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Teoria do fluxo e aprendizagem no contexto brasileiro: uma revisão sistemática de literatura

Resumo

A teoria do fluxo deriva da psicologia positiva e busca explicar um estado ótimo de consciência do indivíduo. O estado de fluxo proporciona ao sujeito alta concentração e controle na realização de determinada tarefa, certo relaxamento, controle sobre a ansiedade e satisfação, oriunda do estado ótimo de consciência experienciado ao atingir o objetivo proposto pela atividade realizada. Desta forma, este estudo tem por objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura para compreender como a teoria do fluxo vem sendo utilizada no contexto da educação e aprendizagem no Brasil. Efetuou-se uma busca por produções nas bases de dados SciELO, Index Psi, LILACS, PePSIC, PsycINFO, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no Portal de Periódicos da Capes. Foram encontrados 260 estudos, dos quais somente cinco atenderam aos critérios de inclusão, a saber, apresentar a teoria do fluxo como tema principal, atrelada à educação e ser um estudo realizado em contexto brasileiro. A partir dos artigos selecionados, foi possível identificar que, no Brasil, a teoria do fluxo vem sendo utilizada no ensino de música, de educação física, de línguas e na engenharia da computação, auxiliando no processo motivacional, incentivando a cooperação, a participação e o engajamento dos professores e alunos nos ambientes de ensino e aprendizagem. Apesar disso, o cenário de publicações nessa área ainda é pequeno.

Teoria do fluxo; Aprendizagem; Educação; Psicologia

Abstract

Flow theory derives from Positive Psychology and addresses an individual’s optimal state of conscience Flow state provides the individual high concentration, relaxation, control over anxiety, and satisfaction while performing a certain task, originating from the optimal state of conscience that is experienced when achieving the proposed objective. Thus, this study aims to conduct a systematic literature review to understand how flow theory is being used in the context of education and learning in Brazil. We conducted a search for publications in the databases SciELO, Index Psi, LILACS, PePSIC, PsycINFO, BDTD, and the Capes platform. Two hundred and sixty studies were found, however, only 5 met the inclusion criteria of this study, that is, to present flow theory as the main theme, to be linked to education, and to be a study conducted in Brazil. From the selected articles, it was possible to identify that, in Brazil, flow theory is being used within music, physical education, language and computer engineering teaching. Thus, aiding the motivational process, promoting cooperation, participation and engagement of teachers and students in teaching and learning environments. Despite this, the scenario of publications in this field is still reduced.

Flow theory; Learning; Education; Psychology

Introdução

A teoria do fluxo foi concebida por Mihaly Csikszentmihalyi na década de 1970. Derivada da psicologia positiva, ela explica o fenômeno de estado de fluxo ou flow feeling, que consiste num estado psicológico ótimo da consciência (MIRANDA JÚNIOR et al., 2012), isto é, um estado intrinsecamente envolvente em que há equilíbrio entre a dificuldade apresentada por uma atividade e a capacidade do indivíduo para realizá-la (GOMES et al., 2012). Nesse estado, o indivíduo encontra-se altamente envolvido na atividade em execução, focando especificamente nela e afastando de si qualquer pensamento que interfira no processo (GOMES et al., 2012), de forma a excluir a possibilidade de experienciar apreensão e preocupação e otimizar ao máximo seu desempenho (MIRANDA JÚNIOR et al., 2012).

Para Csikszentmihalyi (1999)CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999., o estado de fluxo é, na maioria das vezes, mais facilmente alcançado por pessoas de personalidade autotélica, isto é, pessoas que executam uma atividade simplesmente pelo prazer da experiência, e não por alguma recompensa externa advinda de sua realização. No estado de fluxo, a atenção do indivíduo é totalmente depositada na atividade desempenhada, a fim de se alcançar seu objetivo, que por sua vez gerará satisfação (CSIKSZENTMIHALYI, 1990). O autor afirma que quanto mais frequente a organização da consciência do indivíduo e sua experiência de fluxo, melhor sua qualidade de vida (CSIKSZENTMIHALYI, 1990).

Csikszentmihalyi (1999)CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. aponta que, em geral, o tempo de que os indivíduos dispõem se resume em três eixos ou funções: produção (trabalho), manutenção e lazer. Tais eixos ou funções se dão em diferentes ambientes e contextos, absorvendo sua energia psíquica. Assim, dentro desses três contextos, o conteúdo e a qualidade da experiência vivida dependem de como o tempo é alocado e aproveitado, e de como o indivíduo se sente ao executar determinada tarefa. As atividades envolvem informações que, absorvidas pela pessoa, geram sentimentos. Para que a atividade seja considerada proveitosa e satisfatória, deve gerar sentimentos positivos (CSIKSZENTMIHALYI, 1999CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.).

Csikszentmihalyi (1990) designou os traços que podem caracterizar um indivíduo em estado de fluxo: noção e entendimento claros do que é necessário fazer a cada momento; feedback imediato de seu desempenho na tarefa; equilíbrio entre as capacidades e/ou habilidades do indivíduo e o nível de dificuldade da tarefa ou desafio; profunda concentração; desconsideração de conteúdo irrelevante para a tarefa; senso de controle sobre a atividade; perda da noção de tempo; e sensação de gratificação e prazer.

