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A APRESENTAÇÃO DE CONCEITOS EM UM LIVRO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA INFANTIL: O CASO ISAAC NO MUNDO DAS PARTÍCULAS

LA PRESENTACIÓN DE CONCEPTOS EN UN LIBRO DE DIVULGACIÓN CIENTÍFICA INFANTIL: EL CASO DE “ISAAC NO MUNDO DAS PARTÍCULAS”

RESUMO:

Este trabalho objetiva analisar as ideias e conceitos científicos presentes na obra de divulgação científica voltada para o público infantil “Isaac no Mundo das Partículas”, escrita por Elika Takimoto. Partimos das contribuições da psicologia histórico-cultural sobre os conceitos potenciais, espontâneos e científicos, buscando compreender as relações e formas de significação das ideias científicas apresentadas pela obra. Foram selecionados e analisados trechos do livro no qual conceitos científicos ou ideias-chave estavam presentes. A palavra foi considerada a unidade de análise e os resultados indicaram que o livro mobiliza diversas significações e estruturações lógico-abstratas (conceituais) para formalizar elaborações mais complexas e conceitos científicos. A análise dos conceitos: átomo, partícula e vácuo, indicou estratégias para a produção de sentido, que contemplaram a: contextualização, curiosidade, disputas argumentativas, uso de conceitos espontâneos, uso da história da ciência etc.

Palavras-chave:
Divulgação Científica; Literatura Infantil; Conceitos Científicos

RESUMEN:

Este trabajo tuvo como objetivo analizar las ideas y conceptos científicos presentados en el libro de divulgación científica dirigido al público infantil Isaac no Mundo das Partículas, escrito por Elika Takimoto. Partimos de las aportaciones de la psicología histórico-cultural sobre los conceptos potenciales, espontáneos y científicos, buscando comprender las relaciones y formas de significado de las ideas científicas presentadas en la obra. Se seleccionaron y analizaron extractos del libro en los que había conceptos científicos o ideas clave. Se consideró la palabra como la unidad de análisis. Los resultados indicaron que el libro moviliza varios significados y estructuras lógico-abstractas (conceptuales) para formalizar elaboraciones más complejas y conceptos científicos. El análisis de los conceptos: átomo, partícula y vacío indicó estrategias para la producción de significado, que contemplaron: la contextualización, la curiosidad, las disputas argumentativas, el uso de conceptos espontáneos, de la historia de la ciencia, etc.

Palabras clave:
Divulgación científica; Literatura infantil; Conceptos científicos

ABSTRACT:

This work aims to analyze the scientific ideas and concepts present in the science communication book aimed at the child’s public “Isaac in the World of Particles”, written by Elika Takimoto. We start from the contributions of historical-cultural psychology on the potential, spontaneous and scientific concepts, seeking to understand the relations and forms of meaning of the scientific ideas presented by the work. Excerpts from the book in which scientific concepts or key ideas were present were selected and analyzed. The unit of analysis was the word. The results indicated that the book mobilizes several meanings and logical-abstract (conceptual) structures to formalize complex elaborations and scientific concepts. The analysis of the concepts: atom, particle and vacuum, indicated strategies for the meaning production, which contemplated: argumentative disputes, contextualization, curiosity, history of science, spontaneous concepts etc.

Keywords:
Science communication; Children’s literature; Scientific concepts

INTRODUÇÃO

A Divulgação Científica (DC) é uma atividade humana historicamente consolidada, que ganhou novas proporções com a comunicação em massa. De acordo com H. Silva (2006Silva, S. S. Narrativa literária e ciência. Ciência & Ensino, v. l, n. 1, p. 3-8, 2006., p. 54), no século XVIII, “anfiteatros europeus enchiam-se de um público ávido por conhecer novas máquinas e demonstrações de fenômenos pneumáticos, elétricos e mecânicos”. Para além das mostras e escritas científicas, como os eventos, artigos e periódicos, é sabida a existência de livros escritos por cientistas para um público considerado não especializado ou leigo, nessa mesma época (Silva, 2006Silva, S. S. Narrativa literária e ciência. Ciência & Ensino, v. l, n. 1, p. 3-8, 2006.).

Entender que a DC tem como referência um público não especializado não significa entender que as comunicações desse tipo sejam amplas e direcionadas para a população de forma inespecífica. A literatura especializada considera há anos que as produções de DC são direcionadas para determinados públicos, que variam conforme a faixa etária, classe social, hábitos de consumo etc. (Grillo, 2006Grillo, S. V. C. (2006). A divulgação científica na esfera midiática. Revista Intercâmbio, (15).). Apesar disso, a DC nem sempre está restrita a um pequeno ambiente de veiculação e circulação, fato que promove a ampliação do perfil idealizado pelo divulgador (Lima & Giordan, 2017Lima, G. S. &; Giordan, M. (2017) Características do discurso de divulgação científica: implicações da dialogia em uma interação assíncrona. Investigações em Ensino de Ciências, 22(2), 83-95.)

Reis (1982Reis, J. (1982) Professor José Reis: um divulgador da ciência. Ciência Hoje, 1(1), 77-78.) esclarece que a DC é mais do que a simplificação ou tradução dos conhecimentos científicos para um público leigo. Para ele, a DC passou a “refletir também a intensidade dos problemas sociais implícitos nessa atividade” (p. 77). Lima e Giordan (2021Lima, G. S. &; Giordan, M. (2021). Da reformulação discursiva a uma práxis da cultura científica: reflexões sobre a divulgação científica. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 28, 375-392.) acentua a crítica da interpretação da DC como reelaboração discursiva e corrobora com os posicionamentos de Grillo (2006Grillo, S. V. C. (2006). A divulgação científica na esfera midiática. Revista Intercâmbio, (15).), evidenciando que a ela não é produzida somente pela esfera científica. A DC é o produto de uma atividade inscrita na interface de diferentes esferas de criação ideológicas, cujas atividades realizadas disputam motivos, propósitos, regras, agentes, ferramentas culturais, dentre outros elementos (Lima & Giordan, 2021Lima, G. S. &; Giordan, M. (2021). Da reformulação discursiva a uma práxis da cultura científica: reflexões sobre a divulgação científica. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 28, 375-392.).

Segundo Lima e Giordan (2021Lima, G. S. &; Giordan, M. (2021). Da reformulação discursiva a uma práxis da cultura científica: reflexões sobre a divulgação científica. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 28, 375-392.), a prática de divulgar ciência não deve ser entendida somente como um processo comunicativo que tem como objetivo transmitir informações ou mensagens a sujeitos que não têm acesso a elas. A prática de divulgar ciência deve ser vista como uma série de atividades, entendidas como objetivação da práxis, desenvolvidas nas interações que ocorrem entre as esferas de criação ideológicas.

A DC pode ser produzida de diversas formas, seja por meio de textos, áudios, vídeos, montagem de ambientes, etc. Neste trabalho, destacamos as produções textuais que têm como objetivo realizar atividades de DC, mais especificamente as voltadas para o público infantil. Essas produções podem apresentar uma grande circulação na sociedade, como a Revista Ciência Hoje das Crianças, a revista Recreio e a revista Mundo Estranho, além de tantos outros livros, blogs e sites destinados a esse público.

No geral, esses textos são caracterizados como produções expositivas, informativas e argumentativas, que visam, por meio da linguagem jornalística, abordar os conhecimentos atrelados aos campos da ciência e da tecnologia (Rosa & Terrazzan, 2002Rosa, D. & Terrazzan, E. (2002). O uso de Textos de Divulgação Científica para Ensinar Ciências nas Séries Iniciais e a Produção Textual das Crianças. In: IV Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, Florianópolis, SC: Na Contracorrente da Universidade Operacional.). Porém, podemos encontrar também textos literários que realizam esse tipo de atividade. Lima, Ramos e Piassi (2020Lima, G. S., Ramos, J. E. F. & Piassi, L. P. C. (2020). Ciência, poesia, filosofia: Diálogos críticos da teoria à sala de aula. Educação em revista (online), v. 36, 1-20.) salientam que há um certo consenso na instauração de um discurso didático nos textos de DC para crianças.

Outra característica da DC produzida para o público infantil é a materialização de conceitos abstratos, que se constitui em uma estratégia adotada para abordar conteúdos científicos. A imagem, a comparação, a alegoria e a metáfora podem ser ferramentas para a aproximação entre aquilo que a criança sabe e os conceitos científicos abordados pela DC (Ramos, 2014Ramos, R. (2014). Construção dos objetos de discurso em artigos mediáticos de divulgação científica para crianças. Redis: revista de estudos do discurso, 3, 156-182.).

Pesquisas realizadas com público infantojuvenil evidenciam que essa parcela da população apresenta uma grande capacidade de interagir com os temas da cultura científica (Massarani, 2007Massarani, L. (Org.). (2007). Ciência & Criança: A divulgação científica para o público infanto-juvenil (1ª ed.). Rio de Janeiro: Museu da Vida.; Bueno, 2012Bueno, C. C. (2012). Imagem de criança, ciência e cientista na divulgação científica para o público infantil (dissertação de mestrado) - Instituto de Estudos da Linguagem - Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, Brasil.). Acrescentamos que parte significativa da DC produzida para esse público possui erros conceituais, conteúdos científicos de baixa qualidade ou apresentados de forma inadequada (Massarani, 2005; Oliveira, 2015Oliveira, M. P. (2015) Divulgação Científica para o público infantil: um instrumento de inclusão social e fortalecimento da cultura científica. In: Encontro Nacional De Pesquisa Em Educação Em Ciências. 2015, Águas de Lindóia. Anais do X ENPEC. Águas de Lindóia: ABRAPEC, 2-8.; Vieira Junior & Almeida, 2021Vieira Júnior, J. J.; Almeida, S. A. (2021). A Teoria Da Evolução Em Quadrinhos: Uma Análise Da Revista Saiba Mais Sobre Charles Darwin. Investigações Em Ensino De Ciências (Online), 26, 324-342.).

