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(Dis)posições para a formação docente em um curso de pedagogia: contribuições da extensão universitária

(Dis)positions for teacher training in a pedagogy course: university extension contributions

Resumo

O artigo apresenta resultados de uma pesquisa que teve por objetivo analisar como a participação de estudantes de um curso de pedagogia em ações de extensão universitária pode contribuir para o desenvolvimento de (dis)posições para sua formação docente. Teoricamente, ancora-se nos conceitos de (dis)posições para a formação docente, de Nóvoa, e de “terceiro espaço”, de Zeichner. A contextualização acerca da extensão universitária foi elaborada com o apoio do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (Forproex) e estudos da área. Metodologicamente, a pesquisa desenvolveu-se a partir de uma análise documental das ações extensionistas com abertura para a formação de professores registradas na instituição perscrutada, seguida de uma análise de entrevistas feitas com os sujeitos envolvidos com a realização de tais ações e ligados ao curso de pedagogia em questão. Os resultados indicam que as posições para a formação docente são desenvolvidas pela via da extensão, porém algumas mais frequentemente que outras. Considerando as ações de extensão que compuseram o estudo, as posições mais desenvolvidas, por ordem e razões, são: recomposição investigativa, pela relação com a pesquisa; exposição pública, pela relação com a sociedade; interposição profissional, pela articulação com escolas e professores; composição pedagógica, pela dialogicidade e trabalho colaborativo; e disposição pessoal, pelo autoconhecimento e autoconstrução.

Palavras-chave
Formação de professores; Disposições para a formação; Extensão universitária; Curso de pedagogia

Abstract

This study describes results of research that aimed at analyzing how pedagogy students’ participation in university extension activities can contribute to the development of (dis)positions for their teacher education. This study uses Nóvoa’s theoretical concepts of (dis)positions and Zeichner’s “third space”. We contextualized university extension programs with the support of the Forum of Extension Pro-Rectors in Brazilian Higher Education Public Institutions - Forproex) and related studies. This research was methodologically developed from a documental analysis of the available extension actions to train teachers in the scrutinized institution, followed by an analysis of interviews with subjects involved with such actions and linked to the pedagogy course in question. Results indicate that extension develops teacher training positions, though some more frequently than others. Considering the extension actions that composed this study, the most developed positions in order (with reasons), are investigative recomposition, by its relation with research; public exposition, by its relation with society; professional interposition, by its articulation with schools and teachers; pedagogical composition, by dialogism and collaborative work; and personal disposition, by self-knowledge and self-construction.

Keywords
Teacher education; Dispositions for training; University extension; Pedagogy course

O artigo decorre de uma pesquisa 2 2 - O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente, porque constitui elaboração própria. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente às autoras, por e-mail. que se voltou para o entrecruzamento da formação inicial de professores com a extensão universitária, a partir do pressuposto de que há um caráter potencialmente formador nessa relação. Toma como base a compreensão da extensão universitária tanto enquanto um processo que viabiliza a interação transformadora entre a universidade e outros setores da sociedade ( FORPROEX, 2012FORPROEX. Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras. Política nacional de extensão universitária. Manaus: Forproex, 2012.) como enquanto uma ação comprometida com a construção do conhecimento pela dialogicidade ( FREIRE, 1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.).

Teve como ponto de partida os conceitos de (dis)posições para a formação docente, de Nóvoa ( 2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.), e de “terceiro espaço”, de Zeichner ( 2010ZEICHNER, Kenneth M. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, 2010.), no sentido de defender que a formação docente carece de um espaço construído na articulação entre universidade, escola e comunidade e imbuído da cultura profissional. Desse modo, delineou-se a fim de investigar como a participação em ações de extensão universitária pode contribuir para o desenvolvimento das (dis)posições propostas por Nóvoa ( 2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.) para a formação docente.

No bojo dos cursos de licenciatura, definiu olhar inicialmente para um curso de pedagogia, posto que o professor por ele formado tem especificidades diferentes das dos demais cursos. Trata-se de um pedagogo formado para ser professor, formador de professores e gestor, cuja articulação do trabalho pedagógico representa uma das funções nodais de seu fazer em estreita articulação com a docência. Quanto à instituição, a escolha recaiu sobre uma universidade pública localizada no Sudeste do Brasil, mais especificamente no estado do Rio de Janeiro, dada a sua tradição nas áreas de ensino-pesquisa-extensão, representando um campo robusto de possibilidades para analisar o objeto delineado.

Para apresentar o estudo, inicialmente partiremos do contexto da extensão para, então, discutir os aspectos teóricos que serviram de fundamento para a construção do objeto e sua análise. Na sequência, descreveremos a metodologia e os resultados em duas partes, conforme as análises realizadas.

A extensão universitária

O conceito, os aspectos legais da extensão e sua creditação na graduação vêm sofrendo transformações com base em suas diretrizes ( BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024 e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 dez. 2018.), com base na relação da extensão com a formação continuada de professores ( BRASIL, 1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996., art. 43 incluído em 2015) e com relação às questões curriculares ( BRASIL, 2014BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2014.). Para compreender esse movimento, cumpre-nos revisitar, à guisa de contextualização, alguns princípios da extensão universitária decorrentes de sua institucionalização.

O primeiro marco oficial da extensão universitária ( BRASIL, 1968BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 nov. 1968.) foi definido pela perspectiva da transmissividade e pela hegemonia universitária sobre o saber. No entanto, em 1970, as ideias do educador Paulo Freire influenciaram medidas destinadas ao fortalecimento da extensão e culminaram numa mudança de paradigma. A relação sujeito-objeto da ação extensionista ganhou outra configuração, passando de uma relação vertical para horizontal, em que o público-alvo deveria ser reconhecido como sujeito da ação capaz de trocar saberes com a universidade em um diálogo no qual ambos seriam beneficiados ( NOGUEIRA, 2000NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel (org.). Extensão universitária: diretrizes conceituais e políticas. Belo Horizonte: Proex: UFMG, 2000.).

