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A questão do protagonismo juvenil no Ensino Médio brasileiro: uma crítica curricular

The issue of protagonism of young people in Brazilian High School: a criticism to the curriculum

El cuestión del protagonismo juvenil en la Educación Secundaria brasileña: una crítica curricular

Resumo

Atualmente, assistimos a uma retomada conceitual da noção de protagonismo juvenil no Brasil. Distanciando-se das possibilidades de transformação social, que caracterizavam suas origens no século XX, o protagonismo, agora esboçado, se situa na valorização da capacidade de escolha dos estudantes e da consequente responsabilização juvenil. Com a publicação de um currículo nacional, tornou-se possível dimensionar melhor a questão do conhecimento escolar e os modos pelos quais o protagonismo juvenil se inscreve como um princípio curricular. Esse artigo deriva-se de uma análise documental dos textos curriculares publicados recentemente no Brasil e tomou, como ferramenta conceitual, a noção de epistemologia social. A hipótese desenvolvida refere-se à emergência de um “imperativo da autenticidade”, que posiciona os estudantes como eternos colecionadores de experiências originais em um contexto cada vez mais padronizador e pouco afeito a diferenças e a singularidades.

Protagonismo Juvenil; Políticas Curriculares; Conhecimento Escolar; Ensino Médio; Brasil

Abstract

Presently, we have seen a conceptual recovery of the notion of protagonism of young people in Brazil. Moving away from the possibilities of social transformation that used to characterize its origins in the 20th century, protagonism is now grounded on both the valorization of students’ ability to make choices and their resulting accountability. With the publication of a national curriculum, it is possible to understand better the issue of school knowledge and the ways through which the protagonism of young people has become a curriculum principle. This article is derived from a documentary analysis of curriculum texts recently published in Brazil and took as a conceptual tool the notion of social epistemology. The hypothesis here is related to the emergence of an “imperative of authenticity” that regards students as eternal collectors of original experiences in an increasingly standardizing context that is little inclined towards differences and singularities.

Protagonism of Young People; Curriculum Policies; School Knowledge; High School; Brazil

Resumen

Actualmente, asistimos a un renacimiento conceptual de la noción de protagonismo juvenil en Brasil. Alejándose de las posibilidades de transformación social, que caracterizaron sus orígenes en el siglo XX, el protagonismo, ahora esbozado, se sitúa en la valorización de la capacidad de elección de los estudiantes y la consecuente responsabilidad juvenil. Con la publicación de un currículo nacional, se hizo posible evaluar mejor el tema del saber escolar y las formas en que se inscribe el protagonismo juvenil como principio curricular. Este artículo deriva de un análisis documental de textos curriculares publicados recientemente en Brasil y tomó como herramienta conceptual la noción de epistemología social. La hipótesis desarrollada hace referencia al surgimiento de un “imperativo de autenticidad”, que posiciona a los estudiantes como eternos coleccionistas de experiencias originales en un contexto cada vez más estandarizado y poco habituado a las diferencias y singularidades.

Protagonismo Juvenil; Políticas Curriculares; Conocimiento Escolar; Escuela Secundaria; Brasil

1 Introdução

Muitos jovens pedem estranhamente para serem “motivados”, e solicitam novos estágios e formação permanente; cabe a eles descobrir a que estão sendo levados a servir, assim como seus antecessores descobriram, não sem dor, a finalidade das disciplinas. Os anéis de uma serpente são mais complicados que os buracos de uma toupeira ( DELEUZE, 1992DELEUZE, G. Post-Scriptum sobre as sociedades de controle. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. p. 219-226. , p. 226).

Em estudos recentes, ao descrever e ao analisar as relações entre currículo e conhecimento escolar engendradas no contexto das atuais políticas educacionais para o Ensino Médio, Silva (2014)SILVA, R. R. D. Políticas de constituição do conhecimento escolar para o Ensino Médio no Rio Grande do Sul: uma analítica de currículo. Educação em Revista, v. 30, n. 1, p.127-156, mar. 2014. https://doi.org/10.1590/S0102-46982014000100006
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constatou a emergência de determinados “dispositivos de customização curricular” (p. 47). Tais dispositivos, de acordo com aqueles resultados, potencializavam a definição do percurso formativo pelos próprios estudantes, tornando-o flexível, personalizável e criativo. A mobilização das políticas curriculares, por meio da consolidação das estratégias desse dispositivo, favoreceria “uma intensa flexibilização dos processos formativos, permitindo que os estudantes possam escolher os aspectos concernentes à sua formação escolar” ( SILVA, 2014SILVA, R. R. D. Políticas de constituição do conhecimento escolar para o Ensino Médio no Rio Grande do Sul: uma analítica de currículo. Educação em Revista, v. 30, n. 1, p.127-156, mar. 2014. https://doi.org/10.1590/S0102-46982014000100006
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, p. 147). Sob as condições do capitalismo contemporâneo, cada vez mais de caráter cognitivo e emocional, emerge um conjunto de racionalidades governamentais que regulam e orientam as pautas curriculares mediante a articulação entre individualização e responsabilização.

Em decorrência do estudo anteriormente mencionado, ao longo do presente artigo, buscaremos examinar a questão do conhecimento escolar nas recentes políticas curriculares para o Ensino Médio, tomando como exemplar analítico a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em sua versão destinada a essa etapa da Educação Básica. Reconhecemos a pertinência e a atualidade de realizar investigações de escopo mais ampliado sobre a produção desse documento e seus desdobramentos no âmbito da ação escolar, nos diferentes sistemas de ensino – especialmente na definição do que conta como conhecimento escolar. Não abdicamos da tarefa de construir uma leitura crítica, de caráter pluralista, das relações entre a BNCC e a reforma do Ensino Médio, materializada na Lei nº 13.415/2017 ( BRASIL, 2017BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 fev. 2017. ). Todavia, precisamos esclarecer que não realizaremos uma leitura abrangente, nem mesmo um ataque frontal aos princípios estruturantes dessa reforma, mas escolhemos examinar mais detalhadamente um aspecto que, inclusive, parece carregar certo consenso em torno de sua pertinência e de sua atualidade, qual seja: o protagonismo juvenil.

De acordo com Souza (2008)SOUZA, R. O discurso do protagonismo juvenil. São Paulo: Paulus, 2008. , nas últimas décadas, “o discurso atual prescreve à juventude uma ‘nova forma’ de política, que ocorre mediante a atividade individual/atuação individual e que contribui para a integração dos jovens” (p. 10). As formas de participação juvenil, sob essa perspectiva, foram adquirindo tonalidades cada vez mais individualizantes, em que a lógica do voluntariado era uma das principais formulações. Buscava-se, por meio desse discurso, atribuir ênfase ao fazer individual, até mesmo anulando o próprio território da política.

