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Plano de Desenvolvimento da Educação e Plano de Ações Articuladas: interferências e contradições do Plano de Ações Articuladas na gestão dos sistemas municipais de ensino em Goiás1 1 Esta pesquisa é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no âmbito da Chamada Pública MCTI/CNPq nº 14/2013 - Universal.

The Education Development Plan and the Articulated Action Plan: interferences and contradictions of the Articulated Action Plan in the management of municipal education systems in Goiás

Plan de Desarrollo de la Educación y Plan de Acciones Articuladas: interferencias y contradicciones del Plan de Acciones Articuladas en la gestión de los sistemas municipales de enseñanza en Goiás

Resumo

O artigo analisa as interferências do Plano de Desenvolvimento da Educação e do Plano de Ações Articuladas (PAR) na gestão dos sistemas municipais de ensino em Goiás. A pesquisa utiliza como metodologia de coleta de dados a análise documental, a aplicação de questionários e a realização de entrevistas semiestruturadas com secretários municipais de educação. Os resultados demonstram as relativas interferências do Plano de Ações Articuladas na gestão dos sistemas e na constituição de práticas de planejamento educacional nos municípios, bem como as contradições concernentes à perspectiva de gestão e planejamento contida no PAR no contexto dos sistemas municipais de ensino.

Gestão de Sistemas Educacionais; Planejamento da Educação; Plano de Desenvolvimento da Educação; Plano de Ações Articuladas

Abstract

The article analyzes the interference of the Education Development Plan and the Articulated Action Plan (PAR) in the management of municipal education systems in Goiás, Brazil. Data collection was made by documentary analysis, means of application of questionnaires and half-structured interviews. The results demonstrate the relative interference of the Articulated Action Plan on management systems and the constitution of educational planning practices in municipalities, as well as the contradictions concerning the perspective of management and planning contained in the PAR in the context of municipal education systems.

Educational Systems Management; Educational Planning; Education Development Plan; Articulated Action Plan

Resumen

El artículo analiza las interferencias del Plan de Desarrollo de la Educación y del Plan de Acciones Articuladas (PAR) en la gestión de los sistemas municipales de enseñanza en Goiás. La investigación utiliza como metodología de recolección de datos el análisis documental, la aplicación de cuestionarios y la realización de entrevistas semiestructuradas con secretarios municipales de educación. Los resultados demuestran las relativas interferencias del Plan de Acciones Articuladas en la gestión de los sistemas y en la constitución de prácticas de planificación educativa en los municipios, así como las contradicciones concernientes a la perspectiva de gestión y planificación contenida en el PAR en el contexto de los sistemas municipales de enseñanza.

Gestión de sistemas educativos; Planificación de la Educación; Plan de Desarrollo de la Educación; Plan de Acciones Articuladas

1 Introdução

O presente estudo, referente aos resultados alcançados pela pesquisa “Organização e gestão dos sistemas municipais de educação em Goiás”, tem como objetivo analisar os impactos das atuais políticas públicas educacionais, em especial, do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e do Plano de Ações Articuladas (PAR) na organização e gestão dos sistemas municipais de ensino no Estado de Goiás2 2 A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9.394/1996 permitiram aos municípios criarem seus sistemas próprios de ensino, manterem-se integrados ao sistema estadual ou comporem um sistema único com o Estado. Ao permitir a criação do Sistema Municipal de Ensino (SME), a LDB considera a autonomia do município para organizar e administrar o seu sistema próprio de ensino de acordo com suas necessidades locais. Esse sistema de ensino será composto por uma rede de escolas mantidas e administradas pelo poder municipal, um órgão gestor, a Secretaria Municipal de Educação e um órgão normativo e fiscalizador, o Conselho Municipal de Educação (BRASIL, 1988; BRASIL, 1996; SARMENTO, 2005). .

A constituição da amostra da pesquisa se deu, inicialmente, pela definição dos elementos conceituais e institucionais que caracterizam um sistema municipal de ensino. Segundo a literatura da área, o processo de institucionalização do sistema municipal de ensino desenvolve-se com a formulação de um conjunto de leis e decretos capazes de regulamentar e definir sua estrutura, dentre eles, a Lei municipal de criação do sistema municipal de ensino, a Lei municipal de criação do conselho municipal de educação, a Portaria de criação do comitê local do compromisso, a Lei de criação do conselho do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e a Lei de criação do plano de cargos e salários para os profissionais da educação (BORDIGNON, 2009BORDIGNON, G. Gestão da educação no município: sistema, conselho e plano. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2009.; ROMÃO, 2010ROMÃO, J. E. Sistemas municipais de educação: a lei de diretrizes e bases e a educação no município. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2010.).

Para definir com maior precisão os municípios e os respectivos sistemas municipais de ensino que fariam parte da pesquisa, adotaram-se os seguintes critérios:

  1. municípios com menos de 20.000 habitantes a partir dos dados disponibilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE3 3 Os municípios com menos de 20.000 habitantes correspondem, aproximadamente, a 80% dos municípios goianos (IBGE, 2016). ;

  2. municípios que institucionalizaram seus sistemas municipais de ensino, ou seja, possuem legislação que regulamenta a criação e a existência da secretaria municipal de educação, do conselho municipal de educação, do comitê local do compromisso, do conselho do Fundeb e do plano de cargos e salários para os profissionais da educação;

  3. 22% dos municípios goianos com menos de 20.000 habitantes e que institucionalizaram seus sistemas municipais de ensino;

  4. 11% dos municípios com as menores notas e 11% dos municípios com as maiores notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) 2011;

  5. definição dos municípios participantes por sorteio.

