Resumo
Este artigo analisa o cumprimento das metas 17 e 18 do Plano Nacional de Educação, que tratam da equiparação salarial do magistério com os/as demais profissionais de formação equivalente e da existência de planos de carreira e remuneração nas redes de Ensino, discutindo sua adequação. Foram analisados os relatórios de monitoramento do PNE, cotejando-os à luz da legislação e da literatura. Os resultados sinalizam que, embora a distância entre a média da remuneração dos/as docentes e a dos/as não docentes tenha diminuído, isso se deve à queda na remuneração dos/as profissionais não docentes. Além disso, para uma melhor compreensão da valorização do magistério, são necessários dados que permitam compreender não apenas a existência de planos de carreira, mas também seus conteúdos e, sobretudo, se eles são cumpridos ou não, elementos que colocam em questão a adequação de tais metas.
Plano Nacional de Educação; Valorização do Magistério; Plano de Carreira de Magistério Público
Abstract
This paper analyzes the fulfillment of goals 17 and 18 of the National Education Plan (PNE), which deal with salary equality for teachers with other professionals with equivalent Education and the existence of career and remuneration plans in education systems, discussing their adequacy. The PNE monitoring reports were analyzed, relating them to the legislation and the literature. The results indicate that, although the distance between the average teaching remuneration and that of non-teaching professionals has decreased, this is due to the drop in the remuneration of non-teaching professionals. Also, data is needed for a better understanding of the valorization of teaching and to clarify not only the existence of career plans but also their content and, above all, whether or not they are fulfilled, elements that raise questions about the adequacy of such goals.
National Education Plan; Valorization of Teaching; Public Teaching Career Plan
Resumen
Este artículo analiza el cumplimiento de las metas 17 y 18 del Plan Nacional de Educación (PNE), que tratan de la equiparación salarial de los docentes con otros profesionales con formación equivalente y la existencia de planes de carrera y retribución en las redes educativas, discutiendo su adecuación. Se analizaron los informes de seguimiento del PNE, comparándolos a la luz de la legislación y de la literatura. Los resultados muestran que, aunque la diferencia entre el salario medio de los docentes y el de los profesionales no docentes se ha reducido, esto se debe a la disminución de la remuneración de los profesionales no docentes. Además, para comprender mejor la valorización de la profesión docente se necesitan datos para comprender no sólo la existencia de planes de carrera, sino también su contenido y, sobre todo, si estos se cumplen o no, lo que puede cuestionar la idoneidad de los objetivos del PNE.
Plan Nacional de Educación; Valorización de la Profesión Docente; Plan de Carrera Pública Docente
1 Introdução
A Educação constitui o primeiro direito social estabelecido pelo artigo 6° da Constituição Federal de 1988 e é considerada como processo fundamental para o desenvolvimento social e econômico do país. Por sua vez, os/as professores/as são os/as profissionais que, de forma central, assumem a tarefa de educar nas escolas brasileiras. Logo, se a Educação é tão importante e se os/as professores/as são fundamentais para que a Educação aconteça, é de se esperar que tais profissionais sejam valorizados de acordo com a importância e a complexidade da tarefa que a sociedade lhes incumbe realizar.
Nesse sentido, a temática da valorização dos/as profissionais da Educação figura na legislação brasileira dentre os princípios que devem orientar a realização do Ensino no país. Observa-se no artigo 206 da Constituição Federal a previsão de “valorização dos profissionais da Educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas” e do “piso salarial profissional nacional para os profissionais da Educação escolar pública, nos termos de lei federal” (Brasil, 1988) como princípios, enquanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394 reafirma o princípio em seu artigo 67:
Art. 67. Os sistemas de Ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:
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ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
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aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim;
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piso salarial profissional;
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progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho;
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período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho;
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condições adequadas de trabalho. [...] (Brasil, 1996).
No que se refere ao estabelecimento de aspectos que devem ser considerados pelos sistemas de Ensino para a valorização dos/as profissionais da Educação, a LDB prevê pontos abrangentes e relevantes que, quando devidamente cumpridos pelos entes federados, podem corroborar a garantia de condições de trabalho adequadas. Contudo, só é possível saber em que medida esses pontos estão contribuindo para a valorização profissional quando se analisa, em cada sistema de Ensino, como são especificados nos planos de carreira e se são realmente cumpridos.
Em 2008, foi aprovada a Lei nº 11.738, que institui o Piso Salarial Profissional Nacional, a qual estabeleceu um valor abaixo do qual nenhum/a professor/a deve ser remunerado/a e, também, a configuração de uma jornada de trabalho que garanta 1/3 do tempo para a realização de afazeres que não envolvam relação direta com os/as estudantes, como preparação de aulas, avaliação de trabalhos, atualização de conteúdos e metodologias, reuniões pedagógicas, dentre outras atividades extraclasse (Brasil, 2008).
