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A RESIDÊNCIA DOCENTE COMO ESPAÇO FORMATIVO: NARRATIVAS SOBRE A CONSTRUÇÃO DE SABERES E DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DE PROFESSORAS DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA

LA RESIDENCIA DOCENTE COMO ESPACIO DE FORMACIÓN: NARRATIVAS SOBRE LA CONSTRUCCIÓN DE SABERES Y DE LA IDENTIDAD PROFESIONAL DE DOCENTES DE CIENCIAS Y BIOLOGÍA

TEACHING RESIDENCY AS A FORMATIVE SPACE: NARRATIVES ABOUT THE CONSTRUCTION OF KNOWLEDGE AND PROFESIONAL IDENTITY OF SCIENCE AND BIOLOGY TEACHERS

RESUMO:

O presente trabalho, fundamentado na pesquisa-ação colaborativa e na pesquisa (auto)biográfica, foca as experiências formativas das autoras no Projeto de Ciências de um Programa de Residência Docente (PRD), tendo como objetivos: analisar os saberes que essas experiências possibilitaram produzir; elencar seus impactos sobre a formação e a construção da identidade docente e identificar as condições do PRD que favoreceram a construção dos saberes profissionais. Utilizando-se como metodologia a Análise do Discurso as três narrativas apontaram o início da carreira como etapa de intenso aprendizado, de transformações nas identidades profissionais e de condições de trabalho desfavoráveis. Relacionamos as alterações nas políticas curriculares sobre as licenciaturas à ampliação da formação pedagógica e experiencial dos professores. Caracterizamos a participação no PRD - Ciências como palco para o desenvolvimento da codocência e da pesquisa sobre a práxis, para a construção de diferentes saberes profissionais e para o desenvolvimento da identidade docente das autoras, enquanto professoras-pesquisadoras-autoras.

Palavras-chave:
Formação Continuada de Professores de Ciências e Biologia; Residência Docente; Identidade Docente

RESUMEN:

Este trabajo, basado en investigación-acción colaborativa e investigación (auto)biográfica, se enfoca en las experiencias formativas de las autoras en un Proyecto de Ciencias de un Programa de Residencia Docente (PRD). La investigacióntuvo los siguientes objetivos: analizar los saberes que estas experiencias posibilitaron producir; listar sus efectosen la formación y construcción de la identidad docente, e identificar las condiciones del PRD que favorecieron la construcción del conocimiento profesional. El proceso analítico se basó en el Análisis del Discurso. Las tres narrativas tuvieron como punto común la identificación del inicio de la carrera como una etapa de intenso aprendizaje, transformaciones en las identidades profesionales y condiciones laborales desfavorables. Relacionamos los cambios en las políticas curriculares sobre las carreras de formación de profesoradocon la expansión de la formación pedagógica y experiencial de los docentes. Caracterizamos la participación en el PRD - Ciencias como un escenario para el desarrollo de la codocencia y la investigación sobre la praxis, para la construcción de diferentes saberes profesionales y el desarrollo de la identidad docente de las autoras, como docentes-investigadoras-autoras.

Palabras clave:
Formación Continua del Profesorado de Ciencias y Biología; Residencia Docente; Identidad Docente

ABSTRACT:

The presentwork, based on collaborative action research and (auto)biographical research, focuses on the formative experiences of the authors in a Science Project within a Teaching Residency Program (PRD), aiming to analyze the knowledge produced by these experiences, list their impacts on teacher training and identity construction, , and to identify the conditions of the PRD that favored the construction of professional knowledge. The analytical process was based on Discourse Analysis. The three narratives had as a common point the identification of the beginning of the career as a stage of intense learning, transformations in professional identities and unfavorable working conditions. We relate the changes in curricular policies on undergraduate courses to the expansion of pedagogical and experiential training of teachers. We characterize the participation in the PRD as a stage for the development of co-teaching and research on praxis, the construction of different professional knowledge and the development of the authors’ teaching identity, as teachers-researchers-authors.