Com base nos critérios descritos para definição da amostra, foram escolhidos os seguintes municípios no Estado de Goiás: Israelândia, Itaguari, Ouro Verde, Morro Agudo de Goiás, Palmelo, Rubiataba, Aparecida do Rio Doce, Flores de Goiás, Panamá, Vicentinópolis, Turvelândia e Goianápolis.

A pesquisa utilizou como metodologia de coleta de dados, a análise documental, a aplicação de questionários e a realização de entrevistas semiestruturadas com os secretários municipais de educação. A análise documental apresentou-se como um recurso metodológico essencial para a investigação, pois possibilitou constituir um quadro conceitual, baseado em informações oficiais, sobre os dados e a estrutura educacional dos municípios da amostra, bem como contextualizar o funcionamento dos sistemas de ensino em Goiás. Em relação aos documentos oficiais investigados foram analisados a Lei municipal de criação dos sistemas municipais de ensino, a Lei municipal de criação dos conselhos municipais de educação, o regimento interno dos conselhos municipais de educação, a Portaria de criação do comitê local do compromisso, a Lei de criação dos conselhos do Fundeb, a Lei de criação dos planos de cargos e salários para os profissionais da educação e os Planos Municipais de Educação.

Após a análise documental, foram elaborados questionários e entrevistas semiestruturadas para serem aplicados aos secretários municipais de educação, a partir de áreas específicas de investigação provenientes das dimensões definidas pelo PAR: Perfil do Dirigente Municipal de Educação (DME) e Dados Educacionais do Município; Gestão Educacional; Condições de Profissionalização dos Trabalhadores em Educação; Infraestrutura Física e Recursos Pedagógicos. Em seguida, após o processo de coleta de dados, desenvolveu-se a fase de categorização e análise das informações realizada a partir do conteúdo das respostas dos secretários contidos nos questionários e entrevistas semiestruturadas. A regularidade ou incidência de determinados conteúdos presentes nas respostas dos secretários para explicar a realidade vivida na secretaria municipal de educação tornou-se a referência para se identificar a intensidade de determinadas categorias. Nesse processo de categorização foi possível identificar a participação, o controle e a autonomia quanto às categorias que aparecem com maior intensidade nas respostas dos secretários municipais de educação. A análise das entrevistas foi desenvolvida a partir da incidência dessas categorias e da articulação delas com o objeto de estudo da pesquisa. No caso dos questionários, as questões formuladas tiveram a preocupação de recuperar informações concernentes ao perfil do dirigente e do sistema de ensino, em especial, aos aspectos relativos às condições de trabalho, ao quadro técnico-administrativo, à infraestrutura e aos conselhos participativos. A análise dos dados contidos nos questionários obedeceu aos mesmos critérios de incidência e de intensidade determinado pelas respostas dos secretários municipais de educação às questões formuladas.

A realização da pesquisa possibilitou a verificação do perfil do dirigente e da estrutura educacional existentes nos municípios, bem como as contradições relativas às condições de trabalho e à manutenção dos sistemas, em que pese a quantidade de funcionários, infraestrutura, formação técnica etc. Diante desse contexto foram levantados questionamentos sobre as reais possibilidades de os sistemas cumprirem seus objetivos educacionais e os limites das atuais políticas públicas formuladas no campo do planejamento educacional, mais precisamente do Plano de Desenvolvimento da Educação e do Plano de Ações Articuladas no alcance de seus objetivos de alterarem a organização e a gestão dos sistemas municipais de ensino.

2 O planejamento educacional como política pública: limites e contradições do PAR

O planejamento educacional tem ganhado, nos últimos anos, significativo destaque como política pública. Essa perspectiva pode ser observada com a aprovação do PDE, do PAR e do Plano Nacional de Educação (PNE 2014–2024). Na ótica do governo federal, esse conjunto de políticas públicas tem, por finalidade, planejar a educação e propor o alcance de objetivos relativos à elevação da oferta e da qualidade da educação básica, a serem atingidos em médio e longo prazo.

Dentre as ações relativas ao planejamento educacional implementadas na presidência do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva (2003–2010), destacaram-se o PDE e o PAR, uma vez que introduziram um novo paradigma de planejamento para os sistemas municipais de ensino. O PDE foi lançado simultaneamente à promulgação do Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação4 4 O nome do plano de metas vincula o projeto governamental ao grupo de empresários responsáveis pela organização do movimento Compromisso Todos pela Educação (SAVIANI, 2007). visando a articular o conjunto das ações do Ministério da Educação (MEC) e, ao mesmo tempo, disponibilizar para os estados, os municípios e o Distrito Federal instrumentos de avaliação e de implementação de políticas voltados à melhoria da qualidade da educação (BRASIL, 2007; 2011aBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Plano de Ações Articuladas - PAR 2011-2014: guia prático de ações. Brasília, DF, 2011a.).

De acordo com o MEC, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pretende constituir um “novo regime de colaboração, que busca concertar a atuação dos entes federados sem lhes ferir a autonomia, envolvendo primordialmente a decisão política, a ação técnica e o atendimento da demanda educacional, visando à melhoria dos indicadores” (BRASIL, 2011bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Orientações para elaboração do plano de ações articuladas (PAR) dos municípios (2011-2014): versão preliminar. Brasília, DF, 2011b., p. 2). Os estados, os municípios e o Distrito Federal, ao aderirem ao Plano de Metas, são obrigados a elaborar o Plano de Ações Articuladas, que, na visão do governo, é um importante mecanismo de gestão, voltado para o planejamento de políticas educacionais em âmbito municipal e estadual constituindo-se em instrumento de avaliação e controle capaz de promover a qualidade da educação básica (BRASIL, 2007; 2011bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Orientações para elaboração do plano de ações articuladas (PAR) dos municípios (2011-2014): versão preliminar. Brasília, DF, 2011b.).

