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Editorial

EDITORIAL

Este número de Educação e Pesquisa oferece ao leitor um conjunto de artigos nos quais predominam estudos sobre a docência, apresentados sob a ótica da tradição pedagógica, dos desafios, dos processos de avaliação, da educação em ambientes não escolares, entre outros temas presentes no cotidiano educacional. São pesquisadores brasileiros, argentinos, portugueses e espanhóis que investigam a escola e as situações da docência e contribuem para uma reflexão mais profunda sobre questões de grande atualidade no campo da educação. Os três ensaios ao final do volume instigam o leitor a refletir sobre a linguagem a partir de abordagens originais, para um aprofundamento nos modos de resistência a um cotidiano limitante. A tradução que completa o conjunto de textos soma-se a essa perspectiva de ultrapassagem do controle social, destacando o pensamento como alternativa de inventividade.

Aprendendo a ser professor(a) no século XIX: algumas influências de Pestalozzi, Froebel e Herbart, estudo realizado por Sarah Jane Alves Durães, da Universidade Estadual de Montes Claros (MG), levanta aspectos da formação docente nas escolas normais ou centros de formação a partir da disseminação de concepções de infância e de educação e das mudanças na formação de professores e professoras para a escola primária, fundamentadas tanto na racionalidade científica, preponderante nos métodos de ensino, quanto nas características femininas. Apresenta a "análise iniciada por Pestalozzi sobre o conceito de mulher como mãe-educadora e o fato de que Froebel foi o primeiro a incorporá-la como profissional da educação" para discutir a docência como uma atribuição feminina.

A reflexão sobre os clássicos da educação, no ensaio Aspiração por reconhecimento e educação do amor-próprio em Jean-Jacques Rousseau, de Claudio Almir Dalbosco, da Universidade de Passo Fundo (RS), tem uma argumentação pautada na defesa de que, "para dar conta da investigação sobre os fundamentos da sociabilidade humana, Rousseau desenvolve uma teoria do reconhecimento humano, pondo em sua base o conceito de amor-próprio". O conceito, que se sustenta pela comparação com o outro, com o que está fora de si mesmo, representa a "capacidade eminentemente humana de comparar-se com os outros" na perspectiva da sociabilidade humana. Nessa linha, a educabilidade do amor-próprio, e das dificuldades inerentes a tal tarefa, destaca os limites e os desafios postos na relação pedagógica entre educador e educando presente no projeto de educação natural e social de Rousseau. O autor conclui que "tanto na educação natural como social destaca-se o papel do educador como governante".

Recuperando a discussão sobre formação docente, o artigo Interrogações sobre políticas de formação e ensino de arte nos currículos dos cursos de pedagogia, de Janedalva Pontes Gondim e Ângela Maria Dias Fernandes, da Universidade Federal da Paraíba, apresenta pesquisa realizada nesse curso, em três universidades públicas daquele estado, com o objetivo de compreender a formação docente para os anos iniciais do ensino fundamental, particularizando o ensino de arte. As autoras discutem a legislação referente à formação do pedagogo e a proposta curricular oferecida pelas universidades paraibanas em busca do lugar ocupado pelo ensino de arte; analisam as concepções de arte e os pressupostos metodológicos correspondentes, e propõem que a formação do pedagogo nessa área não se limite aos conteúdos pertinentes à educação infantil e ao ensino fundamental, mas seja um investimento na formação estética dos futuros professores e professoras.

No artigo Um ensaio sobre burnout, engagement e estratégias de coping na profissão docente, de Margarida Pocinho, da Universidade da Madeira, e Célia Xavier Perestrelo, da Secretaria Regional da Educação e Cultura, são discutidas as dificuldades encontradas na profissão docente, que, segundo as autoras, podem concorrer para uma situação de exaustão emocional para alguns professores e professoras, enquanto outros se envolvem mais ainda com o trabalho, reagindo aos obstáculos como se fossem desafios. Para os primeiros, "o recurso a estratégias de coping – estratégias adotadas como resposta a diferentes formas de stress – é uma forma de lidar com as dificuldades inerentes ao exercício da profissão docente", o que leva as autoras a concluir que "afirmar que quanto mais estratégias de coping de controle ou de confronto utilizarem os professores, maior realização profissional irão sentir, podendo esta ser uma das vias de promoção do engagement profissional".

