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Open-access Comportamento informacional de pessoas surdas no contexto de bibliotecas universitárias

Information behaviour of Deaf people in the context of university libraries

Resumos

Resumo: Com a presença de pessoas surdas no ensino superior, as bibliotecas universitárias precisam se adequar a esta demanda. O objetivo desta pesquisa foi investigar o comportamento informacional de usuários surdos que utilizam ou utilizaram, se já formados, bibliotecas universitárias durante a formação acadêmica. O comportamento informacional foi estudado a partir dos modelos de Wilson, analisando como atuam as “variáveis interferentes” e a “teoria do risco/recompensa”. Um questionário online em Língua Brasileira de Sinais foi enviado por e-mail a 199 instituições de ensino superior brasileiras, para associações de surdos e pessoas da comunidade surda. A técnica de amostragem bola de neve foi utilizada para acessar mais membros da comunidade surda e foram recebidas 95 respostas. A variável “característica da fonte” mostra que os respondentes preferem fontes humanas de informação; a “demográfica” pode estar relacionada ao acesso dos surdos ao ensino superior; a “ambiental”, influencia no acesso à informação pois a biblioteca está, em sua maioria, na segunda língua dos surdos: o português. Um ambiente de biblioteca universitária inclusivo exige de seus profissionais um olhar atento à comunidade surda e as transformações da sociedade. É necessário um trabalho que inclua surdos para promoção de ações sobre os recursos informacionais disponíveis durante sua formação acadêmica.

Palavras-chave:
comportamento informacional; surdos; biblioteca universitária; usuários de biblioteca


Abstract: The growing number of deaf people in higher education requires the adaptation of university libraries to meet their specific needs. The aim of this research was to examine the information behaviour of deaf individuals who have used or who are currently using university libraries as part of their academic studies. In conducting this research, the information behaviour of the participants was studied based on Wilson’s models, with particular attention paid to the role of the ‘interfering variables’ and the ‘risk/reward theory’. An online questionnaire, presented in Brazilian Sign Language, was distributed via email to 199 Brazilian Higher Education institutions, associations of the deaf, and individuals from the deaf community. The snowball sampling technique was employed in order to gain access to a greater number of members of the deaf community, and a total of 95 responses were received. The variable “source characteristic” indicates that respondents prefer information from human sources. The “demographic” variable may be associated with the accessibility of higher education for the deaf community. The “environmental” variable exerts an influence on access to information due to the fact that the operational language of the libraries is Portuguese, which is the second language for the deaf. In order to provide an inclusive university library environment, it is essential that library professionals are aware of the specific needs of the deaf community and the changes occurring in society. It is evident that there is a need for the inclusion of individuals from the deaf community in order to promote the inclusion of relevant information resources available to them during their academic training.

Keywords:
information behavior; deaf people; university library; library users


1 Introdução

Dados de 2023 do IBGE apontam um número de 18,9 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil, o correspondente a 8,9% da população brasileira (IBGE, 2023). A lei brasileira n. 13.146, de Inclusão da Pessoa com Deficiência, é destinada a, dentre outras providências, “[...] assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (Brasil, 2015).

Dentre os direitos assegurados pela lei está o de acesso à educação, porém, pessoas com deficiência têm menor acesso à educação, ao trabalho e à renda. Em 2022, apenas 25,6% das pessoas com deficiência tinham concluído o Ensino Médio, enquanto 57,3% das pessoas sem deficiência tinham esse nível de instrução completo. A proporção de pessoas com nível superior foi de 7,0% para as pessoas com deficiência e 20,9% para os sem deficiência (Gomes, 2023), isso sem considerar as interseccionalidades como gênero, raça e renda, por exemplo.

Apesar dessa baixa proporção de pessoas com deficiência presentes no ensino superior quando comparadas às pessoas sem deficiências, é necessário se atentar à presença destas pessoas neste grau de formação. As universidades, cada vez mais, criado políticas de acessibilidade e inclusão, refletindo essa necessidade da sociedade. Neste mesmo rumo estão as bibliotecas universitárias, que mantêm uma relação dialética com seu entorno sendo espaços em constante transformação e crescimento. São espaços que demonstram uma grande capacidade de respostas às mudanças e necessidades da sociedade e, frequentemente, antecipam tendências. Dedicam-se cada vez mais a atender os diversos perfis de estudantes e pesquisadores que as frequentam, visando oferecer um serviço personalizado, além do suporte às atividades de ensino, pesquisa e extensão das universidades. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o número de matrículas no Ensino Superior de alunos com deficiência aumentou de 29.034 em 2013 para 92.756 em 2023 (INEP, 2024). Com este crescimento de pessoas deficientes no ensino superior, é necessário pensar seus serviços, produtos e acervo de modo a permitir que todos os perfis de usuários, incluindo estes grupos minoritários, possam ser atendidos e tenham seus direitos de acesso à informação e à educação garantidos. Na área de Ciência da Informação, o número de artigos sobre pessoas com deficiência aumentou nas últimas duas décadas, mas a maioria destes estudos acabam focando em questões de infraestrutura (arquitetônica e tecnológica) para que sejam atendidas as legislações vigentes (Fujino; Crivelente, 2022).

