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Resource Description and Access (RDA): as diretrizes antes e depois do Projeto 3R

Resource Description and Access (RDA): the before and after the 3R Project

Resumo:

A Resource Description and Access foi desenvolvida pelo Resource Description Steering Committee, como um conjunto de elementos de dados para a criação de metadados de recursos de biblioteca e patrimônio cultural. Em 2017 foi publicado o modelo conceitual Library Reference Model, consolidando uma estrutura única como modelo de referência para bibliotecas. Há uma intensificação do uso das tecnologias da Web Semântica, como o Linked data, que apresentou uma nova perspectiva para descrição e ligação de dados. Com estas alterações, o grupo Steering Committee verificou a necessidade de uma nova estrutura da Resource Description and Access, o Projeto 3R, que reformulou a estrutura do site Resource Description and Access Toolkit alinhado ao Library Reference Model. Isto posto, a questão norteadora desta pesquisa foi: quais as principais alterações da Resource Description and Access com o Projeto 3R? O objetivo geral desta pesquisa foi apresentar as mudanças nas diretrizes considerando as alterações desenvolvidas no Projeto 3R. Foi empregado o método comparativo para análise das estruturas das duas versões do Resource Description and Access Toolkit. Como resultados observou-se que as principais mudanças no Projeto 3R podem ser divididas em três aspectos: (1) mudanças no site Resource Description and Access Toolkit; (2) mudanças estruturais nas diretrizes; e (3) mudanças relacionadas à aproximação com o cenário de publicação de dados na Web e o Linked data. Conclui-se que o Projeto 3R causou mudanças no uso do site, na estrutura das diretrizes, além de promover aproximações com o Library Reference Model e com o Linked data. São necessários esforços para compreender os meios mais eficientes de aplicar as diretrizes Resource Description and Access Projeto 3R na catalogação e nas áreas de pesquisa e ensino em catalogação.

Palavras-chave:
RDA; Resource Description and Access; Projeto 3R; IFLA-LRM; catalogação; RDA Oficial

Abstract:

The Resource Description and Access was developed by the Resource Description and Access Steering Committee as a set of data elements for creating metadata for library and cultural heritage resources. In 2017, the Library Reference Model conceptual model was published, consolidating a single structure as a reference model for libraries. There is an intensification of the use of Semantic Web technologies, such as Linked data, which presents a new perspective for describing and linking data. With these changes, the RDA Steering Committee group verified the need for a new Resource Description and Access structure, the 3R Project, which reformulated the structure of the Resource Description and Access Toolkit site aligned with Library Reference Model. The guiding question of this research was: what are the main changes in the Resource Description and Access with the 3R Project? The general objective of this research was to present the changes in the Resource Description and Access considering the changes developed in the 3R Project. The comparative method was used to analyze the structures of the two versions of the Resource Description and Access. As result, it was observed that the main changes in the Resource Description and Access Project 3R can be divided into three aspects: 1) changes in the site; 2) Structural changes in the guidelines and 3) changes related to the approximation with the scenario of publishing data on the Web and Linked data. It is concluded that the 3R project caused changes in the usability of the Resource Description and Access Toolkit, in the structure of the Resource Description and Access guidelines and promoted approximations with the Library Reference Model with Linked data. Efforts are needed to understand the most efficient means of applying the Resource Description and Access Project 3R guidelines in Cataloging and in the areas of Cataloging research and teaching.

Keywords:
RDA; Resource Description and Access; 3R Project; IFLA-LRM; cataloging; RDA Oficial

1 Introdução

A Resource Description and Access (RDA) pode ser definida como um conjunto de diretrizes para descrição de recursos informacionais (Oliver, 2021aOLIVER, C. Introducing RDA: a guide to the basics after 3R. 2. ed. Chicago: ALA editions, 2021a.). É um consenso na literatura que a RDA foi inicialmente trabalhada com a intenção de suceder o Código de Catalogação Anglo-Americano (AACR) tendo inclusive o nome de AACR3 nas primeiras discussões para a sua realização, e de que logo se percebeu que uma simples atualização não seria suficiente para atender as mudanças causadas pelos avanços tecnológicos e os impactos dessas mudanças nos recursos informacionais e nas necessidades dos usuários (Silva et al., 2012SILVA, E. B. O. et al. Conceituação e aplicação do novo padrão para descrição bibliográfica Resource Description and Access (RDA). CRB-8 Digital, São Paulo, v. 5, n. 1, 2012. ; Assumpção; Santos, 2013ASSUMPÇÃO, F. S.; SANTOS, P. L. V. A. da C. A utilização do Resource Description and Access (RDA) na criação de registros de autoridade para pessoas, famílias e entidades coletivas. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 18, n. 37, p. 203-226, 2013. Disponível em:. Acesso em: 16 out. 2023.; Mey; Grau; Biar, 2014MEY, E. S. A.; GRAU, I. A.; BIAR, F. S. Resource Description and Access (RDA): prós e contras. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 7, n. 1, p. 43-52, 2014. Disponível em: http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014.1847 Acesso em: 30 jun. 2022.
http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014....
; Silva; Hübner, 2019SILVA, J. F. M.; HÜBNER, M. L. F. Cutter e o objetivo do catálogo na representação descritiva sob a AACR e a RDA. In: ENCONTRO DE RDA NO BRASIL, 1., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: UDESC/FAED, 2019. p. 39-45. ; Oliver, 2021aOLIVER, C. Introducing RDA: a guide to the basics after 3R. 2. ed. Chicago: ALA editions, 2021a.).

Oliver (2021aOLIVER, C. Introducing RDA: a guide to the basics after 3R. 2. ed. Chicago: ALA editions, 2021a.) aponta que a RDA é considerada uma nova forma de abordar registros bibliográficos, utilizando uma ferramenta online com diretrizes para a descrição de recursos informacionais e que pode ser utilizada seguindo o conjunto de práticas Linked data.

Para Heath e Bizer (2011HEATH, T.; BIZER, C. Linked data: evolving the web into a global data space. California: Morgan & Claypool, 2011. , p.7, tradução nossa) “[...] o termo Linked data refere-se a um conjunto de melhores práticas para a publicação e interligação de dados estruturados na Web.”.

Também resultante da busca por aproximação entre o Linked data e universo bibliográfico foi o desenvolvimento do Library Reference Model (LRM). Em 2017 a International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) publicou o IFLA-LRM com o intuito de adequar os modelos conceituais ao contexto de publicação de dados na Web, levando em consideração inclusive os princípios do Linked data.

O IFLA-LRM foi criado com intuito de unificar os modelos conceituais Functional Requirements for Bibliographic Records (FRBR), Functional Requirements for Authority Data (FRAD) e Functional Requirements for Subject Authority Data (FRSAD), consolidando uma estrutura única, como modelo de referência com escopo em bibliotecas, mas que pode ser utilizado em outras instituições que trabalham com recursos bibliográficos. O FRBR será mais abordado posteriormente neste trabalho.

