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EXPERIÊNCIAS DA REVISTA ENSAIO PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS COM AVALIAÇÃO POR PARES ABERTA

ESCLARECIMENTOS INICIAIS

No ano de 2021, divulgamos à comunidade acadêmica novas práticas editoriais da revista Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, em alinhamento ao movimento ciência aberta (Mendonça & Franco, 2021Mendonça, P. C. C., Franco, L. G. A ciência aberta e a área de Educação em Ciências: perspectivas e diálogos. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências (online). v. 23, p. 1‒5, 2021. | http://dx.doi.org/10.1590/1983-21172021230102.
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). Nossa consonância ao paradigma ciência aberta se justifica em função do caráter social da produção do conhecimento científico, seja porque o progresso da ciência depende do acesso ao reservatório do conhecimento (periódicos, anais de congressos, livros etc.), como também porque os trabalhos acadêmicos adquirem o status de científicos quando são revisados por pares. O escrutínio das produções acadêmicas é fundamental no desenvolvimento do conhecimento, pois se fundamenta em critérios compartilhados e públicos que balizam a aceitação ou rejeição de determinadas pesquisas, inviabilizando a desqualificação enviesada dessas produções a partir do uso de padrões arbitrários.

É o acesso ao conhecimento, bem como a comunicação e o julgamento justo e transparente dos processos e dos resultados das pesquisas por pares que mantém pesquisadores em constante troca, produção e desenvolvimento da ciência. Nesse sentido, defendemos que a ciência seja desenvolvida e comunicada de forma eficaz, permitindo que outras pessoas possam contribuir e colaborar nos esforços de pesquisa (Albagli, Clinio & Raytoch, 2014Albagli, S., Clinio, A., & Raytoch, S. 2014 Ciência Aberta: correntes interpretativas e tipos de ação. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.2, p. 434‒450, novembro 2014.; Longino, 2002Longino, H. E. (2002). The fate of knowledge Princeton: Princeton University Press.).

Apesar disso, reconhecemos que a plena compreensão sobre os processos que envolvem a vida de um periódico (e.g. submissão, avaliação, editoração de artigos científicos) costuma ser inacessível para a maioria das pessoas autoras e até mesmo para pareceristas e editores. É pouco comum que pareceristas tenham acesso ao parecer de outro avaliador, o que poderia contribuir para uma formação mútua e diálogo mais intenso na área. Também são raras as situações em que editores compartilham informações sobre os processos internos e muito variados de avaliação que acontecem em suas revistas. Por fim, pessoas autoras só costumam ter acesso a um sistema ao qual submetem seus textos e a um e-mail com o resultado da avaliação. Visando abrir essa caixa-preta, nos envolvemos nos processos de ciência aberta e temos refletido sobre eles em nossos editoriais desde 2021.

No presente editorial, temos como objetivo apresentar o modus operandi da revista consoante as práticas editoriais de ciência aberta, buscando avaliar as experiências vivenciadas nos últimos dois anos e traçando perspectivas para seu aprofundamento. Explicitamos os critérios que balizam a avaliação aberta por pares (open peer review - OPR) e a elaboração de artigos-parecer, como frutos das experiências dos anos de 2021 e 2022. Ao final, apresentamos os desafios futuros relacionados à prática de compartilhamento de dados suplementares à pesquisa, que começou a ser implementada no final do ano de 2022, e que pretendemos ampliar em 2023.

Para buscar as melhores estratégias de desenvolvimento das práticas alinhadas à ciência aberta, nosso ponto de partida foi promover a formação da própria equipe editorial. Essa equipe é composta por recém-doutores que atuam na avaliação técnica dos artigos, encaminhando-os para editoria-adjunta e editoria-chefe. A editoria-adjunta realiza o acompanhamento da tramitação dos artigos em colaboração com a editoria-chefe. Por fim, a editoria-chefe finaliza o processo e encaminha os artigos aceitos para a editoração.