Quando discutimos a DC para o público infantil, é pertinente destacar que os textos não podem ser classificados como um gênero discursivo próprio ou único. Mesmo com a especificação do público, a DC é produzida por meio de diversos gêneros discursivos (Grillo, 2006Grillo, S. V. C. (2006). A divulgação científica na esfera midiática. Revista Intercâmbio, (15).; Lima & Giordan, 2021Lima, G. S. &; Giordan, M. (2021). Da reformulação discursiva a uma práxis da cultura científica: reflexões sobre a divulgação científica. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 28, 375-392.). É possível encontrar notícias, cartas ao leitor, entrevistas, poesias, quadrinhos e tantos outros gêneros discursivos que sustentam a produção da DC.

Destacamos os livros literários, como uma forma particularmente interessante para estudar a DC para crianças, especialmente porque mobilizam elementos lúdicos de forma explícita, o que nos parece relevante para atingir esse público.

Ainda que o estudo sobre a DC e sua interface com a literatura não seja tão frequente no campo, pesquisadores têm ressaltado que as relações entre Ciência e Arte são benéficas tanto para a educação quanto para a divulgação científica. Drigo Filho e Babini (2016Drigo Filho, E; Babini, M. (2016) A gênese do Inferno e do Purgatório na Divina Comédia de Dante: uma ponte possível entre física e literatura. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 33(3), p. 1047,) destacam como a obra A divina comédia, de Dante Alighieri pode contribuir com a motivação dos alunos, a introdução dos conceitos físicos, a construção de modelos em Física e em aspectos mais gerais, como a discussão e comparação entre as visões de mundo contemporânea e medieval.

Para Ferreira e Raboni (2013Ferreira, L. M. (2013). Atomismo: um resgate histórico para o ensino de química. (dissertação de mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.), as obras literárias que abordam a Ciência e a Tecnologia podem representar o primeiro contato do leitor com a variada gama de conceitos e ideias científicas. Além disso, Scalfi e Micaldas (2014Scalfi, G. A. M. & Micaldas, A. (2014) A arte de contar histórias como estratégia de divulgação da ciência para o público infantil. Educação, Ciência e Cultura, 19(1), p. 107-121.) apontam que o uso da contação de histórias para comunicar a ciência para crianças pode impulsionar e causar estímulos que as aproximem dos conhecimentos científicos e outros aspectos da cultura científica e tecnológica.

Em acréscimo, Lima e Ricardo (2019Lima, L. G. & Ricardo, E. C. (2019). O Ensino da Mecânica Quântica no nível médio por meio da abstração científica presente na interface Física-Literatura. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 36(1), 8-54.) consideram a interface entre ciência e literatura como uma ferramenta extremamente relevante para o ensino, pois possibilita que o leitor tenha contato com conceitos matemáticos e científicos descritos por palavras pertencentes à língua materna dos alunos, além de signos proporcionados pelas analogias, possibilitando uma “melhor compreensão e transformação de um sistema semiótico em outro mais abstrato” (p. 39).

Não podemos deixar de mencionar as contribuições de Zanetic (2006), um dos pioneiros brasileiros da aproximação entre ciência e literatura, que defendeu a potencialidade da aproximação entre esses campos, seja pelas produções literárias que usufruem da temática científica e tecnológica ou mesmo das produções científicas com influências literárias, tal como os escritos de Galileu Galilei.

Galvão (2006Galvão, C. (2006). Ciência na literatura e literatura na Ciência. Interacções, 3(1), 32-55., p. 36) ressalta que ciência e literatura, “apesar de terem linguagens específicas e métodos próprios, ganham quando postas em interação e ganha a humanidade quando se apercebe das diferentes leituras que as duas abordagens lhe permitem fazer”. Ferreira e Raboni (2013Ferreira, L. M. (2013). Atomismo: um resgate histórico para o ensino de química. (dissertação de mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.), ao analisarem o livro “Vinte mil léguas submarinas”, de Júlio Verne, evidenciam o seu potencial para divulgação científica e uso em situações formais de ensino, pois o autor aborda de forma intencional e contextualizada conceitos científicos.

Almeida, Massarani e Moreira (2016Almeida, C., Massarani, L. & Moreira, I. C. (2016). Representações da ciência e da tecnologia na literatura de cordel. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso [online]. 11(3), 5-25. https://doi.org/10.1590/2176-457324278.
https://doi.org/10.1590/2176-457324278...
, p. 22) também trazem contribuições relevantes ao evidenciarem a “convergência da ciência e do cordel para maior aproximação entre as culturas popular e científica”. Lima, Ramos e Piassi (2020Lima, G. S., Ramos, J. E. F. & Piassi, L. P. C. (2020). Ciência, poesia, filosofia: Diálogos críticos da teoria à sala de aula. Educação em revista (online), v. 36, 1-20.) também mostram a potencialidade da aproximação entre ciência e literatura, principalmente partindo de perspectivas que ajudam a compreender as interfaces e que tecem críticas à dicotomização entre esses campos, uma vez que essas áreas podem contribuir para uma compreensão complementar e corroborar com o ensino de ciências.

Dentre as contribuições de Lima, Ramos e Piassi (2020Lima, G. S., Ramos, J. E. F. & Piassi, L. P. C. (2020). Ciência, poesia, filosofia: Diálogos críticos da teoria à sala de aula. Educação em revista (online), v. 36, 1-20.), é importante destacar a necessária superação da falsa dicotomia estabelecida entre cognição e imaginação, ambas são capacidades do pensamento humano que são interligadas em um sistema funcional integrado (Martins, 2015Martins, L. M. (2015). O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados.). Deste modo, ainda que a criação e a imaginação percorram diferentes trajetórias na produção científica e artística, tanto a Ciência quanto a Arte fundamentam sua atividade na criação a partir de processos cognitivos que sustentam a criação do novo. Portanto, a imaginação, seja para a Ciência seja para a Arte, é fonte, meio e produto dessas atividades, que só podem se desenvolver através da cognição.

Essas indicações evidenciam a pertinência da aproximação entre ciência e literatura. Alocamos essas considerações para pensar especialmente quando essa aproximação ocorre na DC para crianças.

Assim, buscando estudar a DC produzida por meio de textos literários para crianças. Este trabalho teve como objetivo analisar as ideias e conceitos científicos presentes na obra de divulgação científica voltada para o público infantil “Isaac no Mundo das Partículas”, escrita por Elika Takimoto. Para tanto, tomamos como referência as contribuições da perspectiva histórico-cultural. Entendemos que compreender características da DC é essencial para entender como aprimorá-la e usá-la em situações educativas.

REFERENCIAL TEÓRICO

Para analisar a apresentação de ideias científicas em um livro de DC infantil, baseamo-nos nas contribuições da perspectiva histórico-cultural. Entendemos que o referencial teórico não foi proposto para a análise literária, contudo, a discussão acerca da formação e desenvolvimento dos Conceitos Espontâneos e Científicos contribui para uma análise profunda sobre as características dos saberes presentes em livros de DC.

É importante ressaltar que “a consciência é o reflexo da realidade refratada através do prisma das significações e dos conceitos linguísticos elaborados socialmente” (Leontiev, 2004Leontiev, A. N. (2004). O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte., p. 88), ou seja, por meio das experiências, relações e conhecimentos partilhados, de fora para dentro, o sujeito constrói sua consciência. Isso significa que o livro, como realidade material, pode se constituir como base para o reflexo consciente.

Considerando que a consciência individual só pode existir a partir do momento em que existe a vida social, as significações podem ser entendidas como a ponte entre o interno e o externo ao sujeito. As significações são produções sociais que têm o papel de mediar as relações entre os sujeitos e o mundo, elas são passíveis de serem internalizadas pela consciência e são capazes de orientar o comportamento humano. Asbahr (2014Asbahr, F. S. F. (2014). Sentido pessoal, significado social e atividade de estudo: uma revisão teórica. Psicologia Escolar e Educacional, 18(2), 265-272., p. 268) ressalta que as significações “são o reflexo da realidade elaborada historicamente pela humanidade sob a forma de conceitos, saberes ou modos de ação, independentemente da relação individual que os homens estabeleçam com ela”.

No atual nível de desenvolvimento da sociedade, o processo de significação se mostra independente da relação individual que os sujeitos estabelecem com os reflexos singulares da realidade. O sistema de significação vigente existe antes mesmo do nascimento do sujeito, cabendo a ele se apropriar e transformar essas significações.

Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.) esclarece que tanto as funções psicológicas superiores quanto as significações que compõem a consciência humana são produtos sociais. Elas são constituídas primeiramente no nível interpessoal para depois se constituírem no plano intrapessoal. Essa consideração é fundamental e nos habilita a usar as ferramentas da perspectiva histórico-cultural para compreender processos que não estão contidos na consciência humana.

Baseado no materialismo histórico e dialético, Vigotski considera que o conhecimento é um reflexo da realidade objetiva, porém interpretar esse processo como uma simples passagem do externo para o interno é equivocado. Cheptulin (1982Cheptulin, A. (1982). A dialética materialista. Categorias e leis da dialética. Editora ALFA-OMEGA. São Paulo., p. 57) esclarece que: “o conhecimento começa precisamente com a prática, que funciona e se desenvolve com base na prática e se realiza pela prática. É precisamente com base na prática que se formam as categorias nas quais são refletidas e são fixadas as ligações e as formas universais do ser”. O processo de produção do conhecimento remete a uma transformação estrutural que ocorre na relação do ser humano com o mundo e que pode implicar um salto qualitativo do psiquismo humano em relação à psicologia do animal (Asbahr, 2011Asbahr, F. S. F. (2014). Sentido pessoal, significado social e atividade de estudo: uma revisão teórica. Psicologia Escolar e Educacional, 18(2), 265-272.). Assim, o ser humano produz uma imagem subjetiva do mundo objetivo, que é determinada, essencialmente, pelo trabalho (Martins, 2015Martins, L. M. (2015). O desenvolvimento do psiquismo e a educação escolar: contribuições à luz da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica. Campinas: Autores Associados.).