Essa incipiência da temática na área pode ser explicada por meio da promulgação de leis brasileiras sobre os direitos da pessoa com deficiência que é, também, recente. O próprio Estatuto da Pessoa com Deficiência foi promulgado apenas em 2015. Mais especificamente, em relação a pessoas surdas, temos a Lei n. 10.436, conhecida como Lei da Libras (Brasil, 2002) e o Decreto n. 5.626, (Brasil, 2005) que regulamenta essa lei, datando de 2002 e 2005, respectivamente. No Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, por exemplo, uma busca por estudos sobre a comunidade surda - utilizando as variações surdo, surdez, surda - recupera apenas 12 trabalhos, todos publicados a partir de 2013. Isso mostra como os estudos e pesquisas relacionados às pessoas surdas na área ainda estão em seu início, quando comparados a outros grupos de usuários de bibliotecas.

Considerando que os estudos sobre a temática de pessoas com deficiências, mais especificamente sobre pessoas surdas, se mostraram bem recentes na área de Ciência da Informação, propomos esta pesquisa com este grupo constantemente invisibilizado por possuírem o que chamamos de deficiência invisível - quando a deficiência não é notada de imediato.

Devido a um desconhecimento da cultura surda brasileira, ignora-se que um ambiente de biblioteca pode ser completamente alheio a uma pessoa surda, em termos linguísticos, uma vez que a maioria das informações ali presentes estão em língua portuguesa. Presume-se, erroneamente, que surdos têm domínio do português, o que pode contribuir para um distanciamento entre a biblioteca e a comunidade surda. Desde 2002, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida como a forma de comunicação e expressão da pessoa surda no Brasil (Brasil, 2002) mas barreiras comunicacionais enfrentadas por pessoas surdas são constantemente desconhecidas por pessoas bibliotecárias. Talvez por isso, estudos que considerem as pessoas surdas como usuárias de bibliotecas estão em um menor número se comparado a outras deficiências. O desconhecimento sobre a comunidade e cultura surdas faz com que sejam desconsideradas, também, as necessidades informacionais deste grupo, acabando por ignorar como eles agem no processo de busca e uso da informação, por exemplo.

O usuário é um elemento central na produção e compartilhamento da informação e é dever da área proporcionar autonomia para estes sujeitos. Almeida Júnior (1997) diz que a pessoa bibliotecária precisa estar atenta às mudanças da sociedade e se transformar a partir delas. O autor ainda defende que, em um contexto sociocultural, o profissional deve conhecer a identidade cultural dos usuários de informação para entender suas necessidades informacionais, proporcionando um ambiente no qual a informação tenha um significado para o usuário, que poderá, a partir daí, transformá-la em conhecimento. Promover o acesso à informação em diversos suportes e opções de acesso em diferentes contextos é função básica do fazer profissional da Biblioteconomia e Ciência da Informação (Fonseca, 2007; Le Coadic, 1996; Silva, 2018).

É necessário que haja uma compreensão da cultura surda pelos profissionais da informação. A compreensão da cultura e a inclusão destes sujeitos nas políticas da biblioteca possibilita a construção de serviços e produtos realmente acessíveis a este público e a valorização de toda a comunidade surda, incluindo a Libras como uma das formas de manifestação de seus conhecimentos e culturas.

Diante do exposto, o objetivo desta pesquisa foi investigar o comportamento informacional das pessoas surdas em ambientes acadêmicos, que utilizam ou utilizaram, se já formados, bibliotecas universitárias durante a sua trajetória acadêmica.

1.1 Conhecer a comunidade surda para atender pessoas surdas

Para que possamos chegar ao ponto deste estudo sobre o comportamento informacional propriamente dito é necessário compreender algumas dinâmicas de funcionamento da comunidade surda.

Aqui não intentamos esgotar as discussões, mas apenas apresentar aspectos iniciais necessários para que se conheça a comunidade surda. A história da comunidade surda no Brasil tem início em 1857, com a criação do Instituto Imperial de Surdos-Mudos, hoje conhecido como Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). O francês Ernest Huet foi o pioneiro na educação de surdos no Brasil e um dos criadores do INES. Nessa época o Instituto recebia surdos de todo o país e funcionava em regime de internato. Desse ambiente surgiu a Língua Brasileira de Sinais, onde os sinais trazidos pelo professor francês se mesclavam com os sinais já usados no Brasil. Depois de mais de um século de lutas a comunidade surda brasileira conseguiu o reconhecimento da Libras em 2002, como mencionado na introdução deste texto. De acordo com Quadros (1997, p. 46), “[...] LIBRAS é a língua de sinais usada pelas comunidades surdas dos centros urbanos brasileiros”, sendo uma das maneiras pela qual os surdos brasileiros, principalmente os alfabetizados, se comunicam. É através da Libras que o surdo significa seu mundo e estrutura sua cognição (Gesser, 2009). E é justamente o aspecto linguístico que faz com que a comunidade e, principalmente a cultura surda, se distinga de outras culturas (Quadros; Karnopp, 2004). A comunidade surda, portanto, é composta de pessoas surdas que utilizam a Libras para se comunicar e expressar. Porém, é importante lembrar que há também pessoas ouvintes na comunidade surda sendo: pais e mães de crianças surdas, filhos de pais surdos (CODA), tradutores e intérpretes de línguas de sinais e todos aqueles que convivam com uma pessoa surda.