Internacionalmente, é grande o interesse de pesquisadores pela teoria do fluxo. Após o seu surgimento na década de 1970, muitos estudos e instrumentos para diferentes contextos foram desenvolvidos utilizando esse enfoque teórico. Csikszentmihalyi (2014)CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow and education. In: CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Applications of flow in human development and education. Dordrecht: Springer, 2014. p. 129-151. desenvolveu estudos sobre o futuro do fluxo, a experiência ideal, a aplicação do fluxo no desenvolvimento humano e na educação. Outros autores também fizeram uso da teoria para comparar os resultados de fluxo de estudantes americanos, obtidos por Kleiber, Larson e Csikszentmihalyi (1986) com uma amostra de estudantes italianos (CARLI; FAVE; MASSIMINI, 1988), e para identificar os efeitos da experiência de fluxo no processo de aprendizagem, constatando resultados positivos (ERHEL; JAMET, 2019ERHEL, Séverine; JAMET, Eric. Improving instructions in educational computer games: exploring the relations between goal specificity, flow experience and learning outcomes. Computers in Human Behavior, Amsterdam, v. 91, p. 106-114, 2019.). Além disso, o fluxo também foi utilizado como modelo para aumentar a resiliência de estudantes (PARR; MONTGOMERY; DEBELL, 1998); na interação humano-computador (GHANI; DESHPANDE, 1994GHANI, Jawaid A.; DESHPANDE, Satish P. Task characteristics and the experience of optimal flow in human-computer interaction. The Journal of Psychology, Abingdon, v. 128, n. 4, p. 381-391, 1994.); para avaliar o impacto de atividades na motivação dos indivíduos (CHAN; AHERN, 1999CHAN, Tom S.; AHERN, Terence C. Targeting motivation: adapting flow theory to instructional design. Journal of Educational Computing Research, Thousand Oaks, v. 21, n. 2, p. 151-163, 1999.); e no contexto do esporte, para compreender o estado da consciência durante a participação em atividades esportivas (YOUNG; PAIN, 1999YOUNG, Janet A.; PAIN, Michelle D. The zone: evidence of a universal phenomenon for athletes across sports. Athletic Insight: the online journal of sport psychology, [S. l.], v. 1, n. 3, p. 21-30, 1999.).

No campo do esporte, os estudos progrediram cada vez mais com o desenvolvimento amplo de escalas para medir a experiência de fluxo (JACKSON; MARSH, 1996JACKSON, Susan A.; MARSH, Herbert W. Development and validation of a scale to measure optimal experience: the Flow State Scale. Journal of Sport and Exercise Psychology, Hanover, v. 18, n. 1, p. 17-35, 1996.). Já no contexto da educação, a teoria do fluxo possui, internacionalmente, um solo firme, havendo muitas produções científicas acerca do desenvolvimento dos indivíduos e de processos educacionais e culturais (CSIKSZENTMIHALYI, 2014CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow and education. In: CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Applications of flow in human development and education. Dordrecht: Springer, 2014. p. 129-151.). Em 2014, foi desenvolvida uma escala para medir o fluxo no contexto educacional, utilizada em diferentes níveis de ensino, desde a escola primária ao ensino universitário (HEUTTE et al., 2016).

No Brasil, entretanto, a literatura ainda é escassa, sendo composta de estudos acerca de esportes, mais especificamente do voleibol (GOMES et al., 2012); do comportamento do consumidor (FARIAS; KOVACS; SILVA, 2008); das experiências de flow no turismo de aventuras (STRASSBURGER; MACKE, 2012STRASSBURGER, Nândri Cândida; MACKE, Janaina. Dimensões de análise da experiência do flow no turismo de aventura: Rafting em Nova Roma do Sul (RS/Brasil). Turismo: visão e ação, Balneário Camboriú, v. 14, n. 2, p. 150-163, 2012.); e no contexto educacional (ARAÚJO, 2013ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013.; CHALLCO et al., 2016; LOUREIRO, 2009LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.; QUADROS, 2016QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016.; VAGHETTI, 2013VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013.). Observa-se, então, que o uso da teoria, no Brasil, teve um crescimento significativo a partir de 2009. Mesmo assim, a literatura é majoritariamente cinzenta, isto é, consiste em teses e dissertações, não necessariamente estudos publicados em periódicos ou revisados por pares.

Isto considerado, observam-se avanços na utilização da teoria do fluxo? Qual a dimensão ocupada pela teoria do fluxo no contexto educacional brasileiro? Quais as estratégias educacionais utilizadas a partir dela? Identificar e compreender como esse enfoque teórico vem sendo utilizado em nosso contexto de atuação nos permite conhecer novas formas de produção de conhecimento. Uma vez realizada tal análise, pode-se compreender como e em que medida ocorre a produção acerca da teoria no Brasil, o que viabiliza a elaboração de novos objetivos de estudo. Assim, este artigo tem por finalidade realizar uma revisão sistemática da literatura para compreender como a teoria do fluxo vem sendo utilizada no contexto da educação e aprendizagem no Brasil, considerando todos as pesquisas realizadas até 2019.

Metodologia

Pesquisa e análise do material

Partindo do objetivo desta revisão, foi realizada uma busca nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), Index Psi, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), PsycINFO – da American Psychological Association (APA) –, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e na plataforma da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), utilizando os descritores “teoria do fluxo” AND “educação” OR “teoria do fluxo” AND “aprendizagem” OR “teoria do fluxo” AND “psicologia” e “flow theory” AND “education” OR “flow theory” AND “learning” OR “flow theory” AND “psychology”. A escolha dos descritores junto aos operadores booleanos se deu a partir da leitura de materiais que tratam da temática pesquisada.

Como o estudo tem por interesse conhecer o uso da teoria do fluxo junto à educação e/ou aprendizagem no país de forma ampla, não foi delimitada uma data de busca das pesquisas, evitando a exclusão de artigos relevantes para a revisão. Para compreender a dimensão da pesquisa sobre o uso do fluxo na educação, partiu-se da seguinte questão de pesquisa: como a teoria do fluxo vem sendo utilizada no contexto da educação e/ou aprendizagem no cenário brasileiro? Estritamente, pretende-se conhecer como ocorre essa relação, que abordagens educacionais utilizam a abordagem teórica e quais as perspectivas futuras nesta área (Quadro 1).

Quadro 1
– Questões de pesquisa

Para atender aos critérios de inclusão, os estudos deveriam ter a teoria do fluxo como tema principal ou referencial teórico, e, posteriormente, estar atrelados ao campo educacional e/ou de aprendizagem, ser realizados em contexto nacional e ter seu conteúdo disponível para acesso integral. Os critérios de exclusão considerados abrangeram estudos duplicados entre as bases de dados utilizadas e aqueles com conteúdo inacessível.

Categorização e avaliação dos dados

Para verificar os critérios de inclusão, optou-se pela leitura dos títulos, resumos e palavras-chave dos estudos, e, quando não foi encontrado o termo teoria do fluxo nestes componentes, realizou-se a leitura da introdução e da metodologia dos trabalhos, para identificação de seu referencial teórico. Além disso, examinou-se título do periódico, escopo das revistas e instituições onde os estudos foram disponibilizados, para verificar quais as suas áreas de atuação. Após esta análise, foram considerados todos os artigos publicados em revistas brasileiras de educação, psicologia e multitemáticas, bem como as teses e dissertações encontradas que atendiam aos parâmetros indicados, exceto quanto à publicação em periódicos. Finalizada a aplicação destes critérios, foram recuperados os produtos completos na internet para análise posterior.

