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Avaliação de processos para a formação docente fundamentados na perspectiva dialógico-problematizadora: categorias de análise

Evaluation of teacher training courses based on the prospect dialogical-problematizing: analysis categories

Evaluación de carreras de formación docente fundamentados en la perspectiva dialógico-problematizadora: categorias de análisis

Resumo

O texto traz uma proposta de categorias avaliativas nos processos formativos para docentes a partir dos princípios freireanos, dialogicidade e problematização. Tem como referência uma formação baseada nas etapas formuladas por Freire: Levantamento Preliminar, Análise das Situações Significativas, Escolha das Codificações, Diálogos Descodificadores e Redução Temática. Prevista por Delizoicov e Freire, uma quinta etapa é incluída e usa os “três momentos pedagógicos”. A análise foi construída a partir dos critérios: Concepções dos professores sobre o ensino de ciências; Pesquisas qualitativas iniciais derivadas do estudo da realidade; Seleção de falas coletadas, proposição dos temas/contratemas; Formulação das problematizações e indicação de conteúdos; Organização de atividades/aulas; e se referenciam nos estudos de Gouvêa da Silva. O artigo traz também, indicações de encaminhamentos e reorientações a serem realizados por aqueles que desenvolverem formação na perspectiva freireana.

Formação Permanente de Professores; Avaliação de Processos na Formação Docente; Paulo Freire; Ensino de Ciências

Abstract

The text presents a proposal of evaluative categories for processes of teacher education from the freirean’s principles of dialogical and problematization. It takes as reference an education based on the steps made by Freire: Preliminary Survey, Analysis of Significant Situations, Choice of Codifications, Decoding Dialogues and Thematic Reduction. Foreseen by Delizoicov and Freire, a fifth step is included and uses the “Three Pedagogical Moments”. The analysis was constructed based on the criteria: Teacher’s conceptions about sciences teaching; Initial qualitative research derived from the study of reality; Selection of collected speeches, proposition of themes and counter-themes; Formulation of problematization and indication of content; Organization of activities and lessons; and reference within the studies of Gouvêa da Silva. The article presents in its conclusions, indications of referrals and adjustments to be made by those who develop training in freirean’s perspective.

Permanent Teacher Education; Process Evaluation of Teacher Education; Paulo Freire; Science Teaching

Resumen

El texto trata de una propuesta de categorías para evaluación en los procesos de formación docente a partir de los principios de Freire, dialogicidad y problematización. Toma como referencia una formación basada en las etapas formuladas por Freire: EstudioPreliminar, Análisis de Situaciones Significativas, Elección de las Codificaciones, Diálogos Descodificadores, y Reducción Temática. Tem como referência uma formação baseada nas etapas formuladas por Freire: Levantamento Preliminar, Análise das Situações Significativas, Escolha das Codificações, Diálogos Descodificadores e Redução Temática. Prevista por Delizoicov y Freire, se incluye una quinta etapa, y se utilizan los “tres momentos pedagógicos”. El análisis fue construido a partir dos criterios: Concepciones de los profesores sobre la enseñanza de ciencias; Investigaciones cualitativas iniciales derivadas del estudio de la realidad; selección de conversaciones colectadas, proposición de temas/contra temas, formulación de las problematizaciones e indicación de contenidos; Organización de actividades/clases; y se referencia en los estudios de Gouvêa da Silva. El artículo también trae, indicaciones de remisiones y ajustes a ser realizados por aquellos que desarrollen la capacitación en la perspectiva de Freire.

Formación docente continua; Evaluación de procesos de formación docente; Paulo Freire; Eneñanza de las Ciencias

1 Características da formação permanente docente no Brasil

O foco desse artigo é a formação docente no Brasil, destinada aos professores dos anos finais do ensino fundamental e aos do ensino médio. A preocupação com a formação docente para especialização só aparece, como aponta Gatti (2010)GATTI, B. A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação & Sociedade, v. 31, n. 113, p. 1355–1379, out./dez. 2010. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302010000400016.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302010...
, no final da década de 1930, nos poucos cursos de bacharelado, nos quais foi incluído mais “um ano com disciplinas da área de educação para a obtenção da licenciatura [...] de docentes para o ‘ensino médio’” ( GATTI, 2010GATTI, B. A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação & Sociedade, v. 31, n. 113, p. 1355–1379, out./dez. 2010. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302010000400016.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302010...
, p. 1356).

Esse modelo formativo tem presente a ideia de que “a formação pedagógico-didática virá em decorrência do domínio dos conteúdos do conhecimento logicamente organizado, sendo adquirida na própria prática docente” ( SAVIANI, 2009SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 14, n. 40, 2009, p. 143–155. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782009000100012.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782009...
, p. 149).

Mesmo com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN nº 9.394/1996 ( BRASIL, 1996BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 15 fev. 2018.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
), e regulamentações posteriores, a “prevalência do modelo consagrado no início do século XX para essas licenciaturas” ( GATTI, 2010GATTI, B. A. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educação & Sociedade, v. 31, n. 113, p. 1355–1379, out./dez. 2010. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302010000400016.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302010...
, p. 1357), ainda é identificada nos cursos de licenciatura.