Além de remuneração digna e da existência de planos de carreira, a valorização dos/as professores/as também está relacionada à existência de políticas de formação inicial e continuada de docentes. Em consonância com essas condições essenciais, o Plano Nacional de Educação (PNE) aprovado em 2014 por meio da Lei nº 13.005, que contém 20 metas, dedicou quatro delas à temática da valorização dos/as professores/as. As metas 15 e 16 propõem a criação de uma política nacional de formação de profissionais da Educação, que garanta formação em nível superior para todos/as os/as docentes e, também, a ampliação do percentual de docentes com formação em nível de pós-graduação. Já as metas 17 e 18 abordam as questões da remuneração e dos planos de carreira e constituem o foco deste artigo. A meta 17 prevê “valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de Educação Básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE” (Brasil, 2014a) e a meta 18 propõe:
Assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de Carreira para os (as) profissionais da Educação Básica e superior pública de todos os sistemas de Ensino e, para o plano de Carreira dos (as) profissionais da Educação Básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal (Brasil, 2014a).
Diante desse aparato legal, que estabelece critérios para a valorização dos/as profissionais da Educação, vários estudos têm sido realizados no sentido de verificar em que medida tais profissionais estão sendo ou não valorizados, no que se refere às relações e às condições de trabalho estabelecidas nos planos de carreira e, em alguns casos, se os planos de carreira são efetivamente cumpridos pelos sistemas de Ensino (Alves; Sonobe, 2018; Barbosa, 2023; Fernandes; Fernandes; Campo, 2020; Gouveia, 2021; Thomazini; Jacomini, 2019).
Com vistas ao monitoramento e acompanhamento da realização das metas do PNE 2014–2024, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Ministério da Educação (MEC) têm publicado relatórios bienais indicando o cumprimento de cada meta. Em 2022, foi publicado o quarto relatório contendo análises dos dados até 2019. Neste momento, em que o Fórum Nacional de Educação (FNE) foi restabelecido1 (Inep, 2022) e tem a tarefa de organizar a Conferência Nacional Extraordinária de Educação no início de 2024 para encaminhar os trabalhos de elaboração do próximo plano decenal de Educação, é salutar a sistematização de análises acerca da realização das metas do PNE 2014–2024, com vistas a subsidiar o debate sobre a construção do novo PNE.
Nesse sentido, este artigo pretende contribuir com uma análise e sistematização do cumprimento das metas 17 e 18, tomando como referência os relatórios oficiais de monitoramento do PNE, publicados nos anos de 2016, 2018, 2020 e 2022, e o cotejo com a legislação e a literatura sobre o tema da valorização dos/as profissionais da Educação nos aspectos relativos aos planos de carreira e à remuneração docente, colocando em discussão a adequação de tais metas para garantir a valorização do magistério no Brasil.
2 Por que é necessário valorizar os/as professores/as?
De acordo com Leher (2010), a valorização do magistério está relacionada a dimensões objetivas, como piso salarial, carreira com possibilidade de progressão, tempo para estudos na jornada de trabalho, dentre outros, e a dimensões subjetivas, como reconhecimento social, por exemplo.
No cotidiano do exercício da docência, os elementos que compõem essas duas dimensões estão imbricados e, muitas vezes, é difícil dissociá-los. Se a pretensão for realmente a de valorizar o magistério, é fundamental que as políticas públicas adotadas garantam todos os elementos que compõem essa dimensão objetiva (em especial a remuneração digna e os planos de carreira) o que, por sua vez, pode contribuir para o reconhecimento dos/as docentes, sua autorrealização e sua dignidade profissional, ou seja, exatamente os elementos que compõem as dimensões subjetivas.
Cada vez mais, a responsabilidade pela qualidade do Ensino é atribuída aos/às professores/as, ao mesmo tempo em que tem ocorrido uma desvalorização da docência, incluindo desde a perda de autonomia na realização do trabalho pedagógico (por exemplo, com a crescente adoção de formas de avaliação externa pelos governos), a intensificação de atividades a serem realizadas (Apple; Teitelbaun, 1991), até as questões salariais e a carreira do magistério (Alves; Pinto, 2011).
Pesquisas como as de Gatti et al. (2010), Pinto (2014) e Barbosa (2023) chamam a atenção para a redução do número de pessoas interessadas na docência, o que tem contribuído para colocar a discussão sobre a valorização do magistério como uma das questões centrais a serem enfrentadas pelas políticas educacionais. É sempre bom lembrar que os/as docentes atuam na formação de pessoas que atuarão em todas as outras profissões, o que implica a realização de um exercício profissional adequado às especificidades que lhes são demandadas pela sociedade. E tudo isso faz parte de um ciclo virtuoso cuja reprodução depende fundamentalmente da valorização da docência e dos/as docentes, exigindo recursos para contemplar os componentes das dimensões objetivas e subjetivas, que são mais do que gastos são investimentos sociais.