Assim, a partir do Decreto nº 6.094/2007, as ações de assistência técnica e financeira do MEC passaram a ocorrer mediante a adesão ao Plano de Metas e à elaboração do PAR. Para o governo, inaugurou-se um “novo regime de colaboração” entre os entes federados que vem possibilitando, em tese, maior aporte de recursos técnicos e financeiros, pois o PAR efetiva-se como termo de cooperação entre o MEC e o município capaz de transferir recursos financeiros adicionais. Ainda de acordo com o Decreto nº 6.094/2007, as ações de assistência técnica ou financeira permitem a implementação das 28 diretrizes e o cumprimento das metas do IDEB pelos municípios. O apoio técnico do MEC é orientado a partir de quatro dimensões relativas à gestão e ao planejamento dos sistemas municipais de educação, que são: I. gestão educacional; II. formação de professores e profissionais de serviços e apoio escolar; III. práticas pedagógicas e avaliação; IV. infraestrutura física e recursos pedagógicos (BRASIL, 2007bBRASIL. Decreto Nº 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. Diário Oficial da União, 25 abr. 2007b.). O município se compromete, ao aderir ao Termo de Adesão ao Plano de Metas “Compromisso Todos pela Educação”, a realizar ações para cumprir as diretrizes e alcançar as metas avaliativas estabelecidas pelo MEC.

Nos últimos anos, as pesquisas acadêmicas realizadas sobre o processo de implementação do PAR, nos municípios brasileiros, revelaram que houve vários problemas no processo de operacionalização do plano. Em relação aos avanços identificados na implementação, foi possível identificar em alguns municípios, ainda que de forma isolada, uma maior direção conceitual e metodológica para o planejamento educacional por meio do instrumento de diagnóstico do PAR (FONSECA; ALBUQUERQUE, 2012FONSECA, M.; ALBUQUERQUE, S.V. O PAR como indutor do planejamento da educação municipal. Série Estudos, n. 34, p. 61-74, jul./dez. 2012.). Entretanto, os avanços foram permeados por contradições, alguns municípios queixaram-se da quantidade limitada de técnicos do MEC para orientar o processo de diagnóstico/implementação das etapas constituídas no PAR, bem como a pressa e a objetividade dos técnicos do Ministério na forma de condução das orientações prestadas aos municípios, cujo sentido primordial foi alcançar bons resultados educacionais materializados na elevação das notas do IDEB. A maior parte dos resultados das pesquisas demonstraram sérias limitações estruturais e técnicas para operacionalizar o processo de diagnóstico e a realização das ações nos municípios (FERREIRA; FONSECA, 2013FERREIRA, E. B.; FONSECA, M. (Orgs.). Política e planejamento educacional no Brasil do século 21. Brasília, DF: Liber Livro, 2013.; FONSECA; ALBUQUERQUE, 2012FONSECA, M.; ALBUQUERQUE, S.V. O PAR como indutor do planejamento da educação municipal. Série Estudos, n. 34, p. 61-74, jul./dez. 2012.; SCHNEIDER; NARDI; DURLI, 2012SCHNEIDER, M. P.; NARDI, E. L.; DURLI, Z. O PDE e as metas do PAR para formação de professores da educação básica. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 20, n. 75, p. 303-24, abr./jun. 2012. https://doi.org/10.1590/S0104-40362012000200005
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; SILVA; FERREIRA; OLIVEIRA, 2014SILVA, L. G. A.; FERREIRA, S.; OLIVEIRA, J. F. O planejamento educacional no Brasil: políticas, movimentos e contradições na gestão dos sistemas municipais. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 30, n. 1, p. 79-95, jan./abr.2014. https://doi.org/10.21573/vol30n12014.50014
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).

Outros estudos foram realizados sobre a temática. As pesquisas de Roos (2012)ROOS, C. O PAR (Plano de Ações Articuladas) e a gestão municipal. 2012. 99 f. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2012. e Alves (2012)ALVES, S.B. A autonomia da gestão educacional municipal no contexto das políticas de descentralização a partir da implementação do plano de ações articuladas. 2012. 100 f. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2012. revelaram que os municípios de São Leopoldo e Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul, e Itabela e Teixeira de Freitas, na Bahia, vincularam-se ao PAR por meio de um processo de adesão voluntária, definido no Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Todavia, essa adesão, nomeada pelo MEC como voluntária foi compreendida pelos gestores municipais como oportunidade de obtenção de recursos financeiros adicionais. A forma como ocorreu o processo de adesão à política pública e os detalhes concernentes ao próprio mecanismo de planejamento e gestão consubstanciado no PAR revelaram uma concepção restrita de regime de colaboração defendida pelo governo federal. A regulação externa, formulada pelo instrumento PAR, em especial no procedimento de diagnóstico, na definição das metas e nos mecanismos de controle não contemplaram as especificidades do âmbito municipal e, tampouco, respeitaram o tempo cronológico de efetivação de muitas ações, que exigiram intervenções burocráticas na forma de execução. Os resultados das pesquisas evidenciaram que o processo de elaboração e implementação do plano no contexto local encontrou limitações decorrentes da falta de condições técnicas e financeiras dos municípios para implementar as ações de sua responsabilidade no plano, da insuficiência de controle e acompanhamento da política pelo governo federal, da dificuldade de articular as políticas redistributivas da União com as políticas municipais, da ausência de diálogo entre as esferas e instâncias governamentais no processo de descentralização das ações da União.