Keywords:
Science’s Teacher Education; Teaching Residency; Teacher Identity

INTRODUÇÃO

A formação docente é um processo permanente pelo qual transitamos durante nossas vidas de professores. Como já apontado por Tardif (2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .), Nóvoa (2019Nóvoa, A. (2019). Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, 19(1), 198-208.) e Arroyo (2000Arroyo, M. G. (2000). Ofício de Mestre: imagem e auto-imagem. Petrópolis: Vozes.), os primeiros anos de carreira são cruciais para a afirmação do pertencimento ao grupo profissional. Nos anos iniciais de trabalho, identidades docentes são construídas e a decisão de permanecer na profissão é tomada, evidenciando o peso que esse período tem na construção dessa classe profissional (Huberman, 2007Huberman, M. (2007). O ciclo de vida profissional dos professores. In: Nóvoa, A. (Org.). Vidas de Professores (2a ed., pp. 31-72). Porto: Porto Editora.).

Um dos grandes problemas da formação docente tem sido o seu caráter excessivamente teórico e o seu afastamento da realidade das escolas (Gatti; Barreto, 2009Gatti, B. A. & Barreto, E. S. S. (2009). Professores do Brasil: Impasses e Desafios. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Brasília: UNESCO.; Nóvoa, 2009Nóvoa, A. (2009). Para uma formação de professores construída dentro da profissão. Revista de Educación, 350. http://www.educacionyfp.gob.es/revista-de-educacion/dam/jcr:31ae829a-c8aa-48bd-9e13-32598dfe62d9/re35009por-pdf.pdf
http://www.educacionyfp.gob.es/revista-d...
, 2017Nóvoa, A. (2017). Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, 47(166), 1106-1133.). Atentos a isso, autores como Nóvoa (2009)Nóvoa, A. (2019). Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, 19(1), 198-208. e Tardif (2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .) apontam que a formação docente seja construída dentro da própria profissão, isto é, “baseada numa combinação complexa de contributos científicos, pedagógicos e técnicos, mas que tem como âncora os próprios professores, sobretudo os professores mais experientes e reconhecidos” (Nóvoa, 2009Nóvoa, A. (2009). Para uma formação de professores construída dentro da profissão. Revista de Educación, 350. http://www.educacionyfp.gob.es/revista-de-educacion/dam/jcr:31ae829a-c8aa-48bd-9e13-32598dfe62d9/re35009por-pdf.pdf
http://www.educacionyfp.gob.es/revista-d...
, p. 9). Dessa forma, além dos conceitos de identidade e profissionalidade (Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.), pensar na formação docente implica problematizar e conhecer os saberes (conhecimentos, competências, habilidades, saber-ser, saber-fazer) profissionais do professorado (Roldão, 2007Roldão, M. C. (2007). Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação, 12(34), 94 - 103.; Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .). Algumas pesquisas têm sido conduzidas no sentido de refletir sobre os saberes docentes e sua natureza, de modo que podemos identificar um movimento de compreensão destes a partir da perspectiva do trabalho, conferindo ao professorado maior protagonismo e autonomia em relação a esses saberes (Tocafundo et al., 2017Tocafundo, R. D., Nascimento, S. S. & Moreno, A. (2017, 5 a 8 de setembro). Reflexões sobre o distanciamento entre Saberes Teóricos e Práticos na formação acadêmica de professores de Educação Básica. [Anais]. XCongreso Internacional sobre Investigación em Didáctica de lãs Ciencias, Araraquara. https://raco.cat/index.php/Ensenanza/article/view/339799/430764
https://raco.cat/index.php/Ensenanza/art...
; Freitas, 2021Freitas, C. A. (2021). Saberes profissionais docentes em construção em um projeto de ciências na Residência Docente da UFJF. Instrumento, 23(3). ed. Especial, 504-521.).

Este texto se alinha a tais pesquisas e relata nossas experiências formativas desenvolvidas no projeto de Ciências de um Programa de Residência Docente (PRD) entre 2019 e 2020, com o objetivo de refletir sobre os saberes que essas experiências nos possibilitaram produzir e sobre suas implicações em nossa formação docente. Como objetivo secundário, visamos identificar condições concretas possibilitadas pelo PRD que favoreceram a construção de identidades (Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.) e dos saberes profissionais (Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .). Entendemos que o PRD é uma política importante no sentido de formar professores comprometidos com o ensino de qualidade e a educação inclusiva. Portanto, apresentar reflexões sobre nossas participações nesse programa é fundamental para debater a formação docente e o funcionamento dessa política.