O próprio MEC, em documento de 2014, intitulado “Planejando a Próxima Década: Conhecendo as 20 Metas do Plano Nacional de Educação”, reconhecia a importância da valorização docente: “A melhoria da Educação e, consequentemente, dos índices educacionais e das taxas de escolarização da população e o desenvolvimento social e econômico do País estão relacionados, entre outros, à valorização dos profissionais do magistério das redes públicas da Educação Básica” (Brasil, 2014b, p. 53).
Gouveia (2021) afirma que as políticas da primeira década dos anos 2000 destacaram a necessidade de valorização docente, mas que essa temática sofreu retrocessos consideráveis nos governos mais recentes:
Os governos de Michel Temer (2016–2018) e Jair Bolsonaro (2019-), por sua vez, romperam este ciclo de compromissos com a valorização e, possivelmente, romperam os compromissos com a perspectiva de proteção social desenhada na Constituição de 1988. A aprovação da EC 95/2016 e, especialmente, a aprovação da EC 109/2021 – que autoriza a extensão da lógica de austeridade para estados e municípios – consolida o encerramento de um ciclo de afirmação da valorização do magistério e coloca um desafio às entidades de defesa dos/as trabalhadores/as da Educação para a manutenção das conquistas parciais do período anterior (Gouveia, 2021, p. 756).
Considerando o fim de tais governos e a necessidade de a sociedade discutir os rumos da Educação no cenário atual de tentativa de retomada democrática e resgate de direitos, um dos desafios que se coloca é compreender a situação atual dos elementos relacionados à valorização do magistério, no caso deste artigo, a quantas andam a remuneração e os planos de carreira docente, para que possamos identificar os problemas e avançar no sentido da adoção de políticas públicas voltadas à valorização docente.
Os relatórios de acompanhamento do PNE que serão aqui analisados foram produzidos em um período de forte recuo democrático e retrocesso de conquistas sociais. Convém, portanto, analisar a evolução das metas 17 e 18 nesse período, com o objetivo de constatar e discutir seus eventuais efeitos na valorização docente.
Cabe lembrar que é a própria lei que criou o PNE, Lei nº 13.005 de 2014, determina, em seu artigo 5º, a necessidade de monitoramento contínuo das metas do plano, destacando ainda que, ao longo da vigência do PNE, o Inep deverá publicar estudos para verificar a evolução das metas a cada dois anos (Brasil, 2014a). Em função disso, foram estabelecidos indicadores específicos para cada uma das metas do plano, a partir de uma linha de base que foi divulgada em 2015 (Inep, 2015).
Além do documento que fixou as linhas de base para cada uma das metas, ficou também estabelecido que o MEC e o Inep deveriam divulgar relatórios para cinco ciclos de monitoramento do PNE nos seguintes anos: 2016, 2018, 2020, 2022 e 2024. Até o momento, já foram divulgados os relatórios dos quatro primeiros ciclos e, além disso, o Inep tem publicado outros estudos sobre o plano na série PNE em Movimento.
3 Avanços, desafios e limites das metas 17 e 18 do PNE 2014–2024
O cumprimento de quase todas as metas do PNE depende da efetivação da meta 20, que diz respeito à aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) na Educação. Em outras palavras, a Educação escolar de qualidade custa, mas é investimento social. Consta que, em 2020, o gasto público em Educação correspondeu a 5,4% do PIB (Inep, 2022). Portanto, a meta intermediária de aplicar 7% desse índice até 2019 não foi cumprida e, a continuar esse baixo investimento, o país não chegará em 2024 com a aplicação de 10% do PIB na Educação. Pelo contrário, estará bem distante disso, o que coloca em risco a consecução de tantas outras metas. Contribuindo sobremaneira para essa situação, está a Emenda Constitucional nº 95/2016 (Brasil, 2016), que estabelece um novo regime fiscal e ficou conhecida como emenda do teto de gastos para as áreas sociais, sendo necessária sua revogação para que seja possível cumprir a meta 20.
A meta 17 está diretamente relacionada à disponibilidade de recursos financeiros, pois busca valorizar os/as profissionais do magistério por meio de uma remuneração que permita um rendimento médio equivalente ao dos/as demais profissionais que tenham formação equivalente, ou seja, Ensino Superior, que é a formação da maioria dos/as docentes no país. A redação da meta é a seguinte: “Meta 17: valorizar os (as) profissionais do magistério das redes públicas de Educação Básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos (as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE” (Brasil, 2014b).
Para o acompanhamento dessa meta, foi proposto o indicador 17, que é calculado como sendo a “razão entre o salário médio de professores da Educação Básica da rede pública (não federal) e o salário médio de não professores, com escolaridade equivalente” (Inep, 2015), com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
O documento que estabeleceu a linha de base para análise da evolução dos indicadores mostra que, entre 2004 e 2013, a razão entre o salário médio de professores/as da Educação Básica da rede pública e o salário médio dos/as não professores/as, com escolaridade equivalente, passou de 59,3% para 76,5% (Inep, 2015).