A tese de Camini (2009)CAMINI, L. A gestão educacional e a relação entre entes federados na política educacional do PDE/Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. 2009. 294 f. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. teve como foco principal a análise do processo de descentralização contida no Plano de Metas Compromisso e sua execução por meio do Plano de Ações Articuladas nos estados e municípios, tendo, como focos de estudo, a relação do MEC com os entes federados e a gestão educacional. A autora esclarece que a construção da política educacional no Plano se caracteriza pela centralização da União na definição das ações e metas e a descentralização controlada de responsabilidades para os demais entes federados, em troca de apoio técnico e financeiro. Ficou demonstrado também que o equilíbrio na relação intergovernamental só pode ser alcançado por meio do debate, de acordos pactuados com base em relações horizontais, preservando-se a autonomia dos entes federados. Para a autora, a tese da redução da intervenção do estado (via privatização, transferência direta de responsabilidades) não se confirma nesse processo, pois há relativa disposição de recursos financeiros adicionais para os entes participantes. Assim, o estudo revela a permanência das contradições e a disputa existente na sociedade brasileira entre a concepção de gestão democrática e a condução da gestão gerencial/burocrática mantida pelas elites (CAMINI, 2009CAMINI, L. A gestão educacional e a relação entre entes federados na política educacional do PDE/Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. 2009. 294 f. Tese (Doutorado em Educação) — Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.).

Esses estudos acadêmicos apresentam detalhes do processo de implementação do Plano de Ações Articuladas nos municípios brasileiros e demonstram, sobretudo, que os relativos avanços, obtidos com essa política de planejamento e gestão dos sistemas de ensino, convivem com significativas contradições decorrentes das incoerências manifestas entre o processo de implementação e as condições estruturais dos sistemas de ensino, resultando em efetivas limitações para a consolidação do plano.

3 Perfil do dirigente e condições estruturais das secretarias municipais de educação em Goiás

As análises realizadas neste tópico têm, como referência, os questionários individuais aplicados aos secretários municipais de educação com o objetivo de recuperar dados relativos ao perfil do secretário e as condições estruturais das secretarias municipais de educação. Foram aplicados 12 questionários relativos à totalidade dos municípios da amostra.

Em relação ao perfil do dirigente para a ocupação do cargo, nove secretários são professores concursados nos sistemas públicos de ensino municipal e estadual, licenciados, para ocupar a função de secretário municipal. Trata-se de um ponto positivo, considerando-se a tradição patrimonialista ainda presente na condução ao cargo de dirigente municipal no interior de Goiás. Diante do cenário de forte patrimonialismo e indicação política para o cargo de dirigente municipal, a constatação da pesquisa de que a maioria dos secretários municipais de educação é originária da área educacional e professores licenciados da rede pública representa um avanço político, pois a formação acadêmica, a experiência como docente e o conhecimento referente aos desafios do universo escolar são elementos relevantes para a percepção dos problemas relativos à gestão do sistema de ensino (SILVA, 2009SILVA, L. G. A. Os processos de dominação na escola pública. Goiânia: Editora PUC-GO, 2009.).

Os dados demonstram, todavia, que a preparação profissional e a experiência técnica na função de secretário municipal de educação são relativamente pequenas. Dos 12 secretários investigados, que compõem a amostra, apenas quatro tiveram alguma experiência anterior na função e somente a metade deles, ou seja, seis secretários fizeram curso de gestão pública antes de ocupar o cargo.

Outro aspecto relevante que demonstra a precarização na estrutura das secretarias municipais de educação é o reduzido número de técnicos administrativos para a realização do trabalho pedagógico e burocrático. Para demonstrar essa questão, no universo de 12 municípios da amostra, sete deles possuem até três funcionários responsáveis pela parte administrativa e pedagógica nas secretarias. Evidentemente, essa deficiência na quantidade de profissionais interfere no desempenho das secretarias e compromete a realização dos trabalhos. Outro ponto a ser considerado é a quantidade de funcionários temporários. A metade dos técnicos atuantes nas secretarias é contratada e não consegue permanecer no cargo por longo período, condição que atrapalha o andamento dos serviços a serem prestados pela secretaria de educação devido à rotatividade dos funcionários.

Constatou-se que, na maioria dos municípios, a secretaria municipal de educação é o principal agente definidor, ou o centro efetivo de definição dos objetivos e metas a serem alcançadas no processo de elaboração do PAR, tendo relativa participação do conselho municipal de educação. Os demais agentes educacionais, como os professores e outros educadores, não têm participação efetiva no processo. Com isso, pode-se concluir que há um significativo processo de controle exercido pelos secretários concernente às principais decisões e, consequentemente, o enfraquecimento dos princípios democráticos.

Em geral, no aspecto concernente à formação inicial, as secretarias não possuem convênios firmados com instituições de ensino superior com o objetivo de oferecer cursos de formação inicial, pois a maioria dos professores já possui o curso de licenciatura. Todavia, há relativa preocupação com a formação continuada dos professores: das 12 secretarias, das quais nove têm programas próprios, cujo objetivo é a formação continuada dos professores. Os cursos ministrados consistem em oficinas didáticas e cursos práticos concernentes à dinâmica de gestão e organização da escola. Salienta-se que os professores, em sua maioria, não são consultados em relação aos conteúdos dos cursos oferecidos, e a capacitação dos coordenadores pedagógicos é inexistente na maioria dos municípios. Esses últimos dados são preocupantes, na medida em que mostram a ausência de mecanismos públicos de consulta e, principalmente, a carência de um projeto de formação inicial e continuada construído de forma coletiva com o conjunto dos docentes e profissionais da educação. Assim, quem define as prioridades concernentes à formação é exclusivamente a secretaria, que opta pela formação que mais lhe convém, desconsiderando as reais necessidades sentidas por aqueles que ocupam as funções diretas dentro das unidades escolares.

