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Construindo estratégias de resolução de problemas com crianças de 6 a 7 anos de idade 1 1- Agradecimentos: Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito da Bolsa de Doutoramento 2021.05895.BD.

Building problem-solving strategies with 6–7-year-old children

Resumo

Este estudo procura perceber como os alunos compreendem a resolução de problemas, identificando as suas estratégias de resolução. Procura dar resposta às seguintes questões: Quais as estratégias utilizadas pelos alunos para a resolução de problemas? Como podem ser promovidas competências de resolução de problemas? Que dificuldades manifestam os alunos na resolução de problemas? Participa no estudo uma turma do 1º ano de escolaridade, com idades dos 6 aos 7 anos (n=22), de Braga, Portugal. Recorreu-se a uma metodologia qualitativa de estudo de caso, em contexto de aula de matemática, tendo-se aplicado 10 tarefas de resolução de problemas. Os resultados sugerem que os alunos, ao longo do estudo, se sentiram confortáveis com estratégias como construção de esquemas e tabelas, resolução do fim para o princípio, tentativa com indução, identificação de padrões, entre outras. No que se refere à promoção de competências no âmbito da resolução de problemas, destaca-se a importância do envolvimento ativo dos alunos na descoberta de procedimentos e estratégias, realçando o papel do professor como mediador de aprendizagens e promotor de tarefas que favoreçam o aparecimento de estratégias matematicamente relevantes. Também é relevante o papel da criatividade e da comunicação matemática nesse processo. Foram identificadas dificuldades na resolução de problemas no que se refere à interpretação de enunciados, ao contato prévio com problemas semelhantes, no planejamento, organização e simplificação de processos e na resolução de operações aritméticas.

Palavras-chave
Resolução de problemas; Estratégias de resolução; Criatividade matemática; Aprendizagem matemática

Abstract

This study seeks to perceive how students understand problem solving, identifying their solving strategies. It tries to answer the following questions: What strategies do students use to solve problems? How can problem-solving skills be promoted? What difficulties do students reveal in problem solving? The participants were 1st-graders (n=22), aged 6 to 7 years old, from Braga, Portugal. A qualitative case study approach was carried out, in the context of mathematics classes. Ten problem-solving tasks were used. The results suggest that the students felt comfortable with strategies such as the construction of schemes and tables, starting at the end, induction attempts, pattern identification, among others. Regarding the promotion of skills in the context of problem solving, the importance of students’ active involvement in discovering procedures and strategies is highlighted, as well as teacher’s role as a mediator of learning and promoter of tasks that favour the emergence of mathematically relevant strategies. The role of creativity and mathematical communication in this process is also important. Concerning problem-solving difficulties, several were identified regarding the interpretation of statements, lack of experience and previous contact with similar problems, in planning, in organizing and simplifying processes, and in solving arithmetic operations.

Keywords
Problem solving; Problem-solving strategies; Mathematical creativity; Mathematical learning

Introdução

Viver no mundo atual exige o desenvolvimento de um conjunto de competências cada vez mais complexas e integradas. O acesso à informação nunca foi tão fácil em toda a história da humanidade, tendo esse processo contribuído para a evolução das sociedades. No entanto, a democratização traz novos desafios, particularmente à área da educação (COUTINHO; LISBÔA, 2011)COUTINHO, Clara; LISBOA, Eliana. Sociedade da informação, do conhecimento e da aprendizagem: desafios para educação o século XXI. Revista de Educação, Lisboa, v. 18, n. 1, p. 5-22, 2011.. Potenciar a emergência de competências literácitas, para saber interpretar e utilizar informação, torna-se um tema cada vez mais premente para uma educação holística (UNESCO, 2017)UNESCO. Competências de leitura, escrita e aritmética em uma perspectiva de aprendizagem ao longo da vida: resumo de políticas 7 do UIL. [S. l.]: Unesco: Institute for Lifelong Learning, 2017., destacando-se a importância da área da Matemática.

No século XXI, a Matemática protagoniza um dos pilares basilares da educação. Ignorar ou negligenciar esse fato é negar a possibilidade de uma cidadania plena numa sociedade moderna. Assim sendo, a alfabetização e literacia matemáticas ganham cada vez mais relevo, estando a par com a aprendizagem da leitura e da escrita, bem como das competências digitais e tecnológicas (UNESCO, 2017)UNESCO. Competências de leitura, escrita e aritmética em uma perspectiva de aprendizagem ao longo da vida: resumo de políticas 7 do UIL. [S. l.]: Unesco: Institute for Lifelong Learning, 2017.. Mais ainda, é fulcral olhar para esta problemática educativa de uma forma integrada, percebendo que todas as componentes surgem intimamente relacionadas. Para que seja possível que os nossos alunos se tornem agentes ativos e participativos nas transformações constantes que caracterizam uma sociedade moderna, torna-se essencial potenciar situações em que os alunos sejam desafiados e envolvidos, de uma forma integrada, na utilização de diferentes competências (LOUREIRO, 2002)LOUREIRO, Cristina. Literacia matemática. Educação e Matemática, Lisboa, n. 69, p. 1, 2002..

A resolução de problemas surge como um meio, por excelência, para potenciar esse processo, possibilitando o desenvolvimento de novas formas de pensamento, persistência e curiosidade nos alunos ( VALE; PIMENTEL, 2004VALE, Isabel; PIMENTEL, Teresa. Resolução de problemas. In: PALHARES, Pedro (coord.) Elementos de matemática para professores do ensino básico. Lisboa: Lidel, 2004. p. 7-51.; BOAVIDA et al., 2008 BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008.). Sendo uma componente aberta da matemática, permite construir uma visão global das diferentes áreas, tecendo teias de conhecimento através do cruzamento de diferentes contextos (VALE; PIMENTEL, 2004)VALE, Isabel; PIMENTEL, Teresa. Resolução de problemas. In: PALHARES, Pedro (coord.) Elementos de matemática para professores do ensino básico. Lisboa: Lidel, 2004. p. 7-51., enquanto potencializa o desenvolvimento da criatividade ( POUND; LEE, 2011POUND, Linda; LEE, Trisha. Teaching mathematics creatively. New York: Routledge, 2011.; KOZLOWSKI; SI, 2019KOZLOWSKI, Joseph; SI, Shouqing. Mathematical creativity: a vehicle to foster equity. Thinking Skills and Creativity, Amsterdam, v. 33, p. 1-8, 2019.). Acredita-se, assim, que a resolução de problemas deve ser explorada pelas crianças desde cedo, potenciando a construção e descoberta de diferentes estratégias.

Conceito e tipologia de problemas

A resolução de problemas, na área da educação, assume um maior protagonismo a partir da visão apresentada por George Pólya, em 1945, partindo da sua publicação How to solve it (PÓLYA, 1995)PÓLYA, George. A arte de resolver problemas. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.. Pólya (1981PÓLYA, George. Mathematical discovery: on understanding, learning, and teaching problem solving. New York: John Wiley & Sons, 1981., 1995PÓLYA, George. A arte de resolver problemas. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.) defende que ter um problema significa procurar, conscientemente, alguma ação apropriada para atingir um objetivo claramente concebido, mas não imediatamente alcançável.

