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O algoritmo do Ideb e as metas projetadas para a Educação brasileira: uma análise estatístico-matemática 1 1 Agradecemos ao Instituto Federal de Minas Gerais, campus Piumhi, e à Universidade Federal do Espírito Santo pelo apoio ao desenvolvimento desta pesquisa.

The Ideb algorithm and the projected goals for Brazilian Education: a statistical-mathematical analysis

El algoritmo del Ideb y las metas proyectadas para la educación brasileña: un análisis estadístico-matemático

Resumo

Este artigo tem o objetivo de analisar, sob as possibilidades teóricas do paradigma indiciário, a metodologia utilizada na construção do algoritmo do Ideb e na projeção de metas a serem alcançadas em todas as esferas dos sistemas educacionais brasileiros, buscando indícios que nos levem a compreender a concepção de qualidade da Educação adotada pelo indicador. Trata-se de um estudo qualitativo que assume a pesquisa bibliográfica e a análise documental como abordagem teórico-metodológica, considerando, como fontes, as notas técnicas oficiais disponibilizadas para descrever os procedimentos estatístico-matemáticos utilizados. As análises apresentadas evidenciam o rigor matemático e o cuidado dos profissionais do MEC/Inep em diferenciar as metas bienais projetadas para cada modalidade de Ensino e setor administrativo. Em contrapartida, expõem sua fragilidade em não considerar as especificidades que constituem a realidade educacional brasileira, comprometendo a fidedignidade dos resultados evidenciados.

Análise Estatística; Avaliação Educacional; Qualidade da Educação

Abstract

This paper aims to analyze, under the theoretical possibilities of the indiciary paradigm, the methodology used in the construction of the Ideb algorithm and of intermediate goals for the quality of Brazilian Education, looking for evidence that will lead us to understand the concept of quality of Education assumed by the indicator. It is a qualitative study, which uses researching bibliographies and analyzing documents as a theoretical-methodological approach considering, as sources, the official technical notes made available to describe the statistical-mathematical procedures utilized in the design of the indicator. Results showed the mathematical rigor and the care taken by MEC/Inep professionals to differentiate the biennial goals projected for each teaching modality and in all administrative spheres. On the other hand, they expose some weaknesses at not considering the specificities surrounding the Brazilian educational reality, compromising the reliability of the evidenced results.

Statistical Analysis; Educational Assessment; Educational Quality

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar, bajo las posibilidades teóricas del paradigma probatorio, la metodología utilizada en la construcción del algoritmo Ideb y en la proyección de metas a ser alcanzadas en todas las esferas de los sistemas educativos brasileños, buscando evidencias que nos lleven a comprender el concepción de la calidad en la Educación adoptada por el indicador. Se trata de una investigación cualitativa que asume como enfoque teórico-metodológico la investigación bibliográfica y el análisis documental, considerando como fuentes las notas técnicas oficiales disponibles para describir los procedimientos estadístico-matemáticos utilizados. Los análisis presentados muestran el rigor matemático y el cuidado de los profesionales del MEC/Inep en diferenciar las metas bienales diseñadas para cada modalidad de enseñanza y del sector administrativo. Por otro lado, exponen su fragilidad al no considerar las especificidades que constituyen la realidad educativa brasileña, comprometiendo la confiabilidad de los resultados evidenciados.

Análisis Estadístico; Evaluación Educativa; Calidad de Educación

1 Introdução

As avaliações educacionais organizadas por agentes externos à escola – ditas avaliações externas – têm se consolidado como o principal instrumento utilizado para subsidiar tomadas de decisões no âmbito das políticas educacionais. Essas avaliações geralmente são aplicadas em larga escala, constituindo “[...] um procedimento amplo e extensivo, [...] realizado por agências reconhecidas pela especialização técnica em testes e medidas” ( WERLE, 2010WERLE , F. O. C. Avaliação em larga escala: foco na escola . São Leopoldo : Oikos , 2010 . , p. 22).

No Brasil, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) foi implantado em 1990 a partir da aplicação de testes e de questionários a uma amostra probabilística representativa do universo de escolas que ofertavam as 1 as , 3 as , 5 as e 7 as séries do Ensino Fundamental da rede pública urbana. Embora tenha passado, ao longo dos anos, por diversos aprimoramentos e alterações metodológicas ( BONAMINO, 2016BONAMINO, A. A evolução do Saeb: desafios para o futuro. Em Aberto, Brasília, DF, v. 29, n. 96, p. 113-126, maio/ago. 2016 . https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.29i96.%25p
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; PESTANA, 2016PESTANA , M. I. Trajetória do Saeb: criação, amadurecimento e desafios . Em Aberto , Brasília, DF , v. 29 , n. 96 , p. 71 - 84 , ago . 2016 . https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.29i96.%25p
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), até 2005, o exame possuía um caráter amostral, que não permitia relatar as particularidades de cada escola ou município.

Dessa forma, mediante a necessidade de uma avaliação de abrangência universal que possibilitasse o acompanhamento e o monitoramento de políticas locais para o incremento da qualidade da Educação, foi criada a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), também conhecida como Prova Brasil, por meio da publicação da Portaria Ministerial n° 931, de 21 de março de 2005 ( BRASIL, 2005BRASIL. Portaria nº 931, de 21 de março de 2005. Institui o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), que será composto por dois processos de avaliação: a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 mar . 2005 . ). Com isso, todos os estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental das escolas públicas urbanas com, no mínimo, 30 alunos matriculados, passaram a ser avaliados, apresentando “[...] informações que discriminam os resultados para cada município e escola participante” ( WERLE, 2011WERLE , F. O. C. Políticas de avaliação em larga escala na Educação básica: do controle de resultados à intervenção nos processos de operacionalização do ensino . Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação , Rio de Janeiro , v. 19 , n. 73 , p. 769 - 792 , dez . 2011 . https://doi.org/10.1590/S0104-40362011000500003
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, p. 786).

A inserção da avaliação censitária no contexto nacional, com a Prova Brasil, trouxe um caráter mais objetivo às avaliações, por meio da consolidação de metas de qualidade para todas as modalidades de Ensino e em todas as esferas administrativas, dando suporte à criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), instituído por meio do Decreto n° 6.094, de 24 de abril de 2007 ( BRASIL, 2007BRASIL. Decreto nº. 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 abr . 2007 . ).

De acordo com o site oficial do Ministério da Educação (MEC), o Ideb surgiu para atuar como condutor de política pública pela melhoria da qualidade da Educação, pela qual se tornou parâmetro oficial, conforme a Meta 7 do Plano Nacional da Educação 2014-2024 ( BRASIL, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun . 2014 . ). Como meta, estabeleceu-se o índice 6,0 para os anos iniciais do Ensino Fundamental em 2021, tornando possível, a partir de técnicas estatísticas de regressão logística, projetar metas individuais intermediárias para a sua trajetória ao longo dos anos.