O protagonismo juvenil, então, deslocava-se das conhecidas possibilidades de transformação social, por meio de organizações coletivas, para um ativismo privado, capaz de atuar em problemas locais. Valendo-nos dos insights derivados das investigações de Souza, parece-nos que, atualmente, os discursos sobre o protagonismo juvenil se direcionam para a potencialização da capacidade de escolha dos jovens ( SILVA, 2019SILVA, R. A individualização dos percursos formativos como princípio organizador das políticas curriculares para o Ensino Médio no Brasil. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 27, p. 426-447, abr./jun. 2019. https://doi.org/10.1590/S0104-40362018002601254
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) e para a valorização de suas potencialidades subjetivas emergentes da predominância do “imperativo da autenticidade” ( HAN, 2017HAN, B. La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder, 2017. ). Da maneira como se evidencia na BNCC, o protagonismo juvenil pode ser diagnosticado como vetor de um processo de “customização curricular” ( SILVA, 2017SILVA, R. Emocionalização, algoritmização e personalização dos itinerários formativos: como operam os dispositivos de customização curricular? Currículo sem Fronteiras, Lisboa, v. 17, n.3, p. 699-717, dez. 2017. ) que, com maior ou menor intensidade, delega aos jovens a responsabilidade pelo seu processo formativo, reposicionando os processos de seleção dos conhecimentos escolares.

No que tange aos conhecimentos escolares, foco desse estudo, precisamos sinalizar a emergência de novos critérios para sua seleção e uma redefinição (política e epistemológica) de seus propósitos formativos. A articulação entre protagonismo juvenil, projeto de vida e Educação integral, disposta na BNCC, é organizada em torno da combinação entre competências cognitivas e socioemocionais. A ênfase nas emoções, o advento da cultura digital e a preocupação com o desempenho em avaliações de larga escala entrecruzam-se com as interpelações pela formação de um jovem criativo, inovador e autoempreendedor, capaz de responsabilizar-se pela emergência de um novo tempo, rico de oportunidades e pleno de disposições subjetivas que o conduzam ao sucesso ( BRÖCKLING, 2015BRÖCKLING, U. El self emprendedor: sociología de una forma de subjetivación. Santiago: Ediciones Universidad Alberto Hurtado, 2015. ; ILLOUZ, 2007ILLOUZ, E. Intimidades congeladas: las emociones en el capitalismo. Buenos Aires: Herder, 2007. ).

Em tais condições investigativas, intensificadas pela consolidação das racionalidades governamentais alinhadas ao neoliberalismo, nesse texto pretendemos levar adiante a seguinte formulação interrogativa: que racionalidades políticas operam na seleção dos conhecimentos escolares para o Ensino Médio, a partir da centralidade do protagonismo juvenil como um imperativo curricular? Reconhecemos que a composição de um campo de problematizações em torno dessa questão, a dimensionando na interface entre os Estudos Curriculares, a teoria social contemporânea e os estudos foucaultianos sobre a biopolítica, nos permite compreender determinadas nuances das relações entre currículo e conhecimento escolar no interior das políticas implementadas atualmente. A recente reformulação dessa etapa da Educação Básica, materializada na Lei nº 13.415/2017 ( BRASIL, 2017BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 fev. 2017. ) e na última versão da BNCC/Ensino Médio ( BRASIL, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018. ), intensifica a abertura para uma diversificação dos arranjos curriculares a serem desenvolvidos na escolarização juvenil.

Do ponto de vista metodológico, ao procurarmos compreender como operam determinadas racionalidades políticas, assumiremos como ponto de partida a noção de “epistemologia social”, derivada dos estudos de Popkewitz (2001POPKEWITZ, T. Lutando em defesa da alma: a política do ensino e a construção do professor. Porto Alegre: Artmed, 2001. ; 2014POPKEWITZ, T. Social epistemology, the reason of ‘reason’ and the curriculum studies. Archivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 22, n. 2, p. 1-17, Apr. 2014. https://doi.org/10.14507/epaa.v22n22.2014
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). Essa opção permite-nos posicionar o currículo como “um espaço discursivo no qual os sujeitos do ensino (o professor e a criança) são diferencialmente construídos como indivíduos para se autorregularem, autodisciplinarem e refletirem sobre si mesmos como membros de uma comunidade/sociedade” ( Popkewitz, 2001POPKEWITZ, T. Lutando em defesa da alma: a política do ensino e a construção do professor. Porto Alegre: Artmed, 2001. , p. 38). Implica, ainda, a possibilidade de problematizar a autoridade cultural dos currículos contemporâneos ( DUSSEL, 2014DUSSEL, I. Es el curriculum relevante en la cultura digital? Debates y desafíos sobre La autoridad cultural contemporánea. Archivos Analíticos de Políticas Educativas, Tempe, v. 22, n. 24, p. 1-22, 2014. ), a construção de determinados dispositivos pedagógicos com foco na pobreza urbana ( GRINBERG, 2015GRINBERG, S. Dispositivos pedagógicos, gubernamentalidad y pobreza urbana en tempos gerenciales: un estudio en la cotidianeidad de las escuelas. Propuesta Educativa, Buenos Aires, v. 43, n. 24, p. 123-130, 2015. ) e a necessária recuperação dos sentidos do educativo ( MARRERO, 2012MARRERO, A. La otra “jaula de hierro”: del fatalismo de la exclusión escolar a la recuperación del sentido de lo educativo: una mirada desde la sociología. Sociologías, Porto Alegre, v. 14, n. 29, p. 128-150, abr. 2012. https://doi.org/10.1590/S1517-45222012000100006
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).

Nesse cenário, conseguimos estabelecer uma interlocução com o pensamento político de Deleuze (1992)DELEUZE, G. Post-Scriptum sobre as sociedades de controle. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. p. 219-226. , que escolhemos como epígrafe para esse artigo, uma vez que, nas sociedades contemporâneas, os modos pelos quais constituímos nossas subjetividades são diferentes daqueles experienciados no capitalismo industrial. À medida em que a empresa substituiu a fábrica, nos deparamos com outros arranjos subjetivos, modulados de forma dispersiva e mobilizadores de nossos próprios desejos ( LAVAL, 2012LAVAL, C. Pensar el neoliberalismo. In: AGAMBEN, G. et. al. (orgs.). Pensar desde la izquierda: mapa del pensamiento crítico para un tiempo en crises. Madrid: Errata Naturae, 2012. p. 11-24. ). Apesar de bastante sedutor, o imperativo de delegar aos jovens a responsabilidade pela sua própria formação merece nossa atenção investigativa e desafia-nos a promover novas ferramentas conceituais para esse tempo. Assim sendo, nesse momento, apresentamos um conjunto de elaborações teóricas com vistas a ampliar o escopo analítico de nossas investigações e promover novas ferramentas conceituais para pensar sobre as políticas curriculares. Na busca por delinear os complicados anéis dessa serpente, organizamos o presente estudo em três seções, as quais passamos a apresentar.

2 Formação humana, políticas curriculares e conhecimento escolar

A reforma do Ensino Médio brasileiro, materializada na Lei nº 13.415/2017 ( BRASIL, 2017BRASIL. Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 fev. 2017. ), trouxe um conjunto significativo de mudanças na estrutura dessa etapa da Educação Básica. Tais mudanças, em sua maioria, são levadas adiante na última versão da BNCC e, frequentemente, têm sido objeto de debates, de críticas e de problematizações de variadas associações científicas, sindicatos, sistemas de Ensino, instituições escolares e coletivos de estudantes 1 1 Merecem destaque posicionamentos institucionais como aqueles mobilizados pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e por um conjunto expressivo de sistemas de ensino públicos e privados. . Dentre as diversas possibilidades de reflexão crítica sobre essa política curricular, escolhemos para esse momento construir algumas interrogações acerca da noção de protagonismo juvenil, um de seus princípios basilares.