No Relatório do 1º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE: biênio 2014–2016, apresenta-se novamente a série histórica já constante no documento de 2015, desta vez indo até o ano de 2014. Dessa forma, observa-se que a razão entre o salário médio dos/as professores/as e dos/as não professores/as passou de 76,5% em 2013 para 81,6% em 2014. O relatório destaca que esse é um dos maiores aumentos da série história, mas salienta que isso se deve não apenas ao aumento do salário médio dos/as professores/as, mas também à redução do salário médio dos/as não professores/as (Inep, 2016).
O Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE – 2018 atualiza a série histórica apresentada pelos documentos anteriores com dados de 2012 a 2017 e modifica a metodologia de cálculo do indicador 17, passando a considerar a Pnad Contínua, os/as profissionais do magistério no geral, a rede federal de Ensino e, dentre os/as não professores/as, somente os/as profissionais assalariados/as. Com essas mudanças, o indicador 17 passa a ser compreendido como a “relação percentual entre o rendimento bruto médio mensal dos profissionais do magistério das redes públicas da Educação Básica, com nível superior completo, e o rendimento bruto médio mensal dos demais profissionais assalariados, com nível superior completo” (Inep, 2019).
Com a atualização da forma de cálculo do indicador, há mudanças nos percentuais atingidos (Tabela 1).
Rendimento bruto médio mensal dos/as profissionais do magistério das redes públicas de Educação Básica e dos/as demais profissionais com nível superior completo e Indicador 17A – Brasil – 2012–20172
Entre 2012 e 2017, houve um crescimento muito pequeno no rendimento bruto médio dos/as profissionais do magistério, cuja proporção só aumentou em relação ao dos/as não professores/as, porque eles tiveram uma queda de cerca de 11,0% no período. Ou seja, o fato de o rendimento médio dos/as professores/as corresponder a 74,8% daquele dos/as profissionais assalariados/as com formação equivalente, com aumento de 9,6% em relação a 2012, não significou uma valorização remuneratória dos docentes, cuja diferença entre 2012 e 2017 foi de apenas 2,0%. O próprio relatório evidencia o que chama de “modesto avanço”: “o rendimento bruto médio mensal dos profissionais do magistério das redes públicas de Educação Básica experimentou modesto avanço (de R$ 3.433,25, em 2012, para R$ 3.501,09, em 2017), com acréscimo real de 2,0%” (Inep, 2019, p. 286).
O Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE – 2020 explica que, embora não tenha havido mudança na forma de calcular o indicador 17, os cálculos da série histórica precisaram ser refeitos em função de mudanças na Pnad Contínua, o que resultou em uma variação nos percentuais apresentados no relatório anterior. De acordo com o terceiro relatório, o indicador passou de 65,3% em 2012 para 78,1% em 2019 (último ano considerado nesse documento). Ao apresentar os dados de rendimento bruto médio dos/as profissionais da Educação em comparação com os dos/as demais profissionais, fica novamente evidente que houve um crescimento muito discreto no rendimento docente (3,8% entre 2012 e 2019) e que a melhoria do indicador se deve à queda do rendimento médio dos/as não profissionais da Educação (Inep, 2020). Cabe destacar que, mesmo com toda a perda do poder de compra dos/as profissionais não docentes, para atingir o estabelecido pela meta 17, seria necessário um aumento de 21,9 pontos percentuais em um ano para alcançar, até 2020 (sexto ano de vigência do PNE), a equiparação com a remuneração dos/as demais profissionais com formação equivalente.
Por fim, o Relatório do 4º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE – 2022 afirma o que já era possível prever: a meta 17 não foi atingida dentro do prazo previsto:
O indicador da Meta 17 apresentou, então, um avanço de 17,3 p.p. no período, passando de 65,2% em 2012 para 82,5% em 2021. Muito embora tenha ocorrido um avanço no Indicador 17A, nota-se que esse se deve em maior medida à retração dos salários dos demais profissionais do que à valorização salarial dos profissionais do magistério. Além disso, percebe-se que a meta não foi atendida no prazo previsto, sendo necessário um acréscimo de 17,5 p.p. e, mesmo tomando como referência o último ano de vigência do Plano (2024), ainda é preciso um grande esforço para seu atingimento (Inep, p. 17-18).
Neste último relatório, os cálculos para o indicador precisaram ser refeitos novamente, principalmente em função dos impactos da pandemia de Covid-19 na Pnad Contínua, que provocou redução das amostras. O relatório ainda alerta para a necessidade de analisar com cautela os dados de remuneração, uma vez que a situação pandêmica afetou significativamente os rendimentos dos/as profissionais. O avanço real do indicador ficou em 6,2% entre 2012 e 2021, passando de R$ 4.021,29 em 2012 para R$ 4.271,03 em 2021. Mais uma vez, o avanço no indicador (ainda que tímido) ocorre, principalmente, em função das perdas salariais dos/as demais profissionais, que foram superiores 15% (Brasil/INEP/MEC, 2022).