Embora o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) 2 2 Autarquia federal vinculada ao MEC. disponibilizasse uma Nota Técnica para apresentar a metodologia utilizada para a obtenção dessas metas ( BRASIL, 2009aBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009a. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n2_metas_intermediarias_IDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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), compreendê-las se tornou um desafio para grande parte dos profissionais da Educação, devido à complexidade da linguagem pela qual se apresentam. Similarmente, a Nota Técnica disponibilizada para apresentar a concepção de seu algoritmo ( BRASIL, 2009bBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Brasília, DF: MEC/Inep, 2009b. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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) também se encontra em uma linguagem acadêmica, dificultando a compreensão por parte desses profissionais. Em geral, são expostas fórmulas matemáticas prontas, sem se discutir, minuciosamente, o caminho percorrido até defini-las.

Todavia, compreender o processo metodológico que culminou na criação do Ideb é essencial para (re)conhecer a concepção de qualidade em Educação por ele adotada, o que motivou o desenvolvimento dessa pesquisa. Ademais, assume-se que o desconhecimento desse processo pode comprometer a transparência dos resultados educacionais evidenciados, bem como sua efetividade como política pública de prestação de contas (do inglês, accountability ), fragilizando o seu impacto na sociedade.

Assim, este artigo tem o objetivo inicial de analisar, sob as possibilidades teóricas do paradigma indiciário ( GINZBURG, 1989GINZBURG , C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história . São Paulo : Companhia das Letras , 1989 . ), a metodologia utilizada na construção do algoritmo do Ideb e na projeção de metas intermediárias a serem alcançadas em todas as esferas dos sistemas educacionais brasileiros. Para tanto, são detalhados os cálculos matemáticos apresentados nas Notas Técnicas supracitadas e inseridos exemplos empíricos que ilustram os procedimentos adotados, visando a as tornar mais acessíveis para os profissionais da Educação que se utilizam cotidianamente do indicador, mas não compreendem os fundamentos teóricos e metodológicos que lhe dão subsídio.

Ademais, buscam-se indícios que nos levem a compreender a concepção de qualidade da Educação assumida pelo indicador. Desse modo, o interesse está na resposta à seguinte questão: na forma em que foi concebido, até que ponto o Ideb é suficiente para representar a realidade educacional brasileira?

Para tanto, além desta introdução, este artigo está estruturado em outras cinco seções. Na primeira, apresentam-se os aspectos teórico-metodológicos que são assumidos para o seu desenvolvimento. Em seguida, uma análise do algoritmo do Ideb e de seus componentes. Posteriormente, são evidenciados os processos de obtenção de metas para o incremento da qualidade da Educação Básica no âmbito nacional e a sua trajetória ao longo dos anos. O artigo encerra-se com as considerações finais obtidas.

2 Teoria e Método

Este artigo foi desenvolvido sob as possibilidades teóricas e metodológicas do paradigma indiciário, proposto por Ginzburg (1989)GINZBURG , C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história . São Paulo : Companhia das Letras , 1989 . , que atribui interesse aos pequenos detalhes, ou “pistas”, que podem revelar as particularidades históricas em detrimento da generalização, a partir dos vestígios deixados pelo homem no tempo. Dessa forma, este estudo insere-se na busca de indícios que levem a uma análise mais sistêmica do Ideb, como indicador de qualidade em Educação.

Assume-se, então, a pesquisa bibliográfica e a análise documental como abordagem teórico-metodológica. Como fontes primárias, inicialmente, são utilizadas as notas técnicas que discutem a concepção do algoritmo do Ideb ( BRASIL, 2009bBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Brasília, DF: MEC/Inep, 2009b. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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) e a metodologia utilizada para estabelecer as metas intermediárias para a sua trajetória ao longo dos anos ( BRASIL, 2009aBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009a. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n2_metas_intermediarias_IDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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). Assim, fundamentado no paradigma indiciário, buscam-se “pistas” que revelem a concepção de qualidade adotada pelo indicador, permitindo captar, em uma perspectiva crítica, suas limitações e fragilidades, considerando a realidade educacional brasileira, auxiliando na projeção de novas possibilidades para a realização do Ideb.

Em seguida, assume-se como fonte a nota metodológica que descreve o processo de compatibilização de desempenhos do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa – do inglês Programme for International Student Assessment ) com a escala de proficiências do Saeb ( BRASIL, 2009cBRASIL. Ministério da Educação. Nota metodológica sobre a compatibilização de desempenhos do Pisa com a escala do Saeb. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009c. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/portal_ideb/metodologias/Nota_Tecnica_n3_compatibilizacao_PISA_SAEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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). Para tanto, se apropria do conceito de centro e de periferia desenvolvido por Ginzburg (1991)GINZBURG , C. A micro-história e outros ensaios . Lisboa/Rio de Janeiro : Difel/Bertrand Brasil , 1991 . , considerando como centro os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), tomados como referência, e como periferia o Brasil. Dessa forma, o interesse do estudo é captar as “pistas” que levam à compreensão do modo como a política de avaliação adotada no Brasil estabelece diálogo com o centro. Pretende-se, também, analisar como as especificidades que o constituem como periferia são consideradas na composição de seu algoritmo.

Essas fontes constituem todo o material disponibilizado pelo Inep voltado para descrever os procedimentos estatístico-matemáticos adotados na concepção do Ideb e das metas de qualidade por ele propostas.

Para além, como fontes secundárias, foram utilizadas publicações acadêmicas relacionadas com o tema, disponíveis, na íntegra, na internet. Essas publicações foram selecionadas mediante consulta expandida no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando como descritor o termo “Índice de Desenvolvimento da Educação Básica”, sem delimitação linguística ou temporal. A leitura desse material serviu de apoio para as análises aqui realizadas.

Para a construção dos gráficos que simulam o comportamento esperado do indicador, ao longo dos anos, utilizou-se o software estatístico R, versão 3.6.2 ( R CORE TEAM, 2020R CORE TEAM. R: A language and environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing, 2020 . Disponível em: www.R-project.org/ . Acesso em: 15 dez. 2020
www.R-project.org/...
). As informações numéricas referentes às metas intermediárias calculadas para a trajetória do Ideb para cada etapa da Educação Básica foram extraídas do resumo técnico desenvolvido pelas diretorias de Estatística Educacional (Deed) e de Avaliação da Educação Básica (Daeb) do Inep ( BRASIL, 2020aBRASIL. Ministério da Educação. Resumo técnico: resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Brasília, DF: DEED, 2020a. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/portal_ideb/planilhas_para_download/2019/resumo_tecnico_ideb_2019_versao_preliminar.pdf . Acesso em: 22 set. 2020 .
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). Também constitui-se como fonte de informações o Portal Eletrônico do MEC 3 3 www.mec.gov.br . .