Frisamos: pessoas surdas têm sua própria maneira de ver e lidar com o mundo em sua volta e, desse modo, possuem epistemologias, culturas e literaturas singulares, muito diferentes de culturas ouvintes.

Quando partimos para o ambiente de bibliotecas universitárias, o que se observa é uma tendência a desconsiderar usuários surdos pois estes podem passar despercebidos, justamente por possuírem uma deficiência que não é notada de imediato. Partindo do pressuposto de que se espera um usuário ideal, com certo padrão, estas pessoas não se encaixariam. E, ao padronizar, se perpetua violência e se contribui para a invisibilização de minorias (Lima, 2018).

Este descompasso entre as bibliotecas universitárias e a comunidade surda tende a se prolongar se as instituições não voltarem suas atenções às reais necessidades desta parcela de público. Um dos deveres sociais das bibliotecas universitárias é assegurar que suas coleções, produtos e serviços estejam adequados a todos os usuários que a frequentam, incluindo diferentes formatos e suportes de materiais informacionais que proporcionem a democratização do acesso à informação. A International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) possui um documento como diretriz para atendimento à comunidade surda nas bibliotecas. Em uma de suas partes, este documento descreve que “[...] pessoas surdas desde o nascimento ou desde a primeira infância geralmente têm dificuldades de leitura e tendem a não utilizar bibliotecas” (IFLA, 2004, p. 10, tradução nossa). Então é comum que pessoas surdas desconheçam os serviços e produtos oferecidos por bibliotecas no geral. As pessoas bibliotecárias geralmente desconhecem a cultura surda e a Libras, apesar de considerarem importante possuir esses conhecimentos (Corrêa; Sá, 2021).

Do ponto de vista dos profissionais de biblioteconomia brasileiros, esse desconhecimento acompanha a maioria desde a formação acadêmica. Como exemplo disso, citamos o fato de que, até o momento, dos 37 cursos de graduação em Biblioteconomia do país, apenas o curso da Universidade Federal do Alagoas tem a disciplina de Libras como obrigatória em sua matriz curricular. E, ainda, do total de cursos brasileiros, 13 deles não preveem a disciplina em nenhum formato (Costa; Valério, 2023). Isso mostra que também pode haver uma falta de conhecimento da cultura surda nos cursos de graduação em Biblioteconomia. No entanto, essa lacuna na formação não pode ser tomada como justificativa para a falta de ações em relação a usuários surdos e com outras deficiências (Wellichan; Manzini, 2021). Esse baixo número na oferta da disciplina de Libras para a formação dos profissionais de biblioteconomia brasileiros contradiz as Diretrizes da IFLA (2004, p. 13, tradução nossa) que determinam que:

As escolas de biblioteconomia devem fornecer treinamento na prestação de serviços à comunidade surda como parte normal de seu currículo básico para preparar os bibliotecários para suas qualificações profissionais e como parte de seus programas de educação continuada para todos os níveis da equipe da biblioteca.

Um ambiente bilíngue no par Libras-Português seria o ideal para uma pessoa surda pois ele promove a igualdade e a equidade. O entendimento da cultura surda envolve a transposição das relações de poder que são constantemente ignoradas no dia a dia. É necessário compreender algumas dinâmicas da sociedade que separa os “normais” dos “anormais” em um discurso que perpassa gerações. Foi o discurso médico que criou os deficientes auditivos e, para Foucault (1998, p. 80), “[...] O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo”.

Vindo deste discurso estão as intervenções médicas como formas de controle e correção do corpo surdo: a tentativa de descobrir o gene da surdez para que essa “anormalidade” não se propagasse e os implantes cocleares. São formas de poder revestidas de bondade, sob um discurso de uma preocupação com a saúde e bem-estar desses indivíduos, que cerceiam seus direitos e sua subjetividade enquanto sujeito. Sujeitos estes que, para Foucault, são indivíduos que se reconhecem enquanto lugares de saber. De acordo com Tavares (2006, p. 5) “[...] as pessoas surdas, quando engajadas em movimentos surdos, estão lutando pelo direito de se representarem como sujeitos culturais [...]”, se reconhecendo como sujeito em relações sociais com seus semelhantes. Se antes os sujeitos surdos eram excluídos e marginalizados, mais recentemente, são levados a uma normalização e inseridos na sociedade com um falso discurso de inclusão, sem considerar suas culturas e conhecimentos. E como exemplo disso, podemos citar a inserção destas pessoas em escolas regulares, enquanto o ideal seria que a formação de um indivíduo surdo acontecesse em uma escola bilíngue, onde todos os conteúdos são aprendidos por meio da língua de sinais.

Os conceitos de capacitismo e ouvintismo ajudam a compreender essas relações de poder que nos acompanham diariamente. A origem da palavra capacitismo - ableism - data da década de 1970, nos Estados Unidos, no cenário de luta pelos direitos civis, tendo reconhecimento maior na década de 1980, com os movimentos feministas daquele país. O termo gira em torno da noção de que corpos deficientes são imperfeitos e, por isso, precisam ser corrigidos, perpetuando o discurso médico.