Os relatórios consideram, ainda, a evolução do indicador 17 por unidades da federação e, nesse caso, fica evidente a discrepância entre diferentes estados e regiões do Brasil. A Tabela 2 mostra o percentual de crescimento ou decréscimo da remuneração média de professores/as e não professores/as e o indicador 17A para o Brasil e suas regiões.
Crescimento do rendimento médio de professores/as e não professores/as no período de 2012-2021 e o Indicador 17 A
Uma análise comparativa do Indicador 17A no período de 2012 e 2021 mostra que o rendimento médio de professores/as e não professores/as se aproximou, indicando avanços na realização da meta em todas as regiões. Não obstante, ao se analisar o crescimento do rendimento médio, constata-se que essa aproximação ocorreu principalmente pelo decréscimo do rendimento médio dos/as não professores/as em todas as regiões, sendo maior nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, com quedas de 21,0% e 25,1% respectivamente. Mesmo considerando o maior crescimento da remuneração média dos/as professores/as, de 15,8% na região Nordeste, a maior aproximação do indicador 17A entre 2012 e 2021 também se deve ao decréscimo no rendimento médio dos/as demais profissionais. A queda do rendimento médio dos/as demais profissionais foi tão acentuada na região Centro-Oeste que, mesmo com decréscimo de 3,4% no rendimento médio dos/as professores/as, houve avanço no indicador 17A. Isso demonstra que, para avaliar se houve valorização dos/as professores/as, seja por meio do avanço do indicador ou mesmo quando a meta foi atingida, como alguns estados, é necessário analisar o crescimento da remuneração média de ambos/as os/as profissionais.
Dos 26 estados mais o Distrito Federal, 10 já alcançaram a meta 17 do PNE, conforme pode ser constatado na Tabela 3. Nenhum estado das regiões Sudeste e do Sul, onde o rendimento médio dos/as profissionais assalariados/as com nível superior é normalmente maior, atingiu a meta 17 ou sinaliza atingi-la até 2024.
Rendimentos médios dos/as profissionais do magistério e demais profissionais nos anos de 2012 e 2021 dos estados que realizaram a Meta 17 do PNE
Observa-se que, na maioria dos estados, houve um pequeno aumento no rendimento médio dos/as profissionais do magistério e, geralmente, queda mais acentuada no rendimento dos/as demais profissionais, com exceção de Roraima e Mato Grosso do Sul, onde o rendimento médio dos/as profissionais do magistério foi um pouco menor em 2021 do que em 2012, e de em Sergipe e Mato Grosso, onde o rendimento médio dos/as demais profissionais teve pequeno aumento.
É interessante observar que, quando o PNE foi aprovado em 2014, parecia ao magistério que a realização da meta 17 traria uma remuneração siginificativamente melhor, além de reconhecimento social, já que teriam um rendimento médio igual aos dos/as demais profissionais assalariados/as com formação equivalente. Embora todas as regiões tenham avançado na realização da meta, o ganho para o magistério foi pequeno, sinalizando que alcançar a meta não implicará a valorização docente que se vislumbrava naquele momento, evidenciando a necessidade de o próximo PNE contemplar uma proposta distinta de valorização do magistério, especialmente no que se refere à remuneração.
Foquemos agora os planos de carreira docente. Tais planos são essenciais para estimular os/as professores/as a se atualizarem continuamente, na medida em que lidam com o conhecimento e o acervo de saberes, que passam por constantes acréscimos, pois são alimentados por pesquisas. Embora, em geral, a disponibilização desses conhecimentos à sociedade seja demorada, em função da complexidade que envolve desde sua produção até sua disseminação pública, o importante é considerar que essa tarefa é realizada por meio desses/as profissionais, para que tais conhecimentos cheguem às instituições escolares em seus dois níveis, da educação Básica à Educação Superior.
Assim, a existência de planos de carreira é fundamental para garantir aos/às profissionais do magistério uma progressão intelectual e remuneratória durante sua permanência na rede de Ensino, constituindo-se em um aspecto importante para a manutenção de profissionais experientes, o que contribui para melhorar progressivamente a qualidade do Ensino que ministram.
Nesse sentido, a meta 18 complementa a meta 17 no que se refere à questão salarial, mas não apenas.
Meta 18: assegurar, no prazo de 2 (dois) anos, a existência de planos de carreira para os (as) profissionais da Educação Básica e superior pública de todos os sistemas de Ensino e, para o plano de Carreira dos (as) profissionais da Educação Básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal (Brasil, 2014a).