3 A estatística do algoritmo do Ideb

No Brasil, há um consistente sistema de dados, produzidos pelo Inep, que auxiliam na produção de índices que refletem a realidade educacional nacional. Entre eles, destaca-se o Ideb, indicador finalístico que permite sintetizar informações de fluxo (aprovação, reprovação e evasão), produzidas pelo Censo Escolar da Educação Básica, com as médias de desempenhos obtidas pelos estudantes nas provas de Língua Portuguesa e de Matemática do Saeb.

A ideia de combinar essas dimensões deu-se considerando a existência de um trade off 4 4 Trade off é um conceito das Ciências Econômicas que representa relações inversas entre variáveis. À medida que se pretende aumentar uma variável, se espera que a outra diminua ( TRAVITZKI, 2020 ). ( TRAVITZKI, 2020TRAVITZKI , R . Qual é o grau de incerteza do Ideb e por que isso importa? Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação , Rio de Janeiro , v. 28 , n. 107 , p. 500 - 520 , abr./jun. 2020 . http://dx.doi.org/10.1590/s0104-40362020002801770
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) entre elas. Em síntese, a metodologia proposta permitiria controlar sistemas de Ensino que retinham seus estudantes, a fim de obter melhores resultados nas avaliações externas, bem como aqueles que facilitassem a progressão de série, sem se preocuparem com a questão da qualidade da aprendizagem. Conforme indicado por Fernandes (2007a), essa combinação resulta na fórmula:

I D E B j t = N j t P j t ; 0 N j 10 ; 0 P j 1 e 0 I D E B j 10

em que,

t = ano de realização do Saeb e do Censo Escolar;

Njt = média, padronizada para um indicador, entre 0 e 10, da proficiência em Língua Portuguesa e em Matemática dos alunos da unidade j , obtida em determinada edição do Saeb realizada ao final da etapa de Ensino;

Pjt = indicador de rendimento baseado na taxa de aprovação da etapa de Ensino dos alunos da unidade j .

Para o cálculo do valor de N jt , considerando que as escalas das proficiências em Língua Portuguesa e em Matemática são diferentes entre si, é necessário que se faça uma padronização de medidas. Para isso, a metodologia do Ideb considera uma distância de três desvios-padrão do valor médio da escala de proficiência como limitantes inferior e superior ( BRASIL, 2009bBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Brasília, DF: MEC/Inep, 2009b. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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). Esses valores, para cada etapa de Ensino considerada, estão representados na Tabela 1 e referem-se aos resultados obtidos pela aplicação do Saeb em 1997, tomado como referência para os demais anos. A diferença absoluta entre esses limitantes é a amplitude do intervalo considerado.

Tabela 1
Limites inferiores e superiores e amplitudes das proficiências do Saeb 1997

Dessa forma, para determinar o valor padronizado de cada área avaliada, é preciso, inicialmente, subtrair o limite inferior da proficiência da escola e, em seguida, dividir o valor encontrado pela amplitude do intervalo ( BRASIL, 2009bBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Brasília, DF: MEC/Inep, 2009b. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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). Para fins de ilustração, considere que uma escola que oferece apenas o Ensino Médio possui alunos cujas proficiências médias em Língua Portuguesa e em Matemática no Saeb, em determinado ano, foram de 338,11 e 296,85, respectivamente. Dessa forma, têm-se as seguintes proficiências padronizadas:

Língua Portuguesa = 338 , 11 117 334 = 221 , 11 334 = 0 , 662
Matemática = 296 , 85 111 356 = 185 , 85 356 = 0 , 522

Assim, o valor de N jt é obtido pela média aritmética simples entre as proficiências padronizadas de cada componente, multiplicada por 10. Essa multiplicação é necessária para que a proficiência média padronizada pertença ao intervalo entre 0 e 10, tornando o valor mais “amigável”, considerando que tal intervalo é frequentemente utilizado nas avaliações escolares internas ( BRASIL, 2009bBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Brasília, DF: MEC/Inep, 2009b. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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).

N j t = ( 0 , 662 + 0 , 522 2 ) × 10 = 5 , 92

Para o cálculo do valor de P jt , é preciso considerar a taxa de aprovação para cada série escolar do ciclo avaliado. Essa taxa é obtida pela razão entre o número de estudantes aprovados, considerando os critérios de desempenho e de frequências dispostos na legislação em vigor, e o número total de estudantes matriculados na respectiva série. O inverso desse valor representa o número médio de anos que um estudante leva para completar a série em questão ( BRASIL, 2009bBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Brasília, DF: MEC/Inep, 2009b. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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).

Considerando, agora, que a mesma escola de Ensino Médio, citada ao norte, possua taxas de aprovação iguais a 0,87 (87%) para a 1ª série, 0,96 (96%) para a 2ª série e 0,73 (73%) para a 3ª série, são necessários 0,87 1 = 1,15; 0,96 1 = 1,04 e 0,73 1 = 1,37 anos, em média, para que um aluno complete as 1 as , 2 as e 3 as séries do ciclo, respectivamente. Assim, em média, um estudante leva 3,56 (1,15 + 1,04 + 1,37) anos para completar o referido ciclo. Para se obter o valor de P jt , é preciso calcular a razão entre o número de anos do ciclo e o valor obtido. Assim,

P j t = 3 3 , 56 = 0 , 8427

Observe que o valor de P jt não é ponderado para o número de estudantes matriculados em cada ciclo escolar. Com os valores de N jt e P jt encontrados, pode-se calcular a nota do Ideb da escola a partir do produto entre eles. Dessa forma, considerando o ano analisado, tem-se:

I D E B j t = N j t × P j t = 5 , 92 × 0 , 8427 = 5 , 0

Soares e Xavier (2013)SOARES, J. F.; XAVIER, F. P. Pressupostos educacionais e estatísticos do Ideb. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 903 - 923 , set . 2013 . https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300013
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elencam uma série de críticas ao modo como o Ideb é calculado. Entre elas, destacam-se: a) só alunos presentes ao teste são considerados; b) embora padronizada, a proficiência em Matemática é, em média, maior do que a proficiência em Língua Portuguesa (o que pode ser observado na Tabela 1 ); c) o uso metafórico do intervalo utilizado (0 a 10) pode gerar controvérsias, por exemplo, uma nota 5 pode ser considerada baixa, se interpretada em termos de conceitos escolares (e nem sempre o é); e d) o indicador é fortemente correlacionado com o nível socioeconômico da escola, fator não controlado por ele.