Falas e comportamentos capacitistas são reproduzidos a todo momento de forma individual ou institucional, intencionalmente ou não. Uma das formas do capacitismo institucional seria a constante passividade diante de pessoas surdas nas bibliotecas universitárias. Por definição, este conceito é “[...] uma forma de discriminação que se manifesta pela reprodução de discursos que reforçam concepções de passividade, de opressão, de invisibilização [...]” (Brasil, 2023) e pode se manifestar de diferentes maneiras na instituição, incluindo desde prédios e materiais informacionais não acessíveis até atitudes. A falta de estudos sobre pessoas com deficiência em determinadas áreas do conhecimento pode ser considerada uma atitude e manifestação capacitista pelo qual a academia reproduz o discurso de exclusão de pessoas com deficiência sem um questionamento.

Mais especificamente tem-se o conceito de ouvintismo, termo cunhado em 1975 por Tom Humphries, definido como a forma ouvinte de dominar, reestruturar e exercer autoridade sobre a comunidade surda. Para Skliar (2016) o ouvintismo seria “[...] um conjunto de representações dos ouvintes a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse um ouvinte”. Em suas reflexões, Skliar (2016) traz as relações de poder entre ouvintes e surdos apoiando-se, muitas vezes, nas teorias elaboradas por Foucault, tanto em relação ao discurso médico como às formas de discurso usadas por uma maioria que acaba por oprimir tantas outras minorias. Estas relações de poder entre ouvintes e surdos têm diversas camadas e geralmente vimos essas relações sempre em termos antagônicos como anormal versus normal; ouvinte versus surdo, maioria versus minoria; inclusão versus exclusão. Todos esses termos acabam por propagar um discurso hegemônico sobre a surdez: o discurso proveniente de pessoas não-surdas, que desconsidera ativamente o conhecimento das pessoas surdas, as formas de manifestação da cultura surda e, ainda, a existência de epistemologias surdas. Busca-se sempre “incluir” esses sujeitos em todos os espaços, mas não na construção de políticas que lhes afetam diretamente e no desenvolvimento de ações educacionais. Apenas inclui o sujeito, sem participação efetiva, nas esferas criadas por ouvintes e para ouvintes, contribuindo para que as formas de opressão a estes indivíduos se perpetuem.

Uma pessoa bibliotecária preparada para atender um usuário surdo deve conhecer minimamente a comunidade surda, atravessar as barreiras do capacitismo e ouvintismo garantindo o acesso à informação, que é um direito humano fundamental. Algumas iniciativas têm sido realizadas por pessoas bibliotecárias no Brasil, e, na maioria das vezes, essas pessoas são particularmente interessadas no assunto ou fazem parte da própria comunidade surda. Na literatura brasileira de Biblioteconomia e Ciência da Informação há poucos estudos sobre usuários surdos (Cardoso, 2014), mas um estudo mais recente propôs uma biblioteca universitária bilíngue (Muccini et al., 2023) com base em um projeto de extensão universitária. A pessoa bibliotecária tem um papel importante na realização de uma gestão inclusiva nas bibliotecas se considerar que é, geralmente, a partir de suas ações que a inclusão nestes espaços pode iniciar (Coneglian; Casarin, 2006; Coneglian et al., 2021; Costa; Oliveira, 2022; Silva; Spudeit, 2020). A gestão inclusiva na biblioteca pode ter um impacto significativo na comunidade surda considerando que ela proporciona uma aproximação entre a biblioteca e estes usuários.

De acordo com a IFLA (2004), as bibliotecas devem coletar materiais relacionados à surdez e à cultura surda, e todas as coleções, serviços e programas da biblioteca devem ser acessíveis à comunidade surda. Considerando a biblioteca como um todo, a segunda Lei da Biblioteconomia já previa a necessidade de se conhecer o usuário que ali transita. Essa lei, que tem como máxima “A cada leitor o seu livro”, prevê que, enquanto todos os usuários da biblioteca não forem atendidos, cada um a sua forma, não deve haver descanso por parte dos profissionais de biblioteca (Ranganathan, 2009). Ter materiais acessíveis ao público surdo garante que a segunda lei seja cumprida, quando considerada essa parcela de usuários.

O diagnóstico, construção e posterior oferta de serviços e recursos acessíveis a pessoas surdas envolve a compreensão das necessidades dessa comunidade e as opções que podem ser oferecidas a ela. As pessoas bibliotecárias devem buscar ativa e rotineiramente o envolvimento da comunidade surda para identificar as necessidades informacionais destes indivíduos. Devem estar cientes, também, das possíveis limitações ao acesso às informações que podem ocorrer durante o percurso de busca de informação ou envolvimento desta comunidade com o ambiente da biblioteca.

1.2 Comportamento informacional

A área de estudos sobre comportamento informacional data do início do século XX, por volta de 1916, com alguns estudos ainda mais anteriores, de 1902 (Wildemuth; Case, 2010), no que costumava-se chamar estudos de usuários. Estes primeiros estudos tinham como foco os sistemas usados, principalmente por pesquisadores, com a finalidade de melhorar estes sistemas. Somente a partir da década de 1980, os estudos passaram a ser centrados nos usuários (Dervin; Nilan, 1986; Wildemuth; Case, 2010). A informação passou a ser considerada como algo capaz de alterar o sujeito e, então, a maneira como percebem as lacunas em seu conhecimento e como fazem para preenchê-las passou a, também, ser considerado (Araújo, 2012). Desde então é comum que os autores criem e revisem seus modelos e teorias de comportamento informacional de acordo com um novo contexto ou variável que possa surgir com o passar do tempo e das mudanças na sociedade e um modelo pode suscitar outros modelos e teorias.

