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EDITORIAL

Eu sempre gosto de começar a escrever um editorial agradecendo ao leitor, que muitas vezes, em nossa atual prática de leitura de artigos, não perpassa pelas primeiras páginas dos periódicos. Então, qual seria a função de um editorial de uma revista científica? Lima e Santos Filho (2011LIMA, José Rosamilton de; SANTOS FILHO, Ivanaldo Oliveira dos. Editorial: gênero de expressão opinativa. Interdisciplinar, Ano VI, v. 14, jul-dez de 2011 p. 87-99. Disponível em: <http://200.17.141.110/periodicos/interdisciplinar/revistas/ARQ_INTER_14/INTER14_08.pdf>. Acesso em 28 mar. 2015.
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, p. 95), ao se debruçarem sobre a complexidade do gênero discursivo "editorial", no caso dos jornais impressos ou online, expressam a função de credibilidade atribuída a esse tipo de texto, principalmente no jornalismo opinativo. Não acredito que tal definição se aplique aos periódicos científicos! Os editoriais, na era digital, correm o risco de se tornarem textos de gaveta, já que a prática de leitura especializada busca direto os artigos indexados. Os estudos de Rodrigues e Oliveira (2012RODRIGUES, Rosângela Schwarz; OLIVEIRA, Aline Borges de. Periódicos científicos na America Latina: títulos em acesso aberto indexados no ISI e SCOPUS. Perspectivas em Ciência da Informação, v.17, n.4, p.77-99, out./dez. 2012. Disponível em: <http://portaldeperiodicos.eci.ufmg.br/index.php/pci/ article/download/1593/1100>. Acesso em: 28 mar. 2015.
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) sobre o crescimento das publicações indexadas vêm mostrando a desigualdade na circulação de artigos, ao mesmo tempo em que há significativo aumento do acesso diretamente aos artigos indexados nas principais bases de dados, como Thompson Reuters ISI e SciVerse Scopus. Mas, ainda assim, o escrevemos; e com muito prazer gostaria de fazer alguns comentários sobre o presente número da Revista Ensaio: pesquisa em educação em ciências. Antes de tudo, toda a equipe e seus colaboradores devem ser parabenizados pela indexação do periódico no portal Scielo.

A análise da materialidade discursiva da educação em ciência é a característica marcante deste número. A área da pesquisa em ensino de ciência assumiu, desde a última década do século XX, a importância dos aspectos comunicativos e discursivos da sala de aula em toda a complexidade de práticas discursivas que ali se desenvolvem. Os avanços tecnológicos nos viabilizam o registro e a posterior análise de interações discursivas mediadas por artefatos culturais diversificados. Quanto a isso, gostaria de chamar atenção para dois pontos pouco problematizados na área de Educação em Ciências, mas amplamente debatidos nos campos da Linguística Aplicada e da Sociolinguística. Primeiramente, é importante considerar o conceito de língua, preocupando-se com a dinâmica da linguagem em uso e com os muitos processos de subjetivação na constituição dos sujeitos leitores e escritores. E, finalmente, é preciso pensar, para além da materialidade textual, as muitas imbricações que permeiam a prática discursiva de mediadores e aprendizes, mergulhados em um mundo cada vez mais semiótico. São exatamente esses dois principais pontos que as colaborações deste número focalizam.

Já no primeiro artigo, apresentamos um texto pouco estudado: o registro escrito em sala de aula por alunos. Esses registros, quase indícios materiais de uma prática de escrita, não foram analisados diretamente; os resultados são apresentados a partir do exame de 196 questionários mediante uma combinação das análises de enunciação e gramático-funcional. Enriquecendo a discussão da produção textual e de sua implicação para a Educação em Ciências, passamos para a comunicação da ciência em outras esferas sociais. No segundo artigo, temos uma discussão sobre o endereçamento de uma produção fílmica com finalidade educativa da qual licenciandos de Biologia são produtores e, além disso, entrevistadores de um grupo de expectadores. Em seguida temos uma discussão sobre o crescimento, nas redes públicas municipais, do uso de textos apostilados, independentemente das políticas públicas de avaliação e distribuição dos livros didáticos para a Educação Básica. Dessa forma, o livro didático não é o artefato cultural predominante na sala de aula, mas possui presença significativa, como analisado no sétimo artigo, sob a ótica do conteúdo disciplinar "a evolução biológica". A diversidade metodológica das abordagens da Análise de Discurso é o objeto de discussão de nosso sexto artigo, em que é mostrado um contraponto entre a análise de conteúdo, a análise de discurso dentro da perspectiva francesa e a teoria bakhtiniana. Nesses artigos, destacamos a diversidade da abordagem teórico-metodológica na condução dos estudos, que vai da análise de conteúdo clássica à gramática sistêmico-funcional.

A dimensão da comunicação pública das ciências está presente na investigação do discurso jornalístico em dois artigos: por meio do exame de telejornais colombianos; e da análise de artigos sobre Educação em Ciências publicados entre 2006 e 2010 nos periódicos Science e Nature. Em ambos os artigos, os resultados destacam as aproximações e os afastamentos das culturas do fazer ciência e do ensinar ciências. E uma temática emerge da análise de entrevistas de pesquisadores e monitores participantes do Rede Nacional Educação e Ciência - Novos Talentos da Rede Pública (RNEC/NT), da região Sul do Brasil. Será que somos mesmo modernos?

Finalmente, temos quatro artigos que colaboram com a leitura compondo outros cenários. Um deles retoma o conceito de Conhecimento Pedagógico de Conteúdo (PCK, na sigla em inglês) na complexidade de produções escritas e orais de dois professores participantes de um grupo colaborativo. Outro comenta a diversidade de experimentos de Charles Du Fay, um filósofo natural do início do século XVIII, para investigar os fenômenos elétricos, e o terceiro analisa as representações docentes de professores de química sobre as tecnologias digitais. Temos ainda uma discussão oportuna sobre o Centro de Ciências do Rio Grande do Sul (CECIRS), que, como o Centro de Ciências e Matemática de Minas Gerais (CECIMIG), participou da política pública de renovação do ensino das disciplinas científicas durante a década de 1960. O cerne do artigo é a colaboração do professor Vicente Hillebrand, responsável pela Educação Matemática no processo de educação continuada do centro. Fechamos esse número com a resenha do livro Argumentação no Ensino de Ciências: tendências, práticas e metodologia de análise.

Orquestramos, desse modo, a multiplicidade de investigações conduzidas recentemente no campo educacional e agradecemos aos colaboradores, aos autores, aos pareceristas e aos leitores de nosso periódico.

Boa leitura!

Belo Horizonte, abril de 2015.

Silvania Sousa do Nascimento

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2015
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