Foram encontrados, ao todo, 260 estudos, sendo 2 na base de dados SciELO, 5 na BDTD, 10 na Capes, 14 na LILACS e 229 na PsycInfo (Figura 1).

Figura 1
– Fluxograma de análise dos estudos

Dos estudos coletados, trinta foram excluídos por serem duplicados. Restaram 225 estudos que tiveram seus títulos, palavras-chave e resumos analisados. Destes, 220 foram excluídos por não apresentarem a teoria do fluxo como tema ou enfoque teórico principal, isto é, apenas a citavam em algum momento no desenvolvimento; e por não serem realizados em contexto brasileiro no âmbito educacional e/ou do processo de aprendizagem. O corpus final foi composto, então, por cinco estudos, que serão apresentados descritivamente, considerando sua natureza, ano de publicação, metodologia empregada, temas abordados, áreas de conhecimento a que pertencem e perspectivas futuras dos estudos.

Resultados

Os resultados demonstraram que a produção de trabalhos com conteúdo específico sobre educação, aprendizagem e teoria do fluxo teve início no Brasil a partir do ano de 2009, com o estudo de Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.. O artigo avalia a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem, isto é, o uso do enfoque teórico atrelado à tecnologia mediada por computadores, o que já ocorre em cenário internacional desde 1998 (NOVAK; HOFFMAN; YUNG, 1998). Posteriormente, em 2013, houve a produção de mais dois estudos utilizando o enfoque teórico, desta vez associado ao ensino da música (ARAÚJO, 2013ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013.) e à interação humano-máquina, como o uso dos exergames no ensino de práticas da educação física (VAGHETTI, 2013VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013.).

A teoria do fluxo aparece nas publicações de modo bastante escasso até 2016, ano em que são publicados dois estudos que utilizam a teoria associada à gamificação para o ensino de línguas (QUADROS, 2016QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016.) e para o desenvolvimento de habilidades e aquisição de conhecimento (CHALLCO et al., 2016). Possivelmente, tais estudos sofrem influências de pesquisas realizadas em campo internacional, tendo em vista que estudos utilizando tais temáticas são realizados desde 1999 (CHAN; AHERN, 1999CHAN, Tom S.; AHERN, Terence C. Targeting motivation: adapting flow theory to instructional design. Journal of Educational Computing Research, Thousand Oaks, v. 21, n. 2, p. 151-163, 1999.) no cenário de adaptação da teoria ao design pedagógico.

Nos anos de 2018 e 2019 não foram encontradas publicações acerca das temáticas investigadas, no entanto vale ressaltar que as buscas de dados foram realizadas até outubro de 2019. Já em cenário internacional, os estudos sobre tais temáticas se mostraram mais expressivos e buscavam compreender os impactos do fluxo e os benefícios das fases do fluxo nos processos educacionais (ERHEL; JAMET, 2019ERHEL, Séverine; JAMET, Eric. Improving instructions in educational computer games: exploring the relations between goal specificity, flow experience and learning outcomes. Computers in Human Behavior, Amsterdam, v. 91, p. 106-114, 2019.). Como observado pelo pequeno número de produções restantes no banco de dados aqui utilizado, o quantitativo de evidências é incipiente. Dos cinco trabalhos analisados, três se tratam de teses de doutorado, e, apenas dois consistem em artigos. Estes foram publicados nas revistas Percepta e Journal of Educational Technology & Society. Lançados respectivamente em 2012 e 1999, a primeira se trata de periódico especializado em música e nos processos cognitivos relativos às práticas musicais, enquanto a segunda consiste em um acervo de publicações inéditas de estudos interdisciplinares nas áreas de ciência, tecnologia e sociedade (CTS). Na classificação do triênio 2013-2016, ambos os periódicos foram categorizados pela Capes com qualis B2.

Os materiais restantes no banco de dados final foram produzidos e/ou publicados por autores brasileiros. Das teses de doutorado, duas foram defendidas em instituições federais de ensino superior (IFESs), sendo estas a de Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. e de Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013., defendidas na Universidade Federal do Ceará (UFC) e na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), respectivamente. De acordo com a avaliação institucional do Ministério da Educação (MEC), em 2017 a UFC obteve nota 5, enquanto a FURG obteve, em 2016, nota 4. A tese de Quadros (2016)QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016., por sua vez, foi defendida na Universidade Católica de Pelotas (UCPel), instituição de ensino privada que na mesma avaliação do MEC, em 2016, obteve nota 3. Estas informações se fazem relevantes por indicar os níveis de qualidade institucional de cada universidade, considerando especialmente as dimensões de pesquisa e ensino, que incidem diretamente na qualidade das produções desenvolvidas em cada instituição, como as aqui analisadas.

Com relação à natureza dos trabalhos, adotou-se aqui a concepção de estudos empíricos, teóricos e mistos. Estudos empíricos são entendidos como aqueles que tratam de uma realidade efetiva que produz dados para uma análise posterior (BAFFI, 2002BAFFI, Maria Adelia Teixeira. Modalidades de pesquisa: um estudo introdutório. Petrópolis: [s. n.], 2002. Disponível em: http://usuarios.upf.br/~clovia/pesq_ens/textos/texto02.pdf. Acesso em: 15 jan. 2020.
http://usuarios.upf.br/~clovia/pesq_ens/...
). Os estudos teóricos são definidos como aqueles que buscam reconstruir um dado teórico e conceitual, e, assim, explicam uma certa realidade (BAFFI, 2002BAFFI, Maria Adelia Teixeira. Modalidades de pesquisa: um estudo introdutório. Petrópolis: [s. n.], 2002. Disponível em: http://usuarios.upf.br/~clovia/pesq_ens/textos/texto02.pdf. Acesso em: 15 jan. 2020.
http://usuarios.upf.br/~clovia/pesq_ens/...
). As pesquisas mistas, por sua vez, são as que fazem a junção desses dois métodos. Sendo assim, as três teses de doutorado encontradas nas buscas consistiram em estudos empíricos de caráter misto, isto é, de cunho quantitativo e qualitativo. Aqui entende-se que estudos quantitativos são aqueles que fazem uso de hipóteses de pesquisa e de estatística e que apresentam em números as opiniões e informações do ambiente para serem analisadas (RODRIGUES, 2007RODRIGUES, William Costa. Metodologia científica. Paracambi: Faetec, 2007.); e estudos qualitativos são aqueles que buscam descrever a realidade de forma subjetiva, sem quantificar, e nos quais a análise dos dados é feita a partir da interpretação do acontecimento e da atribuição de significados (RODRIGUES, 2007RODRIGUES, William Costa. Metodologia científica. Paracambi: Faetec, 2007.).