Um problema deve emergir como um elemento central na aprendizagem matemática ( AYLLÓN; GÓMEZ; BALLESTA-CLAVER, 2016AYLLÓN, María; GÓMEZ, Isabel; BALLESTA-CLAVER, Julio. Mathematical thinking and creativity through mathematical problem posing and solving. Propósitos y Representaciones, Lima, v. 4, n. 1, p. 169-218, 2016.; BOAVIDA et al., 2008 BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008.; CLEMENTS et al., 2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.; DANTE, 2009DANTE, Luiz Roberto. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Ática, 2009.; PÓLYA, 1995PÓLYA, George. A arte de resolver problemas. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.; VALE; PIMENTEL, 2004VALE, Isabel; PIMENTEL, Teresa. Resolução de problemas. In: PALHARES, Pedro (coord.) Elementos de matemática para professores do ensino básico. Lisboa: Lidel, 2004. p. 7-51.; VAN HARPEN; PRESMEG, 2013VAN HARPEN, Xianwei; PRESMEG, Norma. An investigation of relationships between students’ mathematical problem-posing abilities and their mathematical content knowledge. Educational Studies in Mathematics, Cham, v. 83, n. 1, p. 117-132, 2013.), assumindo um caráter motivacional para o aluno, pois deve fomentar o gosto pela Matemática e o interesse pelo assunto abordado. Tal como sublinha Dante, “um bom problema suscita a curiosidade e desencadeia no aluno um comportamento de pesquisa, diminuindo sua passividade e seu conformismo” ( DANTE, 2009DANTE, Luiz Roberto. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Ática, 2009., p. 21). Para tal, é fundamental enfatizar a necessidade da presença consciente e intencional de problemas diversificados na sala de aula ( BOAVIDA et al., 2008 BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008.; CLEMENTS et al., 2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.; DANTE, 2009DANTE, Luiz Roberto. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Ática, 2009.; PALHARES, 1997PALHARES, Pedro. Histórias com problemas construídas por futuros professores. In: FERNANDES, Domingos et al. (coord.). Resolução de problemas na formação inicial de professores de matemática: múltiplos contextos e perspectivas. Aveiro: GIRP, 1997. p. 159-188.), atendendo à sua tipologia.

Diversos autores apresentaram as suas perspectivas sobre a tipologia de problemas, consoante a especificidade que pretendiam enfatizar ( PALHARES, 1997PALHARES, Pedro. Histórias com problemas construídas por futuros professores. In: FERNANDES, Domingos et al. (coord.). Resolução de problemas na formação inicial de professores de matemática: múltiplos contextos e perspectivas. Aveiro: GIRP, 1997. p. 159-188.; VALE; PIMENTEL, 2004VALE, Isabel; PIMENTEL, Teresa. Resolução de problemas. In: PALHARES, Pedro (coord.) Elementos de matemática para professores do ensino básico. Lisboa: Lidel, 2004. p. 7-51.). Neste estudo, destaca-se a utilização da tipologia apresentada por Boavida et al.(2008) BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008. que, desde a perspectiva de uma faixa etária mais baixa, categoriza os problemas em três grupos: problemas de cálculo, promotores de oportunidades de aplicarem conceitos e destrezas previamente aprendidos; problemas de processo, que potenciam o desenvolvimento de estratégias de resolução mais complexas e criativas, não sendo resolúveis apenas pela seleção de operações apropriadas, podendo ser usados para desenvolver diferentes capacidades, para introduzir diferentes conceitos ou para aplicar conhecimentos e procedimentos matemáticos anteriormente aprendidos; e problemas abertos, também denominados de investigações, que podem apresentar mais do que um percurso para chegar à solução, e mais do que uma resposta correta. Através desses: “os alunos têm de fazer explorações para descobrir regularidades e formular conjecturas, apelando, por isso, ao desenvolvimento do raciocínio, do espírito crítico e da capacidade de reflexão” ( BOAVIDA et al., 2008 BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008., p. 20). Desse modo, e por meio da análise da tipologia apresentada, torna-se relevante relacionar os diferentes problemas com as práticas, os processos e o papel assumido pela resolução de problemas.

Resolução de problemas

Desde a perspectiva da resolução de problemas como um conjunto de ações tomadas para resolver um determinado problema ( BOAVIDA et al., 2008 BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008.; DANTE, 2009DANTE, Luiz Roberto. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Ática, 2009.; PÓLYA, 1995PÓLYA, George. A arte de resolver problemas. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.; VALE; PIMENTEL, 2004VALE, Isabel; PIMENTEL, Teresa. Resolução de problemas. In: PALHARES, Pedro (coord.) Elementos de matemática para professores do ensino básico. Lisboa: Lidel, 2004. p. 7-51.), interessa olhar para essa de uma forma mais ampla. Vale e Pimentel (2004)VALE, Isabel; PIMENTEL, Teresa. Resolução de problemas. In: PALHARES, Pedro (coord.) Elementos de matemática para professores do ensino básico. Lisboa: Lidel, 2004. p. 7-51. distinguem três perspectivas: como um processo, quando pretendemos dotar os alunos com estratégias de resolução, tornando-os solucionadores cada vez mais aptos de problemas; como uma finalidade, quando tentamos atender a aspectos matemáticos como explorar, questionar, investigar, descobrir e usar raciocínios plausíveis; e, por fim, como método de ensino, “que surge para introduzir conceitos envolvendo exploração e descoberta, de acordo com as finalidades do ensino da Matemática e de factos, conceitos e procedimentos matemáticos” ( VALE; PIMENTEL, 2004VALE, Isabel; PIMENTEL, Teresa. Resolução de problemas. In: PALHARES, Pedro (coord.) Elementos de matemática para professores do ensino básico. Lisboa: Lidel, 2004. p. 7-51., p. 12).

A resolução de problemas assume um papel essencial para o estímulo do raciocínio e comunicação matemática, para a apresentação da relevância da Matemática no quotidiano dos alunos e como um catalisador da construção do gosto por esta área de conhecimento ( BOAVIDA et al., 2008 BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008.; CLEMENTS et al., 2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.; DANTE, 2009DANTE, Luiz Roberto. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Ática, 2009.; MAMEDE, 2009MAMEDE, Ema. Matemática: tarefas para o novo programa – 1.º ciclo. Braga: Associação para a Educação Matemática Elementar, 2009.; PALHARES, 1997PALHARES, Pedro. Histórias com problemas construídas por futuros professores. In: FERNANDES, Domingos et al. (coord.). Resolução de problemas na formação inicial de professores de matemática: múltiplos contextos e perspectivas. Aveiro: GIRP, 1997. p. 159-188.; POUND; LEE, 2011POUND, Linda; LEE, Trisha. Teaching mathematics creatively. New York: Routledge, 2011.). Desse modo, apresenta-se como um meio de tornar a aprendizagem matemática mais apelativa, ativa e dinâmica, transformando-se em um vetor desafiante para os alunos. A esses, também se adiciona o desenvolvimento de competências de interpretação de enunciados, fundamentais na resolução de problemas (COSTA; FONSECA, 2009)COSTA, Anabela; FONSECA, Lina. Os números na interface da língua portuguesa e da matemática. In: ENCONTRO DE INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 19., 2009, Vila Real. Actas… Vila Real: Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática. 2009. p. 9-19..