Em 2016, a RDA Steering Committee (RSC), começou a trabalhar em um redesenho e reestruturação da RDA, denominado RDA 3R Project, que foi publicada em 2022 (RDA Toolkit, c2021-2022RDA TOOLKIT: Resource Description & Access. American Library Association, Chicago, c2010-2022.). Deste modo, esta pesquisa se propõe a abordar as relações existentes entre a RDA Original1 1 Para diferenciar as versões, optou-se por adotar os termos “RDA Original” para a versão anterior ao Projeto 3R. Ressalta-se que “original”, nesse contexto, refere-se ao sentido de “dar origem à” e não a uma indicação de que as demais versões não sejam oficiais. A versão vigente, pode ser chamada de “The Official RDA Toolkit”. No trabalho, nos referimos a “RDA Projeto 3R” a versão utilizada no período de mudança. e a RDA Projeto 3R.

Diante desse cenário, acredita-se que foram necessárias muitas alterações para adequação da RDA ao IFLA-LRM, levando à questão norteadora desta pesquisa: quais as principais alterações da RDA com o Projeto 3R?

O objetivo do estudo é apresentar as mudanças na RDA Original considerando as alterações desenvolvidas na RDA Projeto 3R. Para atingir esse objetivo partiu-se de uma análise exploratória da literatura e da documentação oficial disponibilizadas a respeito da RDA Original e da RDA Projeto 3R e, ainda, de uma análise comparativa das estruturas da RDA antes e depois do Projeto 3R.

2 Procedimentos metodológicos

A presente pesquisa se caracteriza como uma pesquisa exploratória e descritiva, de caráter qualitativo e possui cunho teórico-aplicado. A pesquisa utilizou o método de revisão bibliográfica da literatura para a realização do referencial teórico. Os temas abordados na pesquisa são: RDA; RDA Toolkit; Projeto 3R; IFLA-LRM.

Para permitir compreender as principais mudanças ocorridas após o Projeto 3R parte-se da análise e da apresentação das duas estruturas da RDA, denominadas para fins de diferenciação como RDA Original e RDA Projeto 3R. As estruturas foram obtidas através da documentação oficial da RDA, disponibilizada por meio da RDA Toolkit.

Considerando que os objetos de pesquisa são de natureza semelhante, sendo a versão RDA Original e a versão publicada em 2022 RDA Projeto 3R, além de apontar suas diferenças e semelhanças também com o AACR2r, surge a possibilidade de utilizar o método comparativo, que:

[...] consiste em investigar coisas ou fatos e explicá-los segundo suas semelhanças e suas diferenças. Geralmente, o método comparativo aborda duas séries ou fatos de natureza análoga, tomados de meios sociais ou de outra área do saber, a fim de se detectar o que é comum a ambos. (Fachin, 2005FACHIN, O. Fundamentos de metodologia. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005., p. 40).

Deste modo, o método escolhido para a realização da pesquisa foi o método comparativo, apresentado pela autora Odília Fachin (2005FACHIN, O. Fundamentos de metodologia. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.).

Para a realização da pesquisa foi necessário fazer um cadastro no website oficial da RDA utilizando o teste gratuito por um mês, considerando que o website da RDA Toolkit disponível online exige assinatura paga.

As próximas seções apresentam os resultados obtidos com a aplicação desses procedimentos. O artigo apresenta um cenário no qual contextualiza o período anterior a RDA, apresenta as mudanças ocorridas a partir da publicação da RDA Projeto 3R e por fim as considerações finais.

3 Cenário pré Resource Description and Access

Na busca por uma maior compreensão da RDA buscou-se na literatura a respeito das diretrizes de catalogação2 2 Para essa pesquisa adotamos o conceito de Assumpção (2018, p. 21), que apresenta a catalogação enquanto disciplina, processo e produto. pelos principais marcos históricos e tecnológicos que culminaram no seu desenvolvimento. Desta forma, observou-se que existem discussões na literatura sobre os acontecimentos que precedem a criação da RDA, havendo um consenso de que esse era um cenário de inquietação promovido pelas mudanças tecnológicas, criação e desenvolvimento da Web.

Dentre os aspectos de maior destaque nas mudanças ocorridas nesse período está o estabelecimento de novos suportes para os recursos informacionais, pois, “[...] a inclusão de novos recursos, em especial, de recursos eletrônicos ou digitais nos acervos das bibliotecas tem se expandido, fato que representa novos desafios e dificuldades na catalogação para os bibliotecários. ” (Silva; Hübner, 2019SILVA, J. F. M.; HÜBNER, M. L. F. Cutter e o objetivo do catálogo na representação descritiva sob a AACR e a RDA. In: ENCONTRO DE RDA NO BRASIL, 1., 2019, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: UDESC/FAED, 2019. p. 39-45. , p. 40).

Para além de impactar nas práticas profissionais, com a necessidade de adaptação aos novos recursos, essas mudanças tiveram um impacto direto nos usuários das unidades de informação. “O perfil do usuário, suas necessidades e suas ações mudaram nesse contexto que agora coloca como centro de mudanças os avanços tecnológicos. ” (Machado; Zafalon, 2019MACHADO, R.; ZAFALON, Z. Os cânones e os princípios da catalogação, e os princípios do RDA: aproximações e rupturas. ISKO Brasil, v. 6, 2019 , p. 415).

Oliver (2021bOLIVER, C. Why RDA? Organizing bibliographic information in the 21st century. In: EURASIAN ACADEMIC LIBRARIES CONFERENCE, 10th., 2021, Nur-Sultan. Proceedings [...]. Nur-Sultan: Nazarbayev University Repository, 2021b. ) aponta que, com o aumento do uso da Web, os usuários passam a buscar informações bibliográficas em ambientes digitais, e não somente em bibliotecas, ao passo que estão interagindo com dados e compartilhando os mesmos em contexto global. Deste modo, a autora explica que os metadados precisam ser robustos para que possam ser utilizados e reutilizados de diversas maneiras de acordo com o surgimento de novas necessidades dos usuários.

Diante da presença dos usuários em ambientes digitais e da percepção de que essa aproximação poderia resultar em economia de recursos, as próprias práticas e produtos da catalogação passam a buscar aproximações com o contexto digital, levando ao estabelecimento dos Online Public Access Catalog. (Mey; Grau; Biar, 2014MEY, E. S. A.; GRAU, I. A.; BIAR, F. S. Resource Description and Access (RDA): prós e contras. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 7, n. 1, p. 43-52, 2014. Disponível em: http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014.1847 Acesso em: 30 jun. 2022.
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).

Jesus (2021JESUS, A. F. Recomendações teórico-metodológicas para a publicação de dados bibliográficos abertos e conectados. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2021. , p. 47), aponta que o uso de microcomputadores possibilitou a ampliação de acesso aos catálogos, e isso propiciou a disponibilização dos chamados Online Public Access Catalog (OPAC), que tornavam os catálogos acessíveis ao público e online.

Mesmo com a disponibilização dos catálogos online, os instrumentos disponíveis para a padronização desses catálogos seguiam sendo majoritariamente pensados para atender o ambiente offline, inclusive voltados para um contexto analógico.