Cheptulin evidencia também que:

Desenvolvendo-se com base na prática, o conhecimento representa um processo histórico, no decorrer do qual o homem penetra cada vez mais profundamente no mundo dos fenômenos. Nesse processo, as categorias aparecem em uma ordem determinada, cada uma delas em um estágio rigorosamente determinado do desenvolvimento do conhecimento. Fixando os aspectos e as ligações universais colocadas em evidência pelo conhecimento em um estágio dado do desenvolvimento, as categorias refletem as particularidades desse estágio e são, de certa maneira, graus e pontos de apoio para a elevação do homem acima da natureza, para o conhecimento desta (Cheptulin,1982Cheptulin, A. (1982). A dialética materialista. Categorias e leis da dialética. Editora ALFA-OMEGA. São Paulo., p. 57).

A partir dessas considerações, podemos entender que as proposições de Vigotski sobre Conceitos Potenciais, Conceitos Espontâneos e Conceitos Científicos são categorias que não estão restritas ao estudo da consciência, uma vez que elas expressam características objetivas do fenômeno. Assim, entendemos como pertinente o uso desse aporte teórico no contexto desta pesquisa.

A seguir expomos considerações acerca dos principais conceitos da perspectiva histórico-cultural que foram usados na análise dos dados. Nesse sentido, cabe destacar em especial a relação entre pensamento e palavra, uma vez que os conceitos são expressões que articulam ambos de forma indissolúvel. Para Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.), a palavra (conceito) articula intrinsecamente pensamento e linguagem, fato que implica reconhecer que toda palavra é uma generalização.

Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.) ressalta que os significados e sentidos se desenvolvem historicamente no psiquismo humano. Quando uma criança aprende uma palavra, em seu início, ela é uma generalização que remete a noções básicas. À medida que a criança se desenvolve, essa generalização é desenvolvida em graus cada vez mais elevados, até atingir o ápice do processo na formação dos conceitos científicos.

Para compreender o processo de significação, generalização e transformações dos significados das palavras, Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.) reconheceu as seguintes categorias: Pensamento Sincrético, Pensamento Por Complexos, Conceitos Potenciais, Conceitos Espontâneos e Conceitos Científicos. Para este trabalho, concentramo-nos nos conceitos, pois esses expressam formulações mais estáveis e mais precisas do que o pensamento sincrético e o pensamento por complexos.

As formas de produção intelectual mais elementares (pensamento sincrético e pensamento por complexos) dificilmente são estruturas basilares em formulações escritas, pois a escrita exige elevado grau de abstração e estruturação hierárquica de ideias. Por isso, para o estudo da apresentação de conceitos em um livro de divulgação científica, entendemos ser mais pertinente e frutífero a consideração das formulações conceituais.

Em acréscimo, vale destacar que o pensamento sincrético é compreendido como uma formulação de significados sem base concreta, fundamentada predominantemente na produção de uma imagem indiferenciada, gerada a partir da percepção (subjetiva) infantil (VIGOTSKI, 2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.). Em seu turno, o pensamento por complexo sintetiza uma formulação de significados com base em aspectos concretos, relacionados a partir dos elementos aparentes e não essenciais - a estrutura do pensamento por complexos não está baseada no estabelecimento de relações abstratas e lógicas, mas, sobretudo, em vínculos concretos, factuais e fortuitos criados pela criança (Vigotski, 2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.). Tal condição nos indica a falta de estabilidade das significações e imagens subjetivas criadas por meio do pensamento sincrético e por complexos.

Com base nessas considerações, entendemos que são mais pertinentes os estudos da apresentação dos conceitos no livro, pois, ainda que possam existir formulações similares ao pensamento sincrético e ao pensamento por complexos, as análises dificilmente seriam produtivas, visto que essas formulações de significados são instáveis.

Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes., p. 246) entende que os conceitos são mais que uma soma de certos vínculos associativos formados pela memória, isso é, são mais do que um hábito mental. Eles são “um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de simples memorização, só podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já houver atingido o seu nível mais elevado”.

Segundo Vigotski, os Conceitos Potenciais constituem-se por significados concretos e funcionais, que se encontram na origem da abstração.

[...] eles desempenham um papel muito importante na evolução dos conceitos infantis. Esse papel consiste em que, pela primeira vez, abstraindo determinados atributos, a criança destrói a situação concreta, o vínculo concreto dos atributos e, assim, cria a premissa indispensável para uma nova combinação desses atributos em uma nova base. Só o domínio do processo da abstração, acompanhado do desenvolvimento do pensamento por complexos, pode levar a criança a formar conceitos de verdade (Vigotski, 2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes., p. 226).

É possível observar que o atributo utilizado para agrupar os objetos no Conceito Potencial apresenta um destaque em comparação com demais. Esse único atributo, tido como privilegiado, serve de base para a inclusão desse objeto em um agrupamento pautado nas impressões semelhantes que a criança tem do objeto, assim auxiliando na “construção da generalização de vários objetos nomeados ou representados por uma mesma palavra” (Vigotski, 2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes., p.225).

Os Conceitos Espontâneos, por sua vez, são formados a partir das experiências pessoais e cotidianas da criança. Esses conceitos têm como base a percepção e a funcionalidade (Vigotski, 2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.). Almeida, Lima e Pereira (2019Lima, L. G. & Ricardo, E. C. (2019). O Ensino da Mecânica Quântica no nível médio por meio da abstração científica presente na interface Física-Literatura. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 36(1), 8-54.) esclarecem que os conceitos espontâneos expressam uma reflexão assistemática1 1 Por reflexão assistemática entendemos que a formulação conceitual não é realizada por meio do estabelecimento de relações entre outros conceitos, fato que formaria um sistema conceitual. Essa expressão não deve ser interpretada no sentido de menosprezar a elaboração intelectual e criativa presentes na formulação desses conceitos. do sujeito, eles estão baseados nas experiências vivenciadas e são internalizados desorganizadamente no início de sua formulação.

Nesse sentido, o Conceito Espontâneo ainda não pode ser considerado como um conceito conscientizado, pois “a atenção nele contida está sempre orientada para o objeto nele representado e não para o próprio ato de pensamento que o abrange” (Vigotski, 2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes., p. 290). Para que essa conscientização ocorra, é necessária a existência de um sistema conceitual fundamentado em relações recíprocas de generalidade que proporcionam o uso arbitrários dos conceitos.

Em seu turno, a formação do Conceito Científico tem início nas atividades estruturadas do processo de ensino. A sua formação ocorre a partir de procedimentos analíticos, não pela relação com a esfera intuitiva e com a percepção imediata dos fenômenos. Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.) esclarece que os conceitos científicos possuem relações mediadas com algum outro conceito desde o seu princípio. Porém, “a apreensão de um sistema de conhecimentos científicos pressupõe um tecido conceitual já amplamente elaborado e desenvolvido por meio da atividade espontânea do pensamento infantil” (Vigotski, 2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes., p. 269).

Almeida, Lima e Pereira (2019Lima, L. G. & Ricardo, E. C. (2019). O Ensino da Mecânica Quântica no nível médio por meio da abstração científica presente na interface Física-Literatura. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 36(1), 8-54.) esclarecem que o conceito científico é formulado por meio de relações hierárquicas que se baseiam em relações lógico-abstratas. Dias (2014Dias, M. S. L. (2014). A formação dos conceitos em Vigotski: replicando um experimento. Psicologia Escolar e Educacional, 18(3), 493-500., p. 497) ressalta que “nos conceitos científicos ocorre uma organização mais consistente e sistemática, sendo esses conceitos mediados por outros conceitos”, de modo que essas relações exigem a articulação de diversas funções psicológicas superiores.

Em síntese, Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.) esclarece que o conceito científico é determinado por um vasto sistema de interações de uns conceitos com outros. Considerando que o conceito científico é uma expressão humana baseada em relações lógico-abstratas e que contribui para a produção da imagem subjetiva da realidade objetiva, os conceitos científicos são instrumentos mediadores entre o ser humano e o mundo, portanto são capazes de orientar a conduta humana.

Ao explicar as diferentes formulações conceituais, Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.) evidencia que essas formulações são dinâmicas e capazes de influenciar umas às outras. Ao considerar que um conceito só pode ser formulado a partir de um tecido conceitual existente, Vigotski aponta que os Conceitos Espontâneos são base para o desenvolvimento dos Conceitos Científicos, especialmente no início de sua etapa de formulação e desenvolvimento: “o desenvolvimento do Conceito Espontâneo da criança deve atingir um determinado nível para que a criança possa aprender o Conceito Científico e tomar consciência dele” (Vigotski, 2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes., p. 349).

Uma das diferenças fundamentais do desenvolvimento dos Conceitos Espontâneos e Científicos é que, enquanto os primeiros se desenvolvem partindo da experiência, da percepção, os Conceitos Científicos se desenvolvem a partir da abstração no sentido de apreender a realidade concreta.

Ainda que Vigotski tenha tecido contribuições relevantes para o compreender desenvolvimento dos conceitos, não temos clareza da validade da incorporação dessas considerações na análise do livro. Esse posicionamento é justificado à medida que consideramos que uma obra literária pode ter diversas características, como a estruturação monológica ou polifônica. Considerando isso, nos parece que é essencial estudos mais profundos para o uso mais amplo das considerações da psicologia histórico-cultural. Por hora, está clara a pertinência e validade das categorias sobre a formas do pensamento (sincrético, por complexos e conceituais).

Visto que as categorias a serem utilizadas nas análises foram explicitadas, lidamos a seguir com questões metodológicas, uma breve apresentação da obra e, logo após, o desenvolvimento das análises.

METODOLOGIA

Para analisar a apresentação de conceitos em um livro de Divulgação Científica infantil, selecionamos a obra “Isaac no Mundo das Partículas”, escrita por Elika Takimoto. Selecionamos esse livro por abordar uma temática pouco estudada na infância e pela escassez de livros de DC que tratem de física de partículas. Esse mundo invisível não constitui um tema recorrente e familiar ao cotidiano das crianças, por isso as ideias que elas formam acerca das partículas podem ser muito diversificadas.