Em relação aos salários, os municípios pagam o piso salarial e mantêm o plano de carreira para os professores sustentados nos pilares da qualificação profissional e do tempo de serviço. Assim, professores podem ter aumento salarial a partir dos cursos de formação realizados e do tempo de serviço na função. Como apresentado nos dados, os professores têm reduzida participação na definição dos cursos a serem oferecidos pelas secretarias. Assim, pode-se aferir que os professores têm dificuldades para conseguir ascensão no plano de cargos e salários, por meio do dispositivo da formação continuada, em razão de a própria secretaria calcular antecipadamente os impactos financeiros da oferta de determinados cursos sobre a folha de pagamento do município. Salienta-se que, nos municípios da amostra, não há sistema de incentivos como bonificação ou mecanismos efetivos de avaliação do rendimento profissional como estratégia para transferir recursos financeiros adicionais aos professores.

Em relação ao provimento do cargo de diretor escolar, oito municípios mantêm a indicação política como procedimento para o exercício da função. Esse tipo de acesso ao cargo é temerário, como esclarece a literatura sobre gestão educacional, pois pode ocorrer que os interesses político-partidários se sobreponham às necessidades educacionais da comunidade escolar. No que se refere aos coordenadores pedagógicos, a maioria é indicada pelos diretores. Esse procedimento de indicação de diretores e de coordenadores pedagógicos pode causar significativos problemas para a gestão da escola, pois tal procedimento tende a gerar relações de subserviência dos docentes e demais profissionais a interesses externos à escola e, na maioria das vezes, cria um ambiente de desconfiança e intensificação das disputas por poder na gestão da escola (SILVA, 2009SILVA, L. G. A. Os processos de dominação na escola pública. Goiânia: Editora PUC-GO, 2009.; SOUZA, 2012SOUZA, A. R. A natureza política da gestão escolar e as disputas pelo poder na escola. Revista Brasileira de Educação. v. 17, n. 49, p. 159-74, abr. 2012. https://doi.org/10.1590/S1413-24782012000100009
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).

Na maioria dos municípios da amostra, o Plano de Ações Articuladas foi elaborado em 2007 e, entre todos, nove possuem o Comitê Local de Compromisso. A existência do comitê é uma condição para a institucionalização dos procedimentos do PAR, mas os secretários assumem que têm dificuldades para conseguir reunir a comunidade para discutir os problemas educacionais e garantir o trabalho contínuo do comitê. Essa constatação, sobre a dificuldade dos secretários em estabelecer práticas democráticas, reforça-se quando cruzada com a informação de que a maioria dos municípios não elaboraram o plano municipal de educação ou não o utilizam para a definição das políticas educacionais do município. Acrescenta-se a isso, a inexistência de procedimentos diretos de escolha coletiva para o cargo de diretor e coordenador pedagógico, bem como a limitada participação dos professores na definição das prioridades do PAR e da escolha dos cursos de formação. A partir desses dados, é possível aferir que as secretarias têm dificuldades em instituir práticas efetivamente democráticas nos municípios em razão das condições estruturais e da forte centralização política.

4 As relativas interferências do PAR na gestão dos sistemas municipais de ensino

Essa parte do texto refere-se à análise de trechos das entrevistas semiestruturadas realizadas com os secretários municipais de educação dos municípios da amostra. Foram realizadas entrevistas com 11 secretários municipais de educação, do total de 12 municípios participantes da pesquisa.

Em relação ao Plano de Ações Articuladas, na maioria dos municípios houve orientação da Secretaria Estadual de Educação do Estado de Goiás, em parceria com o MEC, com o objetivo de ajudar os sistemas a implantar o plano. Nesse processo constituiu-se o diagnóstico da situação educacional dos sistemas de ensino e a formulação de metas a serem alcançadas a médio e longo prazo. Diante do cenário de inexistência de planos municipais de educação na maioria dos municípios, o PAR tornou-se a principal referência concernente à elaboração de ações e práticas coordenadas, bem como transferiu uma percepção inicial de planejamento educacional.

Segundo o secretário 11, no processo de implementação do PAR, o próprio Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (Simec) forneceu para a secretaria municipal de educação dados sistematizados do funcionamento do sistema de ensino. O gestor acrescenta que as solicitações do Simec ajudaram a secretaria a fazer mais observações do cotidiano escolar e levantamento de informações. Na prática, esse movimento auxiliou o planejamento de gestão da secretaria. Segundo o gestor, a secretaria municipal de educação fazia as ações de acordo com as necessidades que surgiam no dia a dia, mas que por meio do PAR constituiu-se um projeto de longo prazo, traçado com um eixo em que o município precisaria executar durante anos para que a educação avançasse. Essa constatação da ausência de planejamento sistematizado é confirmada pelo secretário 6 ao afirmar que o município ficou sem plano municipal de educação nos últimos quatro anos à espera do Plano Nacional de Educação.

A secretaria 7 esclarece que o modelo de sistematização das ações conduzido pelo PAR induziu a uma mudança benéfica nas práticas de gestão da secretaria municipal de educação, ao criar a necessidade de ampliar o quadro de funcionários, para atender as novas demandas, gerenciar a parte dos conselhos, acompanhar as ações e se responsabilizar pela prestação de contas.