Com base no aumento exponencial de tecnologias de informação e comunicação e o estabelecimento dos OPACs, surgiu a necessidade de uma discussão e revisão das “[...] estruturas dos registros bibliográficos e de conceitos, práticas, códigos e formatos, além de apontar a relevância de fortalecer a catalogação cooperativa e de promover a internacionalização dos padrões de representação [...]” (Mey; Grau; Biar, 2014MEY, E. S. A.; GRAU, I. A.; BIAR, F. S. Resource Description and Access (RDA): prós e contras. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 7, n. 1, p. 43-52, 2014. Disponível em: http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014.1847 Acesso em: 30 jun. 2022.
http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014....
, p. 44). Dessa forma, os profissionais perceberam que era possível uma otimização de processos de catalogação.

Essas discussões para revisão, adaptação ou mesmo criação de novos instrumentos para a padronização da representação dos recursos informacionais são intrínsecas ao desenvolvimento da catalogação para acompanhar as mudanças sociais e tecnológicas (Machado; Zafalon, 2019MACHADO, R.; ZAFALON, Z. Os cânones e os princípios da catalogação, e os princípios do RDA: aproximações e rupturas. ISKO Brasil, v. 6, 2019 ).

Nesse contexto, estão inseridos o AACR e a Declaração dos Princípios Internacionais de Catalogação, que é mais conhecida como “Princípios de Paris”. Esta declaração é resultado da International Conference on Cataloguing Principles que ocorreu em Paris, e por isso é conhecida também como “Princípios de Paris”, e teve sua primeira publicação em 1961, e de acordo com Machado e Zafalon (2019MACHADO, R.; ZAFALON, Z. Os cânones e os princípios da catalogação, e os princípios do RDA: aproximações e rupturas. ISKO Brasil, v. 6, 2019 , p; 141.), o objetivo dos:

[...] Princípios de Paris era o de servir como referência para a padronização internacional da catalogação, além de orientar a construção de catálogos e de códigos de catalogação, apesar de estes últimos estarem implícitos na publicação de 1961.

Machado e Pereira (2017MACHADO, R. B.; PEREIRA, A. M. Aspectos da catalogação e do RDA: contribuições teóricas da literatura nacional e internacional. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 22, n. 49, p. 89-101, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.5007/1518-2924.2017v22n49p89 . Acesso em: 25 jan. 2023.
https://doi.org/10.5007/1518-2924.2017v2...
) e Arakaki, Alves e Santos (2018ARAKAKI, F. A.; ALVES, R. C. V.; SANTOS, P. L. V. A. da C. Dublin Core: state of art (1995 to 2015). Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 28, n. 2, p. 7-20, 2018. ) apontam ainda, como parte desse cenário de mudanças, o estabelecimento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC).

O Código de Catalogação Anglo-Americano foi publicado pela primeira vez em 1967, a partir dos estudos desenvolvidos na International Conference on Gataloguing Principles, cujo um dos objetivos foi a busca pela internacionalização dos instrumentos aplicados na padronização da catalogação (Código de Catalogação Anglo-Americano, 2004CÓDIGO de Catalogação Anglo-Americano. 2. ed., rev. 2002. São Paulo: FEBAB, 2004.). O AACR se consolidou no universo bibliográfico e passou por muitas revisões e atualizações, de acordo com Assumpção e Santos (2013ASSUMPÇÃO, F. S.; SANTOS, P. L. V. A. da C. A utilização do Resource Description and Access (RDA) na criação de registros de autoridade para pessoas, famílias e entidades coletivas. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 18, n. 37, p. 203-226, 2013. Disponível em:. Acesso em: 16 out. 2023.). Mesmo com todas as atualizações e revisões o AACR não era mais percebido como adequado para atender as demandas do cenário apresentado; “[...] uma revisão para ir ao encontro das novas necessidades conceituais e formais da descrição bibliográfica era necessária, não sendo possível apenas uma revisão de regras existentes já estabelecidas nas AACR2” (Silva et al., 2012SILVA, E. B. O. et al. Conceituação e aplicação do novo padrão para descrição bibliográfica Resource Description and Access (RDA). CRB-8 Digital, São Paulo, v. 5, n. 1, 2012. , p. 113-114).

Outro fator que impacta a necessidade de elaboração de um novo código, ou instrumento que pudesse atuar como tal foi o estabelecimento dos modelos conceituais elaborados pela IFLA.

Segundo Coyle (2016COYLE, K. FRBR, before and after: a look at our bibliographic models. Chicago: ALA Editions, 2016. ), modelos conceituais são criados por diversas razões sendo principal a de que eles são uma forma de representar objetos ou conceitos do mundo real em um nível alto de abstração, o que os leva a serem úteis devido à dificuldade existente em manipular esses objetos ou conceitos no mundo real. A modelagem feita com a técnica Entidade-Relacionamento (E-R) possui o intuito de descrever elementos de um universo de dados para organização em forma de relacionamentos entre eles. Deste modo, a modelagem E-R promove uma visão conceitual dos dados.

Os trabalhos da IFLA para publicação do FRBR foram iniciados na década de 1990, a partir da organização de um grupo de estudos para tratar dessas novas tecnologias; como resultado desses estudos desenvolveu-se o primeiro modelo conceitual de entidade-relacionamento. Então, no ano de 1998, foi publicado pelos grupos de trabalho da IFLA, o modelo conceitual FRBR (IFLA, 2009INTERNATIONAL FEDERATION OF LIBRARY ASSOCIATIONS AND INSTITUTIONS (IFLA). Functional Requirements for Bibliographic Records (FRBR). Haia, 2009.). Dessa forma, possibilitaria reestruturações em catálogos, de forma que os processos de catalogação acompanhassem as demandas tecnológicas que surgiam com a evolução da Web e de recursos informacionais em meio digital.

IFLA (2013INTERNATIONAL FEDERATION OF LIBRARY ASSOCIATIONS AND INSTITUTIONS (IFLA). Functional requirements for authority data: a conceptual model. Haia, 2013.) observou a necessidade de estender o modelo do FRBR para abordar os dados de autoridade, pois, os dados de autoridade necessitam de uma análise mais completa acerca de suas entidades, atributos e relacionamentos. Então, em 2009, foi publicado outro modelo conceitual focado na construção de registros de autoridade chamado de Requisitos Funcionais para Dados de Autoridade, focando em dados de autoridade do tipo pessoa e entidades coletivas, não se aprofundando em dados de autoridade de assunto.

Com base na necessidade de tratamento de dados de autoridade de assunto, no ano seguinte, em 2010, foi publicado outro modelo conceitual chamado de FRSAD. Segundo Sousa (2019SOUSA, B. P. A noção de assunto e o modelo conceitual Functional Requirements for Subject Authority Data (FRSAD). 2019. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Ciência da Informação, Belo Horizonte, 2019.), o FRSAD tem o objetivo de promover uma estrutura conceitual das entidades que pertencem ao grupo três do FRBR. Segundo Oliver (2021aOLIVER, C. Introducing RDA: a guide to the basics after 3R. 2. ed. Chicago: ALA editions, 2021a., p. 18, tradução nossa):

Os modelos são uma forma de compreender o universo bibliográfico. Eles identificam as tarefas que os usuários precisam realizar durante o processo de descoberta de recursos e demonstram como diferentes tipos de dados bibliográficos e de autoridade auxiliam na realização bem-sucedida dessas tarefas. FRBR e FRAD fornecem uma teoria e uma base logicamente coerente sobre a qual se pode construir uma experiência aprimorada de descoberta de recursos para o usuário.