Quinzenalmente, durante os anos de 2021 e 2022, a editoria-adjunta e editoria-chefe se reuniram para tratar das seguintes temáticas relacionadas à ciência aberta: avaliação aberta por pares, compartilhamento de dados suplementares à pesquisa, preprints, critérios de autoria e colaboração, 1 1 Discussão que deu origem ao editorial “Vamos conversar sobre autoria?” da revista Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, de autoria de Bizerra e Sá (2022), e que pode ser acessado em https://www.scielo.br/j/epec/a/YFzCCLQZhFp7yYWnkKQN3sq/?lang=pt. critérios para análise de trabalhos empíricos e teóricos, características de pareceres construtivos, linguagem inclusiva nos relatos científicos e na editoria científica. Os debates eram estabelecidos tendo por base a leitura e a discussão de referenciais, as trocas com outras equipes editoriais científicas e a participação em seminários promovidos por entidades científicas, como Scielo (Brazil Scientific Electronic Library Online - Scielo), Abec (Associação Brasileira de Editores Científicos), entre outras.

APRENDIZAGENS SOBRE A AVALIAÇÃO ABERTA NA ENSAIO

Com relação à revisão por pares aberta, identificamos, em nossos estudos, que esse é um termo que engloba diversos modelos de revisão por pares alinhados com a proposta de ciência aberta. Em síntese, abrir a avaliação consiste em expor, em quaisquer etapas da revisão/comunicação científica e com diferentes níveis de acesso ao público, as identidades e argumentos de pessoas autoras e revisoras. Os principais modos de avaliação aberta por pares identificados foram (ver Shintaku, Brito, Ferreira Jr., Barraviera, 2020Shintaku, M., Fagundes de Brito, R., Seabra Ferreira Jr., R., & Barraviera, B. (2020). Avaliação aberta pelos pares no âmbito da Ciência Aberta: revisão e reflexão. BIBLOS, 34(1), 161-175. https://doi.org/10.14295/biblos.v34i1.11189
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; Pedri & Araújo, 2021Pedri, P. & Araújo, R. F. 2021. Vantagens e desvantagens da revisão por pares aberta: consensos e dissensos na literatura. Revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 26, n. esp, p. 01‒18.; Ross-Hellauer & Görögh, 2019Ross-Hellauer, T ., & Görögh, E. (2019). Guidelines for open peer review implementation. Research integrity and Peer Review, 4(4), 1‒12.; Ross-Hellauer, Deppe, & Schmidt, 2017):

  1. Identidades abertas: pessoas autoras e pareceristas sabem da identidade uns dos outros, sendo que isso pode ocorrer desde o início do processo avaliativo ou no desfecho da avaliação.

  2. Pareceres abertos: os pareceres são publicados, assim como os artigos, podendo ser assinados ou não por pareceristas. Os pareceres podem ser publicados da forma originalmente elaborada por pareceristas. Além disso, as rodadas de trocas de avaliação entre pareceristas e pessoas autoras podem ser disponibilizadas publicamente no website da revista, de maneira a dar maior transparência ao processo avaliativo. Ou ainda, os pareceres podem embasar os pareceristas na elaboração de um artigo que dialogue com o manuscrito avaliado.

  3. Participação pública e abertura de manuscritos previamente à revisão: a comunidade em geral pode contribuir no processo de revisão por pares. Consiste em uma forma de avaliação híbrida, em que o manuscrito, depois de uma avaliação inicial pela editoria chefe, é disponibilizado em sua versão inicial no website de discussão da revista. O trabalho fica à disposição da comunidade científica para receber comentários e de pareceristas para avaliação sobre aceite ou rejeição.

  4. Abrir comentários para versão final: a comunidade em geral pode revisar ou comentar, publicamente, no website da revista, a versão final de uma publicação.