Estudos do tipo estado da arte, tais como os de Alves (2011)ALVES, N. (Org.). Formação de professores: pensar e fazer. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011. ; André et al. (1999)ANDRÉ, M. E. D. et al. Estado da arte da formação de professores no Brasil. Educação & Sociedade, v. 20, n. 68, p. 301–309, dez. 1999. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73301999000300015.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73301999...
; André (2009ANDRÉ, M. E. D. A produção acadêmica sobre formação de professores: um estudo comparativo das dissertações e teses defendidas nos anos 1990 e 2000. Formação Docente: Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação Docente, v. 1, n. 1, p. 41–56, ago./dez. 2009. , 2010ANDRÉ, M. E. D. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Educação , Porto Alegre, v. 33, n. 3, p. 174–181, set./dez. 2010. ); Freitas (2002)FREITAS, H. C. L. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formação. Educação & Sociedade, v. 23, n. 80, p. 136–167, set. 2002. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302002008000009.
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-73302002...
; Gatti, Barreto (2009)GATTI, B. A.; BARRETO, E. S. S (Coord.). Professores do Brasil: impasses e desafios Brasília, DF: Unesco, 2009. ; Gatti, Barreto, André (2011)GATTI, B. A.; BARRETO, E. S. S.; ANDRÉ, M. E. D. A. Políticas docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília, DF: Unesco, 2011. ; Machado et al. (2009)MACHADO, M. M. et al. Estado da arte da produção acadêmica sobre ensino médio no brasil: período de 1998 a 2008: relatório geral - pesquisa documental ensino médio. Goiânia: MEC, 2009. , sinalizam para os problemas da formação inicial de professores especialistas, os quais se agravam no Ensino de Ciências-Química, Física e Biologia (QFB). Tal fato se deve à falta de professores ( SÁ; SANTOS, 2011SÁ, C. S. S.; SANTOS, W. L. P. Licenciatura em Química: carência de professores, condições de trabalho e motivação pela carreira. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 8., 2011, Campinas. Anais ... Campinas: ABRAPEC, 2011, p.1–12. ), devido aos poucos licenciados e à racionalidade técnica prevalente na sua formação, na qual “basta saber o conteúdo químico e usar algumas estratégias pedagógicas para controlar ou entreter os alunos” ( SCHNETZLER, 2002SCHNETZLER, R. P. A pesquisa em ensino de química no Brasil: conquistas e perspectivas. Química Nova , v. 25, supl. 1, p. 14–24, 2002. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422002000800004.
http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422002...
, p. 15).

Complementarmente à Formação Inicial, a Continuada (FC) assume grande variedade de iniciativas ( GATTI, 2008GATTI, B. A. Análise das políticas públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 37, p. 57–70, jan./abr. 2008. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782008000100006.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782008...
, p. 57), comumente denominadas de: Capacitação, Aperfeiçoamento, Reciclagem, Atualização, Educação Permanente, Formação Continuada, Educação Continuada, Treinamento.

O termo Educação Permanente traduz uma compreensão de que a educação é um processo que se estende por toda a vida, um processo em contínuo desenvolvimento ( MARIN, 1995MARIN, A. J. Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções. Cadernos Cedes, Campinas, n. 36, p. 13–20, 1995. ). Já a Educação Continuada tem uma abordagem mais ampla, por possuir um sentido que incorpora o pessoal, o institucional e o social.

Pode-se dizer que a oferta de FC nesses diferentes moldes, objetiva também responder às pressões internacionais pela melhoria do desempenho escolar da população, sendo direcionados por documentos orientadores, como os do Banco Mundial ( WORLD BANK, 1999WORLD BANK. Education sector strategy. Washington, DC: World Bank, 1999. ; BANCO MUNDIAL, 2002BANCO MUNDIAL. Brasil justo, competitivo, sustentável, contribuições para debate: visão geral. Brasília, DF: Banco Mundial, 2002. ), dentre outros, que convergem em um ponto: a concepção de linearidade conferida pelo avanço da economia e a consequente melhoria da condição de vida.

Para além da proposição da FC, muitas vezes utilizada para atender a interesses político-econômicos, tem-se a Formação Permanente (FP) de professores no exercício de suas atividades. Ela “consiste em auxiliar profissionais a participar ativamente do mundo que os cerca, incorporando tal vivência no conjunto dos saberes de sua profissão” ( MARIN, 1995MARIN, A. J. Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções. Cadernos Cedes, Campinas, n. 36, p. 13–20, 1995. , p. 19).

A perspectiva apresentada neste texto é a de Freire (2005)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. , que toma como pressuposto a condição de inconclusão dos seres humanos em busca do ser mais, pois “diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua inconclusão” (p. 83).

Com isso, a Formação Permanente se destina “a todo ser humano em qualquer etapa de sua existência – está aliada à compreensão de que ela acontece com/sobre a realidade concreta, sobre a realidade prática” ( SAUL; SILVA, 2009SAUL, A. M.; SILVA, A. F. G. O legado de Paulo Freire para as políticas de currículo e para a formação de educadores no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 90, n. 224, p. 223–244, jan./abr. 2009. , p. 238).