Após a publicação desses modelos conceituais houve um impacto significativo em diversos processos e instrumentos da catalogação. Nesse contexto começou a se discutir uma atualização dos princípios de catalogação procurando adaptá-lo às novas demandas tecnológicas, em especial do FRBR (Mey, Grau e Biar, 2014MEY, E. S. A.; GRAU, I. A.; BIAR, F. S. Resource Description and Access (RDA): prós e contras. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 7, n. 1, p. 43-52, 2014. Disponível em: http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014.1847 Acesso em: 30 jun. 2022.
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).

Posteriormente, o grupo Joint Steering Committee for Revision of AACR desenvolveu o que seria um rascunho da parte I do AACR3, com intuito de atualizar o AACR baseando-se no FRBR. Entretanto, o grupo observou que a estrutura estabelecida pelo AACR não era compatível com a estrutura do FRBR, então decidiram estabelecer um novo instrumento para a representação de objetos que contemplavam a descrição nos ambientes Web, chamado de Resource Description and Access (RDA). E no final de 2005 foi publicado o rascunho I do RDA, pelo grupo, agora denominado Joint Steering Committee for Development of RDA. (Joint Steering Committee for Development of RDA, 2015JOINT STEERING COMMITTEE FOR DEVELOPMENT OF RDA. RDA: Resource Description and Access - background. [S.l.], 13 Apr. 2015. ).

4 Resource Description and Access e sua estrutura original

Diante do cenário exposto, a RDA foi publicada em 2010 estruturada em 10 sessões e 39 capítulos. Existe uma pluralidade conceitual em torno da definição de RDA. Durante a realização desta pesquisa, os estudos apresentaram embasamento para compreender a RDA como diretrizes à catalogação. A partir da literatura observam-se as definições de códigos, normas e diretrizes (Oliver, 2021bOLIVER, C. Why RDA? Organizing bibliographic information in the 21st century. In: EURASIAN ACADEMIC LIBRARIES CONFERENCE, 10th., 2021, Nur-Sultan. Proceedings [...]. Nur-Sultan: Nazarbayev University Repository, 2021b. ), considerando que ainda não existe uma tradução oficial da RDA para a língua portuguesa.

Compreende-se então que, códigos são conjuntos de normas que devem ser seguidos, enquanto as diretrizes são instruções e indicações flexíveis, que podem ser também consideradas como rascunhos de planos delineados a depender da instituição que a está utilizando. Deste modo, optou-se por utilizar o artigo “a” para se referir a Resource Description and Access (RDA), pois considera-se a RDA, como um conjunto de diretrizes para catalogação de recursos informacionais, bem como pode ser observado na literatura abordada no Referencial Teórico.

A Resource Description and Access (RDA) foi desenvolvida pelo RDA Steering Committee (RSC), como um conjunto de elementos de dados, ou, como diretrizes e instruções para a criação de metadados de recursos de biblioteca e patrimônio cultural.

A RDA busca promover agilidade, facilidade, otimização e um melhor aproveitamento do trabalho dos profissionais da Informação, permitindo adaptações para adequação em diferentes tipos de bibliotecas e para diferentes comunidades de usuários.

Silva et al. (2012SILVA, E. B. O. et al. Conceituação e aplicação do novo padrão para descrição bibliográfica Resource Description and Access (RDA). CRB-8 Digital, São Paulo, v. 5, n. 1, 2012. ) conceituam a RDA como uma nova padronização de descrição bibliográfica. A RDA incorporou a estrutura e as entidades do FRBR e do FRAD, bem como os relacionamentos e tarefas do usuário. As diretrizes também foram baseadas nos princípios Internacionais de Catalogação da IFLA da versão de 2009.

Por conta dessa incorporação dos modelos conceituais, a versão da RDA Original, teve sua estrutura baseada no FRBR e FRAD, sendo deixados espaços em branco que previam a inclusão de aspectos relacionados ao FRSAD.

De acordo com Santos (2021SANTOS, A. A. Dados de autoridade de artistas da música: estudo do Virtual International Authority File (VIAF) e das diretrizes Resource Description and Access (RDA). 2021. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2021. , p. 49):

A RDA possui um conjunto de ferramentas, a exemplo da RDA Toolkit, que fornece aos seus utilizadores orientações necessárias sobre usuários, elementos e instruções para criadores de metadados. Sua estrutura está em concordância com entidades e elementos definidos pelo FRBR e FRAD, além disso, há informações adicionais, como capítulos de orientações e outros recursos que podem auxiliar o catalogador.

Segundo Oliver (2021bOLIVER, C. Why RDA? Organizing bibliographic information in the 21st century. In: EURASIAN ACADEMIC LIBRARIES CONFERENCE, 10th., 2021, Nur-Sultan. Proceedings [...]. Nur-Sultan: Nazarbayev University Repository, 2021b. , p. 20, tradução nossa), “A Resource Description and Access é um pacote de elementos de dados, diretrizes e instruções para criação de metadados de bibliotecas e patrimônio cultural que são bem estabelecidos de acordo com os modelos internacionais”. A autora ainda explica que a RDA não impõe o modo como as descrições devem ser feitas, mas oferece as opções para que cada comunidade, com suas especificidades, possa aplicar a RDA da melhor forma possível para atender sua comunidade.

Ao comparar o AACR2r com a RDA, Silva et al. (2012SILVA, E. B. O. et al. Conceituação e aplicação do novo padrão para descrição bibliográfica Resource Description and Access (RDA). CRB-8 Digital, São Paulo, v. 5, n. 1, 2012. ) destacam como importante diferença a presença de níveis de descrição no AACR2r enquanto na RDA existe a presença de elementos essenciais que são baseados nas tarefas dos usuários, ficando a critério do catalogador definir os demais elementos.

Silva et al. (2012SILVA, E. B. O. et al. Conceituação e aplicação do novo padrão para descrição bibliográfica Resource Description and Access (RDA). CRB-8 Digital, São Paulo, v. 5, n. 1, 2012. , p. 118) também fizeram diversos apontamentos sobre as diferenças entre o AACR2r e a RDA. Dentre esses apontamentos, destacam-se que o:

[...] AACR2 define níveis de descrição, já a RDA recomenda a utilização de elementos essenciais de descrição baseados nas tarefas dos usuários, dessa forma dá mais liberdade ao catalogador em sua análise e descrição de acordo com o que é essencial descrever para sua instituição e usuários.

Mey, Grau e Biar (2014MEY, E. S. A.; GRAU, I. A.; BIAR, F. S. Resource Description and Access (RDA): prós e contras. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 7, n. 1, p. 43-52, 2014. Disponível em: http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014.1847 Acesso em: 30 jun. 2022.
http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014....
) apresentam os prós e os contras da RDA, sob uma perspectiva de um grupo de estudos brasileiros sobre catalogação. As autoras iniciam o relato sobre como a explosão de tecnologias começava a possibilitar corte de custos na catalogação, com itens digitais e disponíveis online. Com essas mudanças, surgiu a necessidade de revisar:

[...] as estruturas dos registros bibliográficos e de conceitos, práticas, códigos e formatos, além de apontar a relevância de fortalecer a catalogação cooperativa e de promover a internacionalização dos padrões de representação (Mey; Grau; Biar, 2014MEY, E. S. A.; GRAU, I. A.; BIAR, F. S. Resource Description and Access (RDA): prós e contras. Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação, Brasília, v. 7, n. 1, p. 43-52, 2014. Disponível em: http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014.1847 Acesso em: 30 jun. 2022.
http://doi.org/10.26512/rici.v7.n1.2014....
, p. 44).