A resolução de problemas também se apresenta como um agente promotor da criatividade matemática (AKGUL; KAHVECI, 2016; CLEMENTS et al., 2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.; DANTE, 2009DANTE, Luiz Roberto. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Ática, 2009.; KOZLOWSKI; SI, 2019KOZLOWSKI, Joseph; SI, Shouqing. Mathematical creativity: a vehicle to foster equity. Thinking Skills and Creativity, Amsterdam, v. 33, p. 1-8, 2019.; POUND; LEE, 2011POUND, Linda; LEE, Trisha. Teaching mathematics creatively. New York: Routledge, 2011.). Esses autores argumentam que por meio da promoção da criatividade matemática, indispensável para a resolução de problemas, a Matemática não é encarada, pelos alunos, como apenas uma ciência fechada em números e fórmulas. Desse modo, é fundamental cultivar uma atitude positiva, como um processo de aprendizagem contínuo, em que os sucessos e os fracassos na resolução de problemas sirvam de inspiração para novas conquistas e avanços ( CLEMENTS et al.,2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.; GARDNER, 2009GARDNER, Howard. The five minds for the future. Professional Voice, Melbourne, v. 7, n. 2, p. 18-25, 2009.).

Para orientar o processo de resolução de problemas, Pólya (1995)PÓLYA, George. A arte de resolver problemas. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995. propõe um modelo que consiste: na compreensão do problema; ver como os diversos itens estão interrelacionados, como a incógnita está ligada aos dados, para termos ideia da resolução, para estabelecermos um plano; execução do plano; elaboração de um retrospecto da resolução completa, revendo-a e discutindo-a (PÓLYA, 1995)PÓLYA, George. A arte de resolver problemas. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.. O modelo de Pólya proporciona uma visão geral de como abordar a resolução de um problema, mas esse não deve ser confundido com as ferramentas necessárias à sua resolução.

Estratégias de resolução de problemas

As estratégias de resolução de problemas são ferramentas que, na maior parte das vezes, se identificam com processos de raciocínio e que podem ser bastante úteis em vários momentos do processo de resolução de problemas (BOAVIDA et al., 2008) BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008.. Desse modo, é na intersecção do modelo de Pólya com as diferentes estratégias que surge a possibilidade de resolver uma grande variedade de problemas e desenvolver múltiplas aprendizagens.

Vários autores também já se debruçaram sobre a identificação e nomenclatura das estratégias de resolução de problemas ( BOAVIDA et al., 2008 BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008.; O’CONNELL, 2007O’CONNELL, Susan. Introduction to problem solving: grades preK-2. Portsmouth: Heinemann, 2007.; PONTE; SERRAZINA, 2000PONTE, João Pedro da; SERRAZINA, Maria de Lurdes. Didáctica da matemática do 1.º ciclo. Lisboa: Universidade Aberta, 2000.; STEIN; LANE, 1996STEIN, Mary Kay; LANE, Suzanne. Instructional tasks and the development of student capacity to think and reason: an analysis of the relationship between teaching and learning in a reform mathematics project. Educational Research and Evaluation, London, v. 2, p. 50-80, 1996.; VALE et al., 2006 VALE, Isabel et al. Matemática no 1º ciclo: propostas para a sala de aula. Viana do Castelo: Escola Superior de Educação de Viana do Castelo, 2006.). Neste estudo, destaca-se a perspectiva de Vale e Pimentel (2004)VALE, Isabel; PIMENTEL, Teresa. Resolução de problemas. In: PALHARES, Pedro (coord.) Elementos de matemática para professores do ensino básico. Lisboa: Lidel, 2004. p. 7-51., que sugere as seguintes estratégias: descobrir um padrão/regra ou lei de formação, explicando que essa estratégia centra-se em certos passos do problema e a solução é encontrada por generalizações de soluções específicas; fazer tentativas/ conjecturas, sugere que terão de adivinhar a solução, segundo os dados do problema, e confirmar ou não as condições do problema; trabalhar do fim para o princípio, começando o processo de resolução pelo fim ou pelo que se quer provar; usar dedução lógica/ fazer eliminação, encarando todas as hipóteses e eliminando-se uma a uma, aquelas que não são possíveis; reduzir a um problema mais simples/ simplificação, começando por resolver um caso particular de um problema e alargando o processo ao problema inicial; fazer uma simulação/ experimentação/ dramatização, utilizando objetos, criando modelos ou dramatizando uma situação que traduza o problema a ser resolvido; fazer um desenho, diagrama, gráfico ou esquema; fazer uma lista organizada ou tabela.

É necessário realçar que, tal como Boavida et al. (2008) BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008., Dante (2009)DANTE, Luiz Roberto. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Ática, 2009. e Clements et al.(2020) CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020. defendem, o professor deve proporcionar tarefas que potencializem o aparecimento das estratégias, deixando que sejam os alunos a descobrir e construir novos esquemas de ação, potenciando o desenvolvimento da criatividade, elemento vital do pensamento matemático ( AKGUL; KAHVECI, 2016AKGUL, Savaş; KAHVECI, Nihat Gurel. A study on the development of a mathematics creativity scale. Eurasian Journal of Educational Research, Hertfordshire, v. 16, n. 62, p. 57-76, 2016.; KOZLOWSKI; SI, 2019KOZLOWSKI, Joseph; SI, Shouqing. Mathematical creativity: a vehicle to foster equity. Thinking Skills and Creativity, Amsterdam, v. 33, p. 1-8, 2019.; POUND; LEE, 2011POUND, Linda; LEE, Trisha. Teaching mathematics creatively. New York: Routledge, 2011.). Porém, não pode ser desvalorizado o papel final de identificação e sistematização, para cimentar as aprendizagens desenvolvidas.

Ainda no mesmo âmbito, o recurso à resolução de problemas por meio de diferentes estratégias também se identifica como um vetor promotor de equidade da aprendizagem, uma vez que os alunos podem optar por diferentes raciocínios e estratégias. Segundo Oliveira (2008OLIVEIRA, Paulo. O raciocínio matemático à luz de uma epistemologia soft. Educação e Matemática, Lisboa, n. 100, p. 3-9, 2008., p. 3), “raciocínio matemático designa um conjunto de processos mentais complexos através dos quais se obtêm novas proposições (conhecimento novo) a partir de proposições conhecidas ou assumidas (conhecimento prévio)”. Desse modo, valoriza-se um pensamento original e dá-se oportunidade a diferentes formas de pensamento ( CLEMENTS et al., 2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.; KOZLOWSKI; SI, 2019KOZLOWSKI, Joseph; SI, Shouqing. Mathematical creativity: a vehicle to foster equity. Thinking Skills and Creativity, Amsterdam, v. 33, p. 1-8, 2019.).

Destaca-se também o pensamento de O’Connell (2007)O’CONNELL, Susan. Introduction to problem solving: grades preK-2. Portsmouth: Heinemann, 2007., que alerta para a especificidade da resolução de problemas com crianças com idades mais baixas. O autor entende que essas podem demostrar dificuldades na utilização de estratégias de resolução devido a ainda não terem desenvolvido completamente as suas competências de planejamento, organização e simplificação. Para as mitigar, é fundamental uma abordagem personalizada por parte do professor, auxiliando no desenvolvimento desses processos.