Os procedimentos analíticos contaram com duas leituras para o reconhecimento da obra, realizada pelo primeiro autor do texto. Em seguida, foram realizadas outras duas leituras minuciosas para a seleção e o destaque de palavras-chave e ideias-chave (quando não há utilização da terminologia do conceito, mas a significação é expressa na narrativa) que correspondiam ao campo da Física. Para a seleção das palavras e ideias-chave, elaboramos dois critérios. O primeiro é a terminologia, isso é, se a palavra usada no livro é equivalente a um termo que representa um conceito científico no campo da Física. O segundo critério foi a análise do conteúdo, buscando observar se o enunciado apresenta significados que fazem referência a algum conceito científico. Para exemplificar, apresentamos dois trechos que contêm a palavra-chave e a ideia-chave. O primeiro apresenta várias palavras-chave que equivalem a conceitos científicos:

- Pelo que ouço aqui os átomos existem sim, aos montes. Mas eles são compostos de blocos de construção, ou melhor, eles têm uma estrutura. São formados de um minúsculo núcleo denso, onde temos o que chamamos de prótons e nêutrons. Mas, além disso, eles também têm algo que podemos considerar tipo uma nuvem, que fica em volta deles, e que é formada do que chamam de elétrons (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 44, grifo nosso)

No trecho acima, destacamos as palavras átomos, estrutura (atômica), núcleo (atômico), prótons, nêutrons, nuvem (eletrônica) e elétrons, que fazem referências a conceitos científicos, ainda que haja pequenas supressões, afinal seria ‘estrutura atômica’, núcleo atômico e ‘nuvem eletrônica’ (ou eletrosfera).

O segundo trecho apresenta uma ideia-chave relativa aos tipos de colisão:

[...]

- Bom, agora estamos em um lugar seguro - observou bóson em um canto cheio de gente como ele. - o que vocês queriam saber mesmo? Ah, sim! Lembrei! Vocês queriam saber o porquê colocam minhas amigas partículas para baterem de frente umas com as outras. Pra que vocês entendam, me respondam: o que ocorre quando dois objetos se chocam um com o outro?

- Essa é fácil - começou Argo. - Elas podem bater e voltar, como as bolas de gude, ou se deformar e ficar grudados, como duas bolinhas de massinha de modelar.

- Ou se espatifar, se forem dois copos de vidro, né? - completou Isaac. (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 40, grifo nosso).

O fragmento em destaque expressa ideias relativas aos conceitos de colisão de acordo com a mecânica clássica, que podem ser classificadas como colisões elásticas, inelásticas ou perfeitamente inelásticas. Evidentemente, a terminologia conceitual não é usada por Bóson nem por Isaac, contudo, o conteúdo expresso pelo enunciado em negrito faz referência aos tipos de colisões mecânicas. Há, inclusive, a significação de uma colisão perfeitamente inelástica que é compreendida quando, após o choque, os dois corpos que colidiram realizam o movimento com a mesma velocidade (quando ‘ficam grudados’).

Em seguida, selecionamos os fragmentos/enunciados que estabeleciam o início (parcial) e a finalização (parcial), nos quais as palavras ou a ideia-chave estavam e analisamos os enunciados buscando identificar e compreender as características e as relações conceituais entre as palavras-chave e as ideias científicas presentes no texto.

A análise desses fragmentos se baseou no método de análise por unidades, proposto por Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.). Romanelli (2013, p. 206) esclarece que esse método “permitiria investigar o denominador comum existente entre funções sistêmicas diretamente inter-relacionadas. No caso do pensamento e da linguagem, o autor identificou o significado da palavra como a unidade básica, o fator comum a essas duas instâncias”. Para essa investigação, usamos a palavra como unidade de análise, entendendo que, para o estudo da apresentação dos conceitos, a significação e a terminologia têm uma relação essencial e indissolúvel. Por isso, era necessário ir além do significado da palavra para contemplar a totalidade do conceito, que é composto pela significação e pela imagem (conjunção sonora ou visual).

Vale ressaltar que a análise se baseou nas significações das palavras presentes no texto de forma a entender suas características e possíveis relações de codeterminação entre elas. Assim, a significação conceitual consolidada pelo conhecimento científico não foi o elemento determinante para análise, mas sim as relações de significação estabelecidas nos fragmentos selecionados.

Tal escolha metodológica não deve ser interpretada no sentido de menosprezar as significações consolidadas pelo conhecimento científico. Muito pelo contrário, afinal o motivo do desenvolvimento dessa investigação está alocado precisamente na tentativa de relacionar as significações sociais estabilizadas pela esfera científica e aquelas presentes na DC. Assim, entender as relações de significação existentes na DC é uma condição basilar para o avanço de uma investigação que problematize (1) as formulações conceituais e (2) as relações de correspondência com os conhecimentos científicos presentes na DC.

É importante ressaltar que o método de análise por unidades também é histórico, por isso, é fundamental que o desenvolvimento e a transformação das palavras sejam considerados. Adotamos também as premissas de Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.), que denotam a importância da análise do processo, buscando explicá-lo, em vez de focar no produto e na descrição.

Ressaltamos ainda que as análises foram validadas por pares à medida que todos os autores analisaram os fragmentos individualmente, contrastaram os resultados e, em caso de discordância, dialogaram em busca do consenso que foi atingido em todos os casos. O consenso foi atingido quando um dos pesquisadores convenceu os demais de determinada interpretação. O fragmento 3, presente na seção de análises, foi o único em que houve maior divergência entre as interpretações iniciais dos pesquisadores, as demais foram ajustes. A seguir, realizamos uma breve descrição do livro com o objetivo de contextualizar a obra.

ISAAC NO MUNDO DAS PARTÍCULAS

O livro “Isaac no Mundo das Partículas” foi escrito por Elika Takimoto, professora do CEFET/RJ, após participar do programa Escola de Física CERN - curso oferecido pela Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) em parceria com a Sociedade Brasileira de Física (SBF) e com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Com o intuito de abordar o tema para o público infantil, a obra conta a história de Isaac, uma criança curiosa, que, a partir de uma brincadeira na praia, começa a fazer reflexões sobre as pequenas partículas de areia. Isaac leva para casa um único grão dessa areia, que, mais tarde, revela ser Argo, um personagem com características antropomórficas, isso é, características associadas às formas humanas, dentre elas a capacidade de se comunicar utilizando a linguagem, como podemos ver no trecho a seguir

- Vo... você... você fala? - perguntou Isaac muito espantado.

- Claro que falo! Posso saber onde estou? Por que me trouxe até aqui? Cadê meus irmãos? - indagava o grão meio enfurecido.

- Seus irmãos? E desde quando grão de areia tem irmãos? Vai me dizer que você tem nome também?! - respondeu Isaac, fazendo mais perguntas. (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 14)

A imaginação de Argo e de Isaac permite que eles visitem diversos lugares e momentos históricos que contribuem com a resposta à pergunta “De que as coisas são formadas?”, central da narrativa. Utilizando uma caixa de papelão em formato de um foguete espacial, Isaac e Argo partem, usando a imaginação, para a Grécia antiga (400 AEC.), a fim de conversarem com Demócrito, Leucipo e posteriormente com Aristóteles. Além da Grécia antiga, em uma de suas viagens imaginárias conduzidas por Argo, Isaac é guiado em uma visita ao CERN, onde se encontra com o Bóson de Higgs [personagem igualmente antropomórfico]. É no CERN, ao longo das conversas com Bóson [personagem], que a pergunta central da narrativa é respondida conforme o que há de mais avançado no conhecimento científico.

APRESENTAÇÃO SINTÉTICA DOS DADOS

A execução dos procedimentos analíticos nos conduziu a identificar e analisar 37 palavras ou ideias-chaves que serão apresentadas a seguir na tabela 1. Para o aprofundamento, selecionamos três delas, referentes aos conceitos de (1) Partículas, (2) Vácuo e (3) Átomos, que foram analisadas. A escolha desses conceitos tomou como critério a frequência dessas palavras ou ideias no livro, associado ao volume de explicações realizadas sobre cada uma delas, bem como sua relevância na obra.

Para a organização da análise, apresentamos a seguir a Imagem 1, que sumariza as palavras e as ideias-chave presentes no livro. Na primeira coluna, encontram-se os termos detalhados, enquanto a segunda coluna indica as páginas em que eles podem ser consultados.

Os números escritos sem realce são aparições de conceitos na história, mas desacompanhados de uma explicação. Isso acontece devido ao conceito não ser o foco da discussão que é realizada no momento ou ser utilizado como suporte para outros conceitos. As páginas realçadas em negrito indicam menções às palavras e ideias-chave que são acompanhadas por uma discussão e/ou aprofundamento explicativo.

Para além, estão indicados com asterisco os conceitos que são apresentados no livro, entretanto o personagem não sintetiza ou utiliza a terminologia convencional usada pelo conhecimento científico. Por exemplo, Bóson [personagem] explica a densidade superficial, sem usar o termo “densidade superficial”.

Figura 1
Tabela de Palavras e Ideias-chave presentes no livro Isaac no Mundo das Partículas2 2 Fonte: dados da pesquisa elaborada pelos próprios autores (2022)

DISCUSSÕES E ANÁLISES

A inserção de todos os personagens na história acontece por meio da imaginação de Argo. Isso pode ser notado quando a conversa com Aristóteles, aparentando ser um jovem homem adulto, acontece alguns metros de onde Leucipo e Demócrito, também jovens adultos, estavam conversando. Ressalta-se que Demócrito, Leucipo e Aristóteles não viveram na mesma época. Aristóteles (384 AEC. - 322 AEC) nasceu cerca de catorze anos antes do falecimento de Leucipo (n.d. AEC - 370 AEC) e Demócrito (460 AEC - 370 AEC), o que corrobora a argumentação de que a autora não tinha como objetivo abordar rigorosamente a história da atomística, e sim utilizar-se de recursos para estabelecer uma narrativa factível para desenvolver um trabalho de Divulgação da Ciência para crianças.

O caráter imaginativo presente na obra é tratado como um fator subjetivo fundamental tanto para a realização da obra quanto para o fazer científico. Para Silva (2006Silva, S. S. Narrativa literária e ciência. Ciência & Ensino, v. l, n. 1, p. 3-8, 2006., p. 5), “o cientista é levado a imaginar, a pressupor, por mais rigorosos que sejam seus esquemas, eles, os esquemas, atuam no desconhecido, e, às vezes, o texto científico pode incorporar essa inexatidão”.