Com o RDA Toolkit ficou mais fácil a realização das atualizações na RDA. De acordo com Oliver (2021aOLIVER, C. Introducing RDA: a guide to the basics after 3R. 2. ed. Chicago: ALA editions, 2021a., p. 16, tradução nossa):

[...] como um padrão online, foi simples implementar um processo de atualizações e revisões regulares ao conteúdo do RDA. Esse processo começou em 2011, com novas revisões integradas ao RDA a partir de abril de 2012. As revisões anuais das instruções do RDA são o resultado do desenvolvimento do trabalho que se faz com consulta e contribuição da comunidade.

Silva et al. (2012SILVA, E. B. O. et al. Conceituação e aplicação do novo padrão para descrição bibliográfica Resource Description and Access (RDA). CRB-8 Digital, São Paulo, v. 5, n. 1, 2012. , p. 114) complementam que:

A RDA Toolkit é o portal que contém todo o conteúdo da norma, em linha, além de disponibilizar também as AACR2 com links para a RDA, destacando diferenças e mudanças entre os padrões. À medida que os conteúdos vão sofrendo atualizações, o Toolkit disponibiliza online aos assinantes todas as novidades. Em suma, esse kit de ferramentas estará disponível ao catalogador via Web.

Leiva-Mederos et al. (2013LEIVA-MEDEROS, A. et al. Authoris: a tool for authority control in the semantic web. Library Hi Tech, United Kingdom, v. 31, n. 3, p. 536-553, 2013. Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2022., p. 539, tradução nossa) acreditavam que com a RDA teria diversos benefícios como:

Inserção rápida no contexto dinâmico de bibliotecas e outros produtores e usuários de informações; Relações flexíveis entre ou entre entidades; Maior uso e gerenciamento de dados em conjunto com mídia digital; Descrição mais precisa (além das possibilidades dos formatos existentes) de Monografias impressas e publicações seriadas; Maior facilidade ao usar metadados de Catalogação em operações de Linked data, além de garantir a marcação de dados para facilitar as trocas entre organizações bibliográficas e não bibliográficas; e Flexibilidade, afastando-se do foco exclusivo nas regras anglo-americanas, o que significa que os metadados podem ser facilmente reutilizados.

No entanto, a realidade se mostrou diferente, pois a implementação da RDA se deu principalmente nos países que empregaram esforços para a realização da tradução oficial da RDA e RDA Toolkit, além de disposição de recursos para aquisição do serviço e treinamento dos profissionais da informação.

O processo de implementação da RDA a nível nacional também enfrenta alguns desafios. Segundo o estudo de Santos e Arakaki (2022SANTOS, A. S.; ARAKAKI, F. A. Aplicação do RDA em instituições latino-americanas: um panorama sobre o processo de implementação. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 18, p. 1-18, fev. 2022. ) algumas das instituições que implementaram a RDA são: a Biblioteca Central Irmão José Otão da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), o controle de autoridades da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que começou pela implementação no controle de autoridade, antes de realizar a aplicação no catálogo. Apesar de existir casos de implementação da RDA no Brasil, é relevante ressaltar que os processos para tal são complexos pois dependem de infraestrutura, planejamento, recursos para a assinatura do serviço, para treinamento e qualificação dos profissionais.

A falta da tradução da RDA no idioma em português, têm se tornado um grande desafio para bibliotecas no Brasil. Entretanto, foi anunciado na página do RDA Toolkit em novembro de 2022, que a tradução para o português começará a ser desenvolvida. Espera-se impactos positivos no âmbito de aplicação em instituições brasileiras.

Outra novidade apresentada na RDA foi o uso de perfis de aplicação (Application profiles). Segundo Santos (2021SANTOS, A. A. Dados de autoridade de artistas da música: estudo do Virtual International Authority File (VIAF) e das diretrizes Resource Description and Access (RDA). 2021. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2021. , p. 50):

A RDA Application Profiles foi criada com o objetivo de especificar entidades, vocabulários e esquemas de codificação, para os conjuntos de metadados, que atendem à requisitos de aplicativos que trabalham com metadados. Essas especificações podem conter informações sobre o número mínimo e máximo de vezes que um elemento deve ser utilizado para a descrição e acesso. Nesse sentido, também podem existir detalhes sobre como os metadados descrevem uma entidade associada a outro metadado, que descreve outra instância e entidade.

Em relação a estrutura da RDA Original, essa possui 10 sessões e 37 capítulos, partindo de uma introdução que discorre brevemente sobre os princípios e escopo das diretrizes para registros de dados RDA. O Quadro 1 apresenta a estrutura do RDA Toolkit Original, nele é possível observar na coluna da esquerda as seções e na coluna da direita cada um dos capítulos relacionados a essas seções.

Quadro 1 -
Seções e capítulos da RDA Original

Para além da estrutura de seções e capítulos a RDA Original apresenta 13 apêndices, que complementam as diretrizes com orientações para facilitar o processo de descrição, com orientações a respeito de temas como o uso de maiúsculas, e tratamento dos artigos iniciais, muito semelhante as informações que podem ser encontradas nos apêndices do AACR2r. Também é possível encontrar informações adicionais sobre como abordar os relacionamentos e ainda um glossário.

Apresentada a RDA Original e sua estrutura, a próxima seção discute os acontecimentos que levaram a necessidade de atualização da RDA, por meio do Projeto 3R, e a estrutura da RDA após a conclusão desse projeto de atualização.

5 Resource Description and Access e sua estrutura no Projeto 3R

Em outubro de 2016 foi realizado um anúncio oficial de que os responsáveis pelo desenvolvimento da RDA e do RDA Toolkit iriam se reunir em 2017 para realização de um grande projeto de aprimoramento, visando permitir que o RDA Toolkit pudesse:

[...] atender melhor às necessidades de seus usuários e desempenhar um papel mais produtivo em seu trabalho. O Toolkit estreou em 2010 e, de acordo com qualquer prática padrão, é hora de redesenhar o site para se ajustar às mudanças no ambiente online. (RDA Toolkit, 2016RDA TOOLKIT. Kickoff announcement. RDATOOLKIT.ORG, Chicago, 10 Dec. 2016. , tradução nossa).

O projeto criado para promover essas discussões foi denominado RDA Toolkit Restructure and Redesign (3R). As principais mudanças ocorridas resultantes desse projeto foram relacionadas a interface do usuário com o site do RDA Toolkit, nessa versão algumas áreas foram expandidas para tornar o padrão mais flexível e modular. “O RDA Toolkit passou por mudanças consideráveis e é um recurso de integração online com atualizações perfeitamente integradas ao texto. O novo RDA Toolkit ainda é o mesmo padrão, não é considerado uma nova edição do RDA nem RDA 2.0” (Oliver, 2021aOLIVER, C. Introducing RDA: a guide to the basics after 3R. 2. ed. Chicago: ALA editions, 2021a., p. 17, tradução nossa).