A criação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (Forproex), em 1987, significou um grande avanço na institucionalização da extensão, sobretudo porque ocasionou a pactuação do seu conceito, que mais tarde foi simplificado para ser compreendido como “um processo interdisciplinar educativo, cultural, científico e político, que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade” ( FORPROEX, 2012, p. 28FORPROEX. Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras. Política nacional de extensão universitária. Manaus: Forproex, 2012.). Esse conceito, ainda hoje, define a compreensão de extensão universitária e é adotado pela universidade escolhida como campo desta pesquisa. A partir dele, o Forproex vem atuando no estabelecimento de diretrizes para a extensão ( BRASIL, 2018BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024 e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 dez. 2018.) e sobre temas que discutem concepção, inserção social e curricularização.

O Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020 indicou como estratégia para o alcance da meta 12 a necessidade de os estudantes de graduação cumprirem dez por cento do total de créditos em atividades de extensão, meta que se manteve no PNE 2014-2024. A universidade campo desta pesquisa regulamentou, através de uma resolução do seu Conselho de Ensino e Graduação, esta inclusão em 2013. Em 2015, o seu curso de pedagogia atualizou o Projeto Pedagógico de Curso (PPC) para o cumprimento das regulamentações. Em 2015, a Lei nº 9.394/1996 incluiu um novo objetivo relacionado com a educação básica – a formação e capacitação de seus profissionais e a aproximação desses dois níveis escolares –, a ser alcançado por meio do desenvolvimento de atividades de extensão (art. 43, § VIII).

As iniciativas legais e institucionais a favor da creditação da extensão nos currículos de cursos de graduação têm suscitado a emergência de estudos sobre as possíveis relações entre extensão e formação docente, tal como se pode verificar nos trabalhos de Coelho ( 2017COELHO, Geraldo Ceni. A extensão universitária e sua inserção curricular. Interfaces, Belo Horizonte, v. 5, n. 2, p. 5-20, 2017.), Kochhann ( 2017KOCHHANN, Andréa. Formação de professores na extensão universitária: uma análise de perspectivas e limites. Teias, Rio de Janeiro, v. 18, n. 51, p. 276-292, 2017.) e Bonifácio e Santos ( 2020BONIFÁCIO, Juliana; SANTOS, Lorene dos. Perspectivas de extensão universitária na formação de professores: contextualização histórico-social. Devir Educação, Lavras, v. 4, n. 1, p. 171-187, 2020.).

Nesse contexto, a contribuição da extensão universitária para a formação profissional em nível superior, em referência às relações entre universidade e comunidade e, no caso da formação docente, em relação à escola, tem sido objeto de pesquisas ( ABREU, 2015ABREU, Sandra Cristina Souza Reis. Universidade e escola básica: o papel da extensão universitária na formação de professoras e professores em educação científica. 2015. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 2015.; NOZAKI, 2012NOZAKI, Joice Mayumi. Os significados e as implicações da extensão universitária na formação inicial e na atuação profissional em educação física. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, 2012.; SANTOS, 2014SANTOS, Marcos Pereira dos. A extensão universitária como “laboratório” de ensino, pesquisa científica e aprendizagem profissional: um estudo de caso com estudantes do curso de licenciatura em pedagogia de uma faculdade particular do Estado do Paraná. Extensio, Florianópolis, v. 11, n. 18, p. 36-52, 2014.), cujos resultados evidenciam seu alto potencial formativo. Diante disso, cabe-nos indagar: como a extensão volta-se para a formação profissional docente? E, mais especificamente: como a participação de estudantes de um curso de pedagogia, em ações de extensão universitária, pode contribuir para o desenvolvimento de sua formação?

Desse modo, voltamos nosso olhar, contextualizado pela extensão, para o campo da formação de professores e, para isso, definimos as bases conceituais que guiaram nossas concepções de formação docente, apresentadas na próxima seção.

A formação de professores

O percurso investigativo desta pesquisa foi conduzido pelas concepções de formação de professores disseminadas nos trabalhos de Zeichner ( 2010ZEICHNER, Kenneth M. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, 2010.), Zeichner, Payne e Brayko ( 2015ZEICHNER, Kenneth M.; PAYNE, Katherina A.; BRAYKO, Kate. Democratizing teacher education. Journal of Teacher Education, Washington, DC, v. 66, n. 2, p. 122-135, 2015.), Zeichner, Saul e Diniz-Pereira ( 2014ZEICHNER, Kenneth M.; SAUL, Alexandre; DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Pesquisar e transformar a prática educativa: mudando as perguntas da formação de professores – uma entrevista com Kenneth M. Zeichner. e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 2211-2224, 2014.) e Nóvoa ( 2009NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009., 2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.), pois sustentam defesas que se constroem sob uma perspectiva de formação docente orientada por uma relação horizontalmente construída entre universidade, escola e comunidade, na qual a cultura profissional, a postura investigativa e a valorização dos saberes socialmente erigidos são elementos constitutivos de um novo lugar institucion.

Zeichner ( 2010ZEICHNER, Kenneth M. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, 2010.) ressalta a importância de um trabalho de formação de professores atento em ampliar para as comunidades o lócus da formação inicial. Essa ampliação é fundamental para que se estabeleça, mantenha e afirme que existe uma relação indissociável entre educação, ensino, aprendizagem e sociedade, bem como para que seja reconhecido e valorizado o conhecimento que emana dessa comunidade. Esse autor defende que um espaço de entrecruzamento de fronteiras entre a universidade e a escola é capaz de promover aprendizagens tanto para professores em formação inicial quanto para profissionais já formados. No entanto, uma das características essenciais para que esse espaço cumpra suas expectativas é que seus participantes assumam status mais igualitários e menos hierárquicos para se envolverem mutuamente em prol da formação de conhecimentos estabelecidos por uma base de relação horizontalmente democrática. Somente assim, esse espaço seria caracterizado como “terceiro espaço”.