Nessa primeira interação, o conceito de vácuo começa a ser trabalhado. Além dele, são trabalhados outros 36 conceitos físicos, a partir de palavras ou ideias-chave. Conceitos elementares, como átomos e partículas, são utilizados com frequência no começo do livro, mas, ao decorrer da narrativa, a complexidade aumenta gradativamente e conceitos mais elaborados, como Campo de Higgs e a Teoria da Relatividade, são apresentados.

Diferentemente da tabela e para uma melhor visualização do desenvolvimento dos conceitos na narrativa, os fragmentos analisados estão dispostos em ordem cronológica. A obra de Takimoto mobiliza conceitos, histórias, procedimentos e sujeitos que, de uma forma ou outra, contribuíram para o desenvolvimento do campo da Física de Partículas, e, logo no início, as primeiras palavras e ideias-chave utilizadas introduzem o conceito de Partículas.

Tudo começa com o questionamento de Isaac: “Será que existe algo no universo menor que esse pequetito grãozinho [de areia]?” (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 10). O fragmento se encontra a seguir, sendo que, para facilitar a visualização das palavras e ideias-chaves, elas foram realçadas em negrito.

Fragmento 1

  1. Levantou-se com cuidado, pressionando aquele pequeno corpo quase esférico entre os dedos. Assustou-se menos com a imensidão do mundo do que com a possibilidade de perder aquela parte tão pequena do cosmo para sempre. “Se eu soltar esta partícula de areia, nunca mais conseguirei pegá-la novamente. É verdade que Isaac poderia pegar infinitos outros grãos que estavam debaixo ou perto dos seus pés, mas não exatamente aquele em que ele fizera cosquinhas com brisa assoprada, ventania ou quiçá furacão.

  2. [...] No início, até pensou que a pequena partícula havia fugido, mas logo encontrou uma bolinha bem miúda no cantinho do mimoso recipiente. Era só olhar aquele grãozinho e já começava a pensar sobre umas coisas abelhudas.

  3. - Será que existe algo em todo Universo menor que esse pequetito grãozinho? (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 10, grifo nosso)

A palavra-chave “partícula” aparece no parágrafo 1. Essa palavra-chave está atrelada à característica relacionada ao tamanho do grão de areia em relação a elementos que o rodeiam e com o próprio Isaac. Numa tentativa de reforçar a característica relacionada ao tamanho do grão, esse sentido foi expresso seis vezes nesse trecho de três parágrafos (Parte Tão Pequena, Partícula, Pequena Partícula, Bolinha Bem Miúda, Grãozinho e Pequetito Grãozinho), entre utilizações da palavra ou de sinônimos. O uso indiscriminado desse sentido parece uma estratégia de introdução e antecipação do conceito atrelado à palavra-chave, que nesse caso produziu um Conceito Potencial devido à (1) sua vinculação ao concreto e ao (2) uso funcional.

É interessante notar que o Conceito Potencial é cercado por Conceitos Espontâneos produzidos pelas experiências e sensações de Isaac, assim a palavra partícula tem um uso funcional e sua significação se baseia na ideia de tamanho pequeno a partir de sentidos espontâneos presentes no cotidiano infantil. Por isso, a cada uso, o Conceito Potencial é cada vez mais generalizado e a formação do Conceito Científico fica mais próxima, pois qualquer ampliação no processo de generalização mobiliza novas relações de significação. Se, por um lado, essas novas significações são capazes de estabelecer relações lógico-abstratas, por outro induz a ascensão do abstrato ao concreto por meio da mobilização dos conceitos espontâneos.

Partindo das reflexões do fragmento anterior e de conversas com Argo, Isaac é guiado imaginariamente por Argo até a Grécia antiga, onde Demócrito e Leucipo conversam sobre o átomo, aquilo que acreditam ser a menor partícula constituinte da matéria:

Fragmento 2

  1. Demócrito - A natureza, Leucipo, é composta por um número ilimitado de partículas indivisíveis: os átomos. O Universo é composto por uma infinidade de átomos que se chocam e recuam em um movimento eterno, através do espaço.

  2. Leucipo - Sim, Demócrito, certamente que sim. E a grande variedade de materiais na natureza devem provir, assim, dos movimentos desses átomos, que, ao colidirem, formam conjuntos maiores, gerando diferentes corpos com características próprias.

  3. Demócrito - Justo, Leucipo. E dessa forma, cor, cheiro, gosto e tudo o mais certamente é resultado das posições e dos movimentos dos tomos, que não podem ser vistos ou tocados

  4. Embaixo da mesa Isaac não conseguiu se conter:

  5. Isaac - Argo, se os átomos não podem ser vistos, como Demócrito pode afirmar que eles existem? Se os átomos não podem ser nem tocados, e é tudo feito deles, como enxergamos o mundo? (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 19-20, grifo nosso)

No parágrafo 4, a autora utiliza a teoria atomística, que considera o átomo como a menor parte e constituinte do todo, defendida por Demócrito e Leucipo. Por um lado, essa interpretação apresenta uma importância histórica para a Ciência, pois retrata a origem dos estudos sobre os elementos que compunham o universo. Por outro, a incorporação de aspectos da história da ciência expressa uma estratégia para a composição do livro de DC. Essa articulação com a história da ciência é pertinente, como apontado por Ferreira (2013Ferreira, L. M. (2013). Atomismo: um resgate histórico para o ensino de química. (dissertação de mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.), uma vez que possibilita a compreensão e o reconhecimento do conhecimento científico como uma atividade histórica e socialmente construída.

A análise nos sugere que existe um esforço por parte da autora em criar um sistema conceitual a partir de ideias científicas que darão suporte a um aprofundamento do conceito de Partículas e, consequentemente, um caráter científico ao diálogo. A estruturação de um sistema conceitual e produção de sentidos aos conceitos científicos por meio da literatura também foi observada por Lima e Ricardo (2019Lima, L. G. & Ricardo, E. C. (2019). O Ensino da Mecânica Quântica no nível médio por meio da abstração científica presente na interface Física-Literatura. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 36(1), 8-54.), que ressaltaram que o manejo da linguagem cotidiana foi um aspecto que contribuiu para a elaboração de conceitos científicos, característica também apresentada na obra de Takimoto.

As características presentes no fragmento 2 nos permitem entender o conceito de átomos como um Conceito Científico. Essa categoria, formulada por Vigotski (2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.), remete à maneira como o conhecimento é apresentado e às relações conceituais nas quais ele é inserido. Portanto, quando indicamos que o termo átomo é apresentado como conceito científico, isso ocorre pois ele é formulado por relações recíprocas de determinação com outros conceitos.

Nesse caso, o conceito de átomo é determinado por conceitos como (1) partícula, (2) a relação, posição e movimento dos átomos constituem todas as coisas do universo inclusive suas características, (3) Vácuo, ausente nesse momento, mas que é inserido por Aristóteles (próximo fragmento) ao propor uma negação das proposições de Demócrito e Leucipo. As relações apresentadas não são vastas, mas fundamentam-se em relações lógico-abstratas.

Logo após Isaac e Argo escutarem esse diálogo, são chamados para conversar por Aristóteles. Nesse momento começam a debater sobre o que são ou poderiam ser os átomos, seu formato e como eles se comportam no espaço. A ideia-chave de vácuo também começa a ser trabalhada na narrativa a partir desse momento.

Fragmento 3

  1. Isaac - Seu Aristóteles... bem meu nome é Argo e esse é o Isaac, meu amigo. Nós viemos de muito longe para encontrar com vocês aqui. Então, seu Aristóteles, Isaac quer saber se o senhor concorda com a ideia de Leucipo e Demócrito de que todas as coisas no mundo são feitas de partículas muito pequenas chamadas de átomos.

  2. Foi quando ele disse, se virando para Isaac:

  3. - Eu não concordo com eles não. Se o que eles estão falando é verdade, qual seria a forma desses átomos? [...]

  4. - Seriam redondos tipo o Argo? - indagou Aristóteles, fazendo cosquinhas no grãozinho, que já estava rindo à toa.

  5. - Eu acho que sim, né? Ou algo parecido - respondeu Isaac pensativo.

  6. - E entre eles [átomos] haveria o quê? Digo isso porque, mesmo quando o Argo está junto de seus irmãos e de suas irmãs, há um espaço bem pequenininho entre eles, não? O que tem nesse espaço?

  7. - Ué, tem ar, né? - arriscou Argo - Se não a gente morre sem respirar.

  8. - Justamente, Argo. Mas, e entre os átomos? Se até o ar, como eles [Demócrito e Leucipo] dizem, é feito de átomos, e entre os átomos? Não haveria nada? - perguntou o homem barbudo.

  9. -É. Acho que nada. - disse Isaac, enquanto refletia.

  10. - Nada, nada mesmo? - insistiu Aristóteles.

  11. -Não pode! - gritou Argo. - E como os átomos respiram? Eles também precisam de ar, não é, seu Aristóteles?

  12. - Sem dúvida, Argo. No mais, o que é o nada? De que ele seria feito? Se não conseguimos pensar no nada, como afirmar sua existência?

  13. Isaac estava atordoado. Caramba, essa foi difícil. Nunca havia parado para pensar no nada. Desde quando o nada é feito de alguma coisa? Mas, se o nada não é feito de nada, como ele existe? Assim? Do nada? (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 25, grifo nosso)

Na narrativa, Aristóteles parte de uma perspectiva que exclui a possibilidade da existência dos átomos, apoiada em sua experiência sensorial e filosófica, e reforça um posicionamento de que não existem estruturas menores ou até mesmo o vácuo dito por Demócrito e Leucipo.

Aristóteles, tomando como exemplo a situação em que Argo se encontra muito próximo de seus irmãos e semelhantes, a fim de que a situação em escala atômica seja compreensível. Argo apoia-se na comparação feita por Aristóteles e reproduz, de forma mecânica, os signos e sentidos apropriados por ele em sua experiência pessoal (parágrafo 15), como ocorre quando há formulação de um Conceito Espontâneo.