Para além de discutir alterações no design e da estrutura do RDA Toolkit, e de repensar as questões de acessibilidade do site, o anúncio oficial (RDA Toolkit, c2023RDA TOOLKIT. Welcome to RDA Toolkit. RDATOOLKIT.ORG, Chicago c2023. ) indicava outros pontos que precisavam de atenção para que a RDA se mantivesse pertinente: (a) alinhamento com as melhores práticas atuais de gerenciamento de dados; (b) tornar os dados RDA mais modulares e dinâmicos; (c) realizar atualizações nas ferramentas de edição e tradução; e (d) buscar novas soluções para o rastreamento do histórico de versões das diretrizes e recomendações publicadas no RDA Toolkit.

A primeira meta desse projeto era a publicação de uma versão beta do novo RDA Toolkit, com data de lançamento para 2018, entretanto por se tratar de um processo complexo, incluindo atendimento de feedback dos usuários, a conclusão do projeto só viria a ocorrer em 2020 (RDA Toolkit, 2020RDA TOOLKIT. December 2020 RDA Toolkit release. RDATOOLKIT.ORG, Chicago, 10 Oct. 2020. ).

No primeiro relatório do Projeto 3R foram mencionadas discussões a respeito da estrutura do Toolkit, mas também uma expectativa de mudança nas diretrizes, que precisavam de ajustes para estar em conformidade com o Modelo de Referência de Biblioteca da IFLA (LRM).

Oliver (2021aOLIVER, C. Introducing RDA: a guide to the basics after 3R. 2. ed. Chicago: ALA editions, 2021a., p. 16, tradução nossa), relata um pouco sobre o processo de reestruturação da RDA.

O projeto cobria mudanças tanto no software quanto no conteúdo. No aspecto tecnológico, houve mudanças no modo como as instruções do RDA eram armazenadas; uma atualização minuciosa no software; mudanças no projeto para aumentar a eficiência e agilizar o processo de edição e tradução; conformidades com os padrões internacionais de acessibilidade; e a modernização da interface do usuário. Nos aspectos relevantes ao conteúdo, houve a necessidade de alinhar o RDA com o modelo conceitual para dados bibliográficos mais recente, o IFLA Library Reference Model (IFLA-LRM).

Ainda descrevendo o processo de reestruturação da RDA a autora acrescenta que foi um trabalho árduo revisar o padrão, por causa, por exemplo, da estrutura original e das instruções numéricas inflexíveis, tornando difícil mover as instruções para locais mais lógicos e expandir seu conteúdo. Já a interface estava ficando datada, e o site não atendia aos padrões internacionais de acessibilidade.

O IFLA-LRM é um modelo conceitual que foi publicado com a proposta de harmonizar e minimizar as divergências e ambiguidades nos modelos FRBR, FRAD e FRSAD. Embora trate-se de um projeto de consolidação dos três modelos, a IFLA (2017INTERNATIONAL FEDERATION OF LIBRARY ASSOCIATIONS AND INSTITUTIONS (IFLA). IFLA Library reference model: a conceptual model for bibliographic information. Haia, 2017. ) ressalta que é impreciso afirmar que o processo de elaboração do IFLA-LRM consiste meramente na junção dos 3 modelos, pois existiam conflitos estruturais os modelos conceituais da família FR, sendo necessário o emprego de esforços que garantissem consistência conceitual do novo modelo (IFLA, 2017INTERNATIONAL FEDERATION OF LIBRARY ASSOCIATIONS AND INSTITUTIONS (IFLA). IFLA Library reference model: a conceptual model for bibliographic information. Haia, 2017. ).

Outro fator que levou à necessidade de elaboração do IFLA-LRM, e também teve impacto nos planos de atualização da RDA, foi a percepção de que a própria estrutura dos modelos precisava ser repensada para buscar uma aproximação com as mudanças no contexto da Web, especialmente com os princípios do Linked data.

Berners-Lee (2006BERNERS-LEE, T. Linked data: design issues.W3C.ORG, [s.l.], 27 July 2006. ) apresenta quatro princípios basilares para a adoção do Linked data, sendo eles:

[...]1. Use URIs como nomes para as coisas. 2. Use HTTP URIs, para que as pessoas possam procurar esses nomes. 3. Quando alguém procura um URI, forneça informações úteis, usando os padrões (RDF, SPARQL). 4. Inclua links para outros URIs, para que eles possam descobrir mais coisas (Berners-Lee, 2006BERNERS-LEE, T. Linked data: design issues.W3C.ORG, [s.l.], 27 July 2006. , tradução nossa).

A busca pela aproximação entre os modelos conceituais e a RDA com o Linked data se destaca principalmente em dois aspectos, nas mudanças estruturais para permitir a expressão dos dados em RDF e no contexto dos vocabulários.

O RDF foi proposto em 1999, consistindo em um modelo para a descrição, que permite a criação de declarações que explicitem as relações entre recursos descritos. O RDF “[...] é estruturado em três componentes: recurso, propriedade e valor (Arakaki, 2016ARAKAKI, F. A. Linked data: ligação de dados bibliográficos. 2016. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2016. , p. 36). Em relação a estrutura dessas declarações o W3C (W3C Recommendation, 2004W3C Recommendation. RDF Primer. W3C.ORG, [s.l.], 10 Feb. 2004. , tradução nossa), destaca que:

[...] O RDF usa uma terminologia específica para falar sobre as várias partes das declarações. Especificamente, a parte que identifica o assunto da declaração é chamada de assunto. A parte que identifica a propriedade ou característica do assunto que a instrução específica (criador, data de criação ou idioma nesses exemplos) é chamada de predicado e a parte que identifica o valor dessa propriedade é chamada de objeto.

Dunsire, Fritz e Fritz (2019DUNSIRE, G.; FRITZ, D.; FRITZ, R. Instructions, interfaces, and interoperable data: the RIMMF experience with RDA revisited. Cataloging & Classification Quarterly, United States, v. 58, n. 1, p. 44-58, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01639374.2019.1693465 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/01639374.2019.16...
, p. 3, tradução nossa) destacam que “O RDF separa o “significado” ou semântica legível por máquina de rótulos e definições legíveis por humanos. ”. Os autores destacam ainda que ao adotar o RDF o IFLA- LRM busca expressar os relacionamentos de forma a permitir a navegação entre as entidades e “[...] que dados de diferentes comunidades e aplicativos sejam vinculados e reutilizados [...]”.