Evidentemente, essa percepção de planejamento trata de uma sensação restrita ao arcabouço instrumental do plano, contido na estrutura das dimensões e nas ações indicadas no instrumento. Como há uma significativa ausência de práticas de diagnóstico, planejamento e avaliação nas ações realizadas pelos sistemas de ensino, essa possibilidade de discussão dos problemas educacionais foi considerada como positiva pelos secretários municipais. Todavia, há críticas pontuais provenientes de alguns secretários, concernentes à ausência de autonomia para alterarem as ações e as limitações do instrumento a fim de contemplar as necessidades educacionais dos municípios. Essa contradição demonstra, por um lado, a carência de procedimentos e instrumentos de planejamento na gestão dos sistemas municipais de ensino e, por outro lado, a necessidade de se constituir uma efetiva discussão pública concernente ao papel e às responsabilidades dos sistemas municipais em um contexto de estado federativo, em que os entes devem estabelecer relações de compartilhamento de responsabilidades na oferta de educação pública (SILVA, 2017SILVA, L. G. A. O Plano de Ações Articuladas e o regime de colaboração: promessas não cumpridas de fortalecimento das relações de colaboração entre os municípios e a União. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 33, n. 2, p. 337-54, maio/ago. 2017. https://doi.org/10.21573/vol33n22017.70900
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).

No processo de implementação do plano, as entrevistas revelam que não houve a continuidade das discussões e reflexões pertinentes à situação educacional dos municípios, iniciadas com o diagnóstico, em razão das dificuldades de garantir a efetiva participação dos agentes educacionais no conselho de acompanhamento e controle do PAR. A fragilidade do comitê local demonstra essa dificuldade em assegurar as práticas participativas.

Segundo o secretário 2, no início da implementação do programa no município, o comitê local do PAR foi composto por diversos segmentos, mas atualmente está desativado. Essa situação é semelhante a descrita pelo secretário 8 ao declarar que o atual comitê local quase não funciona em razão das dificuldades de se constituir conselhos e mantê-los ativos.

A longo prazo as secretarias não mantiveram a prática de discussão coletiva sobre o PAR, e o resultado foi a concentração das ações restritas ao universo da secretaria municipal de educação. O secretário 6 esclarece que a secretaria municipal de educação foi a principal articuladora do PAR no município. Segundo o secretário, a princípio, durante o processo de elaboração das ações do plano, houve a participação de diversos seguimentos sociais: professores, pais, representantes de escolas estaduais, bem como, o grupo gestor da secretaria municipal de educação e os vereadores. Contudo, posteriormente, a articulação do plano foi definida apenas pela secretaria municipal de educação. O secretário 8, em seu depoimento, acreditava que a comissão que trabalhou com o PAR, cujo comitê ele fez parte, poderia ter feito um trabalho melhor de divulgação e debate do PAR. A comissão, a seu ver, não fez um estudo mais aprofundado das necessidades educacionais do município, envolvendo o conjunto dos grupos interessados – os pais dos alunos –, nem fez debates com representantes de bairro. Algo que teria sido importante para que a comunidade interagisse com o programa e teria servido para divulgar o PAR.

Efetivamente, o impacto mais relevante trazido pelo PAR foi a instauração de práticas de maior controle sobre o trabalho do secretário municipal de educação. Como o instrumento de planejamento concentra ações sob responsabilidade direta do secretário e o formato adotado pelos municípios para a realização das ações contidas no PAR foi de concentração de responsabilidades percebe-se um aumento do controle do trabalho realizado pelo secretário de educação. Esse controle manifesta-se na cobrança das ações fixadas pelos municípios diretamente no Simec, no acompanhamento das obras realizadas no município, no acompanhamento das ações pertinentes ao PAR e na prestação de contas on line.

De acordo com o depoimento do secretário 11, o Ministério da Educação conhece as demandas do município, as suas necessidades e o quanto vai receber de recursos financeiros para suprir essas solicitações. Dessa forma, segundo o secretário, instituiu-se um processo de maior controle sobre o trabalho dos gestores porque os instrumentos contidos no PAR/Simec permitem ao Ministério da Educação saber a quantidade de recursos obtidos pelo município e em que ação eles devem ser investidos na área da educação. O secretário 7 corrobora essa constatação ao salientar que a prestação de contas online demanda maior responsabilidade do gestor com os prazos definidos pelo sistema. O secretário esclarece que o procedimento de prestação de contas online estimulou maior agilidade e responsabilidade do gestor na prestação de contas, o que significa maior aproximação dos procedimentos associados a transparência.

O cumprimento dessas responsabilidades demanda significativa disposição de tempo e de recursos dos secretários, os quais, na maioria dos casos, não possuem técnicos administrativos e pedagógicos capazes de auxiliá-los na realização desse trabalho. São os próprios secretários de educação que cuidam diretamente das responsabilidades, tanto do processo de acompanhamento das ações, como da prestação de contas no Simec, atribuições que, na maioria das vezes, não são bem executadas em razão das limitações técnicas dos secretários, da ausência de infraestrutura nas secretarias e dos entraves pertinentes aos canais de comunicação criados pelo MEC para o esclarecimento de dúvidas sobre o PAR. Diante desse contexto, muitas secretarias municipais de educação não conseguem realizar plenamente o trabalho de acompanhamento das ações e prestação de contas, entrando em situação de pendência com o Ministério da Educação.

O PAR como instrumento de planejamento educacional, proveniente do governo federal, estabelece relações diretas com o desempenho dos sistemas municipais de ensino, nos testes de larga escala, como a Prova Brasil e os resultados do IDEB. Em geral, os secretários estão bastante preocupados com os resultados alcançados pelos sistemas municipais de ensino e pensam constantemente em estratégias pedagógicas capazes de alterar o desempenho dos alunos e os índices atingidos pelas escolas nos testes sistêmicos. Há uma percepção, entre os secretários, de que os parâmetros para definirem o nível e a qualidade de seu trabalho estão diretamente relacionados com os índices educacionais alcançados pelo município.