O Programa foi gestado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em 2018, e desenvolvido em seu Colégio de Aplicação João XXIII (Cap),a partir de 2019, visando contribuir para a formação do professorado da Educação Básica, por meio da formação continuada, na forma de Especialização lato sensu, voltada para docentes recém-formados (até três anos) em cursos de licenciatura. Com a duração de 12 meses, o residente deve cumprir o total de 2880 horas de atividades anuais, o que representa 60 horas semanais de atividades presenciais e extraclasse. É importante destacar que os residentes aprovados no processo seletivo contam com bolsa de estudos, no mesmo valor das residências na área de saúde e atuam em regime de dedicação exclusiva, diferenciando-se do projeto de Residência Pedagógica, do Governo Federal.

O PRD é pautado pelo acolhimento do docente iniciante e sua imersão no ambiente profissional, sob a supervisão de docentes experientes. As atividades do programa envolvem três áreas: docência, setores administrativo-pedagógicos e produção acadêmica. Em sua primeira edição, que ocorreu entre março de 2019 e março de 2020, contemplou 11 professores em 10 disciplinas escolares (Matemática, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira - Espanhol, Artes, Pedagogia - Anos Iniciais e Educação Infantil, Ciências Humanas - História e Geografia e Ciências da Natureza - Biologia e Química). A investigação sobre o projeto de Ciências da Natureza buscou responder que saberes o PRD possibilitou serem produzidos pelas professoras nele envolvidas e as consequências para a formação docente. Para divulgar os resultados, apresentamos este texto, que está organizado da seguinte forma: apresentação dos referenciais teórico-metodológicos que guiaram a pesquisa; descrição das formas de produção dos dados; exposição dos resultados e, por fim, tecemos algumas considerações sobre tais resultados.

REFERENCIAIS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

A identidade profissional docente é definida por Pimenta (1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.) como um processo de construção, pelo professor, de sua identidade, a partir dos significados que atribui às atividades cotidianas, com base em sua história de vida, seu modo de se situar no mundo, seus valores, seus saberes, suas angústias e sua rede de relações com outros professores, com a escola e outros grupamentos sociais. A significação social da profissão é construída no processo de construção das identidades docentes, em que professores buscam, em significados e valores atribuídos pela sociedade à profissão, a revisão e a manutenção de suas tradições, o confronto entre as teorias e as práticas, sua análise sistemática e (re)construção de novas teorias. Nesse sentido, para Pimenta (1999), a identidade docente se estabelece em íntima relação com os valores sociais e os saberes que configuram a docência.

De acordo com Oliveira e colaboradores (2006Oliveira, Z. M. R.; Silva, A. P. S.; Cardoso, F. M. & Augusto, S. O. (2006) A construção da identidade docente: relatos de educadores de educação infantil. Cadernos de Pesquisa, 36(129), 547-571.), que investigaram a constituição da identidade de professoras da educação infantil a partir de suas narrativas em um curso de formação continuada,

a construção da identidade é compreendida como um processo contínuo que ocorre no fluxo das atividades sociais. Mais do que instâncias estanques, as identidades precisam ser compreendidas dentro de relações carregadas de poder e, por isso mesmo, ser caracterizadas como relações de subordinação, cooperação ou competição, a depender do contexto e dos interlocutores. Pensar a construção da identidade da perspectiva da rede de significações nos afasta de um entendimento linear dos modos de relação entre as identidades e nos leva a conceber cada posição identitária articulada com outras linhas de identidade numa teia de relações e disposições sociais e históricas” (Oliveira et al., 2006Oliveira, Z. M. R.; Silva, A. P. S.; Cardoso, F. M. & Augusto, S. O. (2006) A construção da identidade docente: relatos de educadores de educação infantil. Cadernos de Pesquisa, 36(129), 547-571., p. 553)

Como as autoras citadas, entendemos que a construção da identidade é um processo coletivo e que envolve o reconhecimento, pelos outros, das formas de ser, das posições sociais e de lugares de enunciação que desenvolvemos ao participar de nossas atividades cotidianas, nomeadamente as profissionais docentes. Esse reconhecimento, assim como a própria construção da identidade, se manifesta e se constrói por meio de narrativas (Ferreira & Guerra, 2020Ferreira, A. C. & Guerra, A. (2020). A construção da identidade docente de licenciados em física e matemática: relatos sobre o processo formativo. Revista de Estudos em Educação e Diversidade, 1(1), 83-96. http://periodicos2.uesb.br/index.php/reed; Lopes de Oliveira, 2012Lopes de Oliveira, M. C. S. (2012).Narrativas e desenvolvimento da identidade profissional de professores. Cad. Cedes, Campinas, 32(88), 369-378.).