Em se tratando de propostas nesta perspectiva, destacam-se os movimentos de reorientação curricular, que visam ao ensino fundamental e à alfabetização de jovens e adultos. Conforme Saul e Silva (2009)SAUL, A. M.; SILVA, A. F. G. O legado de Paulo Freire para as políticas de currículo e para a formação de educadores no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 90, n. 224, p. 223–244, jan./abr. 2009. , esses processos se iniciaram, entre 1989 e 1993, basicamente na cidade de São Paulo, tendo Freire como secretário municipal da educação. Contudo, esse movimento se originou com as atividades em Guiné Bissau, relatadas por Delizoicov (1980DELIZOICOV, D. Uma experiência em ensino de ciências na Guiné Bissau: depoimento. Revista de Ensino de Física, São Paulo, v. 2, n. 4, dez. 1980. Disponível em: <http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/vol02a40.pdf >. Acesso em: 9 jan. 2018.
http://www.sbfisica.org.br/rbef/pdf/vol0...
, 1982DELIZOICOV, D. Concepção problematizadora do ensino de ciências na educação formal. 1982. 227 f. Dissertação (Mestrado em Educação). USP, São Paulo, 1982. ) e Angotti (1982)ANGOTTI, J. A. P. Solução alternativa para a formação de professores de ciências: um projeto educacional desenvolvido na Guiné-Bissau. 1982. 188 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1982. , e no Rio Grande do Norte, desenvolvidas em Pernambuco (1981PERNAMBUCO, M. M. C. A. Ensino de Ciências a partir de problemas da comunidade. 1981. 277 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1981. , 1994PERNAMBUCO, M. M. C. A. Educação e escola como movimento: do ensino de Ciência à Transformação da Escola Pública. 1994. 152 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. ). As ideias e as atividades constituídas e disseminadas por esses autores, juntamente com as de Silva (2004)SILVA, A. F. G. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas significativas às práticas contextualizadas. 2004. 493f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004. , passaram a integrar um grupo de pesquisadores com interesse na formação de professores e no ensino de ciências na perspectiva freireana.

A partir das ações desencadeadas e referenciadas nos trabalhos desses autores, é possível dizer que foi promovido um movimento de resistência à concepção hegemônica da educação bancária, movimento esse que ainda precisa ocorrer no ensino médio.

2 Encaminhamentos metodológicos para processos de formação docente organizados na perspectiva freireana e parâmetros analíticos

Na proposição e organização de ações formativas para docentes que tomam como fundamento a proposta de Freire (2005)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. , supõe-se que sigam as etapas: “Levantamento Preliminar”, “Análise das Situações Significativas e Escolha das Codificações”, “Diálogos Descodificadores” e a “Redução Temática”, sendo que é nessa última que se dá a delimitação dos “Temas Geradores”.

Tais propostas também se referenciam, frequentemente, nos estudos desenvolvidos por Delizoicov (1991)DELIZOICOV, D. Conhecimento, tensões e transições. 1991. 213 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. que incluem a “organização de atividades” como mais uma etapa a ser realizada. Outro elemento presente nas ações formativas para docentes são os “três momentos pedagógicos (3MP)” ( DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. ), com os quais, comumente se organizam as atividades/aulas a serem desenvolvidas com os estudantes.

Já o trabalho de Silva (2004)SILVA, A. F. G. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas significativas às práticas contextualizadas. 2004. 493f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004. agrega todos os princípios de Freire (2005)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. e os trabalhos anteriormente citados e, ainda, organiza o que o autor denomina de Rede Temática.

O que se apresenta a seguir é a organização metodológica de um processo para a formação docente, utilizado como objeto de estudo em uma investigação de doutoramento 1 1 Trata-se de uma pesquisa concluída em 2016, resultante de estudos desenvolvidos como base de uma pesquisa de doutoramento sendo essa financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica de Santa Catarina (Fapesc). O desenvolvimento empírico foi novamente utilizado em outro contexto e com outro grupo de participantes, gerando dados complementares aos inicialmente coletados e analisados. Essa segunda fase da pesquisa promovida pelos autores por meio dos seus grupos de pesquisa articulados, sendo liderados pelo Grupo de Pesquisa em Educação Química, Ciências e Tecnologia (GPECT), não contou com financiamento. sobre a formação de professores de ensino de química na Educação de Jovens e Adultos (EJA), envolvendo os autores deste artigo. Além de dois outros cursos de extensão universitária realizados em 2015 e 2016, organizados e ministrados pelos autores, nos mesmos moldes do anterior.

No total desses três processos formativos, foram ofertadas 50 vagas para professores que atuavam em escolas públicas estaduais de Curitiba e Região Metropolitana. Dos que compareceram ao primeiro encontro, 59% concluíram, o que corresponde em números absolutos a 23 docentes. Cada curso teve carga horária de 90 horas, organizadas em quatro momentos presenciais – 16 horas cada um – e em três não presenciais.