A BNCC do Ensino Médio assenta-se em um ponto de partida de caráter antropológico, qual seja: o reconhecimento de uma noção ampliada e plural de juventude ( BRASIL, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018. ). O reconhecimento dos jovens como interlocutores legítimos e a promoção de arranjos curriculares que favoreçam a construção de projetos de vida são focos privilegiados pela referida política. Para tanto, a proposta curricular está centrada na organização por itinerários formativos, derivados das áreas do conhecimento, a serem escolhidos individualmente pelos estudantes. Associam-se a esse arranjo curricular os dois pressupostos teóricos que alicerçam a BNCC: o desenvolvimento de competências e o foco na Educação integral.

De acordo com o documento, “essa nova estrutura valoriza o protagonismo juvenil, uma vez que prevê a oferta de variados itinerários formativos para atender à multiplicidade de interesses dos estudantes: o aprofundamento acadêmico e a formação técnica profissional” ( BRASIL, 2018BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018. , p. 467). Ao apostar na capacidade de escolha dos estudantes, o documento também sugere que ampliará o potencial de diálogo com as juventudes e com os contextos locais. Acrescenta-se, ainda, que a organização do currículo por áreas do conhecimento e a exclusiva obrigatoriedade da Língua Portuguesa e da Matemática, sob a argumentação do texto que estrutura essa política, foram delineadas com a intencionalidade de favorecer o engendramento de um processo de flexibilização curricular.

Em uma leitura superficial, poderíamos ficar relativamente satisfeitos com a BNCC, já que toma como ponto de partida bandeiras históricas das lutas dos movimentos juvenis, tais como: “juventude como um conceito plural”, “protagonismo juvenil” e “projetos de vida” 2 2 Em uma breve incursão pelos estudos sobre a juventude no Brasil, adquirem relevância estudos como aqueles desenvolvidos por Novaes (2019) e por Sposito (2013) . . Entretanto, tais aspectos são justapostos à flexibilidade como um princípio obrigatório e a arranjos curriculares centrados na capacidade de escolha dos estudantes. Na esteira dos debates sobre o protagonismo juvenil, dessa forma, três aspectos têm merecido ser colocados sob problematização, junto às recentes produções científicas brasileiras em torno da atual versão da BNCC.

O primeiro aspecto que valeria a pena ser discutido se refere às finalidades públicas do conhecimento e suas ressonâncias para a formação integral ( GABRIEL, 2018GABRIEL, C. Reforma do ensino médio: desafios ou ameaças para a construção de uma escola pública democrática. In: FERREIRA, M.; PAIM, J. (orgs.). Os desafios do ensino médio. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018. p. 171-186. ; SILVA, 2018SILVA, M. A BNCC da reforma do ensino médio: o resgate de um empoeirado discurso. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 34, e214130, 2018. https://doi.org/10.1590/0102-4698214130
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). Parece ser desejável repensar as escolas de Ensino Médio, ajustando-as às novas demandas, diversificando a oferta e ampliando o repertório formativo das juventudes. Assim, seria conveniente interrogar: os itinerários formativos favorecem a composição de currículos relevantes, criativos e inovadores? O segundo ponto que recebe significativa discussão se refere ao próprio conceito de protagonismo juvenil ( FERRETTI, 2018FERRETTI, C. A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da educação. Estudos Avançados, São Paulo, v. 32, n. 93, p. 25-42, maio-ago. 2018. https://doi.org/10.5935/0103-4014.20180028
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; SILVA; 2017SILVA, R. Emocionalização, algoritmização e personalização dos itinerários formativos: como operam os dispositivos de customização curricular? Currículo sem Fronteiras, Lisboa, v. 17, n.3, p. 699-717, dez. 2017. ; 2018SILVA, M. A BNCC da reforma do ensino médio: o resgate de um empoeirado discurso. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 34, e214130, 2018. https://doi.org/10.1590/0102-4698214130
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). Atribuir centralidade aos interesses e às possibilidades dos jovens é um imperativo curricular importante; todavia, não podemos confundir protagonismo com responsabilização individual. A capacidade de escolha dos estudantes não é natural, mas precisa ser pedagogicamente construída e referenciada em um quadro valorativo comum. Por fim, o terceiro ponto que as pesquisas brasileiras têm colocado sob problematização, para as escolas de Ensino Médio e seus currículos, se refere aos riscos de um processo de empobrecimento da formação juvenil ( MOLL, 2017MOLL, J. Reformar para retardar: a lógica da mudança no EM. Retratos da Escola, Brasília, DF, v. 11, n. 20, p. 61-74, jan./jun. 2017. https://doi.org/10.22420/rde.v11i20.771
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; MOTTA; FRIGOTTO, 2017MOTTA, V.; FRIGOTTO, G. Por que a urgência da reforma do ensino médio? Medida Provisória nº 746/2016 (Lei nº 13.415/2017). Educação e Sociedade, Campinas, v. 38, n. 139, p. 355-372, abr./ju. 2017. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302017176606
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).

Para irmos adiante nas reflexões aqui propostas, precisamos interrogar: o que justifica os recentes investimentos nas subjetividades dos jovens brasileiros? Que ferramentas conceituais precisam ser fabricadas para a compreensão do cenário no qual a BNCC surge como um importante exemplar? Como o protagonismo juvenil é colocado em ação como uma importante categoria que se referencia às políticas curriculares? Quais as condições de possibilidade para a emergência do protagonismo como uma dimensão curricular que merece o investimento das políticas nacionais? Que critérios e procedimentos são mobilizados para o processo de seleção dos conhecimentos escolares?

Quando nos propomos a analisar as articulações entre Educação, formação e conhecimento, avançando nesse exercício de problematização, ingressamos em uma das questões mais emblemáticas do pensamento curricular ( MOREIRA, 2021MOREIRA, A. Formação de professores e currículo: questões em debate. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 29, n. 110, p. 35-50, jan./mar. 2021. https://doi.org/10.1590/S0104-40362020002802992
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; MOREIRA; SILVA JUNIOR., 2017MOREIRA, A.; SILVA JUNIOR, P. Conhecimento escolar nos currículos das redes públicas: reflexões e apostas. Currículo sem Fronteiras, Lisboa, v. 17, n. 3, p. 489-500, 2017. ; PACHECO, 2016PACHECO, J. Para a noção de transformação curricular. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 46, n. 159, p. 64-77, jan./mar. 2016. https://doi.org/10.1590/198053143510
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; YOUNG, 2016YOUNG, M. Por que o conhecimento é importante para as escolas do século XXI?. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 46, n. 159, p. 18-37, jan./mar. 2016. https://doi.org/10.1590/198053143533
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). Reconhecemos, junto a Pacheco (2014)PACHECO, J. Educação, formação e conhecimento. Porto: Porto, 2014. , que a valorização do conhecimento não se constitui em uma novidade do nosso século – “a sociedade do conhecimento”; trata-se de uma intensificação das construções pedagógicas erigidas na própria Modernidade ( DUSSEL; CARUSO, 2003DUSSEL, I.; CARUSO, M. A invenção da sala de aula: uma genealogia das formas de ensinar. São Paulo: Moderna, 2003. ). Afastando-nos de uma perspectiva estritamente filosófica, importa ponderar que a constituição da escola “é a história desta operação em torno do conhecimento” ( PACHECO, 2014PACHECO, J. Educação, formação e conhecimento. Porto: Porto, 2014. , p. 7). Será nessa instituição que os processos de conhecimento serão reposicionados.