  5. Transferível: pareceres são transferidos entre revistas científicas, levando em consideração o trabalho já despendido e o escopo de publicações mais adequado a determinados periódicos.

A revista Ensaio tem adotado o primeiro e o segundo modelos de avaliação aberta citados. O primeiro ponto a ser considerado na abertura de identidade no processo editorial da revista é a conformidade da autoria com a revelação e a interação com pareceristas. Ao submeter o manuscrito à avaliação, pessoas autoras dirigem uma carta à revista, respondendo a alguns itens relativos às práticas da ciência aberta, dentre os quais, o interesse em revelar a identidade, caso o manuscrito seja aprovado. Essa é, então, a condição inicial para a quebra do duplo-cego na revista Ensaio. Além disso, optamos por revelar a identidade de autoria e pareceristas ao final do processo avaliativo, o que nos pareceu mais coerente, por ser uma forma de introdução gradativa ao OPR. Importante destacar que apenas trabalhos aprovados e cujos pareceristas elaboraram pareceres construtivos (discutido a seguir) são convidados para publicar o artigo-parecer. Apresentamos no fluxograma (Figura 1) essas etapas de tramitação:

Figura 1.
Fluxograma representativo do processo OPR

Sabemos que o modelo duplo-cego é o mais utilizado nas revisões científicas de um modo geral e na Educação em Ciências de maneira específica. De modo algum estamos questionando a qualidade que muitos processos de revisão fechada apresentam. A literatura mostra a existência de várias vantagens dessa metodologia, como também aponta fragilidades desse processo de avaliação (para mais detalhes consultar Mendonça & Franco, 2021Mendonça, P. C. C., Franco, L. G. A ciência aberta e a área de Educação em Ciências: perspectivas e diálogos. Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências (online). v. 23, p. 1‒5, 2021. | http://dx.doi.org/10.1590/1983-21172021230102.
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). De forma idealizada, deveria ocorrer nas comunidades científicas uma distribuição igualitária da autoridade intelectual, de maneira que o posicionamento quanto à pesquisa, o diálogo e as críticas construtivas, que visam melhorar as proposições da pesquisa, fossem elementos centrais na produção e comunicação do conhecimento científico e não apenas o status de autoridade de determinado pesquisador ou grupo de pesquisa. Em contraposição, de forma geral, pessoas autoras e pareceristas preferem não revelar a sua identidade por questões de conflitos interpessoais e políticos (Shintaku, Brito, Ferreira Jr., Barraviera, 2020Shintaku, M., Fagundes de Brito, R., Seabra Ferreira Jr., R., & Barraviera, B. (2020). Avaliação aberta pelos pares no âmbito da Ciência Aberta: revisão e reflexão. BIBLOS, 34(1), 161-175. https://doi.org/10.14295/biblos.v34i1.11189
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; Pedri & Araújo, 2021Pedri, P. & Araújo, R. F. 2021. Vantagens e desvantagens da revisão por pares aberta: consensos e dissensos na literatura. Revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 26, n. esp, p. 01‒18.; Ross-Hellauer & Görögh, 2019Ross-Hellauer, T ., & Görögh, E. (2019). Guidelines for open peer review implementation. Research integrity and Peer Review, 4(4), 1‒12., Ross-Hellauer, Deppe & Schmidt, 2017SciELO DATA, Scientific Electronic Library Online. (2018). Available online from: https://scielo.org/pt/sobre-o-scielo/scielo-data-pt/.
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).