Assim, considerando as diferentes estratégias e as abordagens necessárias para o seu desenvolvimento efetivo, torna- se essencial contextualizar as práticas de resolução de problemas, olhando para as suas especificidades e para o papel que o professor desempenha neste processo.

Resolução de problemas na aula de matemática

As práticas de resolução de problemas devem ser suficientemente desafiadoras para conseguirem potencializar a construção de novas aprendizagens, caso contrário, não se constituiriam como problemas, mas não devendo assumir uma dificuldade demasiadamente elevada. Pólya (1995PÓLYA, George. A arte de resolver problemas. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995., p. 1) alerta para esse tema quando afirma que o “estudante deve adquirir tanta experiência pelo trabalho independente quanto lhe for possível. Mas se ele for deixado sozinho, sem ajuda ou com auxílio insuficiente, é possível que não experimente qualquer progresso”. Dessa forma, cabe ao professor conseguir adaptar a sua prática docente de forma a encorajar os alunos nas aulas de Matemática a tornarem- se competentes na formulação e resolução de problemas (VALE; PIMENTEL; BARBOSA, 2015)VALE, Isabel; PIMENTEL, Teresa; BARBOSA, Ana. Ensinar matemática com resolução de problemas. Revista Quadrante, Lisboa, v. 24, n. 2, p. 39-60, 2015. de uma forma sustentada, construindo competências e bases sólidas, e sustentável, promovendo o gosto e o interesse por novos desafios.

A promoção da criatividade, e especificamente do pensamento criativo, é amplamente vista como um objetivo fundamental da aprendizagem matemática, ganhando especial relevo nas faixas etárias mais baixas ( KOZLOWSKI; SI, 2019KOZLOWSKI, Joseph; SI, Shouqing. Mathematical creativity: a vehicle to foster equity. Thinking Skills and Creativity, Amsterdam, v. 33, p. 1-8, 2019.; POUND; LEE, 2011POUND, Linda; LEE, Trisha. Teaching mathematics creatively. New York: Routledge, 2011.). Entende-se criatividade como a concepção de ideias originais para produzir algo e o pensamento criativo como a capacidade de conceitualizar algo de uma nova forma. Para tal, é fulcral promover uma atmosfera aberta e acolhedora de processos inovativos, desenvolver tarefas que promovam a autonomia (HADDAD, 2012)HADDAD, Georges. The challenges of creativity: education research and foresight: occasional papers. Paris: Unesco, 2012., o espírito criativo e encarar a integração curricular como uma forma de tornar as aprendizagens mais relevantes para os alunos (SCHOEVERS et al., 2019) SCHOEVERS, Eveline et al. Promoting pupils’ creative thinking in primary school mathematics: A case study. Thinking Skills and Creativity, Amsterdam, v. 31, p. 323-334, 2019..

O professor deve surgir como um mediador da construção de aprendizagens dos alunos, considerando sempre as suas necessidades, o seu contexto e promovendo o gosto pela aprendizagem matemática ( AYLLÓN; GÓMEZ; BALLESTA-CLAVER, 2016AYLLÓN, María; GÓMEZ, Isabel; BALLESTA-CLAVER, Julio. Mathematical thinking and creativity through mathematical problem posing and solving. Propósitos y Representaciones, Lima, v. 4, n. 1, p. 169-218, 2016.; AGIĆ; REŠIĆ, 2015AGIĆ, Hariz; REŠIĆ, Sead. Some outlooks on creativity in mathematics teaching. Human, Tuzla, v. 5, n. 2, p. 11-22, 2015.; CLEMENTS et al., 2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.; KOZLOWSKI; SI, 2019KOZLOWSKI, Joseph; SI, Shouqing. Mathematical creativity: a vehicle to foster equity. Thinking Skills and Creativity, Amsterdam, v. 33, p. 1-8, 2019.; PÓLYA, 1995PÓLYA, George. A arte de resolver problemas. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.; POUND; LEE, 2011POUND, Linda; LEE, Trisha. Teaching mathematics creatively. New York: Routledge, 2011.). Na mesma linha, o National Council of Teachers of Mathematics (NCTM, 2014)NCTM. National Council of Teachers of Mathematics. Principles to actions: ensuring mathematics success for all. Reston: NCTM, 2014. enfatiza a necessidade regular desse tipo de tarefas, explorando diferentes estratégias e potenciando o desenvolvimento da criatividade, como um polo dinamizador e promotor de pensamentos e raciocínios de nível superior (NCTM, 2014)NCTM. National Council of Teachers of Mathematics. Principles to actions: ensuring mathematics success for all. Reston: NCTM, 2014.. Para tal, e como indicado por Aktas (2016)AKTAŞ, Meral. Turkish high school teachers’ conceptions of creativity in mathematics. Journal of Education and Training Studies, Beaverton, v. 4, n. 2, p. 42-52, 2016., é fundamental que o professor consiga demonstrar algumas capacidades como a autoconfiança, abertura à experiência, flexibilidade de pensamento e imaginação.

Mamede (2009)MAMEDE, Ema. Matemática: tarefas para o novo programa – 1.º ciclo. Braga: Associação para a Educação Matemática Elementar, 2009. acrescenta que o professor deve promover o debate sobre os processos e as soluções encontradas pelos alunos, dando-lhes oportunidades de confrontar as suas estratégias, resultados e raciocínios envolvidos na resolução de problemas. Pedir às crianças que expliquem o seu raciocínio, oralmente ou por escrito, é potenciar oportunidades para que elas desenvolvam a sua comunicação matemática, promovendo uma forma de pensamento, raciocínio e metacognição incomum e valiosa, mas que é difícil e morosa de aprimorar (BOAVIDA et al., 2008) BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008..

No que concerne às tarefas, é fulcral que o professor tenha a preocupação de que os problemas sejam, de fato, problemas, apresentando uma dificuldade personalizada ao contexto em que são desenvolvidos ( PÓLYA, 1995PÓLYA, George. A arte de resolver problemas. Trad. Heitor Lisboa de Araújo. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.; PONTE, 2005PONTE, João Pedro da. Gestão curricular em matemática. In: GTI (ed.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34.). Esses devem desafiar os alunos, promover a criatividade, o espírito crítico e favorecer a descoberta das estratégias de resolução de problemas, ao invés de optar por um ensino transmissivo ( AYLLÓN; GÓMEZ; BALLESTA-CLAVER, 2016AYLLÓN, María; GÓMEZ, Isabel; BALLESTA-CLAVER, Julio. Mathematical thinking and creativity through mathematical problem posing and solving. Propósitos y Representaciones, Lima, v. 4, n. 1, p. 169-218, 2016.; BOAVIDA et al., 2008 BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008.; CLEMENTS et al., 2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.). Desse modo, é desejável que os processos criativos das crianças devam ser desenvolvidos numa atmosfera guiada de procura, com professores que encorajam a diversidade de estratégias e, posteriormente, um apoio focalizado naquelas que se demonstrem mais matematicamente sofisticadas e eficientes (CLEMENTS et al., 2020) CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020..