O artigo dos portugueses João Silva, Nicole Rebelo, Patrícia Mendes e Adelinda Candeias, da Universidade de Évora, O portefólio na formação e avaliação profissional de professores, apresenta uma revisão bibliográfica de vários estudos desenvolvidos sobre o portfólio, com o objetivo de verificar "a validade e a utilidade desta ferramenta de avaliação de professores na área da formação profissional, comprovando a sua aplicabilidade e as respectivas vantagens/desvantagens". Dentre as primeiras, apontam a possibilidade de controle da própria avaliação pelos professores e professoras; como desvantagem, argumentam que "pode notar-se uma desproporção entre a qualidade do portefólio e a eficácia no processo de ensino, isto é, o sucesso desta ferramenta de avaliação pode não espelhar aquilo que um determinado professor é verdadeiramente". Convencidos da importância da ferramenta, sugerem sua utilização tendo em vista uma reflexão tanto pessoal quanto coletiva, bem como para avaliação de curto ou de longo prazo, ainda que indiquem que o portfólio deve ser associado a outros instrumentos de avaliação da prática docente para que seus resultados sejam bem-sucedidos.

Ainda sobre avaliação, Gisele Francisca da Silva Carvalho e Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo, da Superintendência Regional de Ensino de São João Del-Rei (MG), no artigo Avaliação oficial: o que dizem os professores sobre o impacto na prática docente, discutem, a partir do discurso de professores alfabetizadores, o impacto que o Proalfa (Programa de Avaliação da Alfabetização do Estado de Minas Gerais) causa na prática docente. A análise, realizada por meio de conceitos como os de "reforma e mudança, propostos por Popkewitz, táticas e estratégias, postulado por Certeau, além dos conceitos de polifonia e vozes, discurso de autoridade e internamente persuasivos, da teoria da enunciação de Bakhtin", revela táticas de adesão e de resistência ao programa.

Tendo como referência a teoria crítica, o artigo Análise de atitudes de professoras do ensino fundamental no que se refere à educação inclusiva, de José Leon Crochik, da Universidade de São Paulo, Dulce R. Pedrossian, Alexandra A. Anache, Branca Meneses, Maria de Fátima E. M. Lima, todas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, apresenta pesquisa realizada com professoras do ensino fundamental sobre atitudes em relação à educação inclusiva, revelando obstáculos e elementos favoráveis a essa educação.

Sob o título Implicações da ação educativa nas áreas específicas de projeção profissional em Espanha, Francisco Javier Blanco Encomienda e María José Latorre Medina, da Universidad de Granada, discutem a intervenção pedagógica em espaços para crianças doentes e/ou hospitalizadas, as classes hospitalares. Os autores pretendem, em primeiro lugar, decifrar o significado da psicopedagogia no contexto hospitalar, para, em seguida, focalizar a formação dos profissionais de psicopedagogia hospitalar. Finalizam o texto indicando propostas de ação a partir das implicações educacionais do trabalho nesse contexto.

Pablo Francisco Di Leo, da Universidad de Buenos Aires, apresenta parte dos resultados de sua tese de doutorado no artigo Violencias y climas sociales en escuelas medias: experiencias de docentes y directivos, no qual analisa climas sociais predominantes em escolas públicas de ensino médio de Buenos Aires, a partir das práticas e dos sentidos atribuídos por docentes e dirigentes, sujeitos da pesquisa, às situações de violência escolar. O artigo está organizado em torno de duas categorias identificadas nos discursos e práticas de professores e de dirigentes, violências escolares e crise da instituição e da autoridade escolar, colocadas em interlocução com ferramentas conceituais da teoria social contemporânea e de outras pesquisas sobre o tema para a análise.