De fato, é preciso pontuar que existe uma série de fatores intra e extraescolares que estão diretamente relacionados com a qualidade do Ensino e que também não são controlados pelo algoritmo do Ideb. Muitos pesquisadores têm se dedicado a estudá-los, encontrando evidências de que a infraestrutura das unidades ( SOARES; SOARES; SANTOS, 2020aSOARES , D. J. M ; SOARES , T. E. A. ; SANTOS , W. Infraestrutura e desempenho escolar na Prova Brasil: aspectos e conexões . Olhar de Professor , Ponta Grossa , v. 23 , p. 1 - 18 , jul . 2020a . https://doi.org/10.5212/OlharProfr.v.23.2020.15023.209209227242.0626
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; SOARES NETO et al ., 2013SOARES NETO , J. J. et al. Uma escala para medir a infraestrutura escolar . Estudos em Avaliação Educacional , São Paulo , v. 24 , n. 54 , p. 78 - 99 , jan./abr. 2013 . https://doi.org/10.18222/eae245420131903
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) e a formação e a valorização docente ( COSTA-HÜBES, 2013COSTA-HÜBES, T. C. Formação continuada para professores da Educação básica nos anos iniciais: ações voltadas para municípios com baixo Ideb. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 94, n. 237, p. 501-523, ago. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-66812013000200008&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 18 nov. 2020 .
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), por exemplo, também oferecem impacto no desempenho escolar, para além do nível socioeconômico, que tem relevante destaque nos estudos voltados para esse fim ( DUARTE, 2013DUARTE , N. S. O impacto da pobreza no Ideb: um estudo multinível . Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos , Brasília, DF , v. 94 , n. 237 , p. 343 - 363 , ago . 2013 . https://doi.org/10.1590/S2176-66812013000200002
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, GARCIA; YANNOULAS, 2017GARCIA , A. ; YANNOULAS , S. Educação, pobreza e desigualdade social . Em Aberto , Brasília, DF , v. 30 , n. 99 , p. 21 - 41 , maio/ago . 2017 . https://doi.org/10.24109/2176-6673.emaberto.30i99.3262
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).

Além disso, ressalta-se que, embora não seja a intenção do MEC, ao divulgar os resultados do Ideb, muitas realidades totalmente distintas são comparadas, destacando unidades com maiores notas no indicador e desconsiderando os múltiplos contextos em que o sistema educacional brasileiro está imerso. Assume-se, assim, um caráter unifacetado que pouco condiz com a realidade social, econômica e cultural presente no país.

4 A meta de qualidade do Ideb

Com a opção por uma política de avaliação mensurável, com características que permitem o seu acompanhamento ao longo dos anos, a partir da implantação do Ideb, é efetivada a instauração de uma política educacional nacional pautada na responsabilização das escolas e dos atores que nela atuam, que precisam prestar contas à sociedade dos resultados alcançados.

Como meta, estabeleceu-se o índice 6,0 para os anos iniciais do Ensino Fundamental no Ideb em 2021. A adoção por essa data encontra-se na simbologia do bicentenário da Independência, em 2022, ano em que se dará sua divulgação. Para tanto, foram considerados os estudantes com ingresso no Ensino Fundamental no ano de 2017. Dessa forma, é esperado que esses estudantes concluam os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental em 2021 e 2025, respectivamente, e o Ensino Médio em 2028. Esses prazos são estabelecidos para o alcance da meta 6,0 em cada ciclo ( FERNANDES, 2007aFERNANDES, R. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Brasília, DF: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007a . Disponível em: http://portal.inep.gov.br/documents/186968/485287/%C3%8Dndice+de+ Desenvolvimento+da+Educa%C3%A7%C3%A3o+B%C3%A1sica+(Ideb)/26bf6631-44bf-46b0-9518-4dc3c310888b?version=1.4 . Acesso em: 20 nov. 2020 .
http://portal.inep.gov.br/documents/1869...
, 2007bFERNANDES, R. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb): metas intermediárias para a sua trajetória no Brasil, estados, municípios e escolas. Brasília, DF: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007b. Disponível em: https://download.inep.gov.br/educacao_basica/portal_ideb/o_que_sao_as_metas/Artigo_projecoes.pdf . Acesso em: 10 nov. 2020 .
https://download.inep.gov.br/educacao_ba...
).

Essa meta considerou uma taxa de aprovação fixada em 96% (assumindo que a taxa de reprovação somada à taxa de abandono fosse de 4%) e os resultados obtidos pelos 20 países desenvolvidos, membros da OCDE, com melhores desempenhos quando aplicada a metodologia do Ideb em seus resultados educacionais. Na perspectiva ginzburguiana , esses países constituem o centro, tomado como referência para as políticas de avaliação aqui (periferia) implementadas ( GINZBURG, 1991GINZBURG , C. A micro-história e outros ensaios . Lisboa/Rio de Janeiro : Difel/Bertrand Brasil , 1991 . ).

Em síntese, foi realizada uma técnica de compatibilização de desempenhos entre as notas do Pisa e a escala do Saeb, no ano de 2003, para os anos finais do Ensino Fundamental 5 5 A adoção desse ciclo se deu por uma aproximação de faixas etárias médias, considerando que, no Pisa, participam apenas estudantes com 15 anos, independentemente da série em que estudam. ( BRASIL, 2009bBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Brasília, DF: MEC/Inep, 2009b. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
http://download.inep.gov.br/download/Ide...
; 2009cBRASIL. Ministério da Educação. Nota metodológica sobre a compatibilização de desempenhos do Pisa com a escala do Saeb. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009c. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/portal_ideb/metodologias/Nota_Tecnica_n3_compatibilizacao_PISA_SAEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
http://download.inep.gov.br/educacao_bas...
). Essa técnica consistiu, inicialmente, em determinar uma proporção de estudantes brasileiros com proficiência superior à nota do Pisa, em que se pretendia realizar a compatibilização para cada competência avaliada e, em seguida, encontrar uma nota no Saeb correspondente a essa mesma proporção ( BRASIL, 2009cBRASIL. Ministério da Educação. Nota metodológica sobre a compatibilização de desempenhos do Pisa com a escala do Saeb. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009c. Disponível em: http://download.inep.gov.br/educacao_basica/portal_ideb/metodologias/Nota_Tecnica_n3_compatibilizacao_PISA_SAEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
http://download.inep.gov.br/educacao_bas...
).