As perspectivas de Zeichner ( 2010ZEICHNER, Kenneth M. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, 2010.) que apoiaram esta pesquisa, portanto, aglutinam-se em torno da defesa de que as fronteiras que demarcam os espaços da universidade e da comunidade sejam cruzadas em prol da implementação de projetos e parcerias intencionalmente direcionados para a formação de professores e conduzidos pelo princípio de que todo conhecimento importa (acadêmico, prático, profissional, realidade social, político) e de que o professor não é formado unicamente por conhecimentos acadêmicos, mas que, sem eles, tampouco há formação. Partindo dessa concepção, olhamos para o potencial que a extensão universitária demonstra para acessar conhecimentos idealizados nos espaços extramuros de maneira dialógica, e não hierárquica, na relação universidade-comunidade, tal como discutem Almeida e Sampaio ( 2010ALMEIDA, Luciane Pinho de; SAMPAIO, Jorge Hamilton. Extensão universitária: aprendizagens para transformações necessárias no mundo da vida. Revista Diálogos, Brasília, DF, v. 14, n. 1, p. 33-41, 2010.).

O problema da distância entre a universidade e as escolas e seus professores já havia sido apontado por Nóvoa ( 2009NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.) como um dos dilemas da formação. Razão pela qual recomendou como uma primeira medida para assegurar o desenvolvimento profissional dos professores a iniciativa de passar a formação para dentro da profissão, numa relação caracterizada pela presença da reflexão sobre o próprio trabalho docente, ou seja, os dilemas da profissão é que servirão como base para a construção de teorias capazes de fornecer respostas às perguntas que desafiam a realidade do trabalho do professor.

A segunda medida refere-se à necessidade de que novos modos de organização da profissão sejam estimulados e perseguidos. Para isso, a colegiabilidade, a partilha e as culturas colaborativas entre professores, escolas, universidades e poder público mostram-se estratégicas para diminuir o recuo entre a formação e a profissão ( NÓVOA, 2009NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.).

A terceira e última medida apontada é a necessidade de se reforçar a dimensão pessoal e a presença explícita dos docentes ( NÓVOA, 2009NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.). Nisso reside a importância do conhecimento pessoal no interior do conhecimento profissional, no sentido de estabelecer que a profissão docente não se estrutura apenas sobre uma base técnica e instrumental, mas também sobre questões de identidade e cultura.

Avançando nessa compreensão, Nóvoa ( 2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.) recorre aos significados do termo posição para representar cinco entradas para a formação profissional de professores, que assumimos como as categorias de análise da pesquisa, a saber:

  • Dis posição pessoal (ser professor): articular formas de conhecer as motivações dos estudantes, o perfil e a predisposição para a profissão docente; favorecer o contato dos estudantes com o campo profissional e verificar se existem condições e predisposições para serem e tornarem-se professores; e oferecer espaços e tempos de autoconhecimento e autoconstrução para que uma predisposição se transforme em uma disposição pessoal.

  • Inter posição profissional (sentir como professor): favorecer a presença de outros professores, a vivência das instituições escolares e o reconhecimento do papel e da função formadora dos professores das escolas.

  • Com posição pedagógica (agir como professor): articular maneiras que possibilitem um encontro com seu modo de ser professor; valorizar o conhecimento profissional de outros professores; e propiciar momentos para julgar e decidir no dia a dia profissional, lidando com o conhecimento em situações de relação humana.

  • Recom posição investigativa (conhecer como professor): incorporar na rotina da profissão uma dinâmica de pesquisa; analisar sistematicamente o trabalho em parceria com os colegas, apontar reflexões, acumular conhecimentos e renovar práticas.

  • Ex posição pública (intervir como professor): articular formas de desenvolver consciência crítica e proporcionar maneiras de participar na construção de políticas públicas; e criar espaços de expressão das variedades e deliberação conjunta, bem como permitir a participação mais ampla da sociedade.

Na perspectiva das (dis)posições aludidas e da presença da extensão na formação profissional, questionamos se nos programas, projetos, cursos e eventos extensionistas registrados na universidade campo da pesquisa seria possível favorecer o desenvolvimento dessas cinco dimensões e, portanto, demarcar a participação da extensão na formação de professores, tal qual defendem Nozaki ( 2012NOZAKI, Joice Mayumi. Os significados e as implicações da extensão universitária na formação inicial e na atuação profissional em educação física. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, 2012.), Santos et al. ( 2013SANTOS, Alfredo Balduíno et al. Extensão universitária: a visão de acadêmicos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Em Extensão, Uberlândia, v. 12, n. 2, p. 9-22, 2013. ), Santos ( 2014SANTOS, Marcos Pereira dos. A extensão universitária como “laboratório” de ensino, pesquisa científica e aprendizagem profissional: um estudo de caso com estudantes do curso de licenciatura em pedagogia de uma faculdade particular do Estado do Paraná. Extensio, Florianópolis, v. 11, n. 18, p. 36-52, 2014.) e Abreu ( 2015ABREU, Sandra Cristina Souza Reis. Universidade e escola básica: o papel da extensão universitária na formação de professoras e professores em educação científica. 2015. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 2015.).