Diante dessa condição, poderíamos justificar a pertinência e a atualidade do exame crítico das políticas que definem o que conta como conhecimento na escola.

Porque a escola define, cada vez mais, os percursos de formação que são trilhados, a questão do conhecimento é central para a discussão de políticas sociais, econômicas, culturais e educativas, não sendo possível alguém alhear-se, por um lado, da importância que as organizações educativas assumem na complexa tarefa da produção e transmissão do conhecimento e, por outro lado, do lugar de destaque do currículo, entendido, no sentido lato, como um projeto de formação, que traduz a organização, seleção e transformação do conhecimento em função de um dado espaço, de um determinado tempo e de acordo com propósitos educacionais ( PACHECO, 2014PACHECO, J. Educação, formação e conhecimento. Porto: Porto, 2014. , p. 7).

Acerca desse projeto de formação, vale ressaltar que a definição do que conta como conhecimento na escola é sempre inscrita no campo da controvérsia ( SACRISTÁN, 2013SACRISTÁN, J. O que significa o currículo?. In: SACRISTÁN, J. (org.). Saberes e incertezas sobre o currículo. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 16-35. ), visto que a validade do conhecimento a ser ensinado deriva das condições históricas de seu tempo. Em outras palavras, o que conta como conhecimento escolar “é uma decisão que está em permanente debate, não sendo possível a existência de soluções meramente ‘científicas’ ou técnicas” ( PACHECO, 2014PACHECO, J. Educação, formação e conhecimento. Porto: Porto, 2014. , p. 8). Aprender mais ou estudar menos, por exemplo, são medidas difíceis de dimensionar na contingência dos fazeres escolares.

As possibilidades de Educação e de formação, pela via do conhecimento, configuram-se como incontornáveis campos de reflexão ( GABRIEL; CASTRO, 2013GABRIEL, C.; CASTRO, M. Conhecimento escolar: objeto incontornável da agenda política educacional contemporânea. Revista Educação em Questão, Natal, v. 45, n. 31, p. 82-110, jan./abr. 2013. https://doi.org/10.5238/2013v45n310082
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). Disso decorre a pertinência de manter o currículo sob permanente tensão e afastar-se de determinadas posturas que buscam retomar a “velha” ordem da escola. Junto a Pacheco, mais uma vez, podemos ponderar que o conhecimento ocupa uma posição central na organização da escola e de seus currículos 3 3 Estudos como os de Gabriel (2016) e de Galian e Stefenon (2018) realizam importantes sistematizações sobre o conhecimento escolar na atualidade. ; todavia, é importante reconhecer que esse é derivado de uma escolha, que precisa ser permanentemente revisitada. Supõe-se também que “a escola e a formação sejam perspectivadas como projetos que ultrapassam a mera instrução” (p. 9). Nosso interesse, sob tal inspiração, requer uma crítica política dos processos de seleção do conhecimento escolar, impulsionada por uma aposta no potencial formativo dessa instituição ( MOREIRA, 2021MOREIRA, A. Formação de professores e currículo: questões em debate. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 29, n. 110, p. 35-50, jan./mar. 2021. https://doi.org/10.1590/S0104-40362020002802992
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; MOREIRA; SILVA JUNIOR, 2017MOREIRA, A.; SILVA JUNIOR, P. Conhecimento escolar nos currículos das redes públicas: reflexões e apostas. Currículo sem Fronteiras, Lisboa, v. 17, n. 3, p. 489-500, 2017. ). A seguir, na próxima seção, sinalizaremos alguns traços conceituais que orientaram nossas reflexões sobre o contexto de implementação dessa política.

3 Repensar o conhecimento escolar: traços conceituais

Ao longo da presente seção, buscamos esboçar os traços conceituais que utilizamos para a construção de nossa perspectiva teórico-metodológica. Conforme sinalizamos anteriormente, para o exame das políticas curriculares contemporâneas, consideramos algumas perspectivas analíticas derivadas da interface entre os Estudos Curriculares e o campo da Sociologia da Educação. O delineamento dessa interface favoreceu a construção de uma leitura crítica, de caráter pluralista, das abordagens teóricas que constituem nossa problemática investigativa.

Buscamos na sociologia de Robert Castel o primeiro traço conceitual; especificamente, no pressuposto de que uma pesquisa precisa responder aos desafios e às demandas das “configurações problemáticas” de seu tempo ( CASTEL, 2006CASTEL, R. La sociología y la respuesta a la demanda social. In: LAHIRE, B. (org.). Para qué sirve la sociología? Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2006. p. 89-99. ). De acordo com o autor, tais configurações seriam “questões que se impõem à atenção, e não somente a atenção dos eruditos, porque perturbam a vida social, deslocam o funcionamento das instituições, ameaçando invalidar categorias inteiras de sujeitos sociais” ( CASTEL, 2006CASTEL, R. La sociología y la respuesta a la demanda social. In: LAHIRE, B. (org.). Para qué sirve la sociología? Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2006. p. 89-99. , p. 92-93). O trabalho de pesquisa (sociológico), sob essa perspectiva, consideraria a proposição de uma formulação ou resposta às demandas sociais.

Distanciando-se da possibilidade de uma pesquisa interventiva ou propositiva, Castel sugere que a noção de demanda social precisa ser entendida em um sentido ampliado, abarcando problematizações de diferentes questões que interpelam a sociedade de um determinado tempo. Isso implicaria um trabalho analítico rigoroso, ampliado e crítico, concebido como “o conjunto das tentativas para elucidar as diferentes configurações problemáticas, ou demandas sociais, que hoje coexistem em nossa sociedade” ( CASTEL, 2006CASTEL, R. La sociología y la respuesta a la demanda social. In: LAHIRE, B. (org.). Para qué sirve la sociología? Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2006. p. 89-99. , p. 97).

Associado a esse primeiro traço conceitual, acrescentamos outro, que diz respeito à necessidade de “questionar a realidade”. Conforme Boltanski (2017)BOLTANSKI, L. Questionando a realidade. Diálogo Global, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 8-10, mar. 2017. , de uma perspectiva metodológica, a noção de realidade “refere-se a uma ordem estabilizada, moldada por instituições” (p. 9), diferentemente do mundo, que é marcado pela imprevisibilidade e tende a colocar a realidade em questão. Sob essa perspectiva, vale enaltecer; questionar a realidade sugere a construção de “instrumentos de descrição com pontos de referência que nos permitam ter uma visão crítica sobre essa realidade” (p. 9). A necessidade de construção de novos instrumentos é compartilhada por Bauman (2010)BAUMAN, Z. Capitalismo parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. , ao reconhecer que “a sociologia é uma conversa em andamento, com troca de experiências humanas” (p. 77). A elaboração crítica seria construída por meio de um questionamento da realidade que favorecesse a fabricação de novas ferramentas analíticas.