Por exemplo, em determinada edição, 10% dos estudantes brasileiros tiveram nota superior a 490 pontos em Matemática no Pisa. Se consideradas as notas do Saeb, esse mesmo percentual de estudantes, teve nota acima de 315 pontos na disciplina. Dessa forma, concluiu-se que 490 pontos em Matemática no Pisa eram equivalentes a 315 pontos em Matemática no Saeb. A mesma lógica foi atribuída à nota em Leitura no Pisa e em Língua Portuguesa no Saeb, possibilitando um modo (questionável) de se comparar os rendimentos dos países do centro com os da periferia.

Para os anos iniciais do ciclo e para o Ensino Médio, a mesma relação proporcional foi considerada. Nesse caso, não foram ponderadas as particularidades de cada etapa escolar, comprometendo a fidedignidade dos resultados obtidos. Outro fato que merece reflexão, conforme indicado por Soares e Xavier (2013)SOARES, J. F.; XAVIER, F. P. Pressupostos educacionais e estatísticos do Ideb. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 903 - 923 , set . 2013 . https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300013
https://doi.org/10.1590/S0101-7330201300...
, diz respeito às diferentes concepções de currículos adotadas pelos países do centro e pelos países da periferia, o que inviabilizaria a comparação entre o desempenho escolar dos seus estudantes da forma com que foi realizada. Em suma, a ausência de um currículo comum entre os países fragiliza a análise praticada.

Além disso, é preciso refletir, do ponto de vista da política da Educação, que a realidade educacional de um grupo de países desenvolvidos é vista como meta para um país periférico, desconsiderando suas especificidades e o contexto em que ele está inserido, no que diz respeito aos altos índices de pobreza e de desigualdade social, não experimentados pelos países do centro. A apropriação de uma concepção neoliberal de qualidade em Educação produzida no centro, sob um viés puramente quantitativo, é trazida para o Brasil de forma questionável e duvidosa.

Ao fazer essa opção, também causa estranhamento assumir 18 anos de retrocesso, considerando que a meta estabelecida para 2021, na periferia, já era uma realidade no centro em 2003, o que se constitui como mais um agravante para o seu não cumprimento no prazo estipulado.

5 Metas intermediárias para a trajetória do Ideb no âmbito nacional

Embora diferentes estudos tenham-se debruçado a analisar o Ideb, pouco se tem abordado sobre os pressupostos estatísticos que lhe oferecem suporte. Considerando a projeção das metas intermediárias para a sua trajetória em escolas, municípios e unidades da federação, a ausência de estudos voltados para tal é ainda mais notória ( SOARES; SOARES; SANTOS, 2020bSOARES , D. J. M ; SOARES , T. E. A. ; SANTOS , W. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB): revisão sistemática da literatura . Meta: Avaliação , Rio de Janeiro , v. 12 , n. 37 , p. 912 - 932 , dez . 2020b . https://doi.org/10.22347/2175-2753v12i37.2773
https://doi.org/10.22347/2175-2753v12i37...
).

O Inep apresenta uma Nota Técnica voltada a elucidar o processo metodológico assumido para a obtenção dessas metas ( BRASIL, 2009aBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009a. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n2_metas_intermediarias_IDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
http://download.inep.gov.br/download/Ide...
). Entretanto, a linguagem acadêmica utilizada e a ausência de exemplos aplicados tornam difícil a compreensão para grande parte dos profissionais da Educação. Em geral, são expostas fórmulas matemáticas prontas, sem se discutir, minuciosamente, o caminho percorrido até que elas sejam definidas.

Acredita-se que o estudo e a compreensão do processo realizado pelo Inep sejam de suma importância para a transparência, que se fundamenta em um dos princípios da administração pública. Nesse caso, a política de avaliação precisa ser transparente para que o gestor possa ter condições de avaliar se os resultados educacionais evidenciados pelo indicador são coerentes, dentro daquilo que se propõe, para além da compreensão da sua constituição, a partir das fórmulas disponibilizadas. De outro modo, compromete-se a efetividade do Ideb como política pública de accountability , fragilizando o seu impacto na sociedade. À vista disso, o esforço deste tópico é demonstrar como esse processo é realizado e discutir suas razões.

A meta 6,0, estabelecida para os anos iniciais do Ensino Fundamental no Ideb, em 2021, serve como norteadora para o cálculo das metas intermediárias, a partir da aplicação de um modelo de regressão logística binária, utilizado para descrever o comportamento da relação entre uma variável dependente e uma ou mais variáveis preditoras (ou explicativas) ( BRASIL, 2009aBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009a. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n2_metas_intermediarias_IDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
http://download.inep.gov.br/download/Ide...
; GUJARATI; PORTER, 2011GUJARATI , D. N. ; PORTER , D. C. Econometria básica . 5 . ed. Porto Alegre : Editora AMGH , 2011 . ). Para o caso em que se tem apenas uma variável preditora, segundo Gujarati e Porter (2011)GUJARATI , D. N. ; PORTER , D. C. Econometria básica . 5 . ed. Porto Alegre : Editora AMGH , 2011 . , o modelo pode ser descrito pela seguinte equação geral:

y = 1 1 + e ( a + p × x ) (1)

em que o parâmetro α representa o valor médio de y quando x = 0 e γ representa o efeito da variável preditora x sobre a variável dependente y .

Dessa forma, para o cálculo das metas intermediárias para a trajetória do Ideb, considerou-se que o tempo t é a variável preditora – que representa o ano para o qual se pretende calcular a meta intermediária – e IDEB it é a variável resposta – que representa o valor do IDEB no ano t para determinada unidade educacional i (município, UF, Brasil, rede de Ensino ou escola) ( BRASIL, 2009bBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Brasília, DF: MEC/Inep, 2009b. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n1_concepcaoIDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
http://download.inep.gov.br/download/Ide...
). Assim, se pode reescrever a Equação 1 da seguinte forma:

I D E B i t = 10 1 + e [ a + h s t ] (2)

Para se obter estimativas no intervalo de 0 a 10, adotado pelo algoritmo do Ideb, foi preciso multiplicar a Equação 1 por 10. Para um tempo t suficientemente grande, o valor do IDEB converge a 10, no qual se assume o valor máximo, atingível na mais perfeita das ocasiões. 6 6 Matematicamente, lim_⟶→∞ . Entretanto, a metodologia para o cálculo das metas intermediárias do Ideb para as unidades educacionais apresenta 9,9 como valor de convergência ( BRASIL, 2009aBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009a. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n2_metas_intermediarias_IDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
http://download.inep.gov.br/download/Ide...
). O Gráfico 1 ilustra o procedimento utilizado para o cálculo da meta intermediária para o Ideb no ano t , a partir da Equação 2.