O principal motivo para manter o anonimato de pessoas autoras é evitar vieses de publicação como autoridade na área, gênero e autoria de instituições de prestígio. O anonimato de pareceristas é protegido, permitindo que estes possam avaliar o artigo de forma sincera, sem correr o risco de sofrer retaliação das pessoas autoras (Shintaku, Brito, Ferreira Jr., Barraviera, 2020Shintaku, M., Fagundes de Brito, R., Seabra Ferreira Jr., R., & Barraviera, B. (2020). Avaliação aberta pelos pares no âmbito da Ciência Aberta: revisão e reflexão. BIBLOS, 34(1), 161-175. https://doi.org/10.14295/biblos.v34i1.11189
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; Pedri & Araújo, 2021Pedri, P. & Araújo, R. F. 2021. Vantagens e desvantagens da revisão por pares aberta: consensos e dissensos na literatura. Revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 26, n. esp, p. 01‒18.; Ross-Hellauer & Görögh, 2019Ross-Hellauer, T ., & Görögh, E. (2019). Guidelines for open peer review implementation. Research integrity and Peer Review, 4(4), 1‒12., Ross-Hellauer, Deppe, & Schmidt, 2017SciELO DATA, Scientific Electronic Library Online. (2018). Available online from: https://scielo.org/pt/sobre-o-scielo/scielo-data-pt/.
https://scielo.org/pt/sobre-o-scielo/sci...
). Em função de tais controvérsias, optamos pela cautela em abrir as identidades, o que é feito ao final do processo avaliativo, exceto para trabalhos reprovados, considerando-se os constrangimentos envolvidos, bem como a falta de experiência e familiaridade da nossa área com esse processo.

Com relação ao texto do artigo-parecer, ele deve se basear no parecer do próprio parecerista, na carta resposta das pessoas autoras e no artigo original aceito para publicação. Nesse texto, é importante a retomada dos principais pontos destacados em sua análise do manuscrito sob avaliação e do modo como as pessoas autoras lidaram com tais aspectos na carta resposta e no artigo original aprovado, isto é, são apresentados detalhes do processo de avaliação. Pareceristas, especialistas nas temáticas tratadas no artigo original avaliado, devem ainda aprofundar a discussão da relação entre o artigo original e o campo do conhecimento sob uma determinada ótica, de modo a dar uma contribuição original de natureza teórica e/ou metodológica ao campo da pesquisa da Educação em Ciências e/ou ao ensino.

Com o OPR, a revista Ensaio tem buscado proporcionar maior valorização de pareceristas, mediante convite para publicação de um artigo fundamentado no parecer e maior transparência no processo avaliativo (em função da natureza do texto do artigo-parecer) e estimular a autoformação de pareceristas devido à oportunidade de compreenderem aspectos da avaliação feita por pareceristas experientes, considerando que as práticas sociais das comunidades científicas são aprendidas a partir da participação. Além disso, Varas Espinoza (2015Varas Espinoza, G. (2015). El informe de arbitraje en el proceso de revisión por pares de artículos de investigación: Niveles de retroalimentación según el tipo de evaluador. 68 f. Tesis (Tesis de Magíster en Estudios Latinoamericanos con mención en Lingüística) - Universidad de La Serena, La Serena, Chile. ) considera que o envolvimento de pareceristas com a revista (participação como pessoa avaliadora e autora que publica no periódico) é um fator importante para desenvolvimento de bons pareceres, repercutindo diretamente na qualidade das pesquisas publicadas.

ALGUNS CASOS DE PARECERES ABERTOS PUBLICADOS NA ENSAIO

Ao longo de 2021 e 2022, tivemos a oportunidade de publicar sete artigos-parecer identificados na seção Perspectivas da revista Ensaio. Todos foram fruto de um processo colaborativo no qual aprendemos e refletimos juntos.

Em nossa revista, esse tipo de publicação começa a partir de um acordo entre as pessoas envolvidas no fluxo de produção dos artigos: pessoas autoras, que concordam com a publicação dos artigos-parecer; pareceristas e equipe editorial. Por meio de uma reunião com a editoria, apresentamos as pessoas pareceristas convidadas a proposta de produção do artigo-parecer bem como os critérios para a elaboração desse texto (conforme apresentado neste editorial).