A partir desses cursos e do exame dos dados gerados, foi elaborada uma proposta de critérios a serem utilizados como percurso analítico de ações formativas docentes organizadas na perspectiva dialógico-problematizadora freireana, da seguinte forma:

  1. concepções dos professores sobre o Ensino de Ciências-QFB;

  2. pesquisas qualitativas iniciais realizadas por professores no estudo da realidade;

  3. seleção de falas coletadas na pesquisa inicial, proposição dos temas e contratemas;

  4. formulação das problematizações e indicação de conteúdos relacionados; e

  5. organização de atividades/aulas.

Esses critérios utilizados para sistematização e análise dos dados agrupados, como indicado anteriormente, foram elaborados como se descreve na sequência.

2.1 Concepções dos professores sobre o Ensino de Ciências-QFB

A análise realizada para esse agrupamento teve o objetivo de “Identificar que papel o professor atribui para o Ensino de Ciências-QFB”. Os elementos caracterizadores de tal objetivo foram extraídos das respostas do seguinte conjunto de questões, apresentadas em diferentes instantes da Formação Docente:

  1. Qual o papel social que você considera que tem o Ensino de Ciências-QFB para os seus alunos?

  2. Quando uma aula de Ciências-QFB cumpre seus objetivos?

  3. Qual das aulas 2 2 Para responder à essa questão, foram apresentados dois exemplares de aulas aos professores em formação. Ver exemplos constantes em Lambach (2013) - Apêndices A, B e C. (1 = convencional; 2 = exemplificadora) cumpre melhor o que foi indicado nas questões (a) e (b)? Por quê?

  4. Com qual(is) situação(ões) se aproxima a sua “concepção sobre o papel social do ensino de química” e explique o porquê, demonstrando semelhanças e diferenças.

  5. O que o Ensino de Ciências-QFB deve enfatizar?

  6. Por que os alunos devem aprender Ciências-QFB?

Salienta-se que tais questões devem ser adequadas ao público e modalidade em que o docente em formação atua no Ensino de Ciências-QFB. Poderão ser acrescentadas outras questões, como, por exemplo, para a EJA: “Para que você acha que serve a EJA?”

O que se quer evidenciar nessa análise é se os professores mantêm, no decorrer da formação, uma concepção pedagógica mais convencional (bancária) ou uma concepção progressista, libertadora, freireana, de caráter dialógico-problematizador, em relação ao Ensino de Ciências-QFB.

Para realizar essa análise, os autores utilizaram como referência a categorização proposta como resultado da pesquisa desenvolvida por Lambach (2007)LAMBACH, M. Atuação e formação dos professores de química na EJA: características dos estilos de pensamento – um olhar a partir de Fleck. 2007. 179 f. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Tecnológica) – Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. , assim como os critérios sistematizados por Silva (2004SILVA, A. F. G. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas significativas às práticas contextualizadas. 2004. 493f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004. , 2007SILVA, A. F. G. A busca do tema gerador na práxis da educação popular. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007. ).

A partir desses materiais, o Quadro 1 , a seguir, traz elementos que podem ser utilizados para auxiliar na identificação de uma concepção dialógico-problematizadora do Ensino de Ciências-QFB.

Quadro 1
Critérios para identificação da Concepção Dialógico-Problematizadora dos professores sobre o ensino de Ciências-QFB.

Uma vez apresentadas e coletadas as respostas das questões a) a f) já descritas, e estabelecendo aproximações aos elementos constantes do Quadro 1 , a ação que se realizou na sequência foi a de identificar as concepções que os professores possuíam em cada uma das etapas previstas para o curso.

Para ilustrar como pode ocorrer a avaliação de cursos de FP, na perspectiva freireana, falas docentes como as coletadas em processos formativos realizados em 2013, 2015 e 2016, trazem formas verbais como: “mostrar ao aluno”, “conscientizar e sensibilizar o aluno”. Elas evidenciam a presença de uma compreensão de transmissão do conhecimento de maneira vertical, ou seja, dos professores aos alunos. Isso denota uma postura bancária ( FREIRE, 2005FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. ), característica de um coletivo de pensamento que compartilha a ideia de uma educação compensatória.

Esse fato fica reforçado quando se analisa a questão “Para que você acha que serve a EJA?”, apresentada aos professores logo no início do segundo momento da formação. As respostas indicaram que, para eles a EJA é importante para: “certificação da escolaridade”, “resgate do tempo perdido”, “formação do sujeito para o mercado de trabalho”. Também se mantiveram como predominantes as respostas características de uma compreensão exemplificadora para o ensino de química, ou seja, que “lança mão de exemplos locais ou de qualquer lugar, utilizando-os apenas para introduzir os conteúdos de química. A realidade serve como ilustração” ( LAMBACH, 2007LAMBACH, M. Atuação e formação dos professores de química na EJA: características dos estilos de pensamento – um olhar a partir de Fleck. 2007. 179 f. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Tecnológica) – Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. , p. 150).

Em relação à questão “Para que você acha que serve a EJA?”, emergem respostas como:

[...] para captar e decifrar a realidade do aluno e fazer com que esse possa superar tal realidade.

[...] para uma compreensão melhor dos fenômenos que os cercam, permitindo a interpretação do seu cotidiano e uma alfabetização científica.