Os estudos publicados em periódicos possuem caráter teórico, qualitativo (ARAÚJO, 2013ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013.) e qualitativo/conceitual (CHALLCO et al., 2016). O estudo de Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. possui metodologia de pesquisa mista, trazendo a descrição da metodologia de forma sucinta. O pesquisador realiza um estudo de abordagem longitudinal, em que foram examinadas as interações sociais ocorridas em um ambiente virtual de ensino superior, que possuía elementos tecnológicos (Modelos de Coesão Interna de Comunidade de Aprendizagem – ACICVA) para se tornar uma comunidade virtual de aprendizagem. Os dados foram colhidos a partir da observação dos pesquisadores, de entrevistas semiestruturadas de forma presencial e questionários com respostas objetivas, a fim de medir a interação dos sujeitos com o sistema. Após essas etapas, foram identificadas as interações que geraram comunidades virtuais de aprendizagem e mediram-se os níveis de coesão por meio dos dados quantitativos.

Araújo (2013)ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013. realizou um estudo bibliográfico com base na análise da teoria do fluxo e da teoria de crenças de autoeficácia, intercalando os processos dessas duas teorias com o processo de ensino e prática em música, a partir das implicações na cognição dos indivíduos e na educação musical. No entanto, não foram descritas informações metodológicas de forma clara, como critérios de seleção dos estudos, descritores para busca dos dados e bases de busca, que precisaram então ser inferidas pelos leitores. Os estudos empíricos de Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013. e Quadros (2016)QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016. descrevem informações como participantes, instrumentos e procedimentos utilizados. O estudo de Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013. foi realizado em duas instituições de ensino, uma de iniciativa privada e outra pública, com indivíduos em nível escolar e universitário. A pesquisa foi realizada durante as aulas de educação física, em que foram utilizados três instrumentos complementares, exergames (Xbox 360, Kinect Sports, projetores multimídia e aparelhos de som) e um instrumento de medida, o questionário Long flow state physical – FSS2.

O estudo realizado por Quadros (2016)QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016. tem caráter misto e foi feito a partir da avaliação das experiências motivacionais de alunos no processo de aprendizagem de inglês no Ensino de Língua Online (ELO), pela atividade English Marathon+. Para alcançar o objetivo traçado, foi feito uso de anotações em campo, entrevista semiestruturada, diário de bordo e a Escala Estado de Fluxo (Flow State Scale-2 – FSS-2). O estudo foi realizado com grupos de alunos de diferentes cursos e faixas etárias, de forma presencial e on-line. Challco et al. (2016) realizaram um estudo conceitual, em que buscaram integrar um modelo de crescimento do aluno aprimorado pela teoria do fluxo (Learner’s Growth Model Improved by Flow Theory – GMIF), apresentando, assim, um pseudoalgoritmo que executa essa junção, e mostrando o passo a passo para a união das teorias em um sistema de educação.

Sobre o contexto de elaboração dos estudos, como mostrado anteriormente, as pesquisas de Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009., Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013., Quadros (2016)QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016. e Challco et al. (2016) foram realizadas em ambientes de aprendizagem. A investigação de Araújo (2013)ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013. foi realizada a partir de uma revisão de dados da literatura, com o intuito de contribuir para o campo da aprendizagem de música. Distingue-se dos outros estudos apenas por não ser realizada em contexto on-line de aprendizagem, no entanto tem como foco o processo de aprendizagem (Quadro 2).

Quadro 2
– Descrição dos estudos

As descrições apresentadas respondem às questões de pesquisa 1 e 2, explicitando a natureza dos estudos realizados usando a teoria do fluxo junto à educação e/ou aprendizagem no Brasil e, consequentemente, a trajetória de publicação dessas pesquisas. Finalizada esta etapa, iniciou-se a análise da questão 3, que será apresentada de forma qualitativa, descrita a partir dos títulos dos estudos que compõem essa revisão.

Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVAs) no ensino superior

Um estudo realizado por Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. propõe um modelo para a avaliação da coesão interpessoal nas comunidades virtuais de aprendizagem (CVAs) do ensino superior, considerando a forma como as abordagens pedagógicas se dão nestes espaços, de forma a facilitar o processo de aprendizagem. Foi utilizado aparato teórico aplicado em comunidades de aprendizagem presenciais, com o intuito de avaliar aspectos como cooperação e interação, característicos de espaços coletivos como as comunidades mencionadas.

Para elaborar este modelo, o autor se inspirou em conceitos e categorias da teoria do fluxo. O uso da teoria para fundamentar seu modelo de avaliação se justifica pelo fato de que, a partir do princípio de que o bem-estar pode ser produzido e experienciado na atividade humana em si, e não na satisfação ou alcance de alguma meta, é possível melhorar a qualidade da educação nos ambientes coletivos de aprendizagem e estabelecer novos rumos para relações e interações mais efetivas entre os sujeitos que constituem estes espaços, aprimorando as atividades desenvolvidas, o engajamento dos sujeitos implicados nestas atividades e as relações que permeiam sua realização.

Nesta produção, a pós-modernidade é apresentada como fator de diversas mudanças psico-sócio-antropológicas associadas às relações de interação humana em todas as suas dimensões. Uma dessas dimensões seriam as comunidades de aprendizagem, em que as interações poderiam ser modificadas abrangendo, por exemplo, estruturas como o espaço, no qual ocorreria a transferência do processo de aprendizagem de espaços reais para plataformas virtuais, já que promovem o uso de diversas tecnologias para diferentes fins (LAGUARDIA; PORTELA; VASCONCELLOS, 2007; LOUREIRO, 2009LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.). Esses sistemas, segundo Roberts (2009)ROBERTS, Amy L. D. Children’s reflections on cultural differences in ways of working together. 2009. Tese (Doutorado em Filosofia) – University of California, Santa Cruz, 2009., contribuem para a integração de indivíduos de diferentes contextos sociais por diferentes períodos de tempo e promovem experiências de educação com impacto único no processo de educação individual.