Ao comparar os fragmentos 2 e 3, é possível perceber que a narrativa realiza uma desconstrução do conceito científico em direção ao conceito espontâneo, fato que implica a inversão da ordem do desenvolvimento da abstração racional. A negação da proposta conceitual do Átomo está baseada nas relações entre elementos de uma estrutura, que nesse caso pode ser sintetizada pela dicotomia Matéria-Não Matéria (vácuo). Nessa situação, a negação do átomo sustenta-se na interpretação sensorial e antropomórfica (átomo respira), fato que indica a formulação de um conceito espontâneo. Apenas no final do fragmento há um desenvolvimento abstrato negando a existência do nada, mas parece-nos que esse sentido acontece para fortalecer a elaboração ‘espontânea’.

Ainda no mesmo fragmento, a ideia de vácuo é apresentada pela primeira vez. Quando Isaac explicita que nunca havia pensado especificamente no “nada”, está utilizando uma ideia-chave sobre o vácuo que remete a um Conceito Científico, que está presente na proposição de Demócrito e Leucipo, que enuncia que o vácuo é sinônimo de ausência de matéria, e que, apesar de ser utilizada na narrativa, essa linha de pensamento não é apresentada nos diálogos ocorridos entre os parágrafos 9 e 21, mas pode ser notada pela indução de Aristóteles.

Dessa maneira, entendemos que o conceito atrelado à palavra Vácuo, no trecho anterior, está equivocado do ponto de vista científico, pois não há correspondência com sua significação, mas ele foi classificado como um Conceito Científico por estar inserido em um tecido conceitual amplamente elaborado, formado pelo conceito de partículas (1), átomos (2), espaço (3), colisões (4), movimento (5), posições (6), conjuntos maiores (7) etc. O conceito científico de Vácuo, nesse caso, não está inserido no sistema de negação proposto por Aristóteles, isso indica que ele faz parte das relações lógico-abstratas de determinação do conceito de Átomo de Demócrito e Leucipo, presente no fragmento 2.

No fragmento anterior, palavras, conceitos e ideias-chave que deveriam dar suporte ao desenvolvimento do conceito científico de Átomos, como (1) Partículas, (2) Espaço e (3) vácuo, são invalidadas por falsos argumentos que usam principalmente a experiência sensorial de Aristóteles e de Argo.

No quarto fragmento, apresentado a seguir, as palavras-chave Partículas e Átomos são utilizadas novamente:

Fragmento 4

  1. - Argo! Eu estive pensando… se antigamente as pessoas tinham tantas ideias bacanas sem terem equipamentos, e hoje? Como isso é feito? Já sabem se o átomo existe?

  2. - Não só sabem que o átomo existe como sabem que existem milhões de partículas dentro dele.

  3. - Milhões? Mas não era para ele ser a menor partícula do universo? Se há coisas dentro dele, então agora são elas os átomos e o átomo virou outra coisa, né? Algo maior que a menor partícula.

  4. - É… Pode ser… Agora temos um punhado de “átomos” formando um “atomão grandão”. Mas o “atomão grandão” continua sendo átomo, porque ele continua sendo, digamos, o tijolo que forma todas as casas, ainda que o tijolo possa ser quebrado ao meio (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p.31, grifo nosso).

Partindo das ideias de Demócrito e Leucipo, Isaac indaga, no parágrafo 24, que o átomo deveria deixar de ser chamado dessa maneira, já que não é mais considerado a menor partícula existente. Esse posicionamento foi, possivelmente, selecionado pela autora pois etimologicamente, a palavra átomo deriva do Grego atomos, que significa indivisível.

Essa negação por parte de Isaac demonstra uma contradição que remete à diferença entre o significado literal da palavra átomo e o seu conceito. Nesse sentido, o significado literal aparece como obstáculo para a formalização do Conceito Científico, que é constituído por uma rede conceitual e não por uma definição pontual.

No fragmento anterior, Argo utiliza uma analogia para desconstruir a ideia de o átomo ser a menor partícula constituinte da matéria, mas as partículas menores que os átomos não são nomeadas. A nomeação e a categorização dessas menores unidades ocorrem na página 39 com o nome quark, e, na página 41, quando as palavras-chave relacionadas aos prótons e elétrons aparecem, e o processo de generalização e formação de uma rede conceitual tem continuidade. Dito isto, entendemos que a maneira como ambas as palavras-chave são utilizadas remetem a conceitos elaborados no campo do conhecimento prático, mostrando o início de um processo de transição do concreto para o abstrato, assim como pode ser observado nos Conceitos Potenciais.

No fragmento a seguir, o desenvolvimento da palavra-chave e do conceito de partículas continua e a palavra-chave quark é mencionada pela primeira vez. Diferentemente das apresentações anteriores, nesse trecho a autora insere palavras-chave agora desconhecidas a Isaac e Argo, ao abordar, de maneira introdutória, o experimento realizado dentro do CERN.

Fragmento 5

  1. - Shhhh. Falem baixo. Estão me procurando por todas as partes. Eu me chamo Bóson de Higgs . O que vocês querem saber, afinal?

  2. - Basicamente, seu Bóson (ou dona Bóson?), tudo o que diz respeito a esse lugar. - respondeu baixinho Isaac.

  3. - Ótimo. Falaram com a partícula certa. Eu não tenho gênero. Podem se referir a mim como quiserem. Mas antes vamos para um lugar onde ninguém possa me encontrar. Se me descobrirem, podem fazer comigo o que estão fazendo com minhas amigas partículas. Colocando-as para rodar até ficarem bem tontas e depois POW! Eles fazem uma colidir com as outras até virarem farelos de quarks - explicou Bóson, roendo as unhas e olhando apavorado para todos os lados.

  4. - Farelos de quê? Por que eles fazem seus amigos baterem de frente uns com os outros? - perguntou Argo, que se sentia um gigante enquanto andava bem depressa atrás daquela minúscula partícula. Bóson sequer lhe respondeu, tão preocupado estava em se esconder (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 39, grifo nosso).

No parágrafo 26, ocorre a primeira aparição do personagem Bóson, que faz uma clara alusão ao Bóson de Higgs, partícula elementar bosônica que dá suporte ao Modelo Padrão da Física de Partículas. Nesse mesmo parágrafo, ele diz que o estão procurando por toda parte, que faz referência ao longo período necessário para a detecção dessa partícula, 52 anos.3 3 Em 2012, o A Toroidal LHC AparatuS (ATLAS) e o Compact Muon Solenoid (CMS), dois aparatos experimentais do CERN, detectaram uma partícula desconhecida que, em 2013, provaram que se comportava, interagia e decaía de acordo com as diversas formas previstas pelo modelo padrão, indicando vigorosamente a existência do Bóson de Higgs, partícula teorizada por Peter Higgs, na década de 1960.

No parágrafo 28, Bóson se identifica como uma partícula, fazendo com que a palavra partículas englobe também esse ser “desconhecido” até então, tornando-a cada vez mais generalista. Nesse parágrafo, a palavra-chave quarks é introduzida, ainda como Conceito Potencial que está baseado no uso funcional da palavra, fazendo referência a um tipo de partícula. Bóson [personagem] cita esse tipo de partícula elementar, mas o desenvolvimento da ideia ocorre posteriormente.

A utilização da palavra-chave como conceito potencial pode ter sido empregada para instigar a curiosidade em Argo, Isaac e, simultaneamente, no leitor da obra. Considerando que a curiosidade é um dos fatores que culminam no aprendizado sem prejuízo de conteúdo para as crianças (Scalfi & Corrêa, 2014Scalfi, G. A. M. & Micaldas, A. (2014) A arte de contar histórias como estratégia de divulgação da ciência para o público infantil. Educação, Ciência e Cultura, 19(1), p. 107-121.), nos parece que a autora usufrui dessa ferramenta para a composição do livro, característica que também pode ser encontrada em outros trechos da obra.

Após o diálogo ocorrido no fragmento anterior, Bóson [personagem] encontra um lugar seguro para que a conversa com Isaac e Argo prossiga e logo tenta explicar-lhes o motivo de estarem forçando seus amigos a colidirem. Nesse diálogo, Bóson inicia a explicação partindo do fato de que a matéria gerada nessas colisões pode ser constituída de energia, que logo mais Isaac nomeia de “velocidade solidificada”.

Isaac entra em um estado de confusão e negação, pois o fenômeno citado é contraintuitivo. A fim de elucidar a solidificação da velocidade, a autora, por meio de Bóson [personagem], utiliza uma analogia, como mostrado no trecho a seguir

Fragmento 6

  1. - Inteligente como, Bóson, se eu não consigo entender isso? Aliás, alguém entende? - questionou Isaac, atordoado com aquela ideia um tanto maluca.

  2. - Bem, na verdade, é muito difícil visualizar esse fenômeno porque não conseguimos encontrar nada parecido no dia a dia. Mas a gente pode tentar imaginar essa estranha criação de matéria. É como se a energia se materializasse, virando um tipo de poeira extremamente fina. Tipo uma poeirinha de energia, conseguem visualizar? Então, essa “poeirinha” é o que os cientistas chamam de “partículas”. Olhem pra mim! Eu sou um tipo de “partícula”!

  3. - Fala sério, Bóson! Cruz credo! Vai dizer que você some quando corre? (- disse Isaac) (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 41- 42, grifo nosso)

Nessa quarta aparição, a geração de partículas foi mobilizada no parágrafo 31 por meio da analogia. Quando Bóson [personagem] diz que a energia se materializa e vira “tipo uma poeirinha de energia” e que essa “poeirinha” é o que os cientistas chamam de partículas, remete-nos à figura de linguagem que foi utilizada por Argo na segunda aparição dessa mesma palavra-chave, no parágrafo 25, no qual Argo diz que os átomos formam o “atomão grandão”, sendo a “poeirinha” uma partícula que o compõe.

Quando pensamos no átomo como um tijolo, tal como no parágrafo 25, e começarmos a despedaçá-lo cada vez mais, em determinado momento nós teremos somente fragmentos muito pequenos ou até mesmo poeira. Dois personagens diferentes (Argo e Bóson) utilizaram de uma linha de pensamento complementar para que o Isaac entendesse que partículas existem dentro do átomo e, para encontrá-las, é necessário “despedaçar” o átomo.