Essas respostas se aproximam dos critérios elencados no Quadro 1 e apontam para uma visão mais dialógico-problematizadora da educação. Mas é preciso ter em vista que tais critérios precisam concretizar-se na ação para serem caracterizados como educação libertadora freireana.

Em outros momentos da formação docente, um processo de transitividade foi identificado entre distintas concepções de ensino de química na EJA. Porém, notou-se também uma redução da frequência de elementos que caracterizam o pensamento indicado como sendo do “professor suplência” – aquele que “se fundamenta na função suplência, que relaciona o tempo físico com a ideia de recuperação do tempo perdido do aluno, necessitando aligeirar o processo educacional para a certificação rápida” ( LAMBACH, 2007LAMBACH, M. Atuação e formação dos professores de química na EJA: características dos estilos de pensamento – um olhar a partir de Fleck. 2007. 179 f. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Tecnológica) – Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2007. , p. 150). Ou seja, há indícios para certa redução de elementos típicos de uma concepção pedagógica convencional e um aumento da noção dialógico-problematizadora.

Tal tendência foi confirmada pelas respostas dadas ao final da formação para questões, como: “Para que objetivo ou com que intenção deve ser organizado o ensino de química para jovens e adultos da EJA?” e “O que os alunos da EJA devem aprender com as aulas de química?”, mais de um critério elencado no Quadro 1 foi contemplado. Por exemplo, nas falas:

Formar cidadãos conscientes, que desenvolvam mudanças de atitudes à medida que vão adquirindo conhecimento.

A química deverá contribuir para que esse aluno seja crítico, ativo, pensante e participativo na sociedade onde ele vive, no seu meio social.

[...] ter um olhar crítico/social, não ficar só em conteúdos.

[...] uma forma de alfabetização científica e uma visão diferente em relação ao mundo que nos cerca.

Tais falas se relacionam a, pelo menos, cinco dos sete critérios listados no Quadro 1 , sejam eles:

- contribuir para compreensão dos problemas cotidianos locais em busca da sua solução;

- favorecer a compreensão e a superação das explicações de senso comum sobre os fenômenos;

- promover a problematização crítica da realidade das pessoas;

- reconhecer a ciência como produção humana e histórica; e

- ser entendido como apropriação de um bem social.

Pode-se notar que as respostas analisadas contemplaram cinco dos critérios, portanto mais do que no início da formação docente. Além disso, a partir da análise das atividades/aulas elaboradas e desenvolvidas com os alunos, identificou-se um aumento da concepção dialógico-problematizadora.

2.2 Pesquisas qualitativas iniciais realizadas pelos professores no estudo da realidade

A análise para esse agrupamento teve como objetivo “Identificar o caráter atribuído pelo professor à pesquisa qualitativa inicial”, ou seja, investigar como foi feito o Estudo da Realidade local e qual a conduta assumida pelos professores na coleta dos dados. Os elementos que qualificam o alcance do objetivo foram extraídos a partir do relato dos professores de como realizaram a geração de dados, dos instrumentos e dos procedimentos utilizados na interlocução com os participantes da ação de investigação da realidade.

Com essa análise, buscou-se evidenciar a presença do diálogo na relação entre professor-aluno, entendendo a dialogicidade como categoria estrutural da concepção pedagógica freireana.

A partir dos critérios indicados anteriormente no Quadro 1 , uma lista de elementos, discriminados no quadro abaixo ( Quadro 2 ), foi confrontada com as categorias derivadas dos resultados de análise das falas e materiais produzidos pelos professores, ao realizarem o ER.

Quadro 2
Critérios para análise do estudo inicial da realidade local.

A avaliação dos critérios analisados, em cada um dos quadros a seguir, utiliza como corpus os materiais produzidos pelos professores na geração de dados por meio de entrevistas, questionários, dentre outros instrumentos, além dos registros em diários de bordo e relatos dos professores nos encontros presenciais, no processo para a formação docente.

O conjunto desses materiais foi analisado de acordo com os critérios listados em cada quadro e mensurados qualitativamente, atribuindo-se o valor Insuficiente, Parcialmente Suficiente ou Suficiente, conforme a proximidade para atingir o objetivo almejado em cada critério. Além disso, também foi considerada a frequência com que cada mensuração atribuída se fez presente nos materiais analisados. As avaliações buscaram mostrar o grau de suficiência do coletivo de professores, entendidos como coletivos, para atingir cada um dos critérios utilizados.

Os resultados da análise realizada indicam que no Estudo da Realidade com/dos alunos, foram envolvidos diversos segmentos constituintes da comunidade e utilizados instrumentos variados, sendo essa diversidade uma premissa do ER. No entanto, os resultados também apontam que foi atingido um valor caracterizado como Parcialmente Suficiente, no que se refere à participação efetiva dos alunos na geração de dados, assim como no grau de interferência dos professores na fala dos alunos, de maneira que eles pudessem explicitar as suas visões de mundo. Os resultados demonstram ainda que os professores não conseguiram pleno êxito em aprofundar as falas dos alunos em relação a questões socioculturais sobre a coletividade da qual faziam parte.

Tendo em vista que a identificação do tema gerador e de todas as outras etapas da organização metodológica do processo de ensino, na perspectiva dialógico-problematizadora, dependem da qualidade dos dados, o que os professores indicaram como maior dificuldade foi a vinculação dos conteúdos às falas, como será analisado mais adiante.