Metodologia da pesquisa

A pesquisa teve por objetivo analisar como a participação de estudantes de um curso de pedagogia em ações de extensão universitária pode contribuir para o desenvolvimento de (dis)posições para sua formação docente. Para tanto, procedeu-se ao exame dos programas, projetos, cursos e eventos de extensão da instituição escolhida como campo empírico, no sentido de localizar e analisar aqueles que se direcionam para a formação de professores, na intenção de compreender, na perspectiva dos documentos que registram essas ações, bem como na perspectiva dos sujeitos que delas participam, a contribuição dessa participação no desenvolvimento das (dis)posições para a formação de professores no curso de pedagogia.

Para alcançarmos o objetivo, optamos por uma pesquisa articulada em duas etapas. A primeira delas voltou-se para a realização de um mapeamento das ações extensionistas registradas na instituição escolhida com abertura para a formação de professores. A segunda voltou-se para a realização de entrevistas com os sujeitos ligados ao curso de pedagogia que estão envolvidos na realização dessas ações.

Durante a primeira etapa, usamos como fonte para a construção de dados informações geradas por consulta ao Sistema de Informação e Gestão de Projetos (SIGProj), que abrigava os registros das ações de extensão institucionalizadas na universidade. Examinamos os programas, projetos, cursos e eventos de extensão para localizar e analisar aqueles que se direcionassem para a formação de professores.

Inicialmente, observamos todos os 4.259 registros disponíveis no sistema. A partir de um filtro que considerou um limite temporal entre 2016 e 2019 3 3 - Neste período, a universidade campo da pesquisa adotou editais de registro único de ações de extensão como maneira de organizar os cadastros, evitando que registros inativos ou duplicados fizessem parte do sistema de gerenciamento. e a validade desses registros, esse número foi reduzido para 2.002. O segundo passo consistiu em aplicar critérios de seleção capazes de relacionar apenas aqueles que demonstrassem um direcionamento para a formação de professores. Nesse sentido, fizemos um tratamento da base de dados observando ações a partir dos seguintes critérios: pertenciam à área temática da educação; possuíam as expressões “formação de professores”, “formação docente” e/ou “formação continuada” entre suas palavras-chave; possuíam escolas de ensino básico na descrição dos locais de realização; e definiam como público-alvo professores da educação básica. Por fim, obtivemos um total de 78 ações.

Escolhemos concentrar nosso olhar apenas sobre os programas e projetos de extensão, visto que essas modalidades contemplam a totalidade das diretrizes da extensão e, portanto, permitem uma aproximação mais potente com as perspectivas das disposições e posições para a formação docente ( NÓVOA, 2009NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009., 2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.). Ao final desse mapeamento, definimos três programas e oito projetos para a análise documental Quadro 1. Com a leitura dos formulários de registro que sintetizam as propostas dos programas e projetos mapeados, a análise do conteúdo organizou-se de forma a buscar nestes documentos indícios do desenvolvimento das (dis)posições a partir das categorias criadas.

Quadro 1 -
Programas e projetos para análise documental

Na etapa das entrevistas, construímos um roteiro composto por duas partes: a primeira foi dedicada a identificar o sujeito em sua relação com a extensão universitária da instituição campo e com o curso de pedagogia; e a segunda foi dirigida a compreender aspectos relacionados às razões para trabalharem com/participarem da extensão universitária, à abertura da extensão aos estudantes e ao diferencial que a participação em atividades extensionistas pode representar na formação docente.

Utilizamos a análise dos dados da primeira etapa para localizar dentre os três programas e os oito projetos as ações que mais demonstravam indícios do desenvolvimento das (dis)posições a partir das categorias criadas. Sendo assim, isolamos seis ações, sendo elas: PROG I, PROG II, PROG III, PROJ A, PROJ D e PROJ E. Em seguida, voltamo-nos para os sujeitos envolvidos nestas ações, primeiramente os seus coordenadores, obtendo durante a entrevista a indicação dos estudantes de pedagogia que participavam ativamente das ações. Alcançamos um total de dez sujeitos, sendo: seis coordenadores de ações de extensão (cinco docentes e um técnico-administrativo em educação) ligados ao PROG I (técnica-administrativa em educação), PROG II (docente), PROG III (docente), PROJ A (docente), PROJ D (docente) e PROJ E (docente); e quatro estudantes ligadas ao PROJ A (uma), PROG II (uma) e PROG III (duas).

Com as entrevistas transcritas e revisadas, passamos a compor os depoimentos em quadros organizativos, separando os depoimentos dos coordenadores e dos estudantes. O primeiro quadro agrupou todas as falas que continham as respostas às três perguntas feitas durante as entrevistas dedicadas à compreensão da relação entre extensão, formação de professores e o curso de pedagogia. O segundo quadro concentrou trechos dessas falas que suscitavam aspectos tidos como centrais, absorvidos pelos depoimentos. O último quadro organizativo reuniu esses trechos dos depoimentos em colunas indicativas do desenvolvimento das (dis)posições para a formação docente.

Portanto, a análise das perspectivas dos sujeitos para a compreensão de como a extensão universitária pode contribuir para o desenvolvimento das (dis)posições para a formação docente no âmbito do curso de pedagogia organizou-se de forma a buscar indícios do desenvolvimento das (dis)posições nos depoimentos, a partir das categorias criadas em articulação com a proposta de Nóvoa ( 2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.).

A extensão universitária: entre disposições e posições

Considerando os três programas e os oito projetos de extensão analisados, observamos que todos demonstraram potencial para favorecer o desenvolvimento das disposições referentes à “recomposição investigativa e à exposição pública” na formação inicial dos estudantes de pedagogia participantes de sua realização.