Na página seguinte, encontramos mais uma utilização da palavra-chave partículas. Dessa vez, as partículas são definidas e os prótons e elétrons são citados. Aqui Bóson faz uma analogia de que os prótons e elétrons são os “carrinhos” que são utilizados nas colisões. Parece-nos que o uso dessas analogias são tentativas de estabelecer uma relação entre o Conceito Espontâneo (de carrinho) e o Conceito Científico, com o intuito de formulação desse último. O trecho encontra-se a seguir.

Fragmento 7

  1. - Como se fosse real - respondeu Isaac de olhos fechados.

  2. - Pois é, amigo. Mas os adultos não conseguem se satisfazer só com o mundo das ideias… Então eles fizeram esses detectores e aceleradores gigantes que encontram os “carrinhos”, que são as partículas que eles chamam de prótons e elétrons, e fazem com que elas se movimentem em velocidades extremas.

  3. - Mas por que esses aceleradores e detectores têm que ser tão grandes, se vocês são tão pequenos? - voltou a perguntar Isaac.

  4. - Porque eles querem que os prótons, por exemplo, adquiram muita energia para poderem colidir e se espatifar, para que eles possam detectar as partículas que vão surgir dessa colisão. Eles sabem que, quanto mais fechada for uma curva, ou melhor, quanto menor ela for, mais energia se perde no trajeto. Se a intenção é acelerar muito esses prótons, a ponto de gerar uma energia muito alta que não se perca facilmente, os prótons têm que percorrer grandes círculos. Círculos enoooooormes (Takimoto, p. 43, grifo nosso).

Logo após nomear as partículas, no parágrafo 36, Bóson explica a esquemática estrutural básica do Large Hadron Collider (LHC), sua disposição circular, seu funcionamento e o objetivo de realizar as colisões dessas partículas utilizando tais equipamentos. Na sequência, Isaac fica curioso sobre o porquê utilizar ímãs para acelerar a partícula, se elas não são feitas de ferro. Bóson discute o assunto, mas sem citar o momento magnético de spin, deixando claro que os prótons e elétrons não eram ímãs, mas se comportavam como um em determinadas situações. Em seguida, Isaac retoma a discussão sobre a existência do átomo, como mostrado no fragmento 8, a seguir.

Fragmento 8

  1. - Não. Ou melhor, sim… - assimilava Argo. - Entendi o que você quis dizer. Interessante.

  2. - Bóson, então os átomos existem de verdade? - retomou Isaac sua grande questão. - E eles são mesmo as menores partículas encontradas na natureza?

  3. - Pelo que ouço aqui, os átomos existem sim, aos montes. Mas eles são compostos de blocos de construção, ou melhor, eles têm uma estrutura. São formados de um minúsculo núcleo denso, onde temos o que chamamos de prótons e nêutrons. Mas, além disso, eles também têm algo que podemos considerar tipo uma nuvem, que fica em volta deles, e que é formada do que chamam de elétrons.

  4. - E esses prótons, elétrons e nêutrons são as menores partículas que temos no universo? - insistiu Isaac.

  5. - Ainda não - respondeu calmamente o Bóson. - Basicamente, toda essa estrutura de prótons, elétrons e nêutrons é formada por três tipos de partículas elementares , que são chamadas de quarks , léptons e partículas mediadoras. Acho que é sobre elas que você está perguntando. As partículas elementares são aquelas que não podem ser quebradas, ou melhor, divididas.

  6. - É isso que ele quer saber! E como elas são? Redondas como eu?! - perguntou Argo, passando a mão na barriga (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 44, grifo nosso)

No parágrafo 38, Isaac pede novamente a confirmação da existência dos átomos, mas, dessa vez, para Bóson [personagem], além de retornar com o posicionamento de Demócrito e Leucipo na narrativa. Quando Bóson lhe responde, ele utiliza uma analogia idêntica à que Argo utilizou na segunda aparição da palavra-chave “partículas”, relativa aos tijolos/blocos de construção (parágrafo 25). Nos trechos 39 e 41, Bóson realiza uma explicação detalhada sobre a estrutura atômica geral, explicitando, inclusive, o núcleo e a eletrosfera (ainda que não use esse termo), bem como indicando onde prótons, nêutrons e elétrons se encontram e quais são as partículas elementares. Parece-nos que aqui “o discurso científico assume a posição de elemento reforçador do discurso da ficção, das situações anunciadas na aventura e vice-versa”, tal como observado por Ferreira e Raboni ao analisar uma obra de Júlio Verne (2013Ferreira, L. M. (2013). Atomismo: um resgate histórico para o ensino de química. (dissertação de mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis., p. 94).

Nos parágrafos de 39 a 41, conceitos já trabalhados e novas palavras e ideias-chave são utilizadas como suporte no processo de formação do Conceito Científico de Átomos, como (1) partículas, (2) estrutura, (3) núcleo, (4) prótons, (5) nêutrons, (6) nuvem [eletrônica], (7) partículas elementares, (8) quarks, (9) léptons e (10) partículas mediadoras. Logo, ao explicitar para Isaac e Argo as partículas que constituem o átomo, Bóson inicia um processo de ampliação da rede de elementos que são utilizados para determinar o que ele é.

O conceito de partícula também ganha novos contornos após esse fragmento. Quando iniciou sua busca por respostas, Isaac estava curioso para saber qual a menor partícula que compunha a matéria. Esse processo de formação começou no primeiro fragmento, nos parágrafos de 1 a 3, quando a palavra-chave “partículas” aparece com a forma de Conceito Potencial. Durante o desenvolvimento da narrativa, situações de utilização da palavra foram sendo explicitadas, fazendo com que cada fragmento a tornasse mais generalista, mas ainda atrelada à sua utilização prática. Portanto, o termo Partículas foi apresentado nesse momento como um Conceito Potencial.

O processo de formação tem continuidade quando a estrutura atômica é introduzida na narrativa. A partir desse momento, as características e particularidades dos elétrons, prótons, nêutrons e de outras partículas subatômicas são apresentadas, gerando múltiplas relações de determinação e possibilitando o desenvolvimento de uma rede conceitual de suporte. Ao longo da apresentação das partículas subatômicas, são abordados procedimentos aos quais essas partículas são submetidas, como aumentar sua velocidade e colidi-las em um colisor de hadróns, para que os processos característicos do campo de estudo da física de partículas sirvam de fundamento para o desenvolvimento do conceito.

Assim, a formação do Conceito Científico de Partículas Elementares começou a ser fundamentada por meio de (1) Conceito Potencial de Partículas, (2) relações com outros conceitos apresentados na narrativa, formando uma rede elaborada de suporte, (3) características das partículas subatômicas e (4) processos e fenômenos característicos do campo de estudo da Física de Partículas. Vale ressaltar que, no trecho, alguns conceitos que determinam o que são partículas possuem mais características de Conceitos Potenciais do que Conceitos Científicos, como é o caso dos quarks, léptons e partículas mediadoras, que foram abordados em momentos posteriores da narrativa. Contudo, quando focamos no conceito partícula, entre os parágrafos 33 e 42, a autora apresenta a estrutura de correlação entre conceitos, ou seja, é o momento em que há uma primeira formulação do Conceito Científico que será desenvolvido e fortalecido no decorrer da história.

A seguir apresentamos o fragmento onde as palavras-chave Partículas e Vácuo são exploradas concomitantemente.

Fragmento 9

  1. “(...), mas o pior vem agora: Um objeto jamais pode nascer do nada, mas as partículas podem nascer do vácuo [disse Bóson].

  2. - Então Demócrito e Leucipo estavam certos e Aristóteles errado? O vácuo existe no mundo? - quis saber Isaac, lembrando-se de outras viagens que ele e outros seres humanos já haviam feito.

  3. - Há de se tomar muito cuidado. O vácuo que é falado aqui não é o mesmo de Demócrito. O vácuo de Demócrito era sinônimo de absolutamente nada. Hoje, a despeito de não existir matéria nenhuma no vácuo, os cientistas não conseguem eliminar de dentro dele, com a teoria que se trabalha aqui no CERN, uma quantidade mínima de energia, além de algo que chama de campo eletromagnético e campo gravitacional. (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 52, grifo nosso)

Bóson e Isaac utilizam-se da palavra-chave Vácuo, porém são explicitadas diferenças entre os significados atribuídos a ela por propostas teóricas diferentes. Bóson utiliza, no parágrafo 43, a palavra-chave remetendo ao conceito cientificamente aceito de Vácuo, a fim de abordar o fenômeno da Produção de Pares, mas a palavra-chave Vácuo que aparece no parágrafo 44, utilizada por Isaac, remete ao Conceito Científico de Vácuo defendido por Demócrito e Leucipo e negado por Aristóteles nos fragmentos 2 e 3.

Quando postos em comparação, Isaac e Argo estão utilizando um Conceito Científico equivocado, e, ao perceber, Bóson [personagem] inicia um processo de ressignificação desse termo, para que o processo de formação de um Conceito Científico cientificamente correto prossiga. Nesse exemplo, é evidente que uma das estratégias da autora para a apresentação dos conceitos científicos mais adequados se baseia na transição de um conceito apresentado na narrativa, seja ele Potencial, Espontâneo ou Científico, na direção da formação de um conceito científico mais complexo e condizente com avanços científicos sobre o tema.

Expondo os fatos que levam o Vácuo a não ser considerado um espaço vazio, Bóson discute os campos eletromagnéticos e gravitacionais. Neste fragmento, a palavra-chave vácuo aparece novamente, como mostrado a seguir:

Fragmento 10

  1. - Alguém ou algo está por perto. E, mesmo que você não veja, está sentindo o “campo” desse algo.

  2. - Entendi - disse Isaac. - E não conseguimos eliminar esse tipo de coisa do vácuo?

  3. - Os físicos daqui acreditam que não. Por isso o vácuo não pode ser considerado como totalmente vazio. Além disso, nesses espaços há também a presença de partículas e antipartículas que estão sendo formadas e destruídas o tempo todo.