Desta forma, Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. se debruça sobre o espaço de aprendizagem ensino a distância (EaD), mais especificamente do ensino superior, pois se trata de um ambiente que faz ampla utilização de vários tipos de mídia. O estudo atestou, no que se refere ao espaço virtual, os princípios de ubiquidade, acessibilidade e intuitividade. No entanto, tais princípios foram alcançados no ambiente virtual do ponto de vista tecnológico, porém o mesmo não ocorreu do ponto de vista humano. Assim, apesar de haver estruturas relacionais como as aqui mencionadas nas plataformas virtuais testadas, necessárias para aprimorar e efetivar as relações pessoais, não houve interação e engajamento entre os sujeitos nas atividades virtualmente propostas.

A falta de coesão interna estabelecida no estudo de Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009. se justifica pela ausência de metodologia explicitada por alguns professores, que não estavam habituados a fazer uso da internet em suas atividades, assim como alguns alunos, que estavam lidando com a experiência do EaD há pouco tempo e não se aplicaram no processo grupal de realização de atividades. O resultado se mostrou diferente quando o estudo foi realizado com indivíduos que faziam uso do sistema há mais tempo, o que corrobora as evidências encontradas na literatura, as quais afirmam que o processo do EaD requer uma alfabetização tecnológica para que o indivíduo possa buscar materiais de apoio na internet, instalar programas, enviar e-mails e realizar as demais atividades (PATTO, 2013PATTO, Maria Helena Souza. O ensino a distância e a falência da educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 303-318, 2013.; RAMOS et al., 2014). A ausência dessas habilidades acaba se tornando um verdadeiro tormento na vida do discente, ou até mesmo do docente, fazendo com que seu desempenho e seu desejo em continuar naquele espaço seja reduzido (RAMOS et al., 2014).

Exergames em rede: a educação física no cyberspace

Esta pesquisa desenvolvida por Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013. ocorreu quatro anos após o estudo de Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009., considerado um estudo pioneiro que utiliza a teoria do fluxo em contexto educacional. Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013. analisou o uso de uma nova categoria de videogames, os exergames, no ensino de educação física para alunos de ensino fundamental e superior. A teoria do fluxo e a teoria da autodeterminação foram utilizadas como fundamentação teórica do estudo, pois o autor desejava identificar aspectos motivacionais na experiência de uso desses games na prática para o ensino de educação física. Todos os games utilizados continham alguma modalidade esportiva como objetivo e atividade principais, a exemplo do tênis de mesa.

O autor identifica que o uso de plataformas virtuais como os games fomenta a aprendizagem de estratégias que podem ser aplicadas na prática de esportes e atividades físicas no mundo real, incentivando sua prática em alunos de ensino fundamental e superior. Considera-se que os elementos de jogos exercem influência positiva e/ou negativa sobre os jogadores, além de imergir os indivíduos em atividades relativas, fazendo com que experienciem um alto grau de absorção das informações do ambiente, um aumento em seu raciocínio lógico, na capacidade de leitura e de concentração na atividade e no acúmulo de memórias (AVANÇO; LIMA, 2020AVANÇO, Leonardo Dias; LIMA, José Milton de. Diversidade de discursos sobre jogo e educação: delineamento de um quadro contemporâneo de tendências. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 46, p. 1-17, 2020.; GHENSEV, 2010GHENSEV, Rogério. O uso dos games na educação. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso – (Pós-graduação em Mídias Interativas) – Centro Universitário Senac, São Paulo, 2010.).

Uma vez que os games possuem elementos que desencadeiam todos esses benefícios, o autor constatou que, praticados em rede, os exergames promovem a competição entre os jogadores e elevam a motivação, o que demonstrou que, nessas experiências, há grande ocorrência do estado de fluxo. Ou seja, os mecanismos utilizados em ambientes de jogos, como seus próprios elementos, despertam o interesse nos indivíduos, levando-os à imersão na atividade realizada e possibilitando uma experiência de consciência ótima e, consequentemente, satisfatória (SCHELL, 2019SCHELL, Jesse. The art of game design: a book of lenses. 3. ed. New York: CRC Press, 2019.).

O estudo de Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013. foi realizado a partir da teoria do fluxo, com o objetivo de impulsionar a motivação para a aprendizagem, assim como o estudo de Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.. No entanto, este último autor não obteve resultados satisfatórios em sua pesquisa, diferentemente de Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013., que, utilizando mecanismos de games, conseguiu elevar o nível de motivação dos participantes e, como consequência, provocou neles o estado de fluxo. Tal resultado o fez perceber a importância de levar para a sala de aula uma metodologia atualizada e alinhada com a era em que vivemos, uma era digital, que pode trazer benefícios se usada correta e adequadamente na prática cotidiana.

Outrossim, o estudo apresentou a relevância do feedback imediato nas estratégias de jogos dos participantes, já que isso contribuiu para o aumento no nível de motivação dos exergames na modalidade em rede (networked), em comparação aos modelos multiplayer e singleplayer. Na modalidade networked, havia mais jogadores distribuídos em grupos estabelecendo relações de coletividade e, com isso, houve maior interação entre indivíduos por meio da cooperação e da competição. Em virtude desses fatores, observou-se maior ocorrência da experiência de fluxo nesse gênero de jogo. Comprovou-se, então, a hipótese de que os exergames em rede podem ser utilizados como social exergames, isto é, como uma rede social para a prática de atividades físicas. Desta forma, mesmo não obtendo o mesmo nível de motivação nas três modalidades de jogos, o autor conseguiu provar sua hipótese de pesquisa, validando o uso dos exergames nas práticas do ensino de educação física.