A meta 18 é apresentada como um grande desafio no documento da linha de base para o acompanhamento das metas do PNE, em função da falta um sistema unificado que reúna informações necessárias para verificar a evolução da meta (Inep, 2015). No Relatório do 1º Ciclo de Acompanhamento do PNE: biênio 2014–2016, destaca-se que o acompanhamento da meta 18 demanda a criação de um sistema específico de coleta de informações junto aos entes federativos, que estava sendo implantado, à época, por meio do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (Simec) do MEC. Como o sistema começou a funcionar em 2016, ainda não havia dados suficientes para integrar esse relatório e, por isso, foram utilizadas informações parciais desse sistema (Inep, 2016).
As informações disponíveis nesse primeiro relatório sobre a meta 18 são muito limitadas, posto que dependiam da implementação efetiva do Simec. Essas informações parciais mostram que, em junho de 2016, 64% dos municípios ainda não havia fornecido informações sobre a situação de seus planos de carreira e remuneração dos/as profissionais da Educação no Simec; 22% declararam ter plano e cumprir integralmente a lei do Piso, e os municípios restantes (14%) não possuíam plano de carreira e não cumpriam o que previa o piso nacional (Inep, 2016).
No Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE – 2018, também se recorrem basicamente às informações da Pesquisa de Informações Básicas Estaduais (Estadic) e da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), ambas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014. De forma complementar, também se utilizam dados coletados pelo Inep sobre os estados, que são de 2017, e alguns dados preliminares do Simec, uma vez havia um grande o número de municípios que ainda não tinham inserido suas informações nesse sistema - 1.253 de um total de 5.570 (Inep, 2019). Nesse relatório passa-se a usar o conjunto de indicadores a seguir para avaliar o cumprimento da meta 18:
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Indicador 18A: Percentual de unidades federativas que possuem PCR dos profissionais do magistério.
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Indicador 18B: Percentual de unidades federativas que preveem o limite máximo de ⅔ da carga horária para atividades de interação com os educandos.
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Indicador 18C: Percentual de unidades federativas que atendem
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ao PSNP.
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Indicador 18D: Percentual de municípios que possuem PCR do magistério.
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Indicador 18E: Percentual de municípios que preveem o limite máximo de ⅔ da carga horária para atividades de interação com os educandos.
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Indicador 18F: Percentual de municípios que atendem ao PSNP (Inep, 2019, p. 298)
Com relação ao indicador 18A, o relatório aponta que todos os estados e o Distrito Federal afirmaram ter plano de carreira e remuneração para os/as profissionais da Educação. Já com relação ao indicador 18B, 81,5% dos estados cumprem o que prevê a Lei do Piso no que diz respeito à composição da jornada de trabalho docente. O percentual de atendimento ao indicador 18C era de 77,8%, sendo que o cumprimento do previsto pelo piso para a remuneração foi verificado pelo vencimento base ou pelo vencimento base mais complementações. No que diz respeito aos indicadores referentes aos municípios, o relatório informa que os dados são ainda preliminares e as análises exploratórias, devendo, portanto, ser considerados com cautela, pois muitos municípios não informaram os dados solicitados no Simec (Inep, 2019).
No Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE – 2020, utilizam-se dados da Estadic e da Munic de 2018, além do Censo da Educação Básica de 2019. Nesse relatório, acrescentam-se dois indicadores para verificar o cumprimento da meta 18: percentual de unidades federativas (18D) e de municípios (18H) que possuem planos de carreira e remuneração para profissionais da Educação que não integram o magistério.
Com relação ao conjunto de indicadores que analisam o cumprimento da meta nos estados e no Distrito Federal, observa-se que, como já apontado no relatório anterior, todos têm plano de carreira e remuneração do magistério (indicador 18A), 85,2% dos entes federados não cumprem a jornada estabelecida pelo piso (indicador 18B), 70,4% não atendem ao piso no que se refere aos salários (indicador 18C) e, com relação ao indicador 18B, que diz respeito à existência de planos de carreira para profissionais da Educação não docentes, 81,5% dos estados afirmam ter tais planos. Esse relatório também apresenta o percentual de vínculos estáveis de profissionais da Educação nos estados e no Distrito Federal. A variação nesse quesito é grande entre os entes federados e, considerando o país todo, 59,2% dos vínculos das redes estaduais de Ensino com professores/as são efetivos. (Inep, 2020).
A situação do cumprimento da meta 18 nos municípios é um tanto pior. Segundo o relatório de 2020, 95,7% dos municípios declararam ter planos de carreira para o magistério (indicador 18E), 74,2% cumprem a jornada estabelecida pelo piso, 74,2% cumprem o piso no que diz respeito à remuneração e apenas 38,8% têm planos de carreira para não docentes (Inep, 2020).