As pessoas autoras participam menos desse processo, uma vez que a decisão sobre convidar para a produção dos artigos-parecer é atribuição da editoria. Nas conversas com as pessoas autoras dos artigos aprovados, asseguramos que o artigo-parecer é construído a partir de um novo olhar sobre o parecer original e, mesmo quando eles contribuíram para modificações substantivas nos textos, não há um enfoque na comparação entre as versões do artigo que foram avaliadas, mas na sua apresentação final e, mais ainda, nos temas que ele provoca para reflexão. Entendemos, porém, que o processo também tem sido produtivo e formativo para pessoas autoras, que têm, com essa publicação, a oportunidade de ver seu texto lido e comentado, o que amplia em muito a divulgação e o debate em torno de suas ideias.

Em nossas experiências, tivemos três casos nos quais o artigo-parecer foi elaborado por dois pareceristas juntos. São eles: Instante de ver, tempo para compreender e momento de concluir: apontamentos sobre Psicanálise e Educação em Ciências, escrito por Wilson Elmer Nascimento e Alberto Villani e publicado em 2021, O subjetivo e o operacional na aprendizagem em ciências: uma articulação entre tipos de aprendizagem e tipos de conteúdo, escrito por Amanda Medeiros e Daniel Goulart, publicado em 2022 e A dialética consciente/não-consciente na concepção de mundo: implicações teóricas, metodológicas e práticas para o ensino de ciências da natureza na perspectiva histórico-crítica, escrito por Hélio da Silva Messeder Neto e Júlia Mazinini Rosa, publicado em 2022. Nos demais, apenas uma das pessoas pareceristas elaborou o texto com as referidas características.

Em geral, as respostas das pessoas pareceristas têm sido muito positivas; trata-se de pareceres construtivos e com diálogos ampliados que, de forma nenhuma, criticam de modo pejorativo o trabalho das pessoas autoras. Ao contrário, expandem as fronteiras dos seus textos para outras temáticas importantes na área. As pessoas pareceristas têm oportunidade de refletir tanto sobre sua atuação como avaliadoras quanto sobre o tema do artigo, uma vez que se tratam de especialistas nas perspectivas teóricas e/ou metodológicas dos estudos. Que têm nesse texto a oportunidade de desenvolver hipóteses e argumentos em diálogo com o artigo original.

Um exemplo importante para ilustrar essas experiências é o artigo-parecer Reflexões sobre o engajamento de estudantes no Ensino Remoto Emergencial, de autoria de TobiasEspinosa. Esse foi o primeiro artigo-parecer publicado em nossa revista (Espinosa, 2021Espinosa, Tobias. Reflexões sobre o engajamento de estudantes no Ensino Remoto Emergencial. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte) [online]. 2021, v. 23. https://doi.org/10.1590/1983-21172021230122.
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). O texto foi fruto de diálogo gerado a partir do parecer dado ao artigo Engajamento de estudantes em um Ensino Remoto e Emergencial de Física, publicado também em 2021, de autoria de Helder de Figueiredo e Paula, Sérgio Luiz Talim, Cecília Siman Salema e Vinícius Reis Camillo (Paula et al., 2021Paula, H. F., Talim, S. L., Salema, C. S., & Lamilo, V. R. (2021). Engajamento de estudantes em um Ensino Remoto e Emergencial de Física. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, 23. https://doi.org/10.1590/1983-21172021230117.
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). Esse artigo-parecer foi significativo para a editoria porque refletiu todo processo formativo em preparação para uma experiência com avaliações abertas e, ao mesmo tempo, foi capaz de alcançar os objetivos que esperávamos para aquele momento de nossa revista.