No âmbito da resolução de problemas no currículo de Portugal, sublinha-se a importância das competências de resolução de problemas, raciocínio e comunicação matemática, emergindo objetivos e práticas de aprendizagem que relacionam essas componentes com os diferentes temas e conteúdos a abordar (ME-DGE, 2018)ME-DGE. Aprendizagens essenciais de matemática: 1.º ano. Lisboa: Ministério da Educação: Direção-Geral da Educação, 2018.. A nível internacional, realçam-se os documentos que enfatizam a relevância da resolução de problemas como um processo fundamental para a aprendizagem matemática ( NCTM, 2007NCTM. National Council of Teachers of Mathematics. Princípios e normas para a matemática escolar. Lisboa: APM & NCTM, 2007., 2014NCTM. National Council of Teachers of Mathematics. Principles to actions: ensuring mathematics success for all. Reston: NCTM, 2014.) incluindo a aplicação da matemática a situações do quotidiano ( COCKCROFT, 1982COCKCROFT, Wilfred Halliday. Mathematics counts. London: HMSO, 1982.; NCTM, 2014NCTM. National Council of Teachers of Mathematics. Principles to actions: ensuring mathematics success for all. Reston: NCTM, 2014.).

A resolução de problemas deve ser explorada pelas crianças desde cedo, potenciando a construção e descoberta de diferentes estratégias. Assim, este estudo procura perceber como os alunos em início de escolarização formal compreendem a resolução de problemas, identificando as suas estratégias de resolução. Para tal, procurar-se-á dar resposta às seguintes questões: Quais são as estratégias que os alunos utilizam para a resolução de problemas? Como podem ser promovidas competências de resolução de problemas? Que dificuldades manifestam os alunos na resolução de problemas?

Metodologia

Neste estudo, concretizou-se uma investigação qualitativa, valorizando as questões processuais, identificando e refletindo as transformações que ocorreram durante o estudo (BOGDAN; BIKLEN, 2013)BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 2013., numa abordagem de estudo de caso (YIN, 2010)YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.. Ao longo da intervenção foram analisadas as reações dos alunos, no seu contexto natural de sala de aula, na utilização de estratégias de resolução de problemas, registrando os seus desempenhos e as suas dificuldades.

O estudo contou com a participação de uma turma do 1º ano de escolaridade, sendo composta por 22 crianças, com idades entre os 6 e os 7 anos, inseridas em uma escola pública do distrito de Braga, em um meio essencialmente urbano, e em uma classe socioeconômica média. Por razões de ética e confidencialidade, todos os nomes presentes neste estudo são fictícios.

A intervenção consistiu no desenvolvimento de 10 tarefas de resolução de problemas, que potenciavam o desenvolvimento das estratégias seguintes: construção de esquemas e tabelas; trabalhar do fim para o princípio; desenvolvimento de simulações e dramatizações; dedução lógica; elaboração de tentativas/conjecturas e identificação de padrões.

As tarefas foram desenvolvidas adotando como base a resolução de problemas, essencialmente problemas de processo e abertos (BOAVIDA et al., 2008) BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008., potencializando a descoberta e exploração de diferentes estratégias de resolução. Foi adotado como tema global do estudo problemáticas relacionadas com o quotidiano dos alunos, tendo sido aplicada uma abordagem que deu protagonismo à variedade de problemas, evitando uma abordagem demasiado exaustiva deles.

Ao longo do estudo foram proporcionadas situações de resolução individual e em grupo, assumindo um caráter diversificado e motivador, potencializando o espírito de pesquisa, criatividade, gosto pela Matemática, bem como a autonomia e cooperação. Salienta-se que todos os enunciados utilizados foram lidos pelo professor e investigador, um dos autores deste artigo, uma vez que os alunos ainda não tinham desenvolvido essa capacidade.

A coleta de dados foi elaborada com base em diferentes recursos, nomeadamente fotografias, gravações de áudio, gravações de vídeo, registros de produções escritas dos alunos, bem como notas de campo do investigador.

Resultados

Os resultados aqui apresentados fazem parte de um estudo mais amplo sobre a resolução e formulação de problemas no 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico (MIRANDA, 2019)MIRANDA, Paulo. Estratégias de resolução de problemas e formulação de problemas: um estudo nos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. 2019. 154 p. Dissertação (Mestrado em Ensino do 1.º Ciclo do Ensino Básico e de Matemática e Ciências Naturais no 2.º Ciclo do Ensino Básico) – Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, 2019.. Nesta seção, apresentam-se alguns resultados obtidos nas tarefas dedicadas à resolução de problemas no 1º ano de escolaridade.

A primeira tarefa consistiu em uma resolução conjunta de um problema de processo, atentando ao modelo de Pólya. Inicialmente, procedeu-se à etapa de compreensão do problema, envolvendo a leitura, reconto, seguido de algumas perguntas de interpretação. Nesta fase, os alunos interpretaram em grupo o enunciado, discutindo as premissas apresentadas com o professor e explicando em suas palavras o problema. Também relacionaram a situação exposta com o seu quotidiano, existindo lugar a uma previsão dos resultados, que foram recolhidos no quadro. Alguns alunos apresentaram dificuldades na interpretação do enunciado, as quais foram desvanecendo à medida que o problema foi discutido, com a ajuda do professor e dos colegas.

Em seguida, procedeu-se ao estabelecimento de um plano, quando surgiram novos desafios: os alunos começaram, instintivamente, a propor algumas soluções avulsas ao problema, sem a preocupação de estabelecer um plano e obter todas as soluções. Foi necessário o alerta para a necessidade de se pensar uma estratégia. A resolução de problemas por meio de um esquema ou de uma tabela, sendo das estratégias menos próximas dos alunos, quer seja pelo tipo de problema (que normalmente envolve um processo combinatório), quer seja pelo uso da estratégia em si (que não é muito usual na resolução de problemas, no 1º ano), representou um desafio. No entanto, depois de algum tempo para pensar e algumas perguntas orientadoras, surgiu a sugestão de criar um esquema/diagrama para dar resposta ao problema, tendo essa sugestão aparecido sob a forma de gestos, tal como mostra a Transcrição 1:

Transcrição 1 –
Momento de definição da estratégia do problema

A partir desse momento, o problema foi resolvido no quadro ( Figura 1) e nos cadernos dos alunos ( Figura 2). As diferentes combinações obtidas foram discutidas e registradas, para uma melhor organização dos resultados.

Figura 1 –
Resolução do problema no quadro

Figura 2 –
Exemplos de resolução do problema retirado dos cadernos dos alunos

Por fim, procedeu-se à verificação dos resultados e da estratégia utilizada. Todos os alunos consideraram que o esquema foi uma boa estratégia para resolver o problema e concordaram que apenas existiam quatro possibilidades, tendo depois sido feita a comparação do resultado com as previsões efetuadas.