O mundo não pode ser totalizado porque é incerto, variável e plural. Podemos assim descrever como os atores sociais são confrontados com formatos de realidade moldados pelas instituições, como eles os criticam, como eles discutem sobre eles, e trabalham para elaborar novos formatos. A crítica, em grande medida, ajuda a explicar esse gênero de experiências ( BOLTANSKI, 2017BOLTANSKI, L. Questionando a realidade. Diálogo Global, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 8-10, mar. 2017. , p. 9).

Além da inquietação com as “configurações problemáticas” de nosso tempo ( CASTEL, 2006CASTEL, R. La sociología y la respuesta a la demanda social. In: LAHIRE, B. (org.). Para qué sirve la sociología? Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2006. p. 89-99. ) e com a necessidade de questionamento permanente da realidade ( BOLTANSKI, 2017BOLTANSKI, L. Questionando a realidade. Diálogo Global, São Paulo, v. 7, n. 1, p. 8-10, mar. 2017. ), o terceiro traço conceitual que escolhemos para a escrita desse

estudo remete ao campo dos Estudos Curriculares e à necessidade de mapear as racionalidades políticas que orientam a organização e a seleção dos conhecimentos escolares. Com Popkewitz (2001)POPKEWITZ, T. Lutando em defesa da alma: a política do ensino e a construção do professor. Porto Alegre: Artmed, 2001. , aprendemos que os discursos pedagógicos e as práticas curriculares são historicamente construídos; nossa tarefa estaria em descrever os sistemas de raciocínio pedagógico que os perfazem. Em atitude inspirada na sociologia do conhecimento, o pesquisador estadunidense argumenta que “a ‘razão’ da escola é produzida em práticas sociais e históricas e retorna para o mundo como aquilo que fazemos para superar os problemas sociais com os quais estamos descrevendo” ( LIMA; GIL, 2016LIMA, A.; GIL, N. Sistemas de pensamento na educação e nas políticas de inclusão (e exclusão) escolar: entrevista com Thomas Popkewitz. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 42, n. 4, p. 1125-1151, out./dez. 2016. https://doi.org/10.1590/S1517-97022016420400201
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, p. 1127).

Essa descrição das racionalidades pedagógicas, ainda conforme o autor, envolveria uma atitude ambivalente, qual seja: de um lado, um compromisso intelectual e, de outro, a busca de um compromisso social e político com uma sociedade justa e igualitária. Isso implicaria uma crítica curricular visando a “tornar aparentes os limites do presente e suas ortodoxias [enquanto] um dos modos pelos quais o trabalho intelectual e a pesquisa podem contribuir para manter vivo um compromisso social” ( LIMA; GIL, 2016LIMA, A.; GIL, N. Sistemas de pensamento na educação e nas políticas de inclusão (e exclusão) escolar: entrevista com Thomas Popkewitz. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 42, n. 4, p. 1125-1151, out./dez. 2016. https://doi.org/10.1590/S1517-97022016420400201
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, p. 1136). Em outras palavras, essa estratégia de crítica também poderia ser lida como uma estratégia de mudança.

Ao justapormos traços conceituais de uma variedade de tradições de pensamento, nossa intencionalidade configura-se como a construção de ferramentas conceituais – críticas e heterodoxas – que agucem nossa compreensão das políticas curriculares. Distanciando-nos de um ecletismo ou de uma espécie de “vale-tudo” epistemológico, reconhecemos que os pensadores citados nessa seção, com sua pertinência e atualidade, nos auxiliam na tarefa de renovação de nossas habilidades sociológicas. De acordo com Bauman (2010)BAUMAN, Z. Capitalismo parasitário. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. , em um convite bastante instigante, “precisamos urgentemente de novos conceitos, para acomodar e organizar nossas experiências de uma forma que nos permita conceber sua lógica e ler as mensagens escondidas ou propensas demais às leituras enganosas” (p. 80). Na próxima seção, enfim, estabeleceremos uma análise em torno das relações entre protagonismo juvenil, escolarização e neoliberalismo. Sem a pretensão de esgotar essa abordagem, nosso questionamento assume o desafio de contextualizar sociologicamente os usos atribuídos ao conceito de protagonismo juvenil no interior das políticas curriculares para o Ensino Médio em curso no Brasil.

4 Protagonismo juvenil, escolarização e neoliberalismo: uma contextualização

Estudos sobre a participação política dos jovens foram intensamente desenvolvidos na segunda metade do século XX ( SPOSITO, 2013SPÓSITO, M. Interfaces entre a sociologia da educação e os estudos sobre a juventude no Brasil. In: APPLE, M.; BALL, S.; GANDIN, L. (orgs.). Sociologia da Educação: análise internacional. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 438-446. ). Seja com foco na preparação para o trabalho, seja priorizando as variadas formas de intervenção na vida pública, tornou-se recorrente examinar os modos pelos quais esses sujeitos se preparam (e são preparados) para agir politicamente no mundo adulto. O conceito de protagonismo juvenil, no contexto de sua emergência, remetia às questões concernentes à transformação social e à ação juvenil nos variados espaços coletivos. Enquanto um processo de natureza política, em sua agenda formativa, o protagonismo sinalizava a esperança de tempos melhores, a partir da ascensão das novas gerações ( NARODOWSKI, 2016NARODOWSKI, M. Un mundo sin adultos: familia, escuela y medios frente a la desaparición de la autoridad de los mayores. Buenos Aires: Debate, 2016. ).

Todavia, conforme assinalaram Ferretti, Zibas e Tartuce (2004)FERRETTI, C.; ZIBAS, D.; TARTUCE, G. Protagonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do ensino médio. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 122, p. 411-423, ago. 2004. https://doi.org/10.1590/S0100-15742004000200007
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, no final da década de 1990, por meio de um conjunto de políticas públicas e de documentos oficiais, o Estado brasileiro passa a se preocupar com a participação dos jovens na escola e na sociedade. No contexto das variadas reformas destinadas à escolarização juvenil, há um renovado interesse pelas demandas desses atores, permeado pelo reconhecimento de que o Ensino Médio precisa atender às questões derivadas de uma “nova cidadania”. O protagonismo juvenil, sob tais condições, é posicionado como um princípio para as políticas curriculares destinadas a essa etapa da Educação Básica, enfatizando a necessidade de responder aos desafios emergentes do século que se inicia e, ao mesmo tempo, de se ajustar às perspectivas do paradigma pós-fordista de produção e da nomeada “cultura pós-moderna” ( FERRETTI; ZIBAS; TARTUCE, 2004FERRETTI, C.; ZIBAS, D.; TARTUCE, G. Protagonismo juvenil na literatura especializada e na reforma do ensino médio. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 122, p. 411-423, ago. 2004. https://doi.org/10.1590/S0100-15742004000200007
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).