O parecer original trouxe contribuições as pessoas autoras, que avançaram em suas análises e construções teóricas. No artigo-parecer, por sua vez, o parecerista discutiu dois aspectos: i) diferentes perspectivas teóricas e indicadores do construto engajamento; e ii) fatores que podem influenciar o engajamento dos estudantes no Ensino Remoto Emergencial. Ao longo do texto, o parecerista retomou propostas importantes para o campo, buscou diálogos entre diferentes teorias e metodologias, aprofundando aquelas contribuições já presentes no artigo de Paula et al. (2021Paula, H. F., Talim, S. L., Salema, C. S., & Lamilo, V. R. (2021). Engajamento de estudantes em um Ensino Remoto e Emergencial de Física. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, 23. https://doi.org/10.1590/1983-21172021230117.
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). Outro aspecto importante, conforme a expectativa com as publicações de nossos artigos-parecer, é que o texto de Espinosa foi pautado nos elementos mais relevantes de seu parecer original, que além de terem promovido uma boa contribuição aos autores, foram ampliados e publicizados para outros leitores da área. Ao longo de 2021 e 2022, outros artigos-parecer foram publicados, cada um dando ênfase a determinados aspectos e sem uma fórmula ou roteiro pré-estabelecido. Em todos os casos, temos observado a produção de textos de alta qualidade que têm sido apreciados positivamente no campo.

APRENDIZAGENS SOBRE PARECERES CONSTRUTIVOS

A avaliação ou revisão por pares é uma prática fundamental no processo de publicação de artigos em periódicos científicos. Apoiados nesses pareceres, tomamos a decisão editorial final de aceite ou recusa do manuscrito e, nesses dois anos de organização do nosso trabalho editorial mediado pelo processo de avaliação por pares aberta, são eles que orientam a editoria adjunta a fazer convites a pareceristas para publicarem os artigos-parecer.

Em diversos momentos nos perguntamos: O que se constitui como parecer de qualidade? Quais elementos devem ser considerados na elaboração de bons pareceres? Nesta seção discutimos o que nossa equipe editorial tem pensado sobre tais questões.

Independentemente da decisão editorial, um bom parecer deve contribuir para o avanço da qualidade de um artigo, por isso, durante o processo de avaliação, uma pergunta que deve orientar a pessoa parecerista é: “Como o artigo poderia ser melhor? Sendo assim, o parecer deve ser redigido de forma construtiva, evitando hostilidade” (Hohendorff, 2021Hohendorff, J. V. (2021). Como Elaborar um Parecer de Artigo Científico? E porque Devemos Ser Revisores. Psicologia: Teoria E Pesquisa, 2021, v.37, e37. https://doi.org/10.1590/0102.3772e370001.
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, p.2). O mesmo autor sinaliza que a melhor forma de um parecer ser construtivo é indicando sugestões de modificação em formato de ação, ou seja, destacando claramente o que deve ser feito. A diretividade dos comentários e das correções dos avaliadores também é apontada por Varas Espinoza (2015Varas Espinoza, G. (2015). El informe de arbitraje en el proceso de revisión por pares de artículos de investigación: Niveles de retroalimentación según el tipo de evaluador. 68 f. Tesis (Tesis de Magíster en Estudios Latinoamericanos con mención en Lingüística) - Universidad de La Serena, La Serena, Chile. ) como um aspecto fundamental para um parecer construtivo. Isso significa que, ao invés de dizermos apenas que um parágrafo, argumento ou ideia precisam ser melhorados, é importante que indiquemos de forma mais específica os aspectos que precisam ser considerados pela autoria para a reestruturação do texto.

Além da diretividade e da clareza, van Rooyen, Black e Godlee (1999van Rooyen S., Black N., Godlee F. (1999). Development of the review quality instrument (RQI) for assessing peer reviews of manuscripts. J Clin Epidemiol. Jul; 52(7):625‒9. http://dx.doi.org/10.1016/s0895-4356(99)00047-5.
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) destacam que as sugestões e correções devam ser apresentadas com explicações sustentadas em evidências e apresentam outros aspectos que são fundamentais para estruturar o texto do parecer: discussão dos aspectos estruturais do artigo; apresentação da relevância e da originalidade da pesquisa; problematização dos aspectos teóricos, metodológicos e analíticos do estudo e discussão dos resultados da pesquisa. As modificações que realizamos nos formulários de avaliação da revista Ensaio direcionam as pessoas avaliadoras para que contemplem os aspectos destacados por van Rooyen, Black e Godlee (1999) em seus pareceres. Eles também foram ampliados para que sejam incorporadas reflexões sobre as implicações do estudo para a pesquisa em educação em ciências e os cuidados éticos da pesquisa.