Observamos que são programas comprometidos tanto com as comunidades, as políticas públicas e a consciência crítica quanto com a pesquisa, a produção de conhecimento e a reflexão. Todos se propõem a momentos com grupos de pesquisas e estudos, bem como com estudantes de pedagogia e professores da educação básica em suas atividades, como maneira de articular o alcance dos seus objetivos. Essa constatação vai ao encontro da defesa de Zeichner ( 2010, p. 493ZEICHNER, Kenneth M. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, 2010.) quanto à mudança epistemológica da formação do professor, na qual “[…] diferentes aspectos do saber que existe nas escolas e nas comunidades são incorporados à formação de professores e coexistem num plano mais igualitário com o conhecimento acadêmico”.

Encontramos indícios do favorecimento do desenvolvimento das disposições referentes à “interposição profissional e à composição pedagógica” nos PROG I, PROG III, PROJ A, PROJ B, PROJ D e PROJ E, conforme demostrados no Quadro 2:

Quadro 2 -
Indícios do desenvolvimento da interposição profissional e da composição pedagógica

Por serem estreitamente ligadas à profissão docente, essas posições são desenvolvidas no contato com professores e na vivência nas escolas. Notamos que estas ações estabelecem uma relação pautada pelo diálogo com os professores das escolas, a fim de dar apoio para a aprendizagem dos professores em formação.

Isso se dá ao mesmo tempo em que propiciam vivências no ambiente escolar, completando uma tríade que integra professores, escolas e universidade, que compartilham as responsabilidades na formação inicial do professor. São propostas que valorizam os saberes dos professores que atuam na educação básica, reconhecendo que estes possuem um papel de grande importância para a formação inicial e que são produtores de um conhecimento profissional docente que deve ser igualmente valorizado. Percebemos que a concepção que fundamenta os projetos que firmam essas posições é baseada em uma epistemologia que, por si só, é democrática e envolve respeito e articulação entre praticantes, acadêmicos e comunidades em prol de melhorias sociais e impacto na formação inicial dos estudantes.

Uma das categorias relacionadas ao desenvolvimento da “disposição pessoal” consiste em dar uma primeira amostra da profissão ao docente em formação inicial. Destacamos o trecho da proposta que nos remete a essa categoria: “Para isso, usamos uma metodologia que envolve a inserção de outros sujeitos no cotidiano da sala de aula com a perspectiva de que estes trabalhem junto aos professores” (PROJ A). Compreendemos que, ao inserir os estudantes do curso de Pedagogia em formação inicial na sala de aula do professor experiente, é possível dar-lhes um primeiro vislumbre da profissão e, portanto, favorecer o desenvolvimento da “disposição pessoal.”

O trecho exposto a seguir nos remete a esta posição:

Nesse processo, os licenciandos irão integrar as dimensões de pesquisa e ensino em suas atividades extensionistas à medida que mobilizarão e produzirão conhecimentos no campo da educação em Ciências que serão compartilhados e ensinados para os alunos da rede de educação básica.

(PROJ E – FORMULÁRIO-SÍNTESE DA PROPOSTA – SIGProj).

Outra categoria que se refere ao desenvolvimento dessa posição diz respeito à oportunidade de promover espaços e tempos de autoconhecimento e autoconstrução para que uma predisposição se transforme em uma disposição pessoal. No trecho: “A segunda se dá por meio de encontros quinzenais de toda a equipe envolvida para discussão sobre o cotidiano escolar e as práticas pedagógicas vividas e por viver” (PROJ A), compreendemos a posição firmada pelo projeto que, em função de espaços coletivos de autoconhecimento e autoconstrução, permite ao professor em formação inicial desenvolver uma “disposição pessoal” com o auxílio de momentos e lugares de trocas, narradas por colegas de projeto e professores das escolas, em uma rede que articula formação inicial e formação continuada em confluência para a formação profissional docente. Nesses encontros, é possível observar e compreender perfis, motivações, condições e predisposições dos envolvidos para serem professores.

Apenas os PROJs A e E demonstraram potencialidades para favorecer o desenvolvimento da “disposição pessoal”. O diferencial é que suas propostas descrevem momentos planejados para dar ao estudante de pedagogia uma primeira amostra da profissão mediante situações de regência e regência compartilhada. Também contam com “espaços e tempos que permitem um trabalho de autoconhecimento, de autoconstrução” ( NÓVOA, 2017, p. 1121NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.), como planejamentos e avaliações coletivas, rodas de conversa, entre outros. Nesse movimento, favorecem que uma inclinação a ser professor transforme-se em uma disposição, para que o caminho de aprender a docência seja firmado.

As potencialidades para o desenvolvimento das (pré) (dis)posições para a formação de professores na perspectiva dos sujeitos

A análise das entrevistas nos permitiu depreender aspectos que emergiram a partir de três eixos analíticos a serem apresentados sumariamente nos tópicos a seguir: razões para trabalhar com/participar da extensão universitária; abertura para a participação efetiva dos estudantes; e diferenciais da extensão para os estudantes de pedagogia.

Razões para trabalhar com/participar da extensão universitária

O primeiro eixo nos orientou para compreendermos os motivos pelos quais os sujeitos escolheram o envolvimento com a extensão universitária em sua trajetória na universidade. As respostas dos coordenadores e dos estudantes entrevistados revelaram dois aspectos: a obrigatoriedade e a potencialidade formativa das atividades extensionistas. Para os coordenadores, a obrigatoriedade se relaciona ao compromisso que a carreira docente universitária estabelece com o envolvimento no ensino, na pesquisa e na extensão; enquanto, para os estudantes, essa obrigatoriedade relaciona-se com a integração da extensão no currículo do curso de pedagogia.

Eu acho que é porque a extensão é a oportunidade para a gente integrar a formação continuada e formação inicial de uma forma muito fecunda, porque ela é uma ação de intervenção, de discussão, qualificação das práticas dos professores nas escolas, ela é para fora, e, ao mesmo tempo, os nossos alunos em formação inicial podem participar, e podem também se formar nesse processo.