A segunda tarefa consistiu na resolução de um problema de processo que potencializa a construção da estratégia trabalhar do fim para o início. Em uma primeira fase, houve espaço para uma resolução individual, depois de uma leitura conjunta, seguida de uma fase de discussão e resolução conjunta no quadro ( Figura 3). Alguns alunos obtiveram sucesso na resolução individual, assumindo o protagonismo da explicação na resolução conjunta, tendo outros demonstrado algumas dificuldades de interpretação. Um aluno explicou que tentou resolver o problema através de adições sucessivas, enquanto outros utilizaram desenhos. Isso levou a que a resolução conjunta representasse os dois processos.

Figura 3 –
Resolução conjunta do problema no quadro

Os alunos demonstraram-se confortáveis com essa estratégia, percebendo o raciocínio desencadeado pela situação. Assim, na discussão final, emergiu no grupo a concepção de que a adição e a subtração são operações aritméticas inversas.

A terceira tarefa teve como âmbito a exploração de uma investigação relacionada com um problema clássico de travessias, nomeadamente uma adaptação do problema lobo, ovelha e couve. Em uma primeira fase, o problema foi abordado de forma dramatizada e oral, pois a abordagem escrita iria complexificá-lo e, possivelmente, inviabilizar a sua execução. Assim, com a ajuda de figuras, foram selecionados quatro alunos, que se apresentaram à turma como sendo os intervenientes do problema ( Figura 4). De seguida, com a ajuda e a participação da turma, todos foram resolvendo o problema, atravessando para um lado e para o outro da sala, imaginando estar em ambas as margens de um rio.

Figura 4 –
Dramatização/simulação do problema pelos alunos

No final da primeira resolução, foi questionado se aquela seria a única forma possível de chegar à resposta mínima (sete travessias). Essa pergunta desencadeou um grande debate, o que levou a que fosse necessário voltar a uma etapa específica do problema, para verificar a situação em que se torna possível optar por diferentes resoluções. Depois de alguma análise e discussão em grupo, concluiu-se que existem duas formas de resolver o problema.

A forma alternativa foi confirmada por meio de uma versão do problema convertida para jogo no computador, projetada no quadro, como um passo para a abstração ( Figura 5). Neste, a turma, com uma menor intervenção do professor, conseguiu, mais uma vez, resolver com sucesso o problema.

Figura 5 –
Resolução do problema sob a forma de jogo on-line

Houve ainda tentativas, por parte de alguns alunos, para obter uma terceira resolução para o problema, não tendo obtido sucesso. Esse fato enfatiza a importância das investigações, potenciando a curiosidade dos alunos para testar novas resoluções do problema, levando a que se tornasse pertinente uma futura tarefa que permitisse um maior número de resoluções possíveis.

A quarta tarefa compreendeu a resolução de um problema de processo que envolvia uma das estratégias já abordadas neste estudo. Essa tarefa surgiu com o objetivo de promover o raciocínio de relacionamento entre problemas semelhantes, e potenciar a concepção de que o mesmo problema pode ser resolvido por meio de diferentes estratégias. Iniciou-se pela leitura do problema, reconto e algumas perguntas de interpretação propostas aos alunos. Como esse tipo de problemas já tinha sido abordado anteriormente, o plano de resolução surgiu rapidamente, baseado na experiência e sugestões da turma, traduzindo-se assim na construção de um esquema.

Dando a oportunidade de intervenção e protagonismo aos alunos, foram explorados os diferentes raciocínios elaborados, existindo um debate de ideias sobre a forma de resolução do problema. O próprio esquema no quadro também foi elaborado pelos alunos ( Figura 6).

Figura 6 –
Elaboração pelos alunos do esquema no quadro

Em uma segunda fase, foi pedido que pensassem em uma forma diferente de resolver o mesmo problema. Não sendo uma tarefa fácil, tendo em conta a complexidade do mesmo e a faixa etária dos alunos, foram necessárias algumas questões orientadoras, até se chegar à elaboração de uma tabela, a qual foi preenchida pelos alunos no quadro ( Figura 7) e construída por eles nos seus cadernos.

Figura 7 –
Preenchimento da tabela pelos alunos no quadro

Relativamente à construção da tabela, optou-se por serem os alunos a construí-la de raiz, pois, desse modo, seriam desenvolvidas capacidades na área da geometria e das expressões, no desenho da tabela. No entanto, e visto que ainda se encontravam no início da escolaridade formal, existiram alunos que conseguiram elaborar a tabela de forma autônoma, sendo que outros sentiram mais dificuldades ( Figura 8).

Figura 8 –
Execuções de tabelas pelos alunos no caderno

Por fim, houve uma pequena discussão no âmbito da formulação de problemas, no sentido de formular uma situação diferente, recontextualizando o problema inicial. Os alunos sugeriram que se poderia modificar o contexto do problema, utilizando alimentos para o lanche, retomando a sua experiência da primeira tarefa.

A quinta tarefa relacionou-se com um desafio de Sudoku. Depois de um pequeno diálogo para perceber se os alunos já tinham tido contato com algum exemplar, e da explicação do enunciado, os alunos mostraram-se muito motivados para a sua resolução, tendo demonstrado grande capacidade de resolução ( Transcrição 2). Ao longo da tarefa foram identificadas algumas estratégias de resolução, tais como a dedução lógica/eliminação ou a formulação de tentativas/ conjecturas.

Transcrição 2 –
Explicação da estratégia de resolução por um aluno.

Tendo existido uma discussão sobre as diferentes formas e estratégias de resolução, os alunos obtiveram, na globalidade, sucesso na resolução de exemplares do problema ( Figuras 9 e 10).

Figura 9 –
Resolução conjunta de exemplar de Sudoku

Figura 10 –
Exemplos de resolução individual de exemplar de Sudoku

A sexta tarefa consistiu no desenvolvimento de um problema de processo, em trabalho de grupo. A tarefa apresenta um problema relacionado com um triângulo mágico ( Figura 11), na qual os alunos foram desafiados a completar um esquema de um triângulo, introduzindo valores nos espaços delineados (vértices do triângulo e pontos médios), de forma que o resultado da adição dos três valores, de cada lado do triângulo, correspondesse a um resultado comum. Numa primeira fase, os triângulos já se encontravam com os valores dos pontos médios escritos, pelo que os alunos tiveram de o completar com os números que satisfaziam a condição do problema.

Figura 11 –
Enunciado do triângulo mágico utilizado

As estratégias de dedução lógica e tentativas/conjecturas foram as predominantes ao longo da tarefa, tendo emergido de forma espontânea no seio dos grupos. Os alunos não demonstraram dificuldades na aplicação das estratégias para a resolução do problema ( Figuras 12 e 13).

Figura 12 –
Resolução em grupo do problema na sala

Figura 13 –
Exemplo de resolução do problema

Em uma segunda fase, a tarefa evoluiu para uma investigação desenvolvida no espaço exterior, articulando-se com a expressão físico-motora. O desafio prendia-se com a construção de um triângulo mágico de raiz. Assim, para proceder a construção, os alunos tiveram de escolher e obter os números necessários no final de um percurso, no formato de gincana ( Figura 14).