Apesar de o tempo ser um fator que impacta na circulação do conhecimento e nas avaliações dos periódicos, Cabezas Del Fierro e colaboradores (2018Cabezas Del Fierro, P. C. D., Meruane, O. S., Espinoza, G. V., & Herrera, V. G. (2018). Peering into peer review: Good quality reviews of research articles require neither writing too much nor taking too long. Transinformação, 30(2). https://doi.org/10.1590/2318-08892018000200006.
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) consideram que essa variável e o tamanho do texto não definem a qualidade de um parecer. A partir de nossos estudos, compreendemos que um bom parecer deve ser construtivo. Para que ele apresente essa característica, os comentários e sugestões das pessoas avaliadoras devem ser realizados com clareza e com bom nível de direcionamento em relação a aspectos estruturais do artigo e dos elementos centrais da pesquisa científica.

DO OPR AOS DADOS ABERTOS: NOSSAS PERSPECTIVAS

Na carta dirigida à Ensaio pelas pessoas autoras, há informações sobre a disponibilização de dados suplementares àqueles já apresentados no corpo do manuscrito sob avaliação (por exemplo, dados brutos organizados em arquivos .csv para análises estatísticas, transcrições de entrevistas, garantindo anonimato dos participantes da pesquisa). Exceções são permitidas em casos de questões legais e éticas e devem ser expostas pelas pessoas autoras como restrições para disponibilizar a base de dados. O objetivo é facilitar a avaliação do manuscrito e, se aprovado, contribuir para a preservação e o reúso dos conteúdos e a reprodutibilidade das pesquisas (SciELO, 2018).

Esclarecemos à comunidade que dados suplementares são entendidos como fontes primárias, que devem estar organizados, sistematizados e registrados em bibliotecas de dados, estando totalmente acessíveis ou parcialmente acessíveis (a depender de questões éticas e legais) ao público em geral. Os dados abertos referem-se a materiais textuais ou de outra natureza, incluindo produtos e/ou componentes de pesquisas já realizadas ou em andamento, que são disponibilizados abertamente através de licenças (DOI) que permitam o download, a cópia, a análise e o reprocessamento. A disponibilização de bases de dados permite que uma pesquisa possa ser refeita e que se possa avaliar sua reprodutibilidade, verificar se os resultados são compatíveis com os dados e a fontes das evidências utilizados para as conclusões expostas no artigo e que sejam encontrados erros ou mesmo que as pessoas cheguem a novos achados (reúso de dados) (Clinio & Albagli, 2017Clinio, A., Albagli, S. Cadernos abertos de laboratório e publicações líquidas: novas tecnologias literárias para uma ciência aberta. Reciis - Rev Eletron Comun Inf Inov Saúde. 2017nov.; 11 (sup) |[www.reciis.icict.fiocruz.br] e-ISSN 1981‒6278.; Albagli, Clinio & Raytoch, 2014).

A Ensaio já conta com um repositório de dados (Dataverse SciELO), disponível em https://data.scielo.org/dataverse/brepec. O repositório SciELO é multidisciplinar e visa ao depósito, à preservação e à disseminação de dados de pesquisa de manuscritos submetidos ou aprovados para publicação ou já publicados em periódicos da rede SciELO. Os periódicos SciELO operam juntamente com o repositório SciELO para indexação, preservação e disseminação de dados relacionados com os artigos ali publicados, dando às pessoas autoras garantia de estabilidade no lócus de depósito dos dados.