Wilson criou e revisou vários modelos de comportamento informacional durante um período considerável e seus modelos refletiam a mudança nos estudos sobre o processo de busca pela informação (Case, 2012). Seu primeiro modelo não deriva de nenhuma outra teoria, mas sim da análise do comportamento informacional humano. É bastante generalista e pode ser associado a outros modelos como o sense-making, de Brenda Dervin (Wilson, 2006). Para Wilson (2000, p. 49) o comportamento informacional é “[...] a totalidade do comportamento humano em relação a fontes e canais de informação, incluindo a busca ativa e passiva e o uso da informação”. No geral, é como as pessoas procuram, administram e usam a informação em diferentes contextos (Case, 2012; Ford, 2015; Savolainen, 2007).

Wilson sugere que uma necessidade informacional, quando detectada, leva o indivíduo a um conjunto de atividades, sendo a mais simples delas o uso de algum sistema (Case, 2012). Trazendo para o contexto de bibliotecas, o ato de usar um sistema poderia ser descrito em como a pessoa utiliza as palavras-chave em um catálogo ou base de dados. Trazendo para o contexto da comunidade surda acadêmica, essa necessidade poderia surgir durante a realização de um trabalho acadêmico. Revisando seu próprio modelo, Wilson destaca dois principais pontos: o primeiro é que a necessidade informacional não é primária, pois nasce de necessidades mais básicas, sejam fisiológicas, cognitivas ou afetivas; o segundo é que existem barreiras encontradas no processo de busca para satisfazer uma necessidade de informação. Dessa forma, uma das barreiras que podemos destacar quando a pessoa surda busca por uma informação para satisfazer sua necessidade é a barreira linguística. Essa seria, talvez, a barreira que primeiro aparece nesse processo, o que pode determinar o caminho escolhido em relação às fontes e demais passos para o preenchimento dessa lacuna de conhecimento.

Wilson (2024) reflete sobre seus modelos e sobre como as pesquisas sobre comportamento informacional na área de psicologia são conduzidas. O autor comparou as pesquisas com as da área de Ciência da Informação antes do termo comportamento informacional ter sido adotado por ele para o campo da Ciência da Informação. De acordo com Wilson (2024), abordagens psicológicas do comportamento na literatura de Ciência da Informação são relativamente raras e, embora existam algumas, o autor sugere uma possível colaboração com a Psicologia para a condução de pesquisas sobre comportamento informacional. Nesta pesquisa, optamos por trabalhar apenas alguns dos aspectos envolvendo emoções - e não aplicando teorias da Psicologia propriamente ditas - pois acreditamos que isto bastaria no momento. De acordo com o modelo de Wilson (1999), apresentado na Figura 1, é possível fazer algumas inferências sobre o comportamento informacional de pessoas surdas no contexto de bibliotecas universitárias e explorarmos as “variáveis interferentes” bem como a “teoria do risco/recompensa”. Essas inferências serão apresentadas mais à frente, na seção de resultados. Em 2008, Coneglian já havia usado o modelo de Wilson que utilizamos aqui para analisar o comportamento informacional de pessoas surdas no contexto de pós-graduação, considerando as variáveis interferentes do modelo (Coneglian, 2008).

Figura 1 -
Modelo de comportamento informacional de Wilson

Inserido em um contexto específico, o comportamento informacional será provocado por mecanismos de ativação. Por exemplo, uma situação estressante (como o prazo de um trabalho final de disciplina na graduação) pode suscitar a busca por informações, e uma pessoa nessa situação pode adotar estratégias de enfrentamento (coping strategies). Fatores fisiológicos, cognitivos, demográficos e emocionais influenciam o comportamento de busca de informações, e estes constituem as “variáveis interferentes”. Wilson e Walsh (1996) citam o caso de pacientes com câncer, cujos problemas auditivos (sofridos por 5% da população estudada num estudo conduzido por Borgers et al. em 1993) foram identificados como barreiras à recepção de informações durante a consulta com o médico (interferente fisiológico). Da mesma forma, as características da fonte de informação podem constituir barreiras ao comportamento de busca de informação, por exemplo, se a pessoa não consegue facilmente acessá-la, portanto frequentemente levando à preferência por informação na forma de uma fonte humana, equivalente a um canal de comunicação interpessoal (Wilson; Walsh, 1996). Além disso, sob “fatores ambientais” como variáveis ​​interferentes, os autores incluem “[...] a situação imediata da atividade de busca de informação [que] pode incluir elementos que representam barreiras à continuidade dessa atividade, e que o ambiente mais amplo também pode apresentar problemas”. Esses dois tipos de variáveis ​​externas interferentes no comportamento informacional (fonte e ambiente) serão evidentemente relevantes ao estudar o comportamento informacional de estudantes universitários surdos ao usar a biblioteca universitária.