O Relatório do 4º Ciclo de Monitoramento das Metas do PNE – 2022, no que diz respeito aos indicadores estaduais (18A, 18B, 18C e 18D), não apresenta diferenças com relação ao relatório do ciclo anterior, pois também se baseia nas informações da Estadic 2018: todos têm planos de carreira para o magistério, quatro estados (Goiás, Pará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul) não cumprem a jornada de trabalho estabelecida pelo piso, oito estados não cumprem a lei do piso com relação à remuneração (Alagoas, Bahia, Goiás, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins) e cinco estados não possuem plano de carreira para profissionais da Educação não docentes (Ceará, Pará, Rio de Janeiro, Roraima e Sergipe) (Inep, 2022).
Para avaliar o percentual de vínculos efetivos de profissionais da Educação nas referidas redes estaduais, o relatório usa os dados do Censo Escolar de 2021, constatando que 54,9% dos/as professores/as são ocupantes de cargo efetivo (Inep, 2022), sendo que há muita heterogeneidade entre os estados:
O estado com o maior percentual de professores efetivos é o Rio de Janeiro, alcançando 97,2% de professores efetivos. O estado com o menor percentual de professores nessa condição é o Tocantins, onde o percentual de professores efetivos na rede do estado é de 30,7%, o que evidencia uma amplitude entre estados de 66,5 p.p. entre o maior e o menor valor (p. 380).
Com relação aos indicadores dos municípios (18E, 18F, 18G e 18H), também se repetem os dados de 2018, já apresentados no relatório do ciclo anterior, sinalizando que, naquele ano, 3.214 (57,7%) dos municípios atendiam aos três indicadores da meta 18, que dizem respeito especificamente aos/às professores/as (Inep, 2022).
A estabilidade dos vínculos docentes, no entanto, aparece como sendo maior entre os municípios que nos estados, chegando a 70,6% de vínculos estáveis nas redes municipais de Ensino (Inep, 2022).
As reiteradas sinalizações presentes nos relatórios de acompanhamento sobre as dificuldades de obter informação sobre o cumprimento da meta 18, considerando os diversos indicadores, sugerem a necessidade de uma ação coordenada pelo MEC para registrar dados mais precisos e consistentes sobre cada um dos indicadores para os 26 estados, o Distrito Federal e os 5.568 municípios. Isso é necessário tanto para que se tenha uma política indutiva de cumprimento da meta quanto para a definição do que deverá ser estabelecido como meta no próximo PNE.
Os dados relativos à meta 18 mostram a necessidade de medidas que exortem os estados e municípios a cumprirem a lei, sob pena de serem penalizados, por meio de recurso à justiça. Isso se deve ao fato de quatro estados não cumprirem a Lei do Piso no que se refere à composição da jornada de trabalho docente e oito não pagarem o piso salarial profissional nacional (PSPN). Além disso, somente 54,9% dos/as professores/as são efetivos/as nas redes estaduais, denotando relações e condições de trabalho precárias e a falta de valorização do magistério. Embora, em termos de estabilidade dos/as professores/es, os municípios apresentem uma situação melhor, com 70,6% de vínculos efetivos, no que se refere à existência de planos de carreira para o magistério, à composição da jornada com 1/3 para atividades sem interação direta com os/as estudantes e ao pagamento do PSPN, pouco mais da metade dos municípios (57,7%) cumprem o que determinam as leis
Em relação à meta 18, a coleta de dados quantitativos para cada um dos indicadores, embora importante e necessária, demonstra que esses dados são insuficientes para uma análise criteriosa sobre a valorização dos/as profissionais da Educação. Isso ocorre porque a constatação de que estados e municípios possuem planos de carreira, sem o conhecimento do conteúdo desses planos nos aspectos definidos em lei como indicadores de valorização dos/as profissionais da Educação, não nos autoriza concluir que a meta foi realizada em termos qualitativos. Ou seja, do ponto de vista qualitativo, é possível constatar a eventual inadequação ou insuficiência dos indicadores tomados como linha de base. No entanto, o conhecimento do conteúdo dos planos ainda é insuficiente se quisermos entender as relações e condições de trabalho dos/as profissionais da Educação em cada unidade da federação, visto que nem sempre o que está previsto na legislação dos planos de carreira é cumprido.
Isso coloca um novo desafio à coleta e organização de dados acerca da meta 18, que deve ser enfrentado pelo MEC. Organizar equipes de pesquisa em cada estado com pesquisadores/as das universidades, envolvendo principalmente aqueles/as que têm pesquisado a temática, para coletar, organizar e analisar os dados em três camadas: informações sobre o cumprimento da lei federal; conhecimento do conteúdo das leis locais para o cumprimento das metas; e pesquisa in loco para verificar como a legislação é aplicada. Isso poderia trazer uma mudança qualitativa no conhecimento, atualmente bastante parcial, sobre uma temática tão relevante para a Educação e a sociedade.
Do ponto de vista de políticas públicas a serem adotadas com base na legislação vigente e respeitando o grau de autonomia dos estados e do Distrito Federal, um aspecto central para seu planejamento e estabelecimento no âmbito de cada uma dessas esferas administrativas é uma atuação mais adequada da União no seu papel de coordenação e complementação, especialmente no que se refere às políticas educacionais voltadas para a valorização do magistério. Supomos que seja isso que se pretende dizer com a expressão “em regime de colaboração” presente em várias legislações em vigor no país.