A gamificação no ensino de línguas on-line

Em 2016, foi desenvolvido outro estudo utilizando um ambiente virtual no processo de ensino e/ou aprendizagem, desta vez por Gerson Bruno Forgiarini de Quadros, abrangendo o ensino de idiomas estrangeiros em plataformas on-line. A teoria do fluxo foi utilizada como base, tendo por objetivo explicar como elementos da gamificação podem levar um indivíduo a entrar em experiência de fluxo durante o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira. Desde a formulação do conceito gamificação, há oito anos, por Deterding (2011)DETERDING, Sebastian et al. Gamification: using game-design elements in non-gaming contexts. In: CONFERENCE ON HUMAN FACTORS IN COMPUTING SYSTEMS, 11., 2011, Vancouver. Proceedings […]. New York: Association for Computing Machinery, 2011. p. 2425-2428., essa noção vem sendo utilizada com o intuito de melhorar o processo de aprendizagem, eficiência e motivação dos alunos (KAPP, 2012KAPP, Karl M. The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. Hoboken: John Wiley & Sons, 2012.). Além disso, o uso dos elementos de jogos, como citado anteriormente, pode levar os indivíduos a experiências satisfatórias de fluxo. Em seu trabalho, Quadros (2016)QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016. aponta que o estado de fluxo no processo de aprendizagem pode estimular um melhor desempenho dos alunos, promovendo o desenvolvimento de habilidades linguísticas e, consequentemente, a aprendizagem de um novo idioma.

O autor afirma que, por meio da mensuração dos níveis de fluxo gerados durante atividades de aprendizagem de um novo idioma, há possibilidade de melhoria no desempenho do aluno, o que promove o desenvolvimento de suas habilidades linguísticas nas atividades on-line. Ou seja, a aprendizagem depende das habilidades e do grau de dificuldade das atividades propostas, mediados por recursos educacionais produzidos na internet, o que se relaciona diretamente com o proposto pela teoria do fluxo, já que, conforme Mihaly Csikszentmihalyi (1999)CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. A descoberta do fluxo: a psicologia do envolvimento com a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Rocco, 1999., o profundo engajamento na tarefa realizada e o equilíbrio entre as habilidades individuais e as dificuldades demandadas são traços que caracterizam a experiência de fluxo.

No entanto, apesar de Quadros (2016)QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016. contar com a teoria do fluxo no centro de sua fundamentação, notou-se que o referido trabalho tem como ponto principal não a teoria em si, mas a gamificação e como o estado de fluxo pode ocorrer em indivíduos em ocasião do uso de plataformas gamificadas. Tal qual o trabalho de Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013., este autor se ateve ao elemento de motivação da teoria do fluxo. Ao final do trabalho, o autor concluiu que a aplicação da teoria no ensino de línguas estrangeiras é eficaz ao promover nos alunos o interesse pela aprendizagem, estimulando sua motivação e melhorando sua participação no processo de ensino-aprendizagem.

Toward a unified modeling of learner’s growth process and flow theory

No mesmo ano de desenvolvimento do estudo de Quadros (2016)QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016., outro trabalho foi produzido por Challco et al. (2016) utilizando a teoria do fluxo. O estudo faz uso do modelo de crescimento do aluno junto à teoria do fluxo para desenvolver um modelo computacional que seja capaz de conectar essas duas teorias, isto é, relacionar a teoria do fluxo ao processo de crescimento do aluno. Esta metodologia possibilita reconhecer um equilíbrio apropriado entre as habilidades dos indivíduos e os desafios propostos de acordo com os estágios de desenvolvimento do aluno. Além disso, os autores apresentam um pseudoalgoritmo que possibilita a personalização do design de plataformas de aprendizagem que ampliam a possibilidade de os alunos vivenciarem o estado de fluxo e permanecerem nele (CHALLCO et al., 2016).

Para integrar o processo de crescimento do estudante à teoria do fluxo, os autores partem do modelo chamado GMIF, em que se dispõe de uma escala de dificuldade dividida em cinco pontos, que vai do estágio fácil ao muito difícil, considerando que, para manter um indivíduo em estado de fluxo, é necessário ater-se a cada mudança de estágio no desenvolvimento das habilidades dos indivíduos, e, com isso, aumentar o nível de dificuldade da tarefa realizada.

Além de apresentarem o GMIF, Challco et al. (2016) introduzem um pseudoalgoritmo para escalas GMIFs que otimiza todo o processo explicitado anteriormente. A partir dele, pode-se inserir esse modelo em sistemas on-line e com isso ampliar as formas de ensino, possibilitando a criação de GMIFs com diferentes níveis de dificuldade. O pseudoalgoritmo é definido pelos autores como capaz de calcular o número de níveis que devem ser distribuídos em cada atividade, ou melhor, em cada mudança de estágio do aluno.

O modelo apresentado por Challco et al. (2016) traz diversos benefícios para o processo de ensino-aprendizagem, como a implementação de sistemas de ensino colaborativos que propiciem a experiência de fluxo, auxílio no alcance de objetivos educacionais dos estudantes, desenvolvimento de habilidades e, o mais importante, a aquisição do conhecimento. Ademais, os autores propõem em seus próximos estudos a realização de pesquisas empíricas com o intuito de avaliar o modelo proposto.

Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical

A investigação de Araújo (2013)ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013. apresenta elementos motivacionais relacionados com a prática e a aprendizagem da música e, para isso, recorre a uma revisão de literatura e pesquisas realizadas utilizando duas abordagens teóricas, a teoria do fluxo e a teoria da autoeficácia. A autora busca trabalhos e pesquisas realizados em campo nacional e internacional, para explicar os aspectos relacionados com a motivação para realizar práticas musicais, já que isso se constituiria em um auxílio aos professores, pesquisadores e aos próprios músicos.

Para falar sobre as crenças de autoeficácia e música, Araújo (2013)ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013. analisa os trabalhos nacionais realizado por Cavalcanti (2009)CAVALCANTI, Célia Regina Pires. Auto-regulação e prática instrumental: um estudo sobre as crenças de auto-eficácia de músicos e instrumentistas. 2009. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/19468/Dissertacao%20-%20Celia%20Regina%20Pires%20Cavalcanti.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 14 jan. 2020.
https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/...
e Cereser (2011)CERESER, Cristina Mie Ito. As crenças de autoeficácia dos professores de música. 2011. Tese (Doutorado em Música) – Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.. Cavalcanti (2009)CAVALCANTI, Célia Regina Pires. Auto-regulação e prática instrumental: um estudo sobre as crenças de auto-eficácia de músicos e instrumentistas. 2009. Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/19468/Dissertacao%20-%20Celia%20Regina%20Pires%20Cavalcanti.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 14 jan. 2020.
https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/...
investigou os processos de autorregulação e crenças autotélicas na prática instrumental de alunos que estudam música em uma universidade de Curitiba, já Cereser (2011)CERESER, Cristina Mie Ito. As crenças de autoeficácia dos professores de música. 2011. Tese (Doutorado em Música) – Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. elaborou uma escala para verificar as crenças de autoeficácia de educadores musicais. É a partir dos resultados desses dois estudos que Araújo (2013)ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013. compreende os processos motivacionais presentes no percurso de ensino-aprendizagem da prática musical. Dada a importância dos processos de autorregulação para se ater e gerenciar o estudo da música, de maneira a consolidar as crenças de autoeficácia, é estabelecida uma relação entre o aumento de crenças de autoeficácia e a qualidade da prática musical desenvolvida, tanto para os professores quanto para os alunos. Além disso, cabe a importância da reafirmação e do fortalecimento das crenças de autoeficácia nos professores para motivarem a si mesmos e seus alunos.