O relato das nossas histórias, profissionais e pessoais, tanto pode nos mostrar como estamos nos (re)construindo, continuamente, quanto produz essa (re)construção, em um processo enredado em histórias de tantas outras pessoas que formam a teia de identidades nas quais estamos socialmente engajados. Esses relatos, ou narrativas, constituem um material muito importante nas investigações sobre a formação docente, especialmente sobre as identidades docentes e os saberes que as produzem (Ferreira & Guerra, 2020Ferreira, A. C. & Guerra, A. (2020). A construção da identidade docente de licenciados em física e matemática: relatos sobre o processo formativo. Revista de Estudos em Educação e Diversidade, 1(1), 83-96. http://periodicos2.uesb.br/index.php/reed; Lopes de Oliveira, 2012Lopes de Oliveira, M. C. S. (2012).Narrativas e desenvolvimento da identidade profissional de professores. Cad. Cedes, Campinas, 32(88), 369-378.). De acordo com o círculo de Bakhtin (Brait, 2009Brait, B. (2009). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contextos.), narrativas compõem um gênero discursivo que possibilita a construção do processo identitário do grupo e de cada um, envolvendo saberes da profissão que caracterizam as identidades profissionais docentes. Nesse sentido, entendemos que não há apenas uma identidade profissional, mas várias que podem coexistir, referentes a um mesmo professor e que vão se alterando ao longo do tempo.

Partimos do princípio de que os saberes docentes que constituem essas identidades devem ser compreendidos em intrínseca relação com o trabalho nas escolas, de modo que os diferentes saberes que se originam pela experiência de trabalho têm grande importância, constituindo o saber-fazer e o saber-ser fundamento da competência profissional. Esse pensamento se opõe à relação que os docentes têm estabelecido, tradicionalmente, com os saberes da formação profissional, que é uma relação de exterioridade que se manifesta por meio de uma tendência a desvalorizar a própria formação profissional, associando-a a “pedagogia e às teorias abstratas dos formadores universitários” (Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes ., p. 41). Tardif aponta o distanciamento entre os saberes disciplinares, curriculares e de formação profissional em relação aos saberes experienciais, assumindo sua centralidade. Em suas palavras:

Diante dessa situação, os saberes experienciais surgem como núcleo vital do saber docente, núcleo a partir do qual os professores tentam transformar suas relações de exterioridade com os saberes em relação de interioridade com sua própria prática. (...) Caberia perguntar se o corpo docente não lucraria em liberar os seus saberes da prática cotidiana e da experiência vivida, de modo a levá-los a serem reconhecidos por outros grupos produtores de saberes e impor-se, desse modo, enquanto grupo produtor de um saber oriundo de sua prática e sobre o qual poderia reivindicar um controle social legítimo (Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes ., p. 54).

Segundo Tardif (2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .), os saberes profissionais que são, simultânea e interativamente, de natureza social e individual, têm origem em diferentes fontes: experiências profissionais e pré-profissionais, instituições de formação, práticas coletivas, programas escolares, diretrizes curriculares, livros didáticos, dentre outras fontes. São definidos como um amálgama de saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes experienciais. Os saberes da formação profissional, assim como os saberes disciplinares e curriculares, são tradicionalmente trabalhados nas instituições de formação docente, enquanto os saberes experienciais são construídos a partir da experiência e validados por ela. Embora apresentem denominações e categorizações diferentes para os saberes docentes, diversos autores (Pimenta, 1998Pimenta, S. G. (1998). Formação de Professores: Saberes da Docência e Identidade do Professor. In: Fazenda, I. C. A. (org.). Didática e interdisciplinaridade. Campinas: Papirus.; Pórlan et al., 1997Porlán, R. A., Rivero, A. G. & Martín, R. (1997). Conocimiento profesional y epistemología de lós profesores I: teoría, métodos e instrumentos. Enseñanza de lãs Ciencias, 15(2), 155-171.; Shulman, 1986Shulman, L. (1986). Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching. Educational Researcher, 15(2), 4-14.; Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .) ressaltam a importância dos saberes experienciais, os quais são os mais valorizados pelos docentes e a partir dos quais estes avaliam sua formação inicial e contínua (Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .).