Todavia, é importante salientar que os novos investimentos curriculares realizados em torno do protagonismo juvenil se inscreviam em uma relação ambivalente. Ao mesmo tempo em que se reconheciam as demandas das juventudes brasileiras, ancoradas em variados movimentos políticos e em um crescente campo de estudos acadêmicos, se assistia a um conjunto de investimentos políticos na população juvenil, e os conceitos estruturantes de suas lutas são reinscritos na esfera da atuação individual no mundo da economia. Trataremos cada uma dessas dimensões separadamente para, ao final, reconstruir sua potencialidade heurística para uma análise no âmbito das políticas curriculares de nosso país.

A juventude, como um conceito sociológico, em sua pluralidade e sua complexidade, no decorrer das últimas décadas, apresentou-se como objeto de estudo no campo da Educação. Sposito (2013)SPÓSITO, M. Interfaces entre a sociologia da educação e os estudos sobre a juventude no Brasil. In: APPLE, M.; BALL, S.; GANDIN, L. (orgs.). Sociologia da Educação: análise internacional. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 438-446. , ao articular os estudos sobre a juventude e a sociologia da Educação, atribui importância ao exame analítico da condição juvenil, das desigualdades e da escolarização. Em uma espécie de “arco ampliado”, do ponto de vista temático, a pesquisadora destaca a pluralidade temática e a multiplicidade de abordagens que atravessam esse campo. Aponta também as especificidades do contexto brasileiro, bem como a compreensão de que

o novo público que frequenta a escola, sobretudo adolescente e jovem, passa a constituir no seu interior um universo cada vez mais autônomo de interações, distanciado das referências institucionais, trazendo novamente, em sua especificidade, a necessidade de uma perspectiva não escolar no estudo da escola ( SPOSITO, 2013SPÓSITO, M. Interfaces entre a sociologia da educação e os estudos sobre a juventude no Brasil. In: APPLE, M.; BALL, S.; GANDIN, L. (orgs.). Sociologia da Educação: análise internacional. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 438-446. , p. 441).

Do ponto de vista das políticas públicas para a juventude, Novaes (2019)NOVAES, R. O campo das políticas públicas de juventude: processos, conquistas e limites. In: MONTECHIARE, R.; MEDINA, G. (orgs.). Juventude e educação: identidades e direitos. São Paulo: Flacso, 2019. p. 6-18. salienta as ambivalências e as ambiguidades que perfazem a noção de juventude, muitas vezes produzindo generalizações problemáticas. Supor que “os jovens de hoje” sejam mais críticos e mais participativos, ou mais apáticos e mais individualistas, pode implicar idealizações incompatíveis com a promoção de políticas destinadas a esse público. Esse contexto complexifica-se, na medida em que, enquanto “estágio transitório da vida”, ainda conforme a autora, “nas escolas, no âmbito profissional, em espaços de participação social, a juventude também é vista como sinônimo de imaturidade, impulsividade e rebeldia exacerbada” (p. 16). Novaes defende a perspectiva de que o protagonismo juvenil não tem incluído os próprios jovens na promoção de políticas, assumindo um “caráter pedagógico restrito”.

De forma paradoxal, Martuccelli (2011MARTUCCELLI, D. Efeitos sociais e políticos da educação. In: VAN ZANTEN, A. (coord.). Dicionário de educação. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 291-295. ; 2016MARTUCCELLI, D. Condición adolescente y ciudadanía escolar. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 41, n. 1, p. 155-174, jan./mar. 2016. https://doi.org/10.1590/2175-623660050
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) provoca-nos a refletir que a ênfase em trajetórias diferenciadas poderia conduzir a uma intensificação das desigualdades. Em outras palavras, a segmentação na oferta ocorreu de forma ambivalente, pois emergiu ao tempo de um novo reconhecimento cultural das juventudes. As velhas regras da escolarização estavam sendo contestadas, e, de acordo com o sociólogo, “o collège e o Ensino Médio surgem como um espaço aberto à vida pessoal e à comunidade juvenil” ( MARTUCCELLI, 2011MARTUCCELLI, D. Efeitos sociais e políticos da educação. In: VAN ZANTEN, A. (coord.). Dicionário de educação. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 291-295. , p. 292). Sem dúvida, uma das derivações desse cenário é a individualização dos percursos formativos. No caso dos ambientes populares, por exemplo, esse processo aproxima-se da responsabilização dos indivíduos. Ainda conforme Martuccelli, “o indivíduo não é mais imaginado herdeiro de uma posição social; ele é tornado responsável pelas próprias aquisições” (2011, p. 292). Nos marcos da construção de uma escola justa, a responsabilização pode converter os estudantes em estrategistas de seus percursos ( MARTUCCELLI, 2011MARTUCCELLI, D. Efeitos sociais e políticos da educação. In: VAN ZANTEN, A. (coord.). Dicionário de educação. Petrópolis: Vozes, 2011. p. 291-295. ); porém, partindo de recursos desiguais. Esse cenário pode reforçar o histórico dualismo das políticas educacionais brasileiras, intensificado com a emergência de políticas de inspiração neoliberal, conforme ampliaremos a seguir.

Em termos contextuais, consideramos que as políticas curriculares, nas condições do neoliberalismo, são implementadas por meio de novos regimes de governança ( BALL, 2016BALL, S. Gobernanza neoliberal y democracia patológica. In: COLLET, J.; TORT, A. (orgs.). La gobernanza escolar democrática. Madrid: Morata, 2016. p. 23-40. ). Esses regimes, em geral, produzem “uma reorganização da arquitetura de regulação e produção política e põem em jogo novos ‘métodos’ de política, novos atores e a redistribuição da autoridade política e moral” ( BALL, 2016BALL, S. Gobernanza neoliberal y democracia patológica. In: COLLET, J.; TORT, A. (orgs.). La gobernanza escolar democrática. Madrid: Morata, 2016. p. 23-40. , p. 16). Seus modos de intervenção, cada vez mais, dizem respeito a uma ressignificação nas formas de atuação do Estado e a um deslocamento das responsabilidades para o plano individual. Entretanto, de acordo com Laval (2016)LAVAL, C. Governar pela crise democrática (entrevista). Revista Cult, p. 21-25, 2016. , o que melhor explicita a lógica neoliberal na esfera política contemporânea é a intensificação da crise, posicionada como um operador estratégico. Nas palavras do sociólogo, em entrevista recente, poderíamos conceber a crise como “ponto crucial para acelerar o estabelecimento da lógica de mercado e as regras de concorrência no âmago do emprego e da sociedade” ( LAVAL, 2016LAVAL, C. Governar pela crise democrática (entrevista). Revista Cult, p. 21-25, 2016. , p. 25).