4 Considerações Finais
É inegável que houve avanços nas relações e condições de trabalho dos/as profissionais da Educação, especialmente no que se refere à sua profissionalização, ao longo dos 35 anos de vigência da Constituição Federal de 1988, na qual foram estabelecidos princípios gerais para a valorização desses/as profissionais. Um conjunto de leis, da LDB/1996 ao PNE 2014–2024, estabeleceu medidas legislativas para garantir melhores relações e condições de trabalho para os/as profissionais da Educação, o que representa um reconhecimento da importância social do magistério.
Contudo, a análise dos dados contidos nos relatórios de monitoramento do PNE, assim como da literatura aqui apresentada, mostra, por um lado, que a legislação não tem sido cumprida a contento, impedindo, portanto, a valorização real dos profissionais da Educação. Por outo lado, revela que a União não possui todos os dados e informações necessários para verificar de forma mais efetiva se há avanços na valorização daqueles/as que se dedicam à formação das novas gerações nos estabelecimentos destinados à Educação escolar e ao Ensino.
Diante disso, o PNE, para a próxima década e a legislação relativa à temática da valorização docente devem enfrentar quatro desafios: 1) produção, organização e análises de dados que permitam conhecer com mais precisão como a atual legislação está incidindo no reconhecimento do trabalho educativo e da valorização dos/as profissionais, o que envolve saber se e como a legislação está sendo cumprida; 2) análise, com base no que foi cumprido nos aspectos quantitativos e qualitativos, para definir quais devem ser as metas e estratégias para a valorização dos/as profissionais da Educação no próximo decênio, buscando avançar na qualidade das condições de trabalho desses/as profissionais, tendo em vista as implicações que elas têm na oferta e na qualidade da Educação; 3) criação de mecanismos de acompanhamento de aplicação da legislação em vigor, articulados com medidas da União que recompensem os entes federados que a respeitam; 4) recurso a meios judiciais, nos casos de descumprimento da legislação específica, com penalização prevista em lei.
A lentidão como que a legislação relativa à valorização dos/as profissionais da Educação tem sido cumprida e os movimentos erráticos que fazem retroceder aspectos aparentemente superados têm condicionado a garantia do direito à Educação nos aspectos relacionados com o acesso, à permanência e à qualidade do Ensino, em especial nas redes públicas. Isso tem mantido o país numa condição educacional que nega um direito constitucional a milhares de crianças e jovens das classes subalternizadas e pouco contribui para o desenvolvimento social e científico da nação.
Os dados aqui analisados indicam a necessidade de avanços na legislação, pois, embora importante, o arcabouço legal vigente está aquém de promover uma verdadeira valorização dos(as) profissionais da Educação e, principalmente, do cumprimento dessa legislação. Caso contrário, o país chegar no final da próxima década e ainda se deparar com conclusões semelhantes às relativas ao balanço do primeiro e do segundo Planos Nacionais de Educação pós-LDB, ou seja, a maioria das metas não ter sido alcançada.
Como sempre, isso implicará a necessidade de uma intensa disputa dos recursos do fundo público com os setores do capital, que têm reforçado sua atuação em torno da agenda educacional em diversas frentes: na definição da concepção de Educação escolar e da formação das novas gerações, expressa principalmente no currículo; na gestão da Educação, que se manifesta na transposição dos pressupostos da administração privada para o setor público por meio do gerencialismo, mais recentemente orientado de forma intensa por recursos digitais, culminando num gerencialismo de plataforma; e nos mais diversificados processos de privatização da Educação.
Essas questões estão densamente articuladas nos discursos e nas ações de setores da sociedade civil e do Estado em torno da definição das políticas educacionais, desaconselhando aqueles/as que atuam em defesa da Educação pública de qualidade socialmente referenciada, da democracia e contra as desigualdades e a exploração. Qualquer arrefecimento da luta ou conciliação em torno dessas propostas contribui para reforçar a condição de o país e a Educação reproduzirem o status quo que, no limite, empurra a sociedade brasileira para a trágica rota da barbárie.
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1
Referimo-nos aqui ao FNE institucionalizado em 2014, que foi descaracterizado nos governos Temer e sobretudo no de Bolsonaro-Mourão. Existiu anteriormente um FNE não institucionalizado do qual participavam quase todas as entidades da área da Educação.
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Todos os valores brutos médios mensais apresentados nas tabelas deste texto foram corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de acordo com informação constante nos relatórios de acompanhamento consultados.
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Os dados analisados neste artigo foram retirados de documentos públicos que se encontram nos sites indicados nas referências.
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Dados:
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Disponibilidade de dados
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
25 Out 2024 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 2024
Histórico
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Recebido
08 Mar 2024 -
Aceito
10 Set 2024