2 Procedimentos metodológicos

A técnica de survey foi utilizada nesta pesquisa. Na Ciência da Informação, surveys podem ser aplicadas para mensurar desde a satisfação em relação a treinamentos até o comportamento informacional (Hank; Jordan; Wildemuth, 2009). Diante das possibilidades do método, optamos pela construção de questionário online, que proporciona uma economia de recursos, uma maior abrangência geográfica e segurança, pois as respostas foram todas recebidas em formato anônimo. Por outro lado, é pertinente considerarmos desvantagens como a potencial pequena porcentagem de retorno de respostas, impossibilidade de ajudar em questões mal compreendidas e perguntas sem respostas (Hank; Jordan; Wildemuth, 2009; Lakatos, 2021).

O questionário online foi construído em Língua Brasileira de Sinais e composto por perguntas abertas, de múltipla escolha e em escala Likert de concordância. Foram necessárias duas reuniões com tradutores e intérpretes de língua de sinais para que as perguntas mais complexas, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, pudessem ser traduzidas para a Libras de forma a trazer clareza para o público-alvo da pesquisa. As reuniões foram essenciais para que a tradução fosse realizada de modo a não permitir que vieses ouvintes interferissem no modo como as perguntas seriam realizadas. Uma compreensão da comunidade e cultura surdas ajuda, justamente, em casos como este. O questionário final foi composto por 26 questões e um campo “livre”, com vídeo feito pela primeira autora deste artigo, onde era possível enviar dúvidas e/ou sugestões sobre o questionário. O critério de inclusão para participação era ser uma pessoa surda e estar cursando ou já ter cursado ensino superior em níveis: tecnólogo, graduação, especialização, mestrado ou doutorado. A figura 2 apresenta a vista de uma das perguntas do questionário em Libras.

Figura 2 -
Pergunta em Libras

A técnica de amostragem utilizada foi a bola de neve - snowball sampling -, recomendada em casos nos quais os possíveis participantes são particularmente difíceis de alcançar (Vinuto, 2014; Wildemuth, 2009). Nessa técnica, primeiro identifica-se alguns membros elegíveis e pede que, em seguida, cada participante dê sugestões de outras pessoas de sua rede pessoal que atendam aos critérios de inclusão e exclusão da pesquisa.

A coleta de dados foi realizada de 8 de abril a 31 de julho de 2024. Foram enviados e-mails a 199 instituições de ensino superior brasileiras, sendo: 71 federais, 124 estaduais e quatro privadas. Os e-mails foram enviados às secretarias, pró-reitorias e coordenadorias de ações afirmativas e/ou acessibilidade das instituições. Quando esses setores não puderam ser localizados nos sites das instituições, os e-mails foram enviados para as pró-reitorias de graduação e pós-graduação. Também foram contatados tradutores e intérpretes de língua de sinais, docentes que pesquisam comunidades surdas e Associações de Surdos de diferentes cidades e regiões do país. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética sob o parecer número 6.289.728.

Além do envio de e-mails, algumas pessoas surdas e alguns outros intérpretes de Libras, influentes em redes sociais, foram contatados para responderem ao questionário e repassassem a outras pessoas que preenchessem os critérios de inclusão. Neste caso, os intérpretes ouvintes não participaram da pesquisa por não atenderem aos critérios de inclusão, mas serviram como replicadores. A combinação de Instituições de Ensino Superior, pessoas surdas e intérpretes de Libras permitiu a formação de uma rede de acesso ao perfil de participante desejado para a pesquisa. De acordo com alguns autores (Becker, 19931apudVinuto, 2014), essa rede pode trazer confiabilidade para as respostas.

Convém ressaltar que a forma mais efetiva de obtenção de respostas aconteceu por e-mail. O contato com possíveis participantes por meio de redes sociais, mais especificamente o Instagram, não se mostrou útil para a coleta de dados pois as mensagens enviadas não eram entregues aos perfis devido ao funcionamento da própria rede, que não permite um contato direto com perfis que não sejam seguidores mútuos.

3 Análise dos resultados

Foram obtidas 95 respostas, com participantes de todas as regiões do país, sendo Minas Gerais (16 respondentes), Ceará (14 respondentes) e Rio Grande do Sul (13 respondentes) os estados com o maior número de respondentes. Do total de participantes, 64,2% são de instituições públicas federais, 8,4% de estaduais e 20% de instituições privadas. Dois fatores podem ter contribuído para a maioria dos respondentes serem provenientes de instituições públicas federais. O primeiro deles são as leis federais em vigor, principalmente a Lei n. 13.409/2016 (Brasil, 2016), que dispõe sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino; o segundo foi o fato de que essas instituições foram as que mais retornaram o contato realizado por e-mail, informando que o questionário havia sido encaminhado aos potenciais respondentes. Embora a coleta de dados tenha coincidido com o período de greve das Universidades Federais em 2024, não acreditamos que a quantidade de respondentes teria sido muito maior caso não houvesse esse fato. O número de participantes de instituições privadas, por sua vez, mostra que a técnica de amostragem bola de neve foi efetiva, pois não foram enviados e-mails a algumas instituições privadas que apareceram nas respostas. A distribuição por formação ficou da seguinte maneira: 4,2% com nível tecnólogo; 60% com graduação; 8,4% com especialização; 14,7% com mestrado e 12,6% com doutorado.