Figura 14 –
Resolução, em grupo, do problema no exterior

Foi pedido que construíssem um novo triângulo mágico, atentando que não poderiam construir um exemplar igual ao construído na sala, competindo em tempo, por equipes. Esse fato fez com que os alunos se organizassem de diferentes formas: houve equipes em que cada aluno ficou responsável por obter o número na gincana e depois acrescentá-lo no triângulo da equipe, sem interferência dos colegas, ao passo que outras adotaram uma postura de trabalho de grupo, no processo de organização dos números no triângulo. No final da tarefa, foi desenvolvida uma discussão em turma acerca das diferentes resoluções obtidas e as estratégias utilizadas.

A sétima tarefa compreendeu a resolução de um problema de processo baseado no enunciado clássico de colocar guardanapos a secar, utilizando o menor número de molas possível. Esse tinha como objetivo potenciar o desenvolvimento de diferentes estratégias por parte dos alunos, sendo previsto que surgissem abordagens relacionadas com a exploração de padrões, porventura aliadas a uma representação por desenho.

A tarefa foi iniciada com a etapa de compreensão do problema, que envolveu a sua leitura, reconto e algumas perguntas de interpretação. Dando-lhes a oportunidade de intervenção e o protagonismo, depois de terem tempo para construir uma solução, foram explorados os diferentes raciocínios, existindo um debate de ideias sobre as múltiplas formas de resolução encontradas. Foram identificadas algumas estratégias de resolução, tais como a identificação de um padrão/regra ou a formulação de tentativas.

Desse modo, foram globalmente apresentadas duas soluções distintas, sendo depois transpostas para o quadro pelos alunos para uma análise conjunta ( Figura 15).

Figura 15 –
Soluções encontradas pelos alunos na aula

A partir da contraposição das duas propostas, surgiu então a partilha de argumentos a favor de cada uma das perspectivas. Com a discussão, o grupo foi gradualmente reconhecendo a solução mais eficaz (o número mínimo de molas utilizadas), percebendo a regularidade das molas ( Transcrição 3).

Transcrição 3 –
Conversa sobre a regularidade do número de molas

Ao entender que os alunos estavam prestes a perceber o busílis do problema, foi potencializado o salto para uma pequena investigação, questionando quantas molas seriam necessárias se existissem mais guardanapos, com o expoente máximo no número trinta. Foram obtidas algumas respostas coerentes, com uma boa compreensão da regularidade, levando a que os alunos desenvolvessem uma lei de formação, uma das estratégias mais complexas para esse tipo ( Transcrição 4).

Transcrição 4 –
Trecho da discussão sobre a investigação

No final, houve lugar a uma discussão acerca da regularidade encontrada e algumas dúvidas levantadas pelos alunos nesse processo.

A oitava tarefa surgiu como seguimento da terceira. Percebendo que os alunos resolveram com sucesso um problema de travessias mais simples, foi decidido continuar essa exploração, complexificando um pouco a situação em análise. Para isso, foi adaptado um novo problema de travessias, com um maior número de participantes e percursos, tendo, mais uma vez, sido usada a estratégia de dramatização, depois de selecionados alguns alunos ( Figura 16).

Figura 16 –
Resolução do problema através de uma simulação

Toda a turma sentiu-se motivada para o desafio, fazendo parte na discussão em grupo para a sua realização. Nessa, destacam-se as intervenções dos alunos, exprimindo os seus raciocínios e sugestões ( Transcrição 5).

Transcrição 5 –
Excerto da exploração do problema

Ao longo da tarefa foram surgindo diferentes perspectivas de estratégias, aliadas à simulação desenvolvida, tais como a dedução lógica e a formulação de tentativas/conjecturas. O professor assumiu um papel de mediador, existindo a preocupação de perguntar o porquê de algumas decisões, potenciando o aprofundamento de competências no âmbito da comunicação matemática.

A nona tarefa surgiu com base na exploração do tangram. Esse recurso não surge usualmente identificado como um meio para o desenvolvimento de problemas. No entanto, ressalva-se que os alunos se encontravam no início da escolaridade, pelo que muitos não tinham ainda interagido com o material didático. O enunciado da tarefa foi simples: depois de explorar o material, conseguir construir figuras semelhantes às que estavam representadas no quadro, da forma mais autônoma possível ( Figuras 17 e 18).

Figura 17 –
Processo de construção da figura peixe

Figura 18 –
Reprodução de figura gato e tartaruga

Numa fase seguinte, evoluiu-se para o desafio de que cada aluno produzisse figuras de forma autônoma e criativa, atribuindo-lhes um nome original ( Figura 19).

Figura 19 –
Criação de uma nova figura: aranha robô gigante e dragão

No início, alguns alunos sentiram dificuldades, não estando acostumados com algumas das formas presentes no tangram. Assim, foi-lhes dada a oportunidade de comparar as suas peças com as projetadas no quadro, para tirarem as suas dúvidas sobre a forma das peças e respectiva disposição ( Figura 20).

Ao longo da tarefa, destaca-se a utilização de estratégias de resolução tais como a dedução lógica e a elaboração de tentativas com indução, tanto na reprodução como na construção de novas figuras.

Figura 20 –
Exploração comparativa das figuras no quadro

O desenvolvimento da décima tarefa esteve relacionado com o problema clássico Torre de Hanói. Depois de explicadas as regras, foi pedido para que alunos resolvessem o problema de forma autônoma (a pares), descobrindo uma forma de mover a torre de uma coluna para a outra, respeitando a regra que não é permitido colocar um anel maior sobre um anel menor. A maioria dos pares conseguiu obter uma resposta, alguns com mais movimentos (movimentos redundantes), outros com menos. Depois de todos os alunos se inteirarem do problema e construírem a sua resolução, foi aberto o debate na sala, para comparar resoluções ( Figura 21).

Figura 21 –
Debate de diferentes resoluções elaboradas pelos alunos

Mais tarde, desafiou-se para que descobrissem soluções com o menor número de movimentos possíveis, sendo que grande parte deles conseguiu pelo número mínimo de movimentos do problema, perante as peças disponibilizadas ( Figura 22). Destaca-se a utilização de estratégias, tais como a simulação, a dedução lógica e a elaboração de tentativas com indução.

Figura 22 –
Tentativas de resolução do problema

Originalmente, esse jogo não pressupõe a existência de um enunciado, apenas uma explicação das regras. Porém, decidiu-se que iria ser construído um enunciado, uma formulação em conjunto com os alunos. Dessa forma, foi elaborada uma situação em que um rei pretendia mudar uma torre de lugar, mas queria gastar o mínimo de tempo possível para o fazer. Pretendia-se, assim, saber qual seria a melhor forma de conseguir alcançar o seu objetivo.

Nessa tarefa, destaca-se a utilização do jogo Torre de Hanói como um desafio que conseguiu despertar nos alunos o interesse na exploração de processos lógicos, bem como fomentar a capacidade de argumentação. Essa última surgiu, essencialmente, no debate final, quando eles compararam as diferentes resoluções e chegaram a um consenso sobre a solução mais eficiente.

Notas finais

O estudo desenvolvido procurou proporcionar um contato inicial consciente e intencional dos alunos com tarefas relacionadas com a resolução de problemas, identificando as suas estratégias de resolução e as dificuldades encontradas.