Relevante apontar, porém, que, na esteira dos estudos foucaultianos sobre a biopolítica, nos interessa examinar outra dimensão do neoliberalismo, qual seja: o prolongamento da racionalidade econômica para campos não prioritariamente econômicos ( FOUCAULT, 2008FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008. ). Deriva desse prolongamento a compreensão de que o neoliberalismo pode ser analisado além da crença na naturalidade do mercado ou na redução do campo de intervenção do Estado, se situando como racionalidade orientadora das vidas contemporâneas. De acordo com Laval e Dardot (2016), de forma mais ampla, “o neoliberalismo não destrói apenas regras, instituições, direitos. Ele também produz certos tipos de relações sociais, certas maneiras de viver, certas subjetividades” (LAVAL; DARDOT, 2016, p. 16). Considerando a natureza produtiva do neoliberalismo, autores como Bröckling (2015)BRÖCKLING, U. El self emprendedor: sociología de una forma de subjetivación. Santiago: Ediciones Universidad Alberto Hurtado, 2015. , Brown (2016)BROWN, W. El pueblo sin atributos. Barcelona: Malpaso, 2016. , Dardot e Laval (2016)DARDOT, P.; LAVAL, C. A nova razão do mundo. São Paulo: Boitempo, 2016. e Safatle (2016)SAFATLE, V. O circuito dos afetos: corpos políticos, desamparo e o fim do indivíduo. Belo Horizonte: Autêntica, 2016 também reconhecem uma reconfiguração da própria pauta política contemporânea, deslocada para a composição de novas figuras de subjetividade, movidas pela economização dos modos de vida.

Os estudos recentes de Laval e Dardot (2016), a partir de uma leitura crítica de Foucault (2008)FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008. , direcionam-se para a construção de uma crítica política ao neoliberalismo como uma “razão-mundo”. Tal sistema de razão ancora-se na possibilidade de “estender e impor a lógica do capital a todas as relações sociais, até fazer dela a forma mesma de nossas vidas” ( LAVAL, 2016LAVAL, C. Governar pela crise democrática (entrevista). Revista Cult, p. 21-25, 2016. , p. 11). São inúmeras as ideologias e os sistemas políticos capazes de aproximar-se do neoliberalismo, incluindo as perspectivas neoconservadoras ( BALL, 2016BALL, S. Gobernanza neoliberal y democracia patológica. In: COLLET, J.; TORT, A. (orgs.). La gobernanza escolar democrática. Madrid: Morata, 2016. p. 23-40. ; VIÑAO, 2016VIÑAO, A. El modelo neoconservador de gobernanza escolar: principios, estrategias y consecuencias en España. In: COLLET, J.; TORT, A. (orgs.). La gobernanza escolar democrática. Madrid: Morata, 2016. p.41-64. ). A partir da crise econômica de 2008, parece delinear-se uma razão única, cujo fortalecimento intensificou-se com a própria erosão do Estado de Direito ( LAVAL; DARDOT, 2017LAVAL, C.; DARDOT, P. La pesadilla que no acaba nunca. Barcelona: Gedisa, 2017. ).

Uma característica que deriva do processo de radicalização do neoliberalismo é encontrada na perspectiva de que a crise se torna um modo de governo. Argumentam Laval e Dardot que “a radicalização do neoliberalismo se sustenta em grande medida graças a esta lógica de auto-alimentação, ou melhor dizendo, de auto-agravamento da crise” (2017, p. 25). As economias tornam-se mais instáveis, as desigualdades crescem a partir da intensificação da competição, e, por meio da acumulação financeira, emergem novas políticas com foco na ação individual dos trabalhadores.

Em tais condições, a crise converteu-se em uma autêntica “forma de governo”; entretanto, na maioria das vezes, colocada a serviço das classes que vivem do capital. Isto é, aumenta a capacidade competitiva dos grupos dominantes, fazendo da crise seu instrumento permanente. Uma significativa literatura contemporânea tem mapeado implicações desse cenário, tanto para a democracia quanto para o futuro das organizações ( BROWN, 2016BROWN, W. El pueblo sin atributos. Barcelona: Malpaso, 2016. ). Dardot e Laval (2017) explicam que “o neoliberalismo não cessa, mediante os efeitos de insegurança e de destruição que ele mesmo engendra, de auto-alimentar-se e de autorreforçar-se” (p. 15). Ampliaremos, a seguir, alguns argumentos que derivam desse diagnóstico.

Aprendemos, com a leitura política de Wendy Brown (2016)BROWN, W. El pueblo sin atributos. Barcelona: Malpaso, 2016. , que o neoliberalismo tem operado, enquanto racionalidade política, para reconfigurar os elementos constituintes da democracia, os convertendo em termos econômicos. Os princípios da justiça, a vida cidadã, as culturas políticas, e mesmo o imaginário democrático, deslocam-se da possibilidade de lançarmos projetos democráticos, para um processo de “economização neoliberal da vida política e de outras esferas e atividades que, até o momento, não eram econômicas” ( BROWN, 2016BROWN, W. El pueblo sin atributos. Barcelona: Malpaso, 2016. , p. 14). Sem dúvida que a democracia não se trata de um conceito “único e universal”, pois seus sentidos não estão dados e muito menos são “incorruptíveis” ( BROWN, 2016BROWN, W. El pueblo sin atributos. Barcelona: Malpaso, 2016. ). Ressalta-se também que o próprio neoliberalismo precisa ser examinado como um significante mutável. Adverte-nos Brown que o neoliberalismo “é globalmente ubíquo, ainda que não seja unificado, nem é idêntico a si mesmo no tempo e no espaço” (p. 19). Contudo, em termos políticos, a cientista estadunidense provoca-nos a pensar sobre a emergência de novos esquemas valorativos para justapor as pessoas e os Estados (a cidade e a alma, em termos platônicos).

Em termos subjetivos, esses impactos não são de menor intensidade. Em sua obra A expulsão do distinto, Han (2017)HAN, B. La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder, 2017. sinaliza que, atualmente, experienciamos um predomínio da “positividade do igual”, isto é, há uma proliferação de modos de pensar e de proceder cada vez mais iguais. Parece não haver mais espaço para o diferente, para o divergente e para o desejo de convivência e de sedução do outro. Segundo o filósofo, são inúmeros os efeitos que se desdobram dessa condição, dentre os quais, poderíamos apontar que “nosso horizonte de experiências se torna mais estreito” ( HAN, 2017HAN, B. La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder, 2017. , p. 12). Destaca o pensador que “o terror do igual alcança hoje todos os âmbitos vitais” (p. 12). As pessoas viajam muito, têm acesso a muitas informações e acumulam seguidores nas variadas redes sociais. Porém, é como se não tivessem nenhuma experiência ou conhecimento, pois se comunicam apenas com pessoas iguais, que pensam de forma semelhante. Nas palavras de Han (2017)HAN, B. La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder, 2017. , “a expulsão do distinto gera um adiposo vazio de plenitude. Essa hipersensibilidade, essa hipercomunicação, esse hiperconsumo que conduzem a um rápido estancamento do igual tornam-se obscenos” (p. 18). A proliferação pode ser percebida nos relacionamentos humanos, nas instituições e na própria configuração subjetiva.