Gráfico 1
Modelo de regressão logística e comportamento esperado do Ideb ao longo dos anos

Assume-se como t 0 ( t = 0) o ano de 2005, para o qual foi calculado o Ideb inicial ( IDEB i 0 ), conforme o Gráfico 1 . Além disso, t f representa o tempo máximo (em anos) para que determinada unidade alcance a meta 6,0 preestabelecida. Esses valores são apresentados na Tabela 2 para cada etapa da Educação Básica. A partir deles, é possível estimar o “esforço” necessário para o alcance da meta (coeficiente γ i do modelo) e, assim, se projetarem para cada biênio as metas intermediárias para a trajetória do Ideb.

Tabela 2
Ideb inicial e tempo máximo para o alcance da meta para cada etapa da Educação Básica

Também é possível determinar o valor do coeficiente α do modelo em função do Ideb inicial ( IDEB i 0 ). Nesse caso, substituindo t = 0 na Equação 2, tem-se:

I D E B i 0 = 10 1 + e [ a + j ; 00 ] I D E B i 0 = 10 1 + e α 1 + e α = 10 I D E B i 0 e a = 10 I D E B i 0 1 = 10 I D E B i 0 I D E B i 0 (3)

Aplicando o logaritmo neperiano à Equação 3, tem-se:

ln e α = ln ( 10 I D E B i 0 I D E B i 0 ) α = ln ( 10 I D E B i 0 I D E B i 0 ) α = ln ( I D E B i 0 10 I D E B i 0 ) (4)

Substituindo a Equação 4 na Equação 2, pode-se determinar uma fórmula para o cálculo das metas intermediárias de cada unidade educacional:

I D E B i t = 10 1 + e [ ln ( D E B i 0 10 I D E B i 0 ) + % × × ] (5)

Essa equação é a primeira a ser apresentada na Nota Técnica que descreve o procedimento realizado pelo Inep ( BRASIL, 2009aBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009a. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n2_metas_intermediarias_IDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
http://download.inep.gov.br/download/Ide...
). Entretanto, o numerador da equação nela trazida é igual a 1, o que retornaria valores pertencentes ao intervalo 0 e 1. Dessa forma, é preciso ressaltar a necessidade de considerar o numerador como 10, conforme expresso na Equação 5, para encontrarmos valores de acordo com a escala adotada pelo Ideb, o que precisa ser corrigido no documento oficial.

O “esforço” ( γ i ) de cada etapa da Educação Básica pode ser calculado considerando-se a meta nacional e as informações dispostas na Tabela 1 . Para fins de ilustração, calcula-se o “esforço” para que o Brasil alcance a meta 6,0, para os anos iniciais do Ensino Fundamental, em 2021 ( t = 16). Observe que, para essa etapa da Educação Básica, IDEB i 0 = 3,8. Substituindo esses valores na Equação 5, tem-se:

6 = 10 1 + e [ ln ( 3.8 10 3.8 ) + % × 16 ] 10 6 = 1 + e [ ln ( 3.8 6.2 ) + % × 16 ] 10 6 1 + e [ ln ( 3.8 6.2 ) + % / 1 × 16 ] 2 3 = e [ ln ( 3.8 6.2 ) + % / % × 16 ] (6)

Aplicando o logaritmo neperiano à Equação 6, tem-se:

In ( 2 4 ) = ln ( 3 , 8 6 , 2 ) γ i × 16 γ i = In ( 2 4 ) + ln ( 3 , 8 6 , 2 ) 16 = In ( 2 3 × 3 , 8 6 , 2 ) 16 = In ( 7 , 6 18 , 6 ) 16 γ i = In ( 38 93 ) 16 = In ( 93 38 ) 16 (7)

Esse valor representa o “esforço” procurado que será útil para determinar as metas intermediárias da trajetória do Ideb para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Para isso, inicialmente, aplica-se a função exponencial à Equação 7:

e π / = e ln ( 93 18 ) 16 e π / = e 1 ( 93 36 ) 16 = e 1 16 × ln ( 93 38 ) = ( 93 38 ) 1 16 e 1 / i = ( 93 38 ) 1 16 (8)

Substituindo a Equação 8 na Equação 5, tem-se:

I D E B i t = 10 1 + e [ ln ( I D E B 10 10 D E B i 0 ) + η 1 t = 10 1 + e [ ln ( I D E B 10 10 D E B i 0 ) ] × e γ T t t I D E B i t 10 1 + ( 38 93 ) 1 16 = t × e [ ln ( D E B i 0 10 D E B i 0 ) ] I D E B i t = 10 1 + ( 38 93 ) 1 16 t × ( 10 D E B i 0 D D E B i 0 ) (9)

Dessa forma, para calcular a meta intermediária para o Brasil em 2013, considerando os anos iniciais do Ensino Fundamental, basta substituir o valor de t = 8 (2013–2005), na Equação 9. Assim:

I D E B i 8 = 10 1 + ( 38 93 ) 1 16 × 8 × ( 10 3 , 8 3 , 8 ) 4 , 9

Analogamente, pode-se calcular o “esforço” para o alcance da meta nacional e as metas intermediárias para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio no âmbito nacional. Entretanto, para as edições iniciais do Ideb, em todas as etapas, foi preciso considerar as dificuldades enfrentadas pelas unidades educacionais para ajustarem-se à nova proposta e, assim, atingir as metas bienais.

Para contornar esse problema, as metas intermediárias calculadas foram suavizadas até que fosse realizada a transição dos estudantes expostos ao antigo e ao novo sistema. De acordo com Brasil (2009aBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009a. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n2_metas_intermediarias_IDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
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, p. 9), “[...] esta fase de transição se encerra quando o grupo de estudantes da rede avaliada tiver frequentado apenas o novo sistema durante toda a Educação Básica”.

Desse modo, as metas intermediárias foram calculadas pela média aritmética ponderada pelo tempo mínimo que um estudante leva para completar cada etapa da Educação Básica, conforme a equação abaixo:

I D E B i t = I D E B i 0 × ( T t T ) + I D E B i t × ( t T ) , T > t (10)

em que IDEB i t ** é a meta intermediária suavizada e T assume os valores 4 e 8, para os anos inicial e final do Ensino Fundamental, respectivamente, e 11 para o Ensino Médio.

Para os anos iniciais do Ensino Fundamental em 2007, por exemplo, pode-se calcular a meta intermediária suavizada, determinando, inicialmente, o valor obtido, substituindo o valor t = 2 (2007–2005) na Equação 9. Em seguida, insere-se o valor encontrado na Equação 10, conforme segue:

I D E B i 2 = 10 1 + ( 38 93 ) 1 16 × 2 × ( 10 3 , 8 3 , 8 ) 4 , 067

Considerando o arredondamento, o valor 4,1 representaria a meta para o Ideb em 2007, sem a suavização. Substituindo o valor encontrado na Equação 10, tem-se:

I D E B i 2 = 3 , 8 × ( 4 2 4 ) + 4 , 067 × ( 2 4 ) 3 , 93

Portanto, considerando o arredondamento, a meta suavizada para os anos iniciais do Ensino Fundamental em 2007 é 3,9. A Tabela 3 apresenta as metas intermediárias para a trajetória do Ideb para cada etapa da Educação Básica no âmbito nacional.