2.3 Análise do processo de seleção das falas coletadas na pesquisa inicial, da indicação dos temas e contratemas

A análise dos resultados desse grupo buscou evidenciar se os professores conseguiam “identificar os limites explicativos dos alunos, em relação às situações contraditórias evidenciadas nos dados coletados no estudo da realidade local”.

Isso está de acordo com a segunda fase do processo metodológico de Freire (2005)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. . Para realizá-la, os professores selecionam Falas Significativas (FS), as quais possibilitam, também, “Explicitar contradições que, em princípio, podem estar ocultas para a maioria da comunidade” ( SILVA, 2007SILVA, A. F. G. A busca do tema gerador na práxis da educação popular. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007. , p. 14).

As FS podem ser entendidas, ainda, como “as falas dos diferentes segmentos escolares que trazem a denúncia de algum conflito ou contradição vivenciados pela comunidade local, e que expressam uma determinada concepção, uma representação do real” ( SILVA, 2004SILVA, A. F. G. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas significativas às práticas contextualizadas. 2004. 493f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004. , p. 56).

Os professores também deviam indicar os Temas Geradores (TG) e ainda, propor os contratemas (CT), entendidos como “um antitema, [...] o reverso do tema gerador selecionado” ( SILVA, 2004SILVA, A. F. G. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas significativas às práticas contextualizadas. 2004. 493f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004. , p. 228). Então o CT é “uma síntese da visão de mundo dos educadores-educandos, para dialogar com a visão de mundo dos educandos-educadores que o tema gerador expressa [...] uma contradição revelada pelo seu contratema correspondente” (p. 230).

A partir dos parâmetros descritos por Silva (2007)SILVA, A. F. G. A busca do tema gerador na práxis da educação popular. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007. , uma nova lista de critérios foi relacionada no Quadro 3 , que são confrontados com as categorias emersas dos resultados da ATD, aplicada às falas e materiais produzidos pelos professores participantes do Curso. Como as FS, o TG e o CT estão intrinsecamente relacionados, esses elementos estão dispostos no mesmo quadro.

Quadro 3
Critérios para análise das falas significativas, tema gerador e contratema.

Cabe salientar que a qualidade dos dados coletados no ER interfere na seleção de FS e na indicação do TG e Contratema. Na realização da análise a partir dos critérios: contradição social, limite explicativo na visão da comunidade e descrições da realidade local, conforme os critérios analisados no Quadro 3 , pode-se dizer que esse processo de seleção de FS não é trivial e depende dos referenciais que direcionam o olhar do sujeito que promove a seleção.

Neste estudo, a dificuldade dos cursistas foi verificada na identificação de contradições sociais e no reconhecimento da visão de senso comum, presentes nas falas. É possível perceber, ainda, que na formulação dos contratemas os professores também não estabeleceram com facilidade uma síntese da visão deles sobre o mundo em análise, nem tampouco do seu próprio mundo, muitas vezes distinto ao dos estudantes.

Tal dificuldade na seleção de falas, indicação de temas e de contratemas está internamente relacionada ao diálogo, que precisa ser estabelecido na educação, sendo este entendido como algo que

fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade humana; ele é relacional e nele, ninguém tem iniciativa absoluta. Os dialogantes “admiram” um mesmo mundo; afastam-se dele e com ele coincidem; nele põem-se e opõem-se ( FIORI, 2005FIORI, E. M. Aprender a dizer a sua palavra. In: FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, p. 7–22. , p. 16).

Portanto, se o professor não consegue identificar plenamente a visão que possui das contradições sociais do mundo, pode-se dizer que somente a dialogicidade – principal aspecto desenvolvido até aqui – não promove o movimento de transitivação histórica pretendido na formação do docente na perspectiva freireana.

Em uma leitura baseada na epistemologia de Fleck (2010)FLECK, L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010. , pode-se dizer que a dialogicidade por si só não parece causar um estranhamento, em relação à prática pedagógica prevalente entre os professores de Ensino de Ciências-QFB. Do mesmo modo que a seleção de Falas Significativas, a indicação de Temas e de Contratemas evidencia as contradições sociais e os limites explicativos, esse processo não deixa suficientemente clara a relação que os professores podem estabelecer com a sua prática pedagógica, quer seja mais convencional ou mais exemplificadora.

A práxis docente, articulada às características pedagógicas, que representam estilo(s) de pensamento presentes no grupo, é muito distinta dos princípios dialógicos que possibilitam evidenciar as explicações de senso comum, dadas as contradições sociais vividas por alunos e professores. Tal situação pode ocorrer pela “incomensurabilidade” que se dá pela existência de

matizes de estilo de pensamento que configuram distanciamentos (ou aproximações) entre os modos de ver estilizados. Estes tons permitem retraduções do fato científico por determinado coletivo dentro de seu estilo ou os tornam incomensuráveis. Parece que a retradução já implica, de certa forma, reconhecimento da existência da incomensurabilidade ( DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. , p. 59).