A isso, poderíamos acrescentar aquilo que o autor nomeia como “imperativo da autenticidade”, ou seja, “o imperativo de ser igual somente a si mesmo, de definir-se unicamente por si mesmo; e mais, de ser autor e criador de si mesmo” ( HAN, 2017HAN, B. La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder, 2017. , p. 38). O constante jogo de comparações entre pessoas, instituições e modos de vida engendra uma coerção narcisista, associada ao medo de ser diferente. Tal medo conduz os indivíduos a uma espécie de “vazio existencial”, enquanto que, no âmbito subjetivo, se supõe um medo de se aproximar das demandas reais das pessoas e, com isso, ver o afastamento das expectativas comercializáveis.

Em busca de “curtidas”, em uma plataforma sempre igual, o encontro com o outro deixa de ser “um enigma ou um mistério”. Em outras palavras, “o outro fica submetido por completo à teleologia do proveito, do cálculo econômico e da valoração. Torna-se transparente. Degrada-se como objeto econômico” ( HAN, 2017HAN, B. La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder, 2017. , p. 114). Mais que isso, parece indispensável, atualmente, retomar os debates sobre os sentidos da vida humana partindo do outro, da relação com o diferente e, assim, “aprendendo novamente a linguagem da responsabilidade, escutando e respondendo ao outro” ( HAN, 2017HAN, B. La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder, 2017. , p. 115). Em termos de formação humana, importaria revisitar o tempo do outro e a promoção de experiências formativas que produzam contrastes, divergências, polêmicas, e que inscrevam permanentemente a formação humana no campo da controvérsia.

Privilegiando-se a composição de currículos escolares ajustáveis aos perfis dos estudantes, que contemplem os interesses individuais desses sujeitos, e garantam o protagonismo de suas escolhas, os critérios de seleção e organização dos conhecimentos escolares são posicionados a partir de novas configurações. A autenticidade como um princípio, por meio de seus variados dispositivos, perfaz aquilo que, atualmente, nomeamos como jovem protagonista e pode engendrar novas modalidade de precarização existencial ( BARBOSA, 2018BARBOSA, M. Educação, vida precária e capacitação. Educação e Sociedade, Campinas, v. 39, n. 144, p. 584-599, jul./set. 2018. https://doi.org/10.1590/ES0101-73302018181445
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; LOREY, 2016LOREY, I. Estado de inseguridad: gobernar la precariedad. Madrid: Traficantes de Sueños, 2016. ; MARTUCCELLI, 2017MARTUCCELLI, D. Semánticas históricas de la vulnerabilidad. Revista de Estudios Sociales, Bogotá, n. 59, p. 125-133, jan./mar. 2017. ). Nas tramas do neoliberalismo, arriscamos assinalar que tais políticas curriculares tendem a ser movidas pela emocionalização pedagógica, pela algoritmização subjetiva e pela personalização dos itinerários formativos ( SILVA, 2017SILVA, R. Emocionalização, algoritmização e personalização dos itinerários formativos: como operam os dispositivos de customização curricular? Currículo sem Fronteiras, Lisboa, v. 17, n.3, p. 699-717, dez. 2017. ).

Tornar-se protagonista, sob essa lógica, implica em desafiar-se a construir permanentemente modos de vida originais. A escolha da área do conhecimento, a possibilidade de flexibilizar os processos curriculares e a composição dos itinerários formativos podem ser redesenhados desde outras racionalidades pedagógicas? Reconhecemos que o conceito de protagonismo ainda apresenta potencialidade política e, com os devidos cuidados analíticos, precisam ingressar nessa arena de debates sobre o que conta como conhecimento na escola destinada às juventudes do século XXI.

5 Considerações finais

Ao longo do presente estudo, procuramos descrever os modos pelos quais o protagonismo juvenil tem sido posicionado como um imperativo curricular na reforma do Ensino Médio no Brasil e, consequentemente, para a construção da BNCC referente a essa etapa. O protagonismo juvenil, tal como procuramos desenvolver nesse estudo, assenta-se na capacidade de escolha dos estudantes e delineia uma nova configuração de subjetividade, em sintonia com as mutações do capitalismo e com os novos arranjos tecnológicos. Inspirados na tradição crítica dos Estudos Curriculares, conseguimos desenvolver a hipótese de que esse protagonismo se vincula ao que Han (2017)HAN, B. La expulsión de lo distinto. Barcelona: Herder, 2017. nomeia como “imperativo da autenticidade”. O conhecimento escolar aqui delineado, conforme ampliaremos em estudos futuros, estará no entrecruzamento entre a construção de modos de vida originais e a intensificação dos desempenhos. Em tais condições, nosso desafio encontra-se na construção de novas ferramentas analíticas capazes de ampliar o escopo de nossa abordagem.

Valendo-nos das provocações deleuzianas, que trouxemos como epígrafe para essa reflexão, podemos sinalizar que, quando a empresa adquire o status de princípio explicativo, o “controle” passa a ocupar um lugar central modulando o papel das instituições e dos indivíduos. Diagnostica o filósofo que “o controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. O homem não é mais o homem confinado, mas o homem endividado” ( DELEUZE, 1992DELEUZE, G. Post-Scriptum sobre as sociedades de controle. Conversações: 1972-1990. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. p. 219-226. , p. 224). Nas sociedades de controle, nossas subjetividades “nunca terminam nada” e, paradoxalmente, nossos jovens estão condenados a um protagonismo permanente – uma eterna reinvenção de si em busca da autenticidade. Não resta dúvidas de que precisarão aprender a conhecer e a enfrentar os sedutores (e complicados) anéis dessa serpente!

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    » https://doi.org/10.1590/198053143533
  • 1
    Merecem destaque posicionamentos institucionais como aqueles mobilizados pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), pela Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec), pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e por um conjunto expressivo de sistemas de ensino públicos e privados.
  • 2
    Em uma breve incursão pelos estudos sobre a juventude no Brasil, adquirem relevância estudos como aqueles desenvolvidos por Novaes (2019)NOVAES, R. O campo das políticas públicas de juventude: processos, conquistas e limites. In: MONTECHIARE, R.; MEDINA, G. (orgs.). Juventude e educação: identidades e direitos. São Paulo: Flacso, 2019. p. 6-18. e por Sposito (2013)SPÓSITO, M. Interfaces entre a sociologia da educação e os estudos sobre a juventude no Brasil. In: APPLE, M.; BALL, S.; GANDIN, L. (orgs.). Sociologia da Educação: análise internacional. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 438-446. .
  • 3
    Estudos como os de Gabriel (2016)GABRIEL, C. Conhecimento escolar e emancipação: uma leitura pós-fundacional. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 46, n. 159, p. 104-130, jan./mar. 2016. https://doi.org/10.1590/198053143551
    https://doi.org/10.1590/198053143551...
    e de Galian e Stefenon (2018)GALIAN, C.; STEFENON, D. Por que é tão difícil definir o conhecimento a ser ensinado na escola?: um olhar para a Geografia. Educação e Filosofia, Uberlândia, v. 32, n. 64, p. 1-22, jan./abr. 2018. https://doi.org/10.14393/REVEDFIL.issn.0102-6801.v32n64a2018-04
    https://doi.org/10.14393/REVEDFIL.issn.0...
    realizam importantes sistematizações sobre o conhecimento escolar na atualidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2021
  • Aceito
    10 Ago 2022
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