Para falar sobre o uso da teoria do fluxo, a autora examina os trabalhos realizados pelos autores internacionais Griffin (2008)GRIFFIN, Michael. Creating emotional intelligence opportunities for general music students in the keyboard laboratory. In: ISME WORLD CONFERENCE, 28., 2008, Bologna. Proceedings […]. Perth: International Society for Music Education, 2008. p. 113-117. e Troum (2008)TROUM, Julie. Self-regulated deliberate flow: a metacognitive goal-directed praxis toward musical practice. In: ISME WORLD CONFERENCE, 28., 2008, Bologna. Proceedings […]. Perth: International Society for Music Education, 2008. 1 CD-ROM.. Utilizando a teoria do fluxo como alicerce teórico, Griffin (2008)GRIFFIN, Michael. Creating emotional intelligence opportunities for general music students in the keyboard laboratory. In: ISME WORLD CONFERENCE, 28., 2008, Bologna. Proceedings […]. Perth: International Society for Music Education, 2008. p. 113-117. atestou a adequação das dificuldades individuais de alunos de música à dificuldade da atividade a ser realizada, juntamente com o estabelecimento de metas e objetivos claros. Isso favoreceu de forma significativa o progresso da aprendizagem de mais da metade dos alunos estudados. Troum (2008)TROUM, Julie. Self-regulated deliberate flow: a metacognitive goal-directed praxis toward musical practice. In: ISME WORLD CONFERENCE, 28., 2008, Bologna. Proceedings […]. Perth: International Society for Music Education, 2008. 1 CD-ROM., por sua vez, estabelece orientações e estratégias para que o professor de música possa potencializar a aprendizagem de seus alunos observando necessidades intrínsecas e a adequação aos requisitos da prática individual. A autora aponta também elementos da experiência de fluxo contidos na prática e aprendizagem de música, como a motivação intrínseca, o uso de metas e a concentração.

Após a análise dos estudos citados, a autora atesta convergências entre as duas teorias estudadas, destacando suas contribuições para o processo de ensino-aprendizagem da prática musical e a importância dos processos de autorregulação para ensinar e estudar a música. Ainda, ressalta que o incentivo à realização de práticas musicais significativas e gratificantes e a importância dos processos subjetivos cognitivos, como atenção, concentração e emoções positivas, possibilitam a atuação do indivíduo a partir de sua realidade subjetiva e social (BUENO; COSTA; BUENO, 2013).

Desta forma, pode-se notar que, apesar da pouca produção científica brasileira que faz uso da teoria do fluxo, os estudos realizados possuem caráter inovador, utilizando novas tecnologias, como o estudo de Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009., que fez uso de comunidades virtuais de ensino para motivar os indivíduos, não havendo, no entanto, um aumento das trocas interpessoais ou alterações na qualidade das relações estabelecidas no ambiente. Apesar das evoluções nos processos pedagógicos, no aprimoramento da tecnologia e na disponibilização de materiais, a mudança humana é de suma importância para adesão dos mecanismos anteriores. As comunidades virtuais de aprendizagem estavam dependentes da ação dos indivíduos no que diz respeito ao modus operandi, isto é, há uma adesão do sistema, mas não uma interação ou vínculo profundo entre os usuários, o que contribuiu para baixos níveis de coesão interna na comunidade virtual.

Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013., em seu estudo, lança mão de elementos de games e estratégias de jogos para promover a motivação dos indivíduos e consequentemente levá-los ao estado de fluxo. O que ocorreu foi uma implementação das tecnologias quando comparado ao estudo de Loureiro (2009)LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009., dado que as tecnologias no meio educacional brasileiro tinham maior alcance, sendo perceptível a partir do uso dessas tecnologias pelos estudantes da amostra de ensino particular (VAGHETTI, 2013VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013.).

Quadros (2016)QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016. apresenta um estudo baseado em motivação a partir do uso da teoria do fluxo e emprega elementos gamificados, metodologia inovadora para o cenário nacional, tendo em vista que o termo gamificação foi cunhado por Deterding (2011)DETERDING, Sebastian et al. Gamification: using game-design elements in non-gaming contexts. In: CONFERENCE ON HUMAN FACTORS IN COMPUTING SYSTEMS, 11., 2011, Vancouver. Proceedings […]. New York: Association for Computing Machinery, 2011. p. 2425-2428.. Seu estudo possui resultados satisfatórios, assim como o de Vaghetti (2013)VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013., o que evidencia os avanços positivos no uso da teoria do fluxo atrelada a elementos motivacionais. O estudo de Araújo (2013)ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013., mesmo se tratando de uma revisão bibliográfica, realiza uma articulação dos processos teóricos com os processos de ensino e/ou aprendizagem no campo musical. Por fim, Challco et al. (2016) propõem um algoritmo capaz de promover as etapas do processo de fluxo a partir das habilidades dos indivíduos, o que parece otimizar o processo buscado pelos outros autores em estudos anteriores.