Ao falar da aproximação da RDA com o Linked data, Rašmane e Goldberga (2021RAŠMANE, A.; GOLDBERGA, A. The potential of IFLA LRM and RDA key entities for identification of entities in textual documents of cultural heritage: the RunA collection. Cataloging & Classification Quarterly, United States, v. 58, n. 8, p. 705-727, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01639374.2020.1862380 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/01639374.2020.18...
) acrescentam que:

[...] a RDA se concentra na estrutura semântica que permite que as informações sejam compartilhadas, processadas por ferramentas de software e reutilizadas em outro contexto - todos esses recursos são necessários para a implementação de dados vinculados (Rašmane; Goldberga, 2021RAŠMANE, A.; GOLDBERGA, A. The potential of IFLA LRM and RDA key entities for identification of entities in textual documents of cultural heritage: the RunA collection. Cataloging & Classification Quarterly, United States, v. 58, n. 8, p. 705-727, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01639374.2020.1862380 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/01639374.2020.18...
, p. 709, tradução nossa).

Outro aspecto da reestruturação da RDA para aproximar-se do contexto de publicação de dados na Web e do Linked data foram os vocabulários RDA. O W3C Recommendation (2004W3C Recommendation. RDF Primer. W3C.ORG, [s.l.], 10 Feb. 2004. ) ao abordar as características das declarações em RDF aponta que é necessário aplicar vocabulários controlados para representar as propriedades das coisas descritas.

Dunsire, Fritz e Fritz (2019DUNSIRE, G.; FRITZ, D.; FRITZ, R. Instructions, interfaces, and interoperable data: the RIMMF experience with RDA revisited. Cataloging & Classification Quarterly, United States, v. 58, n. 1, p. 44-58, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01639374.2019.1693465 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/01639374.2019.16...
, p. 3) indicam que “os elementos de dados RDA, incluindo entidades, atributos, relacionamentos e vocabulários controlados, são representados em RDF como “RDA Vocabularies” no RDA Registry.

Ao falar sobre esses vocabulários, Oliveira e Castro (2022OLIVEIRA, R. H. A.; CASTRO, F. F. Contribuições do IFLA LRM para o RDA: uma revisão sistemática da literatura. Brazilian Journal of Information Science: research trends, Marília, v. 16, p. e02156, 2022. Disponível em: . Acesso em: 27 jan. 2023.) apontam que:

Os RDA Vocabularies consistem em representações RDF para as definições das entidades, elementos e termos controlados do RDA. Caracterizado por seu nível de complexidade, esses vocabulários são compostos de um volume massivo de classes e propriedades RDF estruturado em hierarquia (Oliveira; Castro, 2022OLIVEIRA, R. H. A.; CASTRO, F. F. Contribuições do IFLA LRM para o RDA: uma revisão sistemática da literatura. Brazilian Journal of Information Science: research trends, Marília, v. 16, p. e02156, 2022. Disponível em: . Acesso em: 27 jan. 2023., p. 17).

Taniguchi (2021TANIGUCHI, S. Understanding and reviewing RDA Vocabularies in RDF: a multi-layer framework approach. Journal of Library Metadata, London, v. 20, n. 4, p. 237-260, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/19386389.2021.1941717 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/19386389.2021.19...
) aponta que esses vocabulários já estavam presentes na versão original da RDA, tendo sua primeira versão publicada em 2011, já que desde o princípio buscou-se essa aproximação com a estrutura de dados da Web, entretanto os vocabulários foram repensados no Projeto 3R, especialmente para se tornar consistente com o IFLA-LRM. O Autor acrescenta que:

Os Vocabulários RDA parecem enormes e complicados; eles são compostos por um grande volume de classes RDF e propriedades em hierarquia. As entidades RDA e os termos controlados são representados como classes RDF, enquanto os elementos RDA são mapeados para as propriedades RDF. Provavelmente, o RDA revisado pretende ser um conjunto acumulado e abrangente de instruções sobre descrição de recursos de informação e, assim, seus vocabulários incluiriam todo um conjunto de classes e propriedades RDA em RDF. Instituições ou redes individuais que colaboram para adotar o RDA devem desenvolver perfis de aplicativos que especifiquem escolhas dos elementos RDA e esquemas de codificação de vocabulário que atendam às suas funções e requisitos - ou seja, usem apenas uma parte do RDA - e adotem um esquema de metadados de acordo com sua aplicação perfis. (Taniguchi, 2021TANIGUCHI, S. Understanding and reviewing RDA Vocabularies in RDF: a multi-layer framework approach. Journal of Library Metadata, London, v. 20, n. 4, p. 237-260, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/19386389.2021.1941717 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/19386389.2021.19...
, p. 2, tradução nossa).

Embora o acesso ao RDA Toolkit seja pago, esses vocabulários derivados “[...] são publicados sob uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional aberta, permitindo a reutilização comercial” (Dunsire; Fritz; Fritz, 2019DUNSIRE, G.; FRITZ, D.; FRITZ, R. Instructions, interfaces, and interoperable data: the RIMMF experience with RDA revisited. Cataloging & Classification Quarterly, United States, v. 58, n. 1, p. 44-58, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01639374.2019.1693465 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/01639374.2019.16...
, p. 4, tradução nossa).

Ao tratar das aproximações entre o IFLA-LRM e os vocabulários RDA, Taniguchi (2021TANIGUCHI, S. Understanding and reviewing RDA Vocabularies in RDF: a multi-layer framework approach. Journal of Library Metadata, London, v. 20, n. 4, p. 237-260, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/19386389.2021.1941717 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/19386389.2021.19...
) indica que:

O modelo conceitual RDA baseado em LRM consiste em entidades RDA, atributos e relacionamentos entre as entidades, pois é modelado com modelo entidade-relacionamento (E-R). Em contraste, o RDF adota classes e propriedades. As entidades no modelo E-R são transformadas em classes RDF, enquanto os atributos e relacionamentos são transformados em propriedades RDF. (Taniguchi, 2021TANIGUCHI, S. Understanding and reviewing RDA Vocabularies in RDF: a multi-layer framework approach. Journal of Library Metadata, London, v. 20, n. 4, p. 237-260, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/19386389.2021.1941717 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/19386389.2021.19...
, p. 5, tradução nossa).

Ao abordar as mudanças ocorridas após o Projeto 3R Oliver (2021aOLIVER, C. Introducing RDA: a guide to the basics after 3R. 2. ed. Chicago: ALA editions, 2021a., p. 260, tradução nossa), sintetiza que “[...] RDA no Toolkit tem uma aparência diferente. É organizado de forma diferente. Há um novo vocabulário. Há uma nova funcionalidade. À primeira vista, é difícil reconhecer o RDA que estava no RDA Toolkit Original”.

Nesse sentido, o Quadro 2, a seguir apresenta e contextualiza a nova estrutura do RDA Toolkit. Nele é possível observar as seções e seus capítulos correspondentes, bem como uma breve explicação do conteúdo de cada seção e capítulo.

Quadro 2 -
Seções e capítulos da RDA Projeto 3R

Observa-se, portanto, que, o “[...] novo design é muito diferente da abordagem baseada em livro anterior, exigindo orientação e treinamento em seu layout e recursos, bem como em novos conceitos e recursos de gerenciamento de dados.” (Dunsire; Fritz; Fritz, 2019DUNSIRE, G.; FRITZ, D.; FRITZ, R. Instructions, interfaces, and interoperable data: the RIMMF experience with RDA revisited. Cataloging & Classification Quarterly, United States, v. 58, n. 1, p. 44-58, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1080/01639374.2019.1693465 . Acesso em: 26 jan. 2023.
https://doi.org/10.1080/01639374.2019.16...
, p 4-5, tradução nossa).