(Coord. PROJ D).

A perspectiva dos sujeitos entrevistados está alinhada com a defesa da extensão universitária enquanto atividade formativa importante no ensino superior e na formação inicial de professores ( ABREU, 2015ABREU, Sandra Cristina Souza Reis. Universidade e escola básica: o papel da extensão universitária na formação de professoras e professores em educação científica. 2015. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 2015.; NOZAKI, 2012NOZAKI, Joice Mayumi. Os significados e as implicações da extensão universitária na formação inicial e na atuação profissional em educação física. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, 2012.; SANTOS, 2013SANTOS, Alfredo Balduíno et al. Extensão universitária: a visão de acadêmicos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Em Extensão, Uberlândia, v. 12, n. 2, p. 9-22, 2013. ; SANTOS et al., 2014 SANTOS, Marcos Pereira dos. A extensão universitária como “laboratório” de ensino, pesquisa científica e aprendizagem profissional: um estudo de caso com estudantes do curso de licenciatura em pedagogia de uma faculdade particular do Estado do Paraná. Extensio, Florianópolis, v. 11, n. 18, p. 36-52, 2014.). Ao indicarem esse princípio como razão fundante pela qual se dedicam a essa atividade, os sujeitos assumem seus papéis de docentes e discentes, aliados ao compromisso formativo e articulados especialmente com a diretriz da extensão que orienta para a formação cidadã, marcada pela vivência de seus conhecimentos.

Abertura para a participação efetiva dos estudantes

O segundo eixo pretendeu compreender se, na visão dos depoentes, a extensão universitária possui abertura suficiente para favorecer o envolvimento dos seus componentes, em particular dos estudantes de graduação, de forma que produza impacto em sua formação. Foi possível observar que as categorias que surgiram assumem particularidades que se relacionam especificamente com a posição de cada um dos grupos na universidade. Notamos respostas parecidas, mas também respostas que, ao mesmo tempo, afirmavam sua abertura e duvidavam de suas circunstâncias.

A maioria dos entrevistados afirmou que as ações de extensão têm abertura para favorecer o envolvimento dos estudantes participantes de tal forma que causa impacto não apenas em sua formação profissional, mas também em sua formação pessoal. Observemos as seguintes palavras: “Eu acho que curiosamente elas começam na extensão e reverberam para a pesquisa. Quem participou de alguma atividade extensionista que marcou, normalmente volta para pesquisar nessa área” (Coord. PROG II).

No entanto, algumas reflexões, ao mesmo tempo em que não negavam o envolvimento favorecido pela extensão universitária, por ser uma ação de natureza dialógica e estar posta como parte integrante da formação profissional da universidade, também colocavam em dúvida se essa participação de fato representa um impacto para a formação de todos os estudantes participantes de qualquer ação extensionista ou apenas para aqueles envolvidos em ações específicas que contenham propostas estruturadas de tal maneira que viabilizem que essa participação crítica, ativa, reflexiva e deliberativa ocorra.

Porque se você pega pelo lado institucional que a universidade ela tem o tripé ensino-pesquisa-extensão, poderíamos dizer que é aberta, porque está posta, existe uma extensão na universidade. Existe uma pró-reitoria de extensão, que legitima esse trabalho institucionalmente. Mas eu não percebo uma política institucional oriunda de uma pró-reitoria preocupada com o percurso desse estudante nesse processo de formação profissional.

(Coord. PROG I).

Assim, foi possível notar que dois aspectos despontam com relação à abertura que essas ações apresentam para a efetiva participação dos estudantes: a abertura é encontrada na extensão universitária de uma maneira geral; e a abertura é encontrada em algumas ações conduzidas por esta intencionalidade.

As considerações dos depoentes favorecem a compreensão da extensão universitária enquanto uma atividade formativa com potencial para causar impacto na formação profissional do estudante. Notamos que essa potencialidade deve ser explorada por meio de propostas de ações que tomem como fundantes as concepções de uma formação referenciada em casos e práticas que viabilizem o conhecimento do concreto, dos contextos, das lacunas e do social, e alinhem esse conhecimento com a teoria, a partir de uma dialogicidade ( FREIRE, 1987FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.) capaz de posicionar o professor em formação inicial como participante efetivo em decisões que dizem respeito a todas as nuances que engendram o programa ou o projeto. Santos ( 2014SANTOS, Marcos Pereira dos. A extensão universitária como “laboratório” de ensino, pesquisa científica e aprendizagem profissional: um estudo de caso com estudantes do curso de licenciatura em pedagogia de uma faculdade particular do Estado do Paraná. Extensio, Florianópolis, v. 11, n. 18, p. 36-52, 2014.) nos alerta em relação aos princípios das atividades extensionistas e que “estes precisam ser traduzidos e concretizados a partir de mediações que se constroem e se realizam cotidianamente pela atuação profissional na e a partir da realidade social” ( SANTOS, 2014, p. 47SANTOS, Marcos Pereira dos. A extensão universitária como “laboratório” de ensino, pesquisa científica e aprendizagem profissional: um estudo de caso com estudantes do curso de licenciatura em pedagogia de uma faculdade particular do Estado do Paraná. Extensio, Florianópolis, v. 11, n. 18, p. 36-52, 2014., grifo do autor). Desta maneira, o impacto não será percebido apenas na formação profissional, mas também de uma forma articulada com a formação pessoal, na medida em que imprime a marca “do humano e do relacional” ( NÓVOA, 2009, p. 39NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.) na realização do programa e do projeto, contribuindo assim para firmar a posição da pessoalidade docente no contexto laboral do professor que inicia sua formação.