Em questão de gênero, pessoas que se identificam com o gênero feminino correspondem a 58,9% dos participantes; aqueles que se identificam com gênero masculino, a 38,9%; e 2,1% são pessoas que se identificam com outros gêneros (gênero fluido, sem gênero etc.). Nesse sentido, consideramos importante termos este dado pois o gênero pode estar inserido na variável “demográfica”, das variáveis interferentes do modelo de Wilson (1999).

A variável “demográfica” pode estar relacionada diretamente ao acesso das pessoas surdas ao ensino superior. Estudos demonstram que algumas interseccionalidades (raça, gênero, renda) podem influenciar o acesso dessas pessoas a este nível de ensino, como mostram os dados do IBGE descritos na seção de introdução deste texto. É necessário considerar que uma pessoa surda que ingressa no ensino superior já superou diversas barreiras e construiu recursos para que pudesse avançar nesse contexto (Ansay, 2010). Como se trata de resultado de uma pesquisa de mestrado, que tem um tempo de execução relativamente curto, dados sobre raça, renda, moradia, situação familiar etc. não foram coletados no questionário pois a análise de todas essas variáveis necessitaria de um tempo maior para execução da pesquisa.

Quando relacionado ao gênero, o recurso utilizado para encontrar informação, mostra uma diferença significativa em relação às opções “Docentes” e “Amigos”. As pessoas que se identificam com o gênero feminino utilizam mais essas duas fontes humanas de informação quando comparadas àquelas que se identificam com o gênero masculino. Mais especificamente, se tratando dessas duas fontes, menos da metade dos respondentes do gênero masculino a utilizam. Isso pode mostrar um comportamento maior de socialização das mulheres surdas com seus pares.

O recurso utilizado quando precisam encontrar alguma informação é mostrado na Figura 3, juntamente com a diferença do uso de recursos pelos gêneros “Feminino”, “Masculino” e “Outro”.

Figura 3 -
Recurso utilizado em relação ao gênero para encontrar alguma informação

O intercâmbio de informações do indivíduo com outras pessoas no percurso de comportamento de busca e uso da informação considera que estas outras pessoas são importantes fontes de informação em várias ocasiões, inclusive durante a interação com um sistema como o catálogo de bibliotecas (Case, 2012). Ou seja, aqui, na opção biblioteca, poderia surgir certamente o profissional bibliotecário como uma fonte confiável para o uso dos produtos e serviços de uma biblioteca. Desde que esse profissional tenha conhecimento da Língua Brasileira de Sinais e sobre a comunidade surda.

Em relação ao uso da informação, os respondentes que se identificam com o gênero feminino usam mais a informação apenas para fim acadêmico/profissional do que pessoas do gênero masculino. Já em relação ao uso da informação para lazer, o gênero masculino apresenta pequena vantagem frente feminino. A categoria de gênero “outro” nesta pesquisa não parece influenciar o uso da informação.

Quando perguntados se têm acesso à informação acadêmica em Libras, 47,4% responderam não. O que nos leva a questionar se os ambientes universitários que esses estudantes frequentam são realmente inclusivos visto que há essa barreira na comunicação em algum nível.

Dentre os participantes, aqueles com níveis de formação de mestrado e doutorado não usam o “TikTok” como um recurso para encontrar uma informação. A plataforma é popular entre os jovens e a faixa etária de mestres e doutores é composta, em sua maioria, por pessoas com mais de 30 anos, o que pode ajudar a explicar tal fato. Pessoas com nível de mestrado preferem “Docentes” a “Amigos” na busca por informação, ao contrário dos graduandos, que preferem “Amigos” a “Docentes”. É importante destacar, também, que a necessidade de informação e o percurso realizado para encontrar uma informação difere entre os níveis de formação. Isso porque as demandas dos cursos de graduação e pós-graduação não são as mesmas.

Sobre o que usam quando vão à biblioteca, o serviço de “Ficha catalográfica” é utilizado apenas por pessoas com níveis de mestrado e doutorado, sendo um comportamento já esperado pois esse item é obrigatório nos trabalhos acadêmicos de cursos de pós-graduação. O serviço de “Empréstimo e devolução de materiais” é bastante utilizado por todos os níveis de formação, ficando muito à frente do uso de “e-books”, o que mostra uma preferência no uso de obras físicas.

Os ambientes de uma biblioteca brasileira estão, em sua maioria, todos em língua portuguesa, a segunda língua dos surdos. Dessa forma foi pertinente medir o grau de conforto linguístico que os participantes têm em relação à leitura e escrita na língua portuguesa. A maioria se sente confortável lendo (66%) e escrevendo (68%) em português. Destes participantes, quem se sente mais confortável lendo e escrevendo em português acessa mais facilmente a informação que precisa quando vai até a biblioteca. O conforto que se sente ao estar em um ambiente de biblioteca é intrinsecamente ligado ao tempo que se permanece ali e a como os recursos são acessados. A frequência com que utilizam o espaço da biblioteca pode ter relação, também, com o conforto sentido neste ambiente.

De acordo com os resultados, o modelo de Wilson (1999) com pessoas surdas no contexto universitário ficaria como na Figura 4.