Segundo o depoimento do secretário 9, a análise dos resultados da Prova Brasil conduziu as secretarias municipais de educação a repensarem tanto os processos avaliativos realizados na escola, como as ações curriculares e as práticas pedagógicas desenvolvidas no cotidiano escolar. Essa compreensão é compartilhada pelo secretário 2, quando afirma que os resultados da Prova Brasil e do IDEB estão sendo utilizados para redefinirem as políticas educacionais do município, inclusive, tornando-se referência para a elaboração do plano municipal de educação que deve considerar essa questão.

Efetivamente, há um processo de relativa interferência dos dispositivos contidos no instrumento de planejamento PAR na gestão dos sistemas municipais. Todavia, o grau de interferência na gestão restringe-se à percepção dos secretários quanto à necessidade de intensificar as práticas de diagnóstico da situação educacional do município, de aumentar os esforços para garantir o cumprimento das ações acordadas no Termo de Compromisso do PAR, de elaborar estratégias pedagógicas capazes de melhorar os índices educacionais dos municípios nos testes sistêmicos, de aumentar o controle sobre o trabalho realizado pelo secretário de educação e de assegurar um processo efetivo de prestação de contas online. Esses elementos contidos no PAR, que pressionam e forçam uma relativa interferência na gestão dos sistemas de ensino municipais intensificam as contradições relativas à capacidade financeira e técnica dos municípios de cumprirem, isoladamente, essas responsabilidades, bem como recuperam as discussões sobre a necessidade de um pacto federativo capaz de definir com precisão as responsabilidades dos entes federados na oferta de uma educação pública de qualidade.

Nesse sentido, as limitações do governo federal, precisamente do MEC, no cumprimento de suas responsabilidades, no que concerne ao acompanhamento, controle e avaliação durante o processo de implementação do PAR, são constantemente recuperadas nos depoimentos dos secretários municipais de educação.

O secretário 6, declara que no início do processo de implementação do PAR, havia maior cobrança no que respeita ao processo de elaboração das ações e acompanhamento das etapas constitutivas do programa no município. Segundo o secretário, atualmente, a cobrança concentra-se no acompanhamento da execução de obras relativas às construções de prédios escolares e à compra de materiais, mas em relação as ações pedagógicas não há mais o controle e o acompanhamento que havia anteriormente. O secretário 6 ainda acrescenta que o acompanhamento do MEC é positivo para ajudar o município a sistematizar o quanto de cada ação foi cumprida. O secretário 2 corrobora essa percepção ao afirmar que havia maior monitoramento por parte do MEC e que esse procedimento ajudava as secretarias a acompanharem as ações realizadas no município, em sintonia com o controle realizado periodicamente pelo MEC, por meio do sistema, a cada dois anos, mas que atualmente não há mais esse controle. Sendo o único acompanhamento existente relativo ao PAR é o realizado pela própria secretaria municipal de educação.

A carência de acompanhamento técnico, orientações detalhadas e avaliação contínua do MEC conduziam diversas secretarias municipais de educação à condição de pendência administrativa no Simec. Essa condição desfavorável aos sistemas de ensino foi ocasionada, principalmente, por alguns motivos, dentre os quais, a incapacidade de os sistemas realizarem as ações definidas no diagnóstico, a restrita flexibilidade do instrumento de planejamento e a insuficiência de informações necessárias para a realização da prestação de contas. Esse conjunto de problemas no campo da gestão, intensificado pela condição estrutural precária das secretarias municipais de educação, aumentaram o grau de responsabilização dos sistemas de ensino. Em geral, as secretarias municipais de educação não têm estrutura física, quadro de funcionários e organização logística para realizar plenamente as determinações contidas nesse instrumento de planejamento. No entanto, em razão dos benefícios financeiros contidos no PAR, como a possibilidade de construir mais prédios escolares e equipar os sistemas de ensino, muitos municípios aderiram ao plano e realizaram suas etapas constitutivas, mesmo sem as condições mínimas para a execução plena dos dispositivos do plano.

O resultado é a relativa interferência dos dispositivos do plano na gestão dos sistemas e o fortalecimento do processo de responsabilização dos sistemas municipais de ensino. A sobreposição de responsabilidades educativas relativas aos sistemas municipais de ensino, sem o devido redimensionamento do papel desempenhado pelos sistemas de ensino federal e estadual, bem como a ausência de ações efetivas de valorização do serviço público e de recuperação da estrutura física das secretarias municipais de educação, comprometem a efetivação dos dispositivos de planejamento e gestão contidos no PAR. Esse redimensionamento deveria assegurar, por um lado, a autonomia dos municípios e, por outro, a constituição de uma estrutura de organização da educação em que os Estados e a União teriam responsabilidades financeiras e técnicas plenamente regulamentadas em um regime de colaboração capaz de garantir a constituição de orientações comuns e a normatização do conjunto do sistema educativo, devidamente acordado por meio de um pacto político, entre os agentes representativos dos diversos interesses econômicos e políticos existentes no conjunto da sociedade.

5 Considerações finais

Ao longo da pesquisa, por meio dos dados coletados, foi possível demonstrar o perfil dos secretários e as condições estruturais das secretarias municipais de educação, bem como as contradições do processo de implementação do PAR na gestão dos sistemas de ensino. Como resultado, pode-se aferir que, nos doze municípios da amostra, há reduzida quantidade de funcionários efetivos com formação técnica, capazes de encaminhar os procedimentos de planejamento definidos no plano. Esse condicionante, associado à limitada formação administrativa e experiência profissional dos próprios secretários tendem a comprometer a efetivação do PAR.