Com a reformulação da RDA Original, foram realizadas algumas mudanças significativas na estrutura da RDA. De acordo com Mendes (2022 MENDES, L. H. Basic cataloging with RDA Post-3R. In: DIGITAL INITIATIVES SYMPOSIUM, 2., 2022, San Diego. Anais [...]. San Diego: University of San Diego, 2022. p. 1-75. ), na RDA Original, a ferramenta do RDA Toolkit estava configurada com a seguinte estrutura: instruções básicas; número da instrução; fonte da informação e exemplos. Com o Projeto 3R, as Instruções básicas passaram a estabelecer perfis de aplicação; o número da instrução passou a ser o número de citações ou links URL. A fonte de informações passou a se chamar Proveniência de Dados. Por fim, os exemplos foram expandidos para exemplos básicos, método de gravação de exemplo; visualização com relacionamentos e contexto da visualização.

Essas mudanças foram importantes para apresentar uma nova estrutura da RDA. Em especial, o estabelecimento de um Perfil de Aplicação, pois “[...] especifica as entidades, elementos e esquemas de codificação de vocabulário que são esperados em um conjunto de metadados que atende às funções e requisitos de uma aplicação que usa os metadados. ” (RDA Toolkit, c2023RDA TOOLKIT. Welcome to RDA Toolkit. RDATOOLKIT.ORG, Chicago c2023. , tradução nossa). Para tanto, um perfil de aplicação precisa especificar os elementos a serem usados na descrição do recurso. Apresentar se há necessidade de repetir determinados elementos, estabelecer quais elementos servem para relacionar duas entidades e o método de gravação. Um perfil de aplicação precisa definir ainda, os vocabulários controlados, como esquemas de codificação de vocabulário (tesauros, ontologias, lista de cabeçalho de assunto), além dos esquemas de codificação de strings (idioma, local) (Mendes, 2022 MENDES, L. H. Basic cataloging with RDA Post-3R. In: DIGITAL INITIATIVES SYMPOSIUM, 2., 2022, San Diego. Anais [...]. San Diego: University of San Diego, 2022. p. 1-75. ).

Outras mudanças foram: o apêndice A-C, F e G foram incorporados na seção de Recursos da comunidade, já os apêndices D-E formaram a Política de estabelecimento e Recursos da comunidade. O Apêndice H formou Espaço-tempo, já os Apêndices I-K surgiram novos elementos de relacionamento. Por fim, os apêndices L-M formaram novos elementos de relacionamento, conforme apropriado (Mendes, 2022 MENDES, L. H. Basic cataloging with RDA Post-3R. In: DIGITAL INITIATIVES SYMPOSIUM, 2., 2022, San Diego. Anais [...]. San Diego: University of San Diego, 2022. p. 1-75. ).

Com a reformulação da RDA, o processo de descrição dos atributos ficou mais direto. Na RDA Original, com estruturação de seções, capítulos, atributos, algumas informações ficavam dispersas. Por exemplo: as primeiras seções apresentam as entidades manifestação e item e seus atributos, depois obra e expressão e seus atributos. Posteriormente, há uma seção destinada para criação dos relacionamentos entre a obra, expressão, manifestação e item.

6 Considerações finais

O objetivo geral desta pesquisa foi apresentar as mudanças na RDA considerando as alterações desenvolvidas no Projeto 3R. Para atingir esse objetivo foi realizada uma análise da literatura e das estruturas das duas versões da RDA. Essa análise permitiu concluir que as principais mudanças no RDA Projeto 3R podem ser divididas em três aspectos, são eles: (1) mudanças no RDA Toolkit; (2) mudanças estruturais na RDA e (3) mudanças relacionadas a aproximação com o cenário de publicação de dados na Web e o Linked data.

As mudanças no RDA Toolkit inicialmente são mais visíveis, pois estão em uma camada externa, em contato direto com o usuário. Essas mudanças foram focadas especialmente na interface, pensando nas questões de usabilidade e acessibilidade do site. Também foram pensadas para que a plataforma estivesse em conformidade com as práticas atuais de publicação de sites na Web, já que antes do projeto já haviam passado 10 anos desde o seu lançamento.

Já as principais mudanças estruturais afetaram a RDA enquanto diretriz, e foram feitas para aproximar a RDA do modelo IFLA-LRM, o que é uma mudança natural já que a RDA teve sua estrutura original baseada nos modelos da família FR e que o IFLA-LRM nasce da proposta de consolidar e atualizar esses modelos. As adequações realizadas na RDA Projeto 3R para estruturas consoantes com o IFLA-LRM não foram de ruptura, mantendo a essência da RDA, sendo o principal foco em alterações nas entidades e relacionamentos, que precisaram ser alterados para que o IFLA-LRM se tornasse um modelo consistente e não uma mera junção dos modelos anteriores.

A respeito das mudanças relacionadas com a aproximação entre a RDA e o Linked data, observou-se que essas são voltadas para viabilizar a publicação das descrições feitas com base nas diretrizes usando uma estrutura RDF, o que foi refletido em ajustes nos vocabulários RDA e na inclusão de seções e capítulos para tratar desse processo de codificação.

Nesse sentido, como estudos futuros sugere-se explorar as formas de criação de registros usando a RDA, como descrição em RDF, com aproximações inclusive com o Bibliographic Framework (BIBFRAME), projetado para permitir a codificação de dados bibliográficos em consonância com o Linked data. Ainda em relação ao BIBFRAME pretende-se explorar suas aproximações com a RDA e como a publicação da RDA Projeto 3R irá afetar a relação entre ambos. Deste modo, espera-se que essas pautas sejam abordadas para um maior desenvolvimento dessas áreas de pesquisa.

Conclui-se, portanto, que, o Projeto 3R causou mudanças na usabilidade do RDA Toolkit, na estrutura das diretrizes RDA e promoveu aproximações com o IFLA-LRM e com o contexto do Linked data. Constata-se ainda que, embora seja apontado que as mudanças estruturais nas diretrizes não sejam de ruptura, essas têm impacto no processo de catalogação e que ainda são necessários esforços para compreender quais os meios mais eficientes de aplicar as diretrizes RDA Projeto 3R nas áreas práticas de catalogação e de ensino.

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  • W3C Recommendation. RDF Primer. W3C.ORG, [s.l], 10 Feb. 2004.
  • 1
    Para diferenciar as versões, optou-se por adotar os termos “RDA Original” para a versão anterior ao Projeto 3R. Ressalta-se que “original”, nesse contexto, refere-se ao sentido de “dar origem à” e não a uma indicação de que as demais versões não sejam oficiais. A versão vigente, pode ser chamada de “The Official RDA Toolkit”. No trabalho, nos referimos a “RDA Projeto 3R” a versão utilizada no período de mudança.
  • 2
    Para essa pesquisa adotamos o conceito de Assumpção (2018ASSUMPÇÃO, F. S. Modelo para a publicação de dados de autoridade como Linked data. 2018. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2018., p. 21), que apresenta a catalogação enquanto disciplina, processo e produto.
  • Financiamento

    Essa pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2023
  • Aceito
    21 Set 2023
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