciudad Autónoma. p. 227-278., p. 118), “a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova identidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de dominação entre europeus e não europeus”.
  • 5
    Entende-se que etnicidade/etnização/etnicização e racialização são conceitos da Sociologia que se interseccionam para apresentar uma perspectiva sobre a construção identitária enquanto produto cultural. Ver: Barker (2004BARKER, Chris (2004). The SAGE Dictionary of Cultural Studies. Londres, Thousand Oaks e Nova Déli: Sage., p. 62-63) e Ceia (2009CEIA, Carlos (2009). Etnicidade. In: E-Dicionário de Termos Literários. Disponível em: Disponível em: https://edtl.fcsh.unl.pt/ . Acesso em: 3 abr. 2021.
    https://edtl.fcsh.unl.pt/...
    ).
  • 6
    De acordo com o texto “Apartheid genético”, de Fabrício Marques (2007MARQUES, Fabrício (2007). Apartheid genético: classificação racial segregacionista inibiu miscigenação nos Estados Unidos. Pesquisa Fapesp, São Paulo, n. 137, p. 48-49. Disponível em: Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/apartheid-genetico/ . Acesso em: 27 abr. 2021.
    https://revistapesquisa.fapesp.br/aparth...
    ), one drop rule é uma expressão estadunidense que se refere a um princípio legal de classificação étnica, presente nos EUA no século XX. Qualquer indivíduo que possua um único ancestral africano é considerado negro. Tal critério era utilizado como forma de segregação e, assim como o colorismo, gera hierarquização atribuída ao tom de pele. No entanto, em um movimento reverso, o termo tem sido usado para a predicação de pessoas que assumem sua negritude como fator identitário. No Brasil, esse princípio é referido como “regra de uma gota de sangue”.
  • 7
    A série Cadernos Negros começou a ser publicada em 1978 pelo Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR). Em 1982, esse movimento paulista passou a se chamar Quilombhoje.
  • 8
    Organização editorial que estabelece uma cota para escritores brancos.
  • 9
    O Grupo Companhia das Letras é a maior editora do Brasil e tem 17 selos editoriais: Companhia das Letras, Objetiva, Zahar, Alfaguara, Suma, Paralela, Penguin-Companhia, Companhia de Bolso, Portfolio-Penguin, Fontanar, Companhia de Mesa, Quadrinhos na Companhia, Seguinte, Companhia das Letrinhas, Pequena Zahar, Claro Enigma e Boa Companhia.
  • 10
    A base de dados utilizada pela autora foi a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE e, para analisar o perfil discente, no caso das ações afirmativas, o Censo da Educação Superior (CES).
  • 11
    Do kikongo m’alungu: aquele que participa das atividades, da amizade, do destino etc. de outrem; camarada, companheiro, parceiro; termo utilizado conceitualmente por Bernd para se referir aos indivíduos que fazem parte do coletivo negro.
  • 12
    Oliveira Ferreira Silveira (1941-2009): professor, ativista do movimento negro gaúcho e escritor (Pêlo escuro, Roteiro dos tantãs, Poema sobre Palmares, entre outros; antologias e coletâneas no país e no exterior: Cadernos negros, A razão da chama, Quilombo de Palavras, Schwarze poesie/Poesia negra e Schwarze prosa/Prosa negra). Informações disponibilizadas pelos pesquisadores do projeto “Oliveira Silveira: o poeta da consciência negra brasileira”, no âmbito do Programa CriaNegra (UFRGS, 2022aUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS, 2022a). Helena do Sul. UFRGS. Disponível em: Disponível em: https://www.ufrgs.br/helenadosul/ . Acesso em: 28 maio 2022.
    https://www.ufrgs.br/helenadosul/...
    ).
  • 13
    Maria Helena Vargas da Silveira (Helena do Sul - 1940-2009): professora, pesquisadora, ativista do movimento negro gaúcho e escritora (É Fogo, Meu Nome Pessoa - Três Momentos de Poesia, O Sol de Fevereiro, Odara - Fantasia e Realidade, Negrada, Tipuana, O Encontro, As filhas das lavadeiras, Rota Existencial). Informações disponibilizadas em site que integra o projeto de extensão Massive Open Oline Course (MOOC) - “Maria Helena Vargas da Silveira: escritora das gentes negras do sul” (UFRGS, 2022bUNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS, 2022b). Oliveira Silveira. UFRGS. Disponível em: Disponível em: https://www.ufrgs.br/oliveirasilveira/obra/ . Acesso em: 28 maio 2022.
    https://www.ufrgs.br/oliveirasilveira/ob...
    ).
  • Financiamento: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e/ou Tecnológica e Auxílio Institucional à Produção Científica e/ou Tecnológica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2022
  • Aceito
    11 Out 2022
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