  4. - Antipartículas?! - perguntaram Isaac e Argo ao mesmo tempo. (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 53, grifo nosso)

Bóson sintetiza mais uma vez que Vácuo não significa “ausência de tudo”, com isso questiona a ideia de vácuo absoluto. Nesse fragmento, é evidente a ampliação das relações lógico/abstratas do conceito de vácuo com outros conceitos, como: “campo”, “partículas”, “antipartículas”, “vazio”, entre outros. Mesmo que esses ainda possam se configurar como Conceitos Potenciais (antipartículas) ou Espontâneos (campos), a estruturação do conceito de Vácuo se fortalece no sentido de sua constituição como Conceito Científico.

No trecho seguinte, Bóson, ao ser questionado por Isaac, finaliza o processo de formação de um Conceito Científico na narrativa, por meio de uma explicação.

Fragmento 11

  1. - Mas, se ninguém as detecta [antipartículas], por que estamos falando sobre elas? Por que deveríamos nos preocupar com essa ideia louca que não passa de uma ideia e por que não podemos considerar apenas o vácuo de Demócrito? - questionou Isaac.

  2. - Porque percebemos seus efeitos. Por exemplo, um cego não enxerga o sol, mas percebe seu calor. Essas partículas e antipartículas que, na verdade, também são partículas, a despeito de nem fazerem cócegas nesses enormes detectores daqui, são capazes de conferir ao vácuo alguma energia e a consequência disso é bem real. (Takimoto, 2017Takimoto, E. (2017). Isaac no Mundo das Partículas. Rio de Janeiro: Rocco., p. 56, grifo nosso)

As relações formadas entre todos os conceitos apresentados anteriormente são fundamentais para que, nesse fragmento, uma base sólida seja o suporte necessário para que o Conceito Científico, cientificamente correto, de Vácuo seja expresso. É interessante notar que o processo de apresentação do Conceito Científico de vácuo não é direto ou tem um percurso linear. O Vácuo foi apresentado ao longo da obra de forma contextualizada em meio a disputa de argumentos inicialmente estabelecidos pelas interpretações de Aristóteles e Demócrito e Leucipo. Essa estratégia de inserção de conceitos físicos em situações altamente contextualizadas “permite ao leitor uma construção de sentidos, indispensável para um entendimento efetivo do objeto de estudo”, tal como indicado por Ferreira e Raboni (2013Ferreira, L. M. (2013). Atomismo: um resgate histórico para o ensino de química. (dissertação de mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis., p. 93)

O nível de desenvolvimento da apresentação de ideias e da narrativa faz com que o tema principal da discussão fortaleça tanto o conceito central da discussão quanto os conceitos envolvidos na codeterminação. Por exemplo, no fragmento acima, o tema principal da discussão faz referência ao vácuo, contudo a discussão contribui com a compreensão do conceito de partícula, uma vez que ambos possuem uma relação de codeterminação. A autora desenvolveu uma trama que articula a temporalidade da apresentação das ideias e a sua correlação, condição que nos parece contribuir com o processo de elaboração de sentido realizado pelo interlocutor para conceitos tão complexos como esses abordados por Elika Takimoto.

A título de síntese das análises, apresentamos a seguir três imagens, que buscam organizar verbo-visualmente as diferentes formas de apresentação dos conceitos que selecionamos para a análise e sua evolução ao longo da narrativa.

Diagrama 1
O conceito de vácuo 4 4 Fonte: dados da pesquisa elaborada pelos próprios autores (2022)

No diagrama 1, apresentamos a síntese do desenvolvimento do conceito de vácuo. Relacionamos a utilização das palavras e ideias-chave atreladas ao conceito em questão com outros conceitos e ideias-chave que estão presentes nos trechos. Dessa maneira, o diagrama torna visível o movimento de formação conceitual que tem início com a utilização da palavra Vácuo no fragmento 3 (Vácuo 1) e finaliza no fragmento 11 (Vácuo 3).

Diagrama 2
O conceito de Átomos5 5 Fonte: dados da pesquisa elaborada pelos próprios autores (2022)

O diagrama 2 apresenta o desenvolvimento do conceito de Átomos na narrativa. Em sua primeira aparição, no fragmento 2, a palavra-chave Átomos (1) é categorizada como um Conceito Científico, mas, em suas duas próximas utilizações, nos fragmentos 3 e 4, há uma tentativa de desconstrução do Conceito Científico que culmina na formação de um Conceito Potencial. No fragmento 8, a palavra-chave Átomos (4) é utilizada e inserida num sistema conceitual amplo. Devido às características de sua apresentação, é categorizada como um Conceito Científico.

Diagrama 3
O conceito de Partículas6 6 Fonte: dados da pesquisa elaborada pelos próprios autores (2022)

O terceiro diagrama apresenta o desenvolvimento da palavra e da ideia-chave de Partículas. Em suas primeiras utilizações, a palavra-chave Partículas (1) pode ser entendida como um Conceito Potencial devido ao seu vínculo com o concreto e com o uso funcional da palavra. Nos fragmentos 4, 5 e 6, a palavra-chave ainda é compreendida como um Conceito Potencial, mas, dessa vez, é utilizada como suporte de outros conceitos potenciais. É nos fragmentos 7 e 11 que a consolidação de um Conceito Científico de Partículas (3) acontece, quando a autora apresenta as correlações existentes entre os conceitos e fornece a base necessária para tal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho tivemos o objetivo de analisar as ideias e conceitos científicos presentes na obra de divulgação científica voltada para o público infantil “Isaac no Mundo das Partículas”, escrita por Elika Takimoto. Para tanto, analisamos o livro, com base nas contribuições da psicologia histórico-cultural, em especial nas formulações acerca da formação dos conceitos.

Foi possível observar que, ao longo da narrativa, houve esforços para a apresentação de conceitos cientificamente corretos, considerando as principais ideias e palavras-chave analisadas na obra. Para que isso acontecesse, a autora introduziu cerca de 37 conceitos relacionados ao campo da Física, os quais se mostraram fundamentais para o desenvolvimento da narrativa e dos Conceitos Científicos presentes na obra.

Embora alguns conceitos tenham sido meramente citados, eles foram utilizados para a construção de uma base sólida no processo de conscientização e estruturação lógica de conceitos mais complexos presentes no livro. Assim, podemos concluir que a abordagem conceitual das ideias científicas foi se desenvolvendo e se complexificando ao longo do livro. É evidente o desenvolvimento de elaborações ainda precárias e com pouca ou nenhuma relação de codeterminação no início do livro em elaborações complexas estabelecidas em meio a relações de codeterminação.

O volume de ideias e conceitos científicos trabalhados no livro demonstra a complexidade da produção de um texto de divulgação científica para as crianças, uma vez que é necessário trabalhar com o desenvolvimento simultâneo de diversos conceitos. Pensar no leitor presumido e na especificidade da linguagem científica são critérios importantes para a produção e a edição do livro, pois o destinatário presumido determina (ou ao menos deveria determinar) tanto formas de exposição quanto nível de profundidade da abordagem científica.

Considerando que o processo de desenvolvimento do conceito no psiquismo humano inicia quando a criança toma conhecimento de uma palavra (Vigotski, 2018Vigotski, L. S. (2018) A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.), essa deve ser disponibilizada desde muito cedo para que as crianças possam começar a estabelecer as primeiras formulações conceituais, ainda que de modo funcional, tal como os conceitos potenciais. É a partir dessas formulações que as crianças poderão produzir generalizações cada vez mais refinadas, lógicas e abstratas durante seu processo de desenvolvimento. Essas considerações corroboram com os apontamentos de Lima e Ricardo (2019Lima, L. G. & Ricardo, E. C. (2019). O Ensino da Mecânica Quântica no nível médio por meio da abstração científica presente na interface Física-Literatura. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, 36(1), 8-54.), quando evidenciam que pseudoconceitos elaborados por estudantes por meio da leitura, se desenvolveram em conceitos científicos após atuação do professor. Ainda que os resultados desta pesquisa não tenham se baseado em uma investigação escolar, entendemos que a própria obra de DC ou outros instrumentos ou sujeitos mediadores também podem contribuir com a formulação de conceitos científicos pelos consumidores da DC, considerações que podem ser aprofundadas em investigações futuras.

Por isso, a produção de suportes de divulgação científica a partir de conceitos potenciais em direção aos conceitos científicos, com a mediação dos conceitos espontâneos, parece-nos uma estratégia promissora para a comunicação pública da cultura científica e tecnológica.

Por tudo o que foi apresentado, entendemos que o estudo sobre a formulação dos conceitos científicos presentes na divulgação científica pode contribuir tanto para o campo da pesquisa quanto para a produção de materiais destinados à comunicação pública da ciência, seja para crianças ou adultos. Contudo, para além de compreender como esses conceitos são elaborados em materiais de divulgação científica, é necessário pesquisarmos como os leitores formulam conceitos científicos a partir de determinadas configurações conceituais propostas pela DC.

AGRADECIMENTO

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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  • 1
    Por reflexão assistemática entendemos que a formulação conceitual não é realizada por meio do estabelecimento de relações entre outros conceitos, fato que formaria um sistema conceitual. Essa expressão não deve ser interpretada no sentido de menosprezar a elaboração intelectual e criativa presentes na formulação desses conceitos.
  • 2
    Fonte: dados da pesquisa elaborada pelos próprios autores (2022)
  • 3
    Em 2012, o A Toroidal LHC AparatuS (ATLAS) e o Compact Muon Solenoid (CMS), dois aparatos experimentais do CERN, detectaram uma partícula desconhecida que, em 2013, provaram que se comportava, interagia e decaía de acordo com as diversas formas previstas pelo modelo padrão, indicando vigorosamente a existência do Bóson de Higgs, partícula teorizada por Peter Higgs, na década de 1960.
  • 4
    Fonte: dados da pesquisa elaborada pelos próprios autores (2022)
  • 5
    Fonte: dados da pesquisa elaborada pelos próprios autores (2022)
  • 6
    Fonte: dados da pesquisa elaborada pelos próprios autores (2022)
  • O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo

Editado por

Editor responsável: - Geide Rosa Coelho

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Maio 2022
  • Aceito
    12 Dez 2022
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