Tabela 3
Metas Intermediárias para o Ideb para cada etapa da Educação Básica

Os resultados alcançados pelos anos iniciais do Ensino Fundamental são animadores e sinalizam que o Brasil deve atingir a meta 6,0 dentro do prazo estipulado, o que não deve acontecer para os anos finais do ciclo e para o Ensino Médio, etapas em que, desde 2013, o país não tem alcançado a meta. É preciso refletir, também, que, nos anos em que a meta foi alcançada para essas etapas, houve suavização, indicando que a prática não foi suficiente para auxiliar as unidades educacionais a enfrentar as dificuldades existentes no ajuste da nova proposta.

A definição das metas intermediárias para os Estados e os Municípios 7 7 Para o cálculo das metas intermediárias para Estados e Municípios, é definido um limite mínimo de 65% para a taxa de aprovação. Logo, para evitar vieses na nota do Ideb, esse valor é o considerado para o cálculo do indicador nos casos em que se tem uma taxa de aprovação inferior a ele. se faz considerando o valor de convergência ( IDEB it 0 = 9,9) e o tempo para, em âmbito nacional, atingi-lo, além do Ideb inicial calculado para cada etapa da Educação Básica.

Destarte, assume-se como pressuposto que a desigualdade existente entre os Estados, os Municípios e a Federação reduza-se ao longo do tempo, até que, em determinado ano, todos possuam um mesmo Ideb ( BRASIL, 2009aBRASIL. Ministério da Educação. Nota técnica: metodologia utilizada para o estabelecimento das metas intermediárias para a trajetória do Ideb no Brasil, Estados, Municípios e Escolas. Brasília, DF: MEC/Inep, 2009a. Disponível em: http://download.inep.gov.br/download/Ideb/Nota_Tecnica_n2_metas_intermediarias_IDEB.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020 .
http://download.inep.gov.br/download/Ide...
). O Gráfico 2 ilustra o procedimento utilizado para o cálculo da meta intermediária para o Ideb no ano t , para Estados e Municípios. Nele, adota-se t f como o tempo para atingir o valor de convergência.

Gráfico 2
Procedimento utilizado para o cálculo da meta intermediária do Ideb para Estados e Municípios

Para fins de ilustração, calcula-se t f considerando os anos iniciais do Ensino Fundamental. Substituindo o valor de convergência (9,9) na Equação 9, tem-se:

9 , 9 = 10 1 + ( 38 93 ) 1 16 × t × ( 10 3 , 8 3 , 8 ) 1 + ( 38 93 ) 1 16 × t × ( 6 , 2 3 , 8 ) = 10 9 , 9 ( 38 93 ) 1 16 × t = 10 9 , 9 1 6 , 2 3 , 8 = 1 99 6 , 2 3 , 8 = 3 , 8 99 × 6 , 2 = 3 , 8 613 , 8 = 19 3069 ( 38 93 ) 1 16 × t = 19 3069 (11)

Aplicando o logaritmo neperiano à Equação 11, tem-se:

1 16 × t × In ( 38 93 ) = In ( 19 3069 ) t = In ( 19 3069 ) × 16 In ( 38 93 ) 91

Portanto, considerando 2005 como marco inicial para o cálculo do Ideb, o Brasil atingirá, para os anos iniciais do Ensino Fundamental, o valor 9,9 de convergência no ano de 2096 (2005 + 91). De forma análoga, pode-se calcular o tempo de convergência para os anos finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, no âmbito nacional, e, a partir desse, determinar o “esforço” para o alcance do valor de convergência nesse período, conforme ilustrado no Gráfico 2 .

Com esses resultados, é possível projetar, para cada biênio, as metas intermediárias para a trajetória do Ideb para Estados e para Municípios, conforme realizado para a Federação, as suavizando com a Equação 10 no período necessário. Entretanto, essas equações possuem um caráter meramente diagnóstico, em termos de efetividade, indicando a meta que certa unidade precisa alcançar em determinada edição, sem prescrever as estratégias que ela pode adotar para tal.

Dessa forma, há indícios que nos permitem inferir que a concepção de qualidade da Educação assumida pelo Ideb está, sobretudo, atrelada à capacidade de se produzirem resultados quantitativos. Em concordância com Sousa (2014SOUSA , S. Z. Concepções de qualidade da Educação básica forjadas por meio de avaliações em larga escala . Avaliação (Campinas) , v. 19 , p. 407 - 420 , jul . 2014 . https://doi.org/10.1590/S1414-40772014000200008
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, p. 411), as análises realizadas ao norte sinalizam para a ênfase dos “[...] produtos em detrimento dos processos”, tanto na construção do seu algoritmo quanto na projeção de metas a serem alcançadas pelas esferas dos sistemas educacionais brasileiros, desconsiderando “[...] os contextos de produção e reprodução dos saberes escolares”.

Embora não haja um documento oficial que associe, diretamente, essa concepção à alguma experiência internacional, em entrevista concedida à jornalista Marta Avancini, da Revista Educação, publicada em 10 de setembro de 2011 8 8 Essa entrevista encontra-se disponível em: https://revistaeducacao.com.br/2011/09/10/o-mentor-da-equacao/ . Acesso em: 6 ago. de 2020. , o mentor da metodologia e, na ocasião, presidente do Inep, Reynaldo Fernandes, relatou que, para propor o indicador brasileiro, ele se inspirou na Lei de Responsabilidade Educacional dos Estados Unidos ( No Child Left Behind – Nclb), à qual se referiu como uma ação exitosa para a melhoria do desempenho escolar dos estudantes daquele país.

De fato, há muitas similaridades entre o Ideb e a Nclb, como a priorização de alguns conteúdos (Língua Vernácula e Matemática) e o seu desenvolvimento em um sistema que prevê metas para a qualidade da Educação e para sua trajetória ao longo dos anos. Enquanto, no Brasil, o prazo estipulado para o cumprimento dessas metas foi de 14 anos (2007-2021), no país anglo-saxônico, a política educacional durou 12 anos (2002-2014). Além disso, em ambos se percebe a supervalorização dos resultados publicitados, que passam a ser utilizados como meios de transferência de recursos financeiros e, consequentemente, práticas extremas de responsabilização.