Ao longo do estudo, os alunos demonstraram um grande progresso ao nível da diversidade de estratégias de resolução de problemas. Foi possível identificar uma grande variedade de estratégias, desde a construção de esquemas e tabelas, trabalhar do fim para o início, tentativa com indução, descoberta de padrões, entre outras. Para tal, destaca-se o papel dos problemas de processo e dos problemas abertos. Tal como identificado na literatura (BOAVIDA et al., 2008) BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008., esses elevaram a resolução de problemas a um novo patamar de desenvolvimento, promovendo múltiplas oportunidades para a concetualização de diferentes estratégias.

A necessidade de serem os alunos a descobrir os próprios processos de resolução ( BOAVIDA et al., 2008 BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008.; CLEMENTS et al., 2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.; DANTE, 2009DANTE, Luiz Roberto. Formulação e resolução de problemas de matemática: teoria e prática. 1. ed. São Paulo: Ática, 2009.) foi um fator e uma preocupação transversal a todo o estudo. Neste, destaca- se o papel da criatividade matemática, uma vez que foi a partir das contribuições dos alunos, das suas interpretações e escolhas metodológicas perante determinado enunciado que as tarefas foram desenvolvidas ( CLEMENTS et al., 2020 CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020.; KOZLOWSKI; SI, 2019KOZLOWSKI, Joseph; SI, Shouqing. Mathematical creativity: a vehicle to foster equity. Thinking Skills and Creativity, Amsterdam, v. 33, p. 1-8, 2019.; POUND; LEE, 2011POUND, Linda; LEE, Trisha. Teaching mathematics creatively. New York: Routledge, 2011.). Isso levou a que, não raras vezes, as resoluções tomassem um sentido diferente daquele que se antecipou. No entanto, é deste fato que surge a riqueza deste estudo, bem como a valorização das aprendizagens elaboradas pelos alunos, que foram decisores ativos na evolução do seu conhecimento.

Através da idealização de tarefas que favoreceram o aparecimento de novas estratégias, tal como defendido por Boavida et al.(2008) BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008. e Clements et al.(2020) CLEMENTS, Douglas et al. Crystal. Strategy diversity in early mathematics classrooms. Contemporary Educational Psychology, Amsterdam, v. 60, n. 4, p. 1-12, 2020., compreendeu-se que a conceitualização e descoberta delas guiada pelos alunos, num meio propício, é um fator promotor de novas aprendizagens matemáticas. Para tal, foi fulcral adotar uma abordagem personalizada ao contexto de aprendizagem e afastar uma visão de ensino prescrito e descontextualizado de estratégias (POUND; LEE, 2011)POUND, Linda; LEE, Trisha. Teaching mathematics creatively. New York: Routledge, 2011..

Enfatiza-se também o papel da comunicação matemática no processo de resolução de problemas (MAMEDE, 2009)MAMEDE, Ema. Matemática: tarefas para o novo programa – 1.º ciclo. Braga: Associação para a Educação Matemática Elementar, 2009.. Desde cedo, foi intenção deste estudo conseguir aliar, nas diferentes atividades, a resolução de problemas com o raciocínio matemático e a comunicação matemática. Por meio da promoção de debates e discussões, bem como de explicações orais dos raciocínios, potenciou-se o desenvolvimento desse tipo de competências, fundamentais para uma acepção completa do ensino da Matemática, em geral, e da resolução de problemas, em particular.

Este estudo pretende destacar a relevância das práticas de resolução de problemas, e da subjacente criatividade matemática, numa fase inicial da escolarização formal. Neste período, a aprendizagem matemática é frequentemente negligenciada, uma vez que a atenção dos professores está focalizada para a aprendizagem da leitura e da escrita. No entanto, é possível desenvolver, em paralelo, competências na resolução de problemas e a aprendizagem da leitura e da escrita. Desde que adotada uma prática personalizada à faixa etária dos alunos (O’CONNELL, 2007)O’CONNELL, Susan. Introduction to problem solving: grades preK-2. Portsmouth: Heinemann, 2007., é crucial promover desde cedo o desenvolvimento de práticas matemáticas envolventes e desafiantes.

No que concerne às dificuldades que foram identificadas transversalmente ao longo do estudo, é relevante destacar algumas indecisões apresentadas ao nível das competências de planejamento, organização e simplificação, tal como preconizado por O’Connell (2007)O’CONNELL, Susan. Introduction to problem solving: grades preK-2. Portsmouth: Heinemann, 2007., resultantes da baixa faixa etária dos alunos. Por outro lado, no que concerne à interpretação de enunciados, essas também assumem relevância, uma vez que a compreensão da situação inicial é um ponto fulcral para a construção de um plano de resolução. Dificuldades dessa natureza foram também identificadas por Costa e Fonseca (2009)COSTA, Anabela; FONSECA, Lina. Os números na interface da língua portuguesa e da matemática. In: ENCONTRO DE INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 19., 2009, Vila Real. Actas… Vila Real: Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática. 2009. p. 9-19. em um estudo com alunos do 4º ano, direcionado para a temática da interpretação de enunciados matemáticos, no âmbito da resolução de problemas, tendo-se notado uma evolução positiva, no decorrer do estudo.

Por outro lado, foi possível reconhecer alguma inexperiência na resolução das operações aritméticas. Esse fato já era esperado, uma vez que o contato com a Matemática de um modo formal ainda era muito precoce, o que se refletiu no desenvolvimento da resolução de problemas. Por outro lado, o contato prévio com uma grande diversidade de problemas também permite uma resolução mais experiente e eficiente (BOAVIDA et al., 2008) BOAVIDA, Ana Maria et al. A experiência matemática no ensino básico: programa de formação contínua em matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos do ensino básico. Lisboa: Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, 2008., fator em que também se verificavam algumas lacunas. Mais uma vez, sendo esse fator expectável, visto se encontrarem numa fase inicial do seu percurso escolar, destaca-se que foram identificadas situações, ao longo do estudo, em que os alunos já demostravam essa competência com tarefas desenvolvidas anteriormente no mesmo.

Em suma, e de um modo geral, sugere-se que o contato sistemático e intencional com tarefas de resolução de problemas, mesmo em faixas etárias baixas, promove o desenvolvimento de novas competências no que concerne à resolução de problemas. Aliando um esforço consciente do professor pela promoção da criatividade matemática, é possível contribuir para que os alunos obtenham um maior sucesso e despertem o gosto pela Matemática.

Agradecimentos: Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito da Bolsa de Doutoramento 2021.05895.BD.

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    Agradecimentos: Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito da Bolsa de Doutoramento 2021.05895.BD.

Editado por

Editora responsável: Mônica Caldas
Paulo Mirandaé membro do Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) e estudante de doutoramento em Ciências da Educação, na especialidade de Educação Matemática, no Instituto de Educação da Universidade do Minho, Portugal. É licenciado em educação básica e mestre em ensino do 1.º ciclo do ensino básico e de matemática e ciências naturais no 2.º ciclo do ensino básico, pela Universidade do Minho.
Ema Mamede(Bach, MPhil, PhD) é investigadora do Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) e professora auxiliar do Instituto de Educação da Universidade do Minho, Portugal. Leciona matemática e didática de matemática nos cursos de formação de professores do ensino fundamental e de educação pré-escolar, desde 1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2021
  • Revisado
    02 Ago 2021
  • Aceito
    16 Set 2021
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