Por isso, é provável que os professores não consigam identificar a aplicação das ações de caráter dialógico – desde o Estudo da Realidade até a identificação de temas e contratemas – no Ensino de Ciências-QFB, não promovendo, assim, “complicações” fleckianas naqueles EP mais comuns identificados nos professores – o convencional e o exemplificador.

2.4 Análise do processo de formulação das problematizações e indicação de conteúdos relacionados

A análise dos resultados de como os professores elaboraram as problematizações, a partir das falas contextualizadas nas diferentes dimensões do real e dos conteúdos vinculados, utiliza os materiais produzidos com estudos que eles precisam fazer para propor, a partir de uma fala significativa selecionada, problematizações em três níveis.

O nível “Local-1” problematiza a esfera de abrangência cotidiana dos sujeitos envolvidos no ER. Com isso, busca-se um caminho para promover o aflorar das compreensões e dos limites extraídos da situação em análise.

O nível “Micro/Macro” busca identificar as possíveis relações entre situações de caráter macro ou globais, e sua interferência com os problemas locais. Elas representam a transição e a relação entre as contradições sociais locais, sendo estas, muitas vezes, uma consequência de ações e interesses mais amplos, indicando as possíveis tensões entre os níveis Micro/Macro.

Por fim, retorna-se ao nível “Local-2” , que visa a buscar propostas de solução para as problemáticas analisadas no primeiro movimento e relacionadas às questões macroglobais. Ou seja, esse nível tem como intenção questionar novamente a contradição evidenciada na fala, para que surjam propostas, por parte dos alunos, para o enfrentamento das contradições. Assume, ainda, um propósito avaliativo, podendo revelar em que medida as explicações de senso comum iniciais dadas ao problema central, presente na contradição social, foram superadas.

Após esses três níveis de problematização, são indicados os conteúdos científico-escolares amplos e também os específicos a serem desenvolvidos, de maneira que os conhecimentos fundamentem os estudantes para que possam confrontar as questões formuladas nos três níveis.

Esse movimento corresponde ao que Freire (2005)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. denominou de “redução temática” e, para a análise do que foi desenvolvido, foram tomados como parâmetros os critérios sistematizados em Silva (2004)SILVA, A. F. G. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas significativas às práticas contextualizadas. 2004. 493f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004. e a compreensão do que se entende por problematizar ( DELIZOICOV, 2005DELIZOICOV, D. Problemas e problematizações. In: PIETROCOLA, M. (Org.). Ensino de Física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa concepção integradora. 2. ed. rev. Florianópolis: Ed. UFSC, 2005. p. 125–150. ).

A partir disso, o Quadro 4 reúne os critérios utilizados quanto às problematizações quanto aos conteúdos indicados pelos professores.

Quadro 4
Critérios utilizados para análise das problematizações e indicação de conteúdos.

Os resultados da análise, a partir do Quadro 4 , foram confrontados com as falas e materiais produzidos pelos professores participantes do curso, e trouxeram à tona a inter-relação das diferentes etapas da organização do processo pedagógico na perspectiva freireana. Como as problematizações estão ligadas ao tema gerador e este, por sua vez, espelha a fala significativa selecionada, elas carregam os possíveis equívocos cometidos nas etapas anteriores.

Isso reforça a compreensão de que o ER, realizado no início da dinâmica freireana, pode ser considerado como determinante para o desenvolvimento de todo o processo pedagógico. E, como a dialogicidade é o elemento central dessa etapa, pode-se admitir que ela seja o fator limitante daquele momento. Isso porque, tendo em vista o entendimento de diálogo como o enunciado por Freire (2005)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. e por outros pesquisadores que compartilham desse entendimento, quanto mais distante dessa compreensão estiver o professor de Ciências-QFB, na relação com seus interlocutores na geração de dados, menor qualidade terão as falas pronunciadas, interferindo no restante do processo.

2.5 Análise das atividades/aulas desenvolvidas pelos professores

Esse último grupamento refere-se às atividades/aulas que são elaboradas durante a formação docente e correspondem a uma quinta etapa ( DELIZOICOV, 1991DELIZOICOV, D. Conhecimento, tensões e transições. 1991. 213 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991. ; FREIRE, 2005FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. ): são os planos de ensino e de aulas, a serem desenvolvidos nas escolas de atuação de cada professor. Para a análise, foram utilizadas as atividades/aulas propriamente ditas e as apresentações feitas pelos professores nos encontros presenciais da formação, no movimento de análise permanente da prá xis docente.

Os critérios, organizados no Quadro 5 , tomaram como referência os critérios sistematizados em Silva (2004)SILVA, A. F. G. A construção do currículo na perspectiva popular crítica: das falas significativas às práticas contextualizadas. 2004. 493f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2004. e os três momentos pedagógicos ( DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2002DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. ), posteriormente analisados por Muenchen (2010)MUENCHEN, C. A disseminação dos três momentos pedagógicos: um estudo sobre práticas docentes na região de Santa Maria/RS. 2010. 273 f. Tese (Doutorado em Educação Científica e Tecnológica) - Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. .

Quadro 5
Critérios para análise do uso dos três Momentos Pedagógicos.

