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Apresentação

Em Foco: Educação de jovens e adultos

Apresentação

Esta seção "Em Foco" reúne um conjunto bastante diversificado de artigos, em estilo, temática e abordagem, sobre a questão da educação de jovens e adultos. Essa diversidade de certa forma representa a natureza da própria área, extremamente heterogênea, com significativo acúmulo de experiências e reflexões sobre a prática e ainda incipiente definição como área acadêmica, de pesquisa e construção teórica.

É justamente de questões conceituais vitais para a pesquisa em educação de jovens e adultos que se ocupam os três primeiros artigos desta seção. Contrapondo-se ao chamado "modelo autônomo" de alfabetização, que a toma como uma questão técnica referente ao domínio das capacidades de leitura e escrita, Angela Kleiman discute a importância de que os estudos qualitativos sobre os microcontextos de aprendizagem e uso de capacidades letradas em diferentes comunidades sejam utilizados como fonte para desenvolvimento e avaliação de programas de educação básica dirigidos a adultos. Seu argumento principal refere-se à insuficiência das pesquisas de larga escala como base para conhecimento aprofundado sobre os adultos envolvidos nesses programas, as comunidades em que se encontram inseridos, os diferentes contextos de uso e apropriação da escrita e o impacto das intervenções educativas. Com base nos estudos do letramento, Kleiman explora o aspecto conflitivo da aprendizagem da leitura e da escrita pelos adultos, que envolve a substituição de práticas discursivas orais, consistindo num verdadeiro processo de aculturação.

O dilema das abordagens quantitativa e qualitativa nas pesquisas sobre educação de jovens e adultos é retomado por Vera Masagão Ribeiro em seu artigo sobre construção de indicadores de analfabetismo e letramento. Em aparente contradição com a defesa da abordagem qualitativa apresentada no primeiro artigo, mas na verdade constituindo interessante contraponto que o complementa, Ribeiro faz um balanço das estratégias de medição de analfabetismo e letramento no Brasil, enfocando os aspectos metodológicos envolvidos nos censos populacionais, nas avaliações dos sistemas educativos (SAEB, Enem, Alfabetização Solidária) e nos estudos por amostragem da população. O artigo termina com uma breve apresentação de um estudo realizado em 2001, por meio de uma parceria entre a organização não-governamental Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro, do Ibope, com o objetivo de construir um índice nacional de alfabetismo para o Brasil. As razões de um índice desta natureza ter forte apelo junto à opinião pública são problematizadas pela autora desde o início do artigo, com a discussão dos mitos ligados à alfabetização, da relação entre alfabetização e desenvolvimento, e dos conceitos de analfabetismo funcional, alfabetização e letramento.

Alfabetização e letramento e a questão do uso de resultados de pesquisa em programas de educação são também temas centrais para Nelly Stromquist, autora do terceiro artigo desta seção. Ao discutir três perspectivas sobre alfabetização/letramento, Stromquist remete o leitor ao mesmo confronto explicitado por Angela Kleiman no primeiro artigo e também presente no texto de Vera Masagão Ribeiro. Mas seu objetivo principal é estabelecer um diálogo entre a educação de jovens e adultos e os estudos de gênero a fim de explorar a questão da educação como instrumento de desenvolvimento de cidadania e empowerment das mulheres, numa perspectiva feminista. Pelo fato de ter sido traduzido do inglês, língua em que o polissêmico substantivo literacy abarca os significados de alfabetização e letramento (e também o de alfabetismo, quando usado) no português, e os adjetivos correspondentes, literate e illiterate, remetem a alfabetizado e letrado, e analfabeto (absoluto e funcional) e iletrado, respectivamente, o artigo poderá levantar questões conceituais a partir das escolhas do léxico na tradução para o português, não consideradas pela própria autora do original em inglês.