Em sua equipe, a Ensaio conta com a atuação de uma editora que é responsável pela curadoria dos dados depositados no repositório, em paralelo com a análise técnica feita pela equipe SciELO Data. Para mais detalhes sobre o processo de submissão de dados ao repositório, acessar os documentos disponíveis em https://scielo.org/pt/sobre-o-scielo/scielo-data-pt/.

Na edição de 2022, inauguramos o processo de open data com a divulgação dos dados anonimizados do artigo Validação de teste em três camadas para avaliar perfis epistemológicos de densidade, escrito por Viviane Florentino de Melo e Amanda Amantes, disponível em https://data.scielo.org/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.48331/scielodata.G7PNYG .

Destacamos que a sugestão para publicação dos dados partiu de um dos pareceristas, Cláudio J. Cavalcanti, que atentamente observou a política de implementação da ciência aberta da revista e sugeriu que os dados fossem disponibilizados. Cláudio foi convidado para produzir um artigo-parecer sobre esse processo, que também que também está publicado nesta edição de 2023. As autoras aceitaram a sugestão do parecerista e retiraram qualquer forma de identificação dos participantes da pesquisa; ele revisou os dados - o que nos alertou para a necessidade de uma editoria de dados, visando não sobrecarregar o processo de avaliação - e as autoras publicaram seus dados na plataforma da Scielo.

Seguindo com esse processo, esclarecemos à comunidade que, ao final do texto dos manuscritos aprovados a partir do ano de 2023, serão especificadas as seguintes condições de disponibilidade de dados (baseado em https://wp.scielo.org/wp-content/uploads/Guia_TOP_pt.pdf) (SciELO, 2018):

1. Dados não disponíveis: O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente.

2. Dados disponíveis:

2.1. Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi publicado no próprio artigo.

2.2. Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no SciELO Dataverse e pode ser acessado em [URL ou DOI].

2.3. Todo o conjunto de dados anonimizados que dá suporte aos resultados deste estudo foi disponibilizado no SciELO Dataverse e pode ser acessado em [URL ou DOI].

3. Dados disponíveis mediante solicitação:

3.1. Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor(a) correspondente.

3.2. O conjunto de dados não está publicamente disponível devido a... [detalhar motivo da restrição; por exemplo, conter informação que compromete a privacidade dos participantes da pesquisa].

3.3. Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação à... [nome da organização].

Chegamos ao final deste editorial e narrar este processo nos permitiu compartilhar aprendizagens sobre diversos aspectos envolvidos nas práticas de ciência aberta, que temos assumido desde 2021, e apontar perspectivas para nosso trabalho em 2023 na composição do volume 25 da revista. Aproveitamos a oportunidade para agradecer às pessoas autoras que têm optado em socializar suas pesquisas em nossa revista e às pessoas avaliadoras pelo trabalho imprescindível que têm realizado na construção de pareceres construtivos. Gostaríamos de ampliar essa rede dialógica e, por isso, convidamos a comunidade acadêmica da área de Educação em Ciências a publicar e também emitir pareceres em nosso periódico. Entendemos, principalmente a partir da nossa articulação com as práticas de ciência aberta, que essa vinculação como pessoa autora e avaliadora implica em processos avaliativos mais consistentes, contribuindo para a qualidade das publicações da Ensaio, o que nos parece um caminho promissor para a pesquisa em Educação em Ciências.

REFERÊNCIAS

  • Albagli, S., Clinio, A., & Raytoch, S. 2014 Ciência Aberta: correntes interpretativas e tipos de ação. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v.10, n.2, p. 434‒450, novembro 2014.
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    Discussão que deu origem ao editorial “Vamos conversar sobre autoria?” da revista Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, de autoria de Bizerra e Sá (2022), e que pode ser acessado em https://www.scielo.br/j/epec/a/YFzCCLQZhFp7yYWnkKQN3sq/?lang=pt.
  • O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste editorial.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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