A análise dos resultados a partir do Quadro 5 deve ser confrontada com as atividades/aulas que cada professor desenvolve e as falas realizadas nas apresentações nos encontros presenciais da formação.

Conhecidos os dados empíricos coletados, pode-se verificar que todas as atividades realizadas com os alunos partem de uma PI vinculada a uma codificação, as quais variaram desde perguntas apresentadas aos alunos até imagens do contexto local.

Também identifica-se que as problematizações mantêm relação direta com os temas geradores. Então, mesmo com os limites que elas possam apresentar em sua elaboração pelos professores, esse é um fator que contribui para que as atividades/aulas tenham como característica a discussão de questões socioculturais.

Nem sempre a Problematização Inicial elaborada pelos professores traz consigo uma contradição, sendo essa uma consequência viciosa, que se origina no ER e na indicação das Falas Significativas. Portanto, esse é um critério avaliativo que pode ser considerado insuficiente, como também o são os critérios que buscam evidenciar se, na PI, constante na atividade/aula elaborada, há elementos que possibilitem evidenciar as concepções de senso comum dos alunos e os limites explicativos deles para os fenômenos que os rodeiam.

3 Considerações finais

A avaliação de processos e cursos para a formação permanente docente, na perspectiva freireana, busca nortear o trabalho dos formadores de professores que usem como princípio as etapas indicadas por Freire (2005)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. e aprimoradas por pesquisadores em Ensino de Ciências que são referência nesse mesmo viés pedagógico. O ponto central da formação docente freireana, está no propósito investigativo-dialógico com o qual o trabalho docente precisa ser desenvolvido, pois essa é uma característica fundamental da educação crítico-libertadora.

Como defende Freire (2005)FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005. , o diálogo, que permeia toda a concepção da educação libertadora é um dos seus elementos-chave, uma vez que o seu antagônico é a educação bancária. Ou seja, o diálogo precisa estar presente em todos os momentos do processo educativo, desde o Estudo da Realidade até o “trabalho em sala de aula”, tendo em vista que esse movimento possibilita a “transitividade histórica”, vinculada à mudança de estilo de pensamento.

Essa “transitividade histórica” pode levar à ruptura com a concepção conteudista descontextualizada, predominante tanto na formação inicial, quanto nos cursos de Formação Continuada que desta concepção se orientam e se estruturam.

Por isso, se alguns critérios aqui delineados não atingem plena suficiência no processo formativo docente, isso indica a necessidade de se estabelecer a retomada dos elementos estruturantes da formação e da prática docente na perspectiva freireana, como por exemplo, a relação de coerência do tema gerador proposto com os conteúdos científico-escolares a serem desenvolvidos na escola.

Se o processo formativo for bem sucedido, as atividades/aulas organizadas nessa perspectiva devem propiciar, em um primeiro momento, o afloramento das explicações de senso comum e os limites dessas sobre os fenômenos didaticamente apresentados. Contiguamente, os conhecimentos escolares devem fornecer elementos de caráter científicos para a melhor compreensão de tais fenômenos. E, por fim, identificam-se elementos que demonstrem se aquela forma de entender o mundo tende a ser superada por meio do momento “Aplicação do Conhecimento”, em situações diversas.

Toda essa digressão problematizadora sobre o processo formativo permanente docente, na perspectiva freireana, resulta na assertiva de que as próprias categorias avaliativas aqui apresentadas assumem um caráter dialógico – como premissa da formação na concepção aqui delineada –, em que o formador e os participantes analisam constantemente as ações desenvolvidas. Com isso, são capazes de (re)orientá-las, analisando criticamente a própria prática, em todos os níveis e em todas as etapas do processo, num sistema que se retroalimenta enquanto curso formativo e também o desenvolvimento de uma compreensão geral e crítica da educação.

Sendo assim, a discussão exposta neste artigo sobre critérios a serem utilizados como percurso analítico das ações formativas docentes organizadas na perspectiva dialógico-problematizadora freireana, instrumentaliza e traz uma direção para os que atuam na formação docente. Isso possibilita uma melhor avaliação pari passu dos resultados pretendidos em todas as etapas da formação permanente.

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  • 1
    Trata-se de uma pesquisa concluída em 2016, resultante de estudos desenvolvidos como base de uma pesquisa de doutoramento sendo essa financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica de Santa Catarina (Fapesc). O desenvolvimento empírico foi novamente utilizado em outro contexto e com outro grupo de participantes, gerando dados complementares aos inicialmente coletados e analisados. Essa segunda fase da pesquisa promovida pelos autores por meio dos seus grupos de pesquisa articulados, sendo liderados pelo Grupo de Pesquisa em Educação Química, Ciências e Tecnologia (GPECT), não contou com financiamento.
  • 2
    Para responder à essa questão, foram apresentados dois exemplares de aulas aos professores em formação. Ver exemplos constantes em Lambach (2013)LAMBACH, M. Formação permanente de professores de química da EJA na perspectiva dialógico-problematizadora freireana. 2013. 401 f. Tese (Doutorado em Educação Científica e Tecnológica) – Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. - Apêndices A, B e C.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Maio 2018
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    01 Ago 2016
  • Aceito
    28 Set 2017
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