O quarto artigo desloca o foco da seção, dos problemas de pesquisa para as políticas públicas no campo da educação básica de jovens e adultos. Maria Clara di Pierro focaliza especificamente o Brasil da década de 1990, buscando analisar como algumas diretrizes da política educacional do país se concretizaram na esfera dos programas para adultos, especialmente nos programas federais desenvolvidos a partir da segunda metade dos anos ‘90 (Programa Alfabetização Solidária - PAS, Programa de Educação na Reforma Agrária – Pronera, e Plano Nacional de Formação e Qualificação Profissional - Planfor). São discutidas a descentralização da gestão e financiamento da educação, o direcionamento prioritário de recursos para alguns subgrupos sociais e regiões mais pobres do país, a privatização seletiva dos serviços educativos e as parcerias dos governos com fundações privadas, organizações comunitárias, sindicatos, organizações não-governamentais e outras agências sociais. A autora enfatiza o significado dessas diretrizes para a compreensão de uma redefinição do papel do Estado no financiamento e provisão de serviços sociais básicos, do deslocamento da fronteira entre o público e o privado, e do conceito de serviço público não-estatal.

Se os artigos sobre questões teóricas e metodológicas de pesquisa e sobre políticas públicas consistem em problematizações de questões reconhecidamente centrais para a área da educação de jovens e adultos, chamando a atenção pela síntese inovadora a respeito de tópicos que não podem deixar de ser considerados nesse campo, os dois artigos que se seguem destacam-se pela originalidade de sua temática e de sua análise.

O texto de Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca, produto da pesquisa realizada para sua tese de doutorado defendida na Unicamp em 2001, focaliza a questão das lembranças da matemática escolar entre alunos adultos que freqüentam o equivalente à 5ª série do ensino fundamental. Tomando a recordação como ação social organizada, a autora explora como os conteúdos de matemática presentes nas reminiscências desses alunos adultos pouco escolarizados ultrapassam a cognição individual, apresentando-se como enunciados coletivos, mediados pela própria instituição escolar e suas múltiplas relações e significados no interior da sociedade escolarizada. Os alunos em questão, que não vivenciaram juntos suas experiências anteriores de escolarização, compartilham um sentido desse passado, uma compreensão partilhada dos papéis, rituais e relações que compõem o universo escolar. Essas lembranças são tomadas por Fonseca como um componente fundamental na constituição do aluno adulto como sujeito do próprio processo de escolarização.

Também baseado num trabalho de pesquisa recente, realizado no âmbito de um programa de pós-graduação (Mestrado em Educação na USP, 2001), o artigo de Manoel Rodrigues Portugues enfoca a questão da educação do adulto preso, especialmente no que diz respeito às possibilidades de haver um verdadeiro processo educativo num ambiente altamente hostil como o das prisões, cujas prioridades concentram-se nos aspectos da punição, do controle e da vigilância. O texto é iniciado por uma descrição da administração penitenciária no estado de São Paulo e uma análise da estrutura e do funcionamento das atividades escolares no interior das prisões. O centro da argumentação do autor, entretanto, encontra-se na reflexão sobre o dilema punir/educar, vital para a compreensão das contradições presentes no desenvolvimento de propostas educacionais para os adultos presos.

As pesquisas apresentadas nos dois últimos artigos poderiam ser tomadas como exemplos concretos dos estudos qualitativos sobre sujeitos adultos de que nos fala Angela Kleiman no primeiro artigo, de certa forma nos remetendo ao início desta seção. O leitor interessado na educação de jovens e adultos tem, assim, neste conjunto heterogêneo de textos, um panorama de tópicos que se inter-relacionam de diferentes maneiras e que podem auxiliar num mapeamento de temas e abordagens proeminentes e recorrentes nessa área de investigação e, ao mesmo tempo, suscitar reflexões sobre aspectos pouco explorados nesse campo.

Marta Kohl de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Abr 2002
  • Data do Fascículo
    Jul 2001
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