Diferenciais da extensão para os estudantes de pedagogia

Este eixo orientou-nos na compreensão do diferencial que a participação em ações de extensão universitária oferece para a formação inicial de professores, em especial dos que estão no curso de pedagogia da universidade campo desta pesquisa.

Os depoimentos suscitam aspectos que nos levam a apreender que o diferencial da extensão para a formação do professor no contexto do curso de pedagogia investigado se dá a partir de dois elementos: a construção do conhecimento na relação entre prática e teoria; e a vivência fora da universidade, tal como se pode verificar na fala a seguir:

Quanto ao diferencial da extensão universitária, eu pude perceber que na universidade a gente constrói muito conhecimento teórico, né? E, às vezes, a gente não consegue ver isso na prática, e com a extensão a gente já faz um movimento contrário, a gente vê na prática para identificar no teórico. Então, eu pude perceber que isso é um diferencial enorme, né? […] Então, no início, eu tava muito indecisa se era isso mesmo que eu queria. E, como eu tive o contato tão cedo com a extensão e logo nessa área, quando eu pisei o pé na sala de aula pela primeira vez, foi justamente na Maré, na Nova Holanda, né? Com educação de jovens e adultos que eu nunca tinha pensado em trabalhar […]. Eu me encontrei. Agora, sim, eu sei que eu quero fazer realmente esse curso. Então foi justamente nesse programa que eu me firmei.

(Estudante 2 PROG III).

Por causa da extensão universitária, os estudantes desenvolvem conhecimento para sua formação profissional a partir de uma prática desenvolvida na educação de jovens e adultos, na formação continuada de professores e na pedagogia hospitalar. Todos identificam que nesses espaços há lugar para a teoria, para o estudo, para a pesquisa; no entanto, o núcleo que integra tudo isso é a prática vivida na ação. Assim, é possível depreender as potencialidades que esses espaços representam para uma formação inicial de professores referenciada em casos concretos que venham das realidades escolares e de espaços de contradição e conflito entre os saberes acadêmicos e práticos ( ZEICHNER; SAUL; DINIZ-PEREIRA, 2014ZEICHNER, Kenneth M.; SAUL, Alexandre; DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Pesquisar e transformar a prática educativa: mudando as perguntas da formação de professores – uma entrevista com Kenneth M. Zeichner. e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 2211-2224, 2014.), com capacidade de promover uma troca destes saberes na relação entre teoria, prática, ensino e pesquisa científica ( SANTOS, 2014SANTOS, Marcos Pereira dos. A extensão universitária como “laboratório” de ensino, pesquisa científica e aprendizagem profissional: um estudo de caso com estudantes do curso de licenciatura em pedagogia de uma faculdade particular do Estado do Paraná. Extensio, Florianópolis, v. 11, n. 18, p. 36-52, 2014.).

No Quadro 3, trazemos as sínteses das depreensões alcançadas nas relações das falas com as (dis)posições:

Quadro 3 -
Desenvolvimento das posições na perspectiva dos sujeitos

Conclusão

Com a análise documental, constatamos que as posições para a formação de professores ( NÓVOA, 2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.) mais potencialmente desenvolvidas nos programas e projetos de extensão analisados são a “recomposição investigativa e a exposição pública”. A primeira deve-se à articulação dos programas e projetos de extensão com grupos de pesquisa, e a segunda, com a própria dinâmica da extensão em sua relação com a sociedade. Identificamos marcas da “interposição profissional” e da “composição pedagógica” em programas e projetos que concebem suas propostas de formação docente estreitamente articuladas com as escolas e seus profissionais, pela via da dialogicidade e do trabalho colaborativo. Encontramos indícios do favorecimento do desenvolvimento da “disposição pessoal” em dois projetos analisados, visto que suas propostas dispõem de momentos para o conhecimento da profissão, bem como de espaços e tempos para o autoconhecimento e a autoconstrução.

Através das entrevistas foi possível articular as falas dos sujeitos a partir de três eixos. O primeiro eixo revelou uma relação estabelecida com a extensão que tem início em definições pautadas na carreira docente e no currículo discente, mas que se transformam em interesse e satisfação com o passar do tempo. O segundo eixo evidenciou que a abertura para a participação dos estudantes nessas ações depende mais das concepções dialógicas e colaborativas que servem de base para cada proposta, do que propriamente das diretrizes que balizam a extensão universitária de maneira geral. O terceiro eixo demonstrou que o diferencial que a participação na extensão apresenta para a formação do professor no contexto do curso de pedagogia é representado pelo conjunto de vivências, leituras e práticas propiciadas por essa experiência, que se ancora na prática para refletir, e proporciona entrelaçamentos na relação universidade-escola básica-professores-sociedade, que são favorecidos pela continuidade de suas atividades.

Dessa forma, tendo como horizonte a contribuição da extensão universitária para a formação docente e como foco um conjunto de onze ações de extensão desenvolvidas em uma universidade pública, posicionamo-nos em três direções. Nossa primeira posição nos direciona para uma reafirmação. Reafirmamos a extensão universitária enquanto experiência formativa potente na trajetória inicial da formação profissional docente em nível superior, corroborando os estudos de Bonifácio e Santos ( 2020BONIFÁCIO, Juliana; SANTOS, Lorene dos. Perspectivas de extensão universitária na formação de professores: contextualização histórico-social. Devir Educação, Lavras, v. 4, n. 1, p. 171-187, 2020.), Kochhann ( 2017KOCHHANN, Andréa. Formação de professores na extensão universitária: uma análise de perspectivas e limites. Teias, Rio de Janeiro, v. 18, n. 51, p. 276-292, 2017.), Coelho ( 2017COELHO, Geraldo Ceni. A extensão universitária e sua inserção curricular. Interfaces, Belo Horizonte, v. 5, n. 2, p. 5-20, 2017.) e Abreu ( 2015ABREU, Sandra Cristina Souza Reis. Universidade e escola básica: o papel da extensão universitária na formação de professoras e professores em educação científica. 2015. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 2015.). Defendemos, portanto, que essa formação seja conduzida pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, sem que nenhuma dessas dimensões seja secundarizada. Reafirmamos também que a formação de professores não prescinde da relação universidade-escola básica-professores-sociedade, estabelecida com base no diálogo horizontal, na valorização da articulação dos saberes e fazeres, na colaboração, em autonomia/autoconhecimento/autoconstrução e na participação da e na sociedade.