No artigo "Pensamento do fora", conhecimento e pensamento em educação: conversações com Michel Foucault, Cintya Regina Ribeiro, da Universidade de São Paulo, considera as "condições atuais do pensamento como um problema de pesquisa educacional". Dessa forma, coloca em questão a articulação entre conhecimento e pensamento reflexivo, utilizando como referência as produções de Foucault e Nietzsche, "particularmente acerca da linguagem, da produção da verdade e de suas implicações nos modos de conhecer e pensar". As discussões de Foucault a partir do "pensamento do fora", de Blanchot, e do "pensamento da diferença", de Deleuze, constituem a "plataforma analítica" de que a autora se vale para desenvolver a questão que propõe.

Marcos Villela Pereira, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e Cleber Gibbon Ratto, do Centro Universitário Metodista, no artigo O elogio de si e a desmedida antropologização das ciências humanas, propõem uma "crítica filosófica a um certo modo de antropologização nas ciências humanas". O ensaio, que parte do pressuposto que o homem produz um regime próprio de saber, pretende "colocar em exame este regime que fez da linguagem a expressão do conhecimento e da consciência do mundo".

O artigo A escrita como modo de vida: conexões e desdobramentos educacionais, de Julio Groppa Aquino, da Universidade de São Paulo, tematiza a escrita de si, tal como formulada por Foucault, e discute "três argumentos recorrentes acerca da escrita escolar: sua categorização segundo gêneros, sua função examinatória e sua subordinação à leitura", para, segundo o autor, "perspectivar a escrita como circunstância propícia à estilização existencial daquele que escreve, tendo em mente, com Foucault, o imprescindível esforço de resistência e de autocriação ética frente aos jogos subjetivadores típicos das práticas escolares".

O volume termina com a tradução de artigo de Claudine Haroche, socióloga, diretora de pesquisa do Centre National de Recherche Scientifique (CNRS), na França, e membro do Centre Edgar Morin, na École des Hautes Études en Sciences Sociales. Publicado em 2010, nos Cahiers internacionaux de Sociologie, O inavaliável em uma sociedade de desconfiança apresenta uma crítica à sociedade neoliberal e discute a crescente avaliação dos indivíduos e de suas respostas ao que fizeram, estão fazendo e farão como forma de controle social. De acordo com a autora, "os bens e as pessoas são cada vez mais avaliados e, portanto, inevitavelmente comparados, engendrando e reforçando formas de concorrência e rivalidade permanentes e exacerbadas". Nessa linha, a autora convida-nos a refletir sobre os processos de pensamento, destacando que é o "inavaliável que permite a liberdade de pensar, de imaginar e de inventar: em outros termos, permite o imprevisto, o inédito".

A Revista, mantendo sua política de internacionalização, oferece dois artigos deste número em inglês, disponíveis on-line no site da SciELO. São as versões dos textos A escrita como modo de vida: conexões e desdobramentos educacionais, de Julio Groppa Aquino, e "Pensamento do fora", conhecimento e pensamento em educação: conversações com Michel Foucault, de Cintya Regina Ribeiro.

Para finalizar, duas informações. A primeira anuncia o acesso aos volumes publicados entre 1975 e 1996 da então Revista da Faculdade de Educação. Desde julho de 2011, eles estão disponíveis no portal Educ@, biblioteca virtual cujo objetivo é proporcionar acesso a coleções de periódicos qualificados na área de educação. O endereço eletrônico do portal é http://educa.fcc.org.br/scielo.php. Lembramos que os volumes publicados a partir de 1997 são encontrados no endereço http://www.scielo.br.

A segunda informação refere-se à nova composição editorial de Educação e Pesquisa. Nossos agradecimentos a Lucia Emilia Nuevo Barreto Bruno, editora já há alguns anos, que se despede da coordenação editorial, e nossas boas-vindas a Denise Trento Rebello de Souza, que assume esse papel junto com Teresa Cristina Rego. A renovação é sempre um elemento positivo na constituição da equipe.

Maria Letícia Barros Pedroso Nascimento

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2011
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