Assim, também há indícios que sinalizam que essa concepção se desenvolveu a partir da apropriação ontológica do conceito de qualidade educacional assumido pelo país norte-americano. Nessa vertente, novamente as diferenças entre os países, bem como as particularidades do sistema educacional brasileiro, foram desconsideradas, sinalizando a fragilidade do indicador como política pública educacional, cujo desenvolvimento, sem o devido acompanhamento e apoio governamental para superar os obstáculos evidenciados, torna-se vago.

6 Considerações finais

Desde sua criação, em 2007, o Ideb tem ganhado relevante destaque nos debates sobre a qualidade da Educação no país. A importância que vem sendo atribuída ao indicador, ao longo dos anos, evidencia a necessidade de se desenvolver estudos que considerem suas concepções e desdobramentos para a Educação brasileira.

Neste artigo, elaborado sob os pressupostos teórico-metodológicos do paradigma indiciário, foram evidenciados o rigor matemático utilizado na concepção do Ideb e o cuidado dos profissionais do MEC/Inep em diferenciar as metas bienais projetadas para cada modalidade de Ensino e em todas as esferas administrativas. Para além, algumas limitações e fragilidades do indicador foram expostas a partir da análise dos componentes de seu algoritmo e do processo metodológico que culminou na projeção dessas metas.

Percebeu-se que, como política de avaliação, o Ideb dialoga com o centro, apropriando-se da concepção de qualidade por ele adotada, que está, sobretudo, atrelada à capacidade de se produzirem resultados quantitativos. Porém, o indicador não leva em consideração as especificidades da periferia, nesse caso, a realidade educacional brasileira, comprometendo a fidedignidade dos resultados evidenciados.

Nessa vertente, se por um lado o controle de fatores com comprovada influência no desempenho escolar dos estudantes brasileiros, como o nível socioeconômico, a infraestrutura das escolas, a formação e a valorização docente, por exemplo, podem ocasionar perda do parâmetro de comparação internacional, por outro lado, é essencial que as múltiplas faces do nosso sistema educacional, bem como os fatores contextuais que revelem as suas particularidades, sejam considerados, de modo a refletir em uma análise mais sistêmica da Educação no Brasil.

Também se discutiu sobre o caráter diagnóstico, em termos de resultado, adotado pelo indicador. Conforme já destacado por Soares e Xavier (2013)SOARES, J. F.; XAVIER, F. P. Pressupostos educacionais e estatísticos do Ideb. Educação & Sociedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 903 - 923 , set . 2013 . https://doi.org/10.1590/S0101-73302013000300013
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, o algoritmo do Ideb apenas permite decidir se os estudantes possuem as habilidades adequadas para o seu ano escolar em Língua Portuguesa e em Matemática, e se foram aprovados ou não, sem prescrever estratégias que auxiliem o incremento da qualidade da Educação Básica.

Além disso, com a ampla divulgação dos seus resultados, criou-se uma falsa premissa de que são referências aquelas unidades com maiores notas no indicador, utilizadas em diversos estudos, voltados a identificar e divulgar boas práticas escolares e de gestão que, em tese, corroboram para tais práticas ( SOARES; SOARES; SANTOS, 2020bSOARES , D. J. M ; SOARES , T. E. A. ; SANTOS , W. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB): revisão sistemática da literatura . Meta: Avaliação , Rio de Janeiro , v. 12 , n. 37 , p. 912 - 932 , dez . 2020b . https://doi.org/10.22347/2175-2753v12i37.2773
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).

Esses fatos nos levam a repensar a efetividade do Ideb como política de avaliação da Educação Básica, a partir da forma em que foi concebido, e a defender a necessidade de reconceituar essa ideia de escolas-referência , considerando a pluralidade dos contextos educativos e as tensões que configuram a realidade escolar para além dos resultados do indicador.

Isso posto, é oportuno abordar, em pesquisas futuras, de que forma o contexto em que as escolas estão inseridas, bem como suas características particulares oferecem impacto nos resultados das avaliações externas e, por conseguinte, investigar uma metodologia de análise que possa ponderar essas características, indicando unidades com efetivo destaque, que poderão sinalizar para novas possibilidades cotidianas e ações de resistência que se sustentam pelo fortalecimento da qualidade da Educação pública.

Por fim, ressalta-se que, embora estejamos próximos à data-limite estabelecida para o cumprimento da meta nacional, o Inep já tem sinalizado para a ampliação da política por meio da publicação da Portaria n° 556, de 2 de outubro de 2020, que instituiu o grupo de trabalho responsável pela elaboração de estudo técnico para subsidiar a atualização do indicador ( BRASIL, 2020bBRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 556, de 2 de outubro de 2020b. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out . 2020 . ). Dessa forma, é preciso lutar para que se possa desenvolver uma política de avaliação mais consistente, que não produza distorções e que seja válida, transparente e efetiva ao retratar a Educação brasileira.

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto Federal de Minas Gerais, campus Piumhi, e à Universidade Federal do Espírito Santo pelo apoio ao desenvolvimento desta pesquisa.

Referências

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    » https://doi.org/10.1590/S0104-40362011000500003
  • 1
    Agradecemos ao Instituto Federal de Minas Gerais, campus Piumhi, e à Universidade Federal do Espírito Santo pelo apoio ao desenvolvimento desta pesquisa.
  • 2
    Autarquia federal vinculada ao MEC.
  • 3
  • 4
    Trade off é um conceito das Ciências Econômicas que representa relações inversas entre variáveis. À medida que se pretende aumentar uma variável, se espera que a outra diminua ( TRAVITZKI, 2020TRAVITZKI , R . Qual é o grau de incerteza do Ideb e por que isso importa? Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação , Rio de Janeiro , v. 28 , n. 107 , p. 500 - 520 , abr./jun. 2020 . http://dx.doi.org/10.1590/s0104-40362020002801770
    http://dx.doi.org/10.1590/s0104-40362020...
    ).
  • 5
    A adoção desse ciclo se deu por uma aproximação de faixas etárias médias, considerando que, no Pisa, participam apenas estudantes com 15 anos, independentemente da série em que estudam.
  • 6
    Matematicamente, lim_⟶→ .
  • 7
    Para o cálculo das metas intermediárias para Estados e Municípios, é definido um limite mínimo de 65% para a taxa de aprovação. Logo, para evitar vieses na nota do Ideb, esse valor é o considerado para o cálculo do indicador nos casos em que se tem uma taxa de aprovação inferior a ele.
  • 8
    Essa entrevista encontra-se disponível em: https://revistaeducacao.com.br/2011/09/10/o-mentor-da-equacao/ . Acesso em: 6 ago. de 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    23 Dez 2020
  • Aceito
    10 Ago 2022
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