Nossa segunda posição nos direciona para uma constatação. Constatamos que a formação de professores, no contexto do curso de pedagogia da instituição estudada, encontra, pela via da extensão nessa universidade, um caminho profícuo para o favorecimento do desenvolvimento das (dis)posições para a formação docente ( NÓVOA, 2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.), a partir de uma experiência formativa potencialmente contributiva e que, também, pode constituir-se como valoroso componente da universidade em “terceiros espaços” de formação ( ZEICHNER, 2010ZEICHNER, Kenneth M. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, 2010.).

Nossa terceira e última posição nos direciona para proposições. A partir do que aqui reafirmamos e constatamos, sugerimos que mais estudos sejam realizados para que avancemos na compreensão do potencial formativo das ações de extensão. Sugerimos também que os proponentes de programas, projetos, cursos e eventos de extensão na área de educação, com direcionamento para a formação de professores, considerem os aspectos essenciais para o desenvolvimento das (dis)posições propostas por Nóvoa ( 2017NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.) como um caminho eficaz de demarcar mais claramente um pensamento contrário à premissa de que existem características definitórias para a profissão docente, uma vez que “por essa via, afasta-se de uma visão determinista para se colocar num campo de forças e de poderes em que cada um constrói a sua posição em relação consigo mesmo e com os outros” ( NÓVOA, 2017, p. 1119NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.).

Referências

  • ABREU, Sandra Cristina Souza Reis. Universidade e escola básica: o papel da extensão universitária na formação de professoras e professores em educação científica. 2015. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 2015.
  • ALMEIDA, Luciane Pinho de; SAMPAIO, Jorge Hamilton. Extensão universitária: aprendizagens para transformações necessárias no mundo da vida. Revista Diálogos, Brasília, DF, v. 14, n. 1, p. 33-41, 2010.
  • BONIFÁCIO, Juliana; SANTOS, Lorene dos. Perspectivas de extensão universitária na formação de professores: contextualização histórico-social. Devir Educação, Lavras, v. 4, n. 1, p. 171-187, 2020.
  • BRASIL. Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 nov. 1968.
  • BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
  • BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jun. 2014.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 7, de 18 de dezembro de 2018. Estabelece as Diretrizes para a Extensão na Educação Superior Brasileira e regimenta o disposto na Meta 12.7 da Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE 2014-2024 e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 dez. 2018.
  • COELHO, Geraldo Ceni. A extensão universitária e sua inserção curricular. Interfaces, Belo Horizonte, v. 5, n. 2, p. 5-20, 2017.
  • FORPROEX. Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras. Política nacional de extensão universitária. Manaus: Forproex, 2012.
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
  • KOCHHANN, Andréa. Formação de professores na extensão universitária: uma análise de perspectivas e limites. Teias, Rio de Janeiro, v. 18, n. 51, p. 276-292, 2017.
  • NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel (org.). Extensão universitária: diretrizes conceituais e políticas. Belo Horizonte: Proex: UFMG, 2000.
  • NÓVOA, António. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 166, p. 1106-1133, 2017.
  • NÓVOA, António. Professores: imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.
  • NOZAKI, Joice Mayumi. Os significados e as implicações da extensão universitária na formação inicial e na atuação profissional em educação física. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, 2012.
  • SANTOS, Alfredo Balduíno et al. Extensão universitária: a visão de acadêmicos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Em Extensão, Uberlândia, v. 12, n. 2, p. 9-22, 2013.
  • SANTOS, Marcos Pereira dos. A extensão universitária como “laboratório” de ensino, pesquisa científica e aprendizagem profissional: um estudo de caso com estudantes do curso de licenciatura em pedagogia de uma faculdade particular do Estado do Paraná. Extensio, Florianópolis, v. 11, n. 18, p. 36-52, 2014.
  • ZEICHNER, Kenneth M. Repensando as conexões entre a formação na universidade e as experiências de campo na formação de professores em faculdades e universidades. Educação, Santa Maria, v. 35, n. 3, p. 479-504, 2010.
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  • ZEICHNER, Kenneth M.; SAUL, Alexandre; DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Pesquisar e transformar a prática educativa: mudando as perguntas da formação de professores – uma entrevista com Kenneth M. Zeichner. e-Curriculum, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 2211-2224, 2014.
  • 2
    - O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente, porque constitui elaboração própria. A solicitação de acesso aos dados pode ser feita diretamente às autoras, por e-mail.
  • 3
    - Neste período, a universidade campo da pesquisa adotou editais de registro único de ações de extensão como maneira de organizar os cadastros, evitando que registros inativos ou duplicados fizessem parte do sistema de gerenciamento.
  • Roberta Pereira de Paula Rodrigues

    é mestre em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pedagoga da Pró-Reitoria de Extensão da UFRJ e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e Formação de Professores (Geped).
  • Giseli Barreto da Cruz

    é professora da Faculdade de Educação da UFRJ, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e Formação de Professores (Geped/CNPq), Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq e cientista do Nosso Estado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Editado por

Editor:

Prof. Dr. Marcos Sidnei Pagotto-Euzebio

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    29 Abr 2021
  • Revisado
    14 Set 2021
  • Aceito
    21 Out 2021
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