As entrevistas revelam uma relativa interferência dos dispositivos contidos no instrumento de planejamento PAR na gestão dos sistemas municipais. O grau de interferência sobre a gestão restringe-se à percepção da necessidade de intensificar as práticas de diagnóstico da situação educacional do município, de aumentar os esforços para garantir o cumprimento das ações acordadas no Termo de Compromisso do PAR, de elaborar estratégias pedagógicas capazes de melhorar os índices educacionais dos municípios nos testes avaliativos, de aumentar o controle sobre o trabalho realizado pelo secretário de educação e de assegurar um processo efetivo de prestação de contas on line. Essa relativa interferência esbarra nas condições estruturais das secretarias municipais de educação que não têm estrutura física, quadro de funcionários e organização logística adequada para realizar plenamente as determinações contidas no PAR. Na prática, as secretarias municipais de educação tendem a se esforçar para se enquadrarem nos procedimentos definidos pelo plano, em razão dos benefícios financeiros aos que aderiram e realizaram suas etapas constitutivas, no entanto, a ausência de condições estruturais e técnicas limita o desenvolvimento do plano e intensifica o grau de responsabilização dos sistemas no alcance dos objetivos educacionais.

Apesar de as decisões no processo inicial de diagnóstico acontecerem de maneira coletiva, a longo prazo houve um processo de centralização das decisões pelos secretários municipais de educação que decidiam as prioridades e os objetivos educacionais. Essa constatação esclarece que, nos municípios da amostra, não foram desenvolvidos mecanismos nem construídos espaços democráticos capazes de promover a discussão e o diálogo permanente com os diversos agentes sociais relativo aos aspectos educativos. Assim, se por um lado, há rigidez no instrumento do PAR, com a intenção de padronizar as ações sem muito espaço para as especificidades locais, por outro, há restrições nos municípios concernentes à construção de espaços participativos capazes de potencializar soluções democráticas para os problemas educacionais.

Efetivamente, o PAR não consegue operacionalizar seus objetivos a contento, porque não encontra, nos sistemas municipais de ensino, as condições estruturais e técnicas para se consolidar, aspecto que recupera a necessidade de se constituir uma efetiva discussão pública, concernente ao papel e às responsabilidades dos sistemas municipais de ensino em um contexto de estado federativo, em que os entes devem estabelecer relações de compartilhamento de responsabilidades na oferta de educação pública. Todavia, a prática de formular planos educacionais sem garantir, simultaneamente, a construção das bases estruturais e o consenso político em torno do projeto tem respaldo na história do planejamento no Brasil, em que diversos planos foram definidos pela tecnocracia estatal sem a consulta ou a definição de acordos com os grupos políticos detentores de poder nas esferas governamentais (FERREIRA, 2012FERREIRA, E. B. Planejamento educacional e tecnocracia nas políticas educacionais contemporâneas. Série Estudos, n. 34, p. 45-59, jul./dez. 2012.).

A forma, pela qual o paradigma de planejamento constituído pelo PAR foi elaborado, mantém o município em uma condição de submissão às normas definidas pela União e corrobora a histórica visão restritiva do município como agente político capaz de induzir e formular políticas públicas. Essa percepção do papel dos sistemas municipais de ensino não contribui para a formulação de um pacto político nacional realmente capaz de definir as responsabilidades e atribuições do conjunto dos entes federados, bem como compromete o fortalecimento do município como ente federado, capaz de criar respostas diversificadas para os problemas educacionais locais que possam incidir na formulação de instrumentos de planejamento mais amplos e que sejam capazes de aferir as peculiaridades culturais e econômicas em sintonia com os interesses nacionais.

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    » https://doi.org/10.1590/S1413-24782012000100009
  • 2
    A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9.394/1996 permitiram aos municípios criarem seus sistemas próprios de ensino, manterem-se integrados ao sistema estadual ou comporem um sistema único com o Estado. Ao permitir a criação do Sistema Municipal de Ensino (SME), a LDB considera a autonomia do município para organizar e administrar o seu sistema próprio de ensino de acordo com suas necessidades locais. Esse sistema de ensino será composto por uma rede de escolas mantidas e administradas pelo poder municipal, um órgão gestor, a Secretaria Municipal de Educação e um órgão normativo e fiscalizador, o Conselho Municipal de Educação (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.; BRASIL, 1996BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, 23 dez. 1996.; SARMENTO, 2005SARMENTO, D. C. Criação dos sistemas municipais de ensino. Educação & Sociedade, v. 26, n. 93, p. 1363-90, set/dez. 2005. https://doi.org/10.1590/S0101-73302005000400016
    https://doi.org/10.1590/S0101-7330200500...
    ).
  • 3
    Os municípios com menos de 20.000 habitantes correspondem, aproximadamente, a 80% dos municípios goianos (IBGE, 2016INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Estimativas de população. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html?=&t=destaques. Acesso em: 17 fev. 2016.
    https://www.ibge.gov.br/estatisticas-nov...
    ).
  • 4
    O nome do plano de metas vincula o projeto governamental ao grupo de empresários responsáveis pela organização do movimento Compromisso Todos pela Educação (SAVIANI, 2007SAVIANI, D. O Plano de Desenvolvimento da Educação: análise do projeto do MEC. Educação & Sociedade, v. 28, n. 100, p. 1231-55, out. 2007. https://doi.org/10.1590/S0101-73302007000300027.
    https://doi.org/10.1590/S0101-7330200700...
    ).
  • 1
    Esta pesquisa é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no âmbito da Chamada Pública MCTI/CNPq nº 14/2013 - Universal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2016
  • Aceito
    22 Fev 2018
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