Os estudos apresentam diversos constructos da teoria do fluxo, contudo o maior foco se encontra na motivação (ARAÚJO, 2013ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013.; QUADROS, 2016QUADROS, Gerson Bruno Forgiarini de. A gamificação no ensino de línguas online. 2016. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Católica de Pelotas, Pelotas, 2016.; VAGHETTI, 2013VAGHETTI, César Augusto Otero. Exergames em rede: a educação física no cyberspace. 2013. Tese (Doutorado em Educação em Ciências) – Universidade Federal do Rio Grande, Rio Grande, 2013.), como estratégia para modificar o processo de aprendizagem (LOUREIRO, 2009LOUREIRO, Robson Carlos. Proposição de modelo teórico para avaliar a coesão interna de comunidades virtuais de aprendizagem (CVA) no ensino superior. 2009. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.) e o equilíbrio entre as habilidades dos indivíduos e os desafios propostos (CHALLCO et al., 2016). No mais, os estudos empíricos realizados no Brasil contam com um aparato metodológico muito bem elaborado, suas estratégias de pesquisa são inovadoras e têm grande relevância para o cenário educacional e/ou de aprendizagem. Além disso, notou-se a preocupação dos autores em efetuarem estudos utilizando a teoria do fluxo associado ao processo de aprendizagem para produzir ferramentas capazes de auxiliar no processo educacional brasileiro, ou seja, em todos os estudos houve uma articulação entre teoria e processos práticos, seja no campo tradicional escolar, seja em qualquer outro ambiente que exija o aprendizado.

Ademais, o objetivo e as questões de pesquisa tratadas no início deste estudo foram esclarecidas: a teoria do fluxo junto à educação e/ou aprendizagem no Brasil vem sendo utilizada para otimizar os processos de ensino-aprendizagem, tornando-os cada vez mais leves, cultivando motivação e momentos prazerosos, incentivando a cooperação, a competição e a participação nos ambientes educacionais. (Q1) Sobre os aspectos metodológicos das pesquisas, tem-se a prevalência de estudos empíricos de caráter qualitativo-quantitativo; (Q2) a produção científica que faz uso desse referencial teórico no Brasil pode ser considerada vagarosa, havendo uma estagnação de sua produção em 2016, contudo, nos anos de 2013 e 2016, apresenta o maior número de publicações: duas cada; (Q3) podemos citar como áreas de atuação dos estudos realizados que utilizam a teoria do fluxo junto à educação e/ou aprendizagem a pedagogia, a educação musical, a educação física, a engenharia da computação e letras.

Considerações finais

Verificou-se que as produções que utilizam a teoria do fluxo junto à educação e/ou aprendizagem no contexto brasileiro vêm ocorrendo sem grande expressão, tendo em vista que há um intervalo de tempo considerável entre as publicações encontradas. Os estudos realizados se destacam por apresentarem resultados importantes e favoráveis para o meio educacional e/ou de aprendizagem, metodologias claras e consistentes, diferentes públicos e ambientes de pesquisa e instrumentos inovadores para as áreas de conhecimento. No entanto, os resultados brasileiros se distinguem bastante daqueles encontrados no cenário internacional, como pode ser visto em uma revisão realizada por Aleksic (2017), em que foram contabilizados 854 artigos que apresentam a teoria do fluxo como aporte teórico, distribuídos em quatro áreas: psicologia, psicologia do esporte, marketing e interação humano-computador.

De fato, desde a formulação da teoria do fluxo na década de 1970 diversos estudos foram desenvolvidos, fazendo com que essa teoria se tornasse objeto de interesse de muitos pesquisadores em variadas disciplinas acadêmicas (NAKAMURA; CSIKSZENTMIHALYI, 2009NAKAMURA, Jeanne; CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow theory and research. In: LOPEZ, Shane J.; SNYDER, Charles R. (ed.). The Oxford handbook of positive psychology. 2. ed. Oxford: Oxford University, 2009. p. 195-206.; SANTOS et al., 2018). Nesta revisão, não foi possível encontrar dados aproximados dessa realidade.

Apesar de apresentar um panorama das publicações que relacionam a teoria do fluxo à aprendizagem e/ou educação no Brasil e demonstrar como o número de evidências publicadas é pequeno nessa área, é importante destacar que as buscas consideraram apenas as bases de dados on-line, contando com produtos de livre e completo acesso. Assim, fizeram parte do material coletado artigos e teses de doutorado. Possivelmente, há um número maior de achados se forem considerados livros, programas implementados por grupos de trabalho interessados no tema e projetos em desenvolvimento.

Desta forma, indicam-se duas questões consideradas válidas para ampliar a agenda de pesquisa sobre a teoria do fluxo no cenário brasileiro: em que contextos e de que forma a teoria do fluxo está sendo utilizada no Brasil, dado que esta revisão se pauta no campo da educação e/ou aprendizagem e não foram encontrados estudos que tivessem realizado um mapeamento geral de seu uso? Quais os impactos do uso da teoria do fluxo junto ao campo educacional e/ou de aprendizagem brasileiro, tendo em vista que os estudos analisados evidenciam somente propostas de implementação de sistemas?

Ademais, espera-se que os achados desta revisão sejam utilizados como possibilidade de construção de novos objetivos de investigação, de desenvolvimento de propostas de intervenção e de estímulo a um maior interesse em trazer ao público um quantitativo maior de evidências sobre o uso da teoria do fluxo na educação.

Referências

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  • ARAÚJO, Rosane Cardoso de. Crenças de autoeficácia e teoria do fluxo na prática, ensino e aprendizagem musical. Percepta, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 55-66, 2013.
  • AVANÇO, Leonardo Dias; LIMA, José Milton de. Diversidade de discursos sobre jogo e educação: delineamento de um quadro contemporâneo de tendências. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 46, p. 1-17, 2020.
  • BAFFI, Maria Adelia Teixeira. Modalidades de pesquisa: um estudo introdutório. Petrópolis: [s. n.], 2002. Disponível em: http://usuarios.upf.br/~clovia/pesq_ens/textos/texto02.pdf Acesso em: 15 jan. 2020.
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  • BUENO, Paula Alexandra Reis; COSTA, Rosa Maria Cardoso Dalla; BUENO, Roberto Eduardo. A educomunicação na educação musical e seu impacto na cultura escolar. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 493-507, 2013.
  • CARLI, Massimo; FAVE, Antonella Delle; MASSIMINI, Fausto. The quality of experience in the flow channels: comparison of Italian and US students. In: CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly; CSIKSZENTMIHALYI, Isabella Selega (ed.). Optimal experience: psychological studies of flow in consciousness. Cambridge: Cambridge University, 1988. p. 288-306.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2020
  • Revisado
    22 Jul 2020
  • Aceito
    29 Set 2020
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