Figura 4 -
Modelo de comportamento informacional de surdos no contexto de bibliotecas universitárias

Considerando a Figura 4, o contexto da necessidade informacional de uma pessoa surda, nesta pesquisa, é o ambiente universitário. Deste contexto, a rotina universitária é o mecanismo de ativação que faz com o que o indivíduo busque a informação de acordo com a necessidade detectada. Sob a ótica deste modelo de Wilson (1999), as variáveis interferentes podem influenciar positiva ou negativamente o processo de busca por uma informação.

Consideramos, nesta pesquisa, apenas as variáveis “demográfica”, “ambiental” e “característica da fonte”, pois foram possíveis de analisar com os dados levantados a partir do questionário aplicado. Entendemos que as variáveis “psicológica” e o “papel social/interpessoal” seriam mais bem analisadas com aplicação de uma entrevista e ou uma observação direta com os participantes pois estão relacionadas a dinâmicas de relacionamentos e sentimentos experienciados pelas pessoas em determinados contextos.

Na variável “demográfica”, dentre suas possibilidades, destacamos apenas o “gênero”. A variável “ambiental” são os ambientes das universidades e mais especificamente, das bibliotecas universitárias. Já a variável “característica da fonte” demonstra como se comportam os diferentes níveis de formação quando precisam encontrar alguma informação e os recursos que utilizam quando vão até a biblioteca.

A “teoria do risco/recompensa” é um mecanismo de ativação que pode ajudar a explicar qual fonte de informação pode ser mais usada por um indivíduo. A escolha depende de qual e como o retorno é recebido pela pessoa no processo de busca por uma informação e o quão segura elas se sentem no processo. No contexto dos respondentes observamos que as fontes humanas podem ser consideradas menos arriscadas e trazem uma maior recompensa - no caso, a informação necessária - para as pessoas surdas, por isso se destacam frente a outros recursos informacionais.

Consideramos apenas a “busca ativa” na etapa de “comportamento de busca de informação”. Com aplicação de questionário, só foi possível analisar esse mecanismo de busca. “Busca passiva”, “busca continuada” e “atenção passiva” seriam mais bem analisadas em entrevistas ou em observações diretas.

4 Considerações finais

O uso do modelo de comportamento informacional de Wilson (1999) nos permitiu ter uma ampla visão de como se dá o comportamento de busca por informações por pessoas surdas no contexto universitário. Este ciclo apresentado por Wilson pode se estender tanto quanto necessário e o indivíduo pode voltar a uma das etapas a qualquer momento, podendo também ser influenciado por cada uma das “variáveis interferentes” de muitas maneiras. A barreira linguística pode se apresentar como uma dessas variáveis e, dessa forma, recomendamos fortemente que as pesquisas com pessoas surdas, independente do método utilizado, sejam realizadas em Língua Brasileira de Sinais, por ser a língua materna dos surdos e, por questão de acesso à comunidade surda. Porém, o uso da língua de sinais, por si só, não garante a compreensão de toda a pesquisa por todos os potenciais respondentes. Nesta pesquisa, o uso de questionário online em Libras para a coleta de dados se mostrou efetivo, mas desafiador. Isso porque, nos campos das questões abertas, onde as respostas precisavam ser escritas em língua portuguesa, algumas respostas foram desconsideradas pois estavam erradas, não correspondendo à pergunta.

É comum que estudos com pessoas surdas acabem por focar apenas em questões de acessibilidade e, por isso, fazemos questão de deixar claro que não foi este o foco deste estudo. Surdos cursando ou já formados no ensino superior, como os respondentes dessa pesquisa, podem ser considerados uma exceção em relação a população surda em geral, vistos os desafios que enfrentam para poder acessar esse nível de ensino. É necessário que estas pessoas sejam vistas além de sua deficiência, mas como um grupo com necessidades informacionais como qualquer outro e que possuem suas próprias características, sendo a língua brasileira de sinais a mais marcante delas.

Apesar de haver, na área de Ciência da Informação, poucos estudos que relacionam modelos de comportamento informacional com pessoas surdas, acreditamos ser perfeitamente possível aplicar a este grupo não só o modelo de Wilson, mas tantos outros já desenvolvidos até o momento. Esperamos que os resultados aqui apresentados abram portas para novos estudos sobre a comunidade surda e para o entendimento de suas necessidades informacionais, para além dos direitos que já lhe são garantidos por lei. Analisar o comportamento informacional dessa parcela da população surda proporciona uma visão de como estes indivíduos lidam com a rotina acadêmica quando detectam uma necessidade de informação e como se dá a interação com o ambiente da biblioteca. Percebemos, por exemplo, a grande influência das relações humanas na busca de uma resposta para uma necessidade informacional.

As pessoas surdas têm acessado cada vez mais o ensino superior brasileiro e proporcionar o acesso ao ambiente informacional que lhes é de direito é um dever da biblioteca. Percebemos, com os resultados, que o ambiente de biblioteca universitária é bastante frequentado por este grupo de estudantes e que eles, inclusive, recomendam a biblioteca para outros surdos. Além disso, a biblioteca também aparece como um dos principais recursos utilizados por este grupo no processo de busca por informação e é reconhecida como item importante para a formação acadêmica. É necessário, então, uma atenção a esta comunidade que ultrapasse as questões de tecnologia assistiva e permita que ela acesse a informação de modo a exercer sua cidadania plena.

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  • Editor-chefe
    Thiago Henrique Bragato Barros

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Set 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2024
  • Aceito
    28 Abr 2025
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