Os saberes da formação profissional são os conhecimentos produzidos pelas Ciências da Educação, sendo os saberes destinados à formação científica e erudita e da ideologia pedagógica, doutrinas ou concepções que se originam na reflexão sobre a prática educativa, enquanto os saberes disciplinares advêm das tradições culturais e de grupos sociais produtores de saberes em diversos campos disciplinares do conhecimento. Os saberes curriculares são o conjunto de saberes sociais selecionados pela cultura erudita, articulados por meio de organização curricular, objetivos e métodos, sendo construídos ao longo da carreira. Por fim, “os saberes experienciais não são saberes como os demais, são, ao contrário, formados de todos os demais, mas retraduzidos, ‘polidos’ e submetidos às certezas construídas na prática e na experiência” (Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes ., p. 54).

As reflexões que ora apresentamos sobre esses saberes experienciais se desenvolveram a partir de duas concepções teórico-metodológicas da pesquisa no campo da Educação: a pesquisa-ação colaborativa (Ibiapina, 2008Ibiapina, I. M. L. M. (2008). Pesquisa Colaborativa: Investigação, formação e produção de conhecimentos. Brasília: Liber livro Editora.) e as pesquisas (auto)biográficas (Abrahão, 2016Abrahão, M. H. M. B. (2016). Intencionalidade, reflexividade, experiência e identidade em pesquisa (auto)biográfica: dimensões epistemo-empíricas em narrativas de formação. In: Bragança, I. F. S., Abrahão, M. H. M. B., Ferreira, M.S (Orgs.). Perspectivas epistêmico- metodológicas da pesquisa (auto)biográfica (pp. 29-50). Curitiba: CRV,.). A pesquisa-ação colaborativa tem como propósito transformar as escolas em comunidades críticas de professores que problematizam, refletem e reformulam suas práticas, buscando sua emancipação profissional. Essa modalidade de pesquisa foi eleita por nós por aliar formação e produção de conhecimento a partir da colaboração. Dessa forma, o presente estudo é relatado, em algumas partes desse texto, na primeira pessoa do plural, uma vez que buscamos investigar aspectos que vivenciamos. A experiência de participar do programa, conhecendo sua potencialidade a partir das práticas formativas, constituiu-nos como participantes e investigadoras, analisando os dados construídos em nossas narrativas, a partir de uma perspectiva situada e única. Essa perspectiva nos é muito cara, pois, de acordo com Morais et al. (2021Morais, J. S., Bragança, I. & Prado, G. V. T. (2021). Conhecimentos, experiências e afetos em narrativas (auto)biográficas compartilhadas em uma pesquisa formação. Revista Cocar, 15(32), 1-20., p.4), as singularidades presentes em cada pessoa são relevantes para a formação pessoal e profissional.

Assim, para recuperar essa subjetividade, é indispensável refletir sobre si e sobre o outro, a partir de grupos coletivos. Instituímos nosso pensar coletivo a partir da nossa participação no Projeto de Ciências do PRD, em que desempenhávamos diferentes papéis: professora pesquisadora das atividades formativas, professora residente e professora orientadora. A partir desses papéis, iniciamos o processo de discussão, pela leitura de alguns textos com resultados de análises feitas pela professora pesquisadora sobre o PRD, no âmbito de seu pós-doutorado. Essa discussão levou ao movimento de reflexão coletiva sobre nossas experiências, identidades e formações, em que as singularidades dos processos formativos foram trazidas ao foco de nossas lentes analíticas, constituindo-se como objeto de pesquisa. Portanto, iremos nos referir a nós mesmas pelos papéis que desempenhávamos nesse processo: professora orientadora, professora pesquisadora e professora residente.

Passamos, então, a refletir sobre nosso trabalho de elaboração de narrativas escritas sobre a participação no PRD, iniciando um processo fundamentado em princípios metodológicos das pesquisas (auto)biográficas (Abrahão, 2016Abrahão, M. H. M. B. (2016). Intencionalidade, reflexividade, experiência e identidade em pesquisa (auto)biográfica: dimensões epistemo-empíricas em narrativas de formação. In: Bragança, I. F. S., Abrahão, M. H. M. B., Ferreira, M.S (Orgs.). Perspectivas epistêmico- metodológicas da pesquisa (auto)biográfica (pp. 29-50). Curitiba: CRV,.). Uma narrativa (auto)biográfica revela um lugar entre vários, em que os autores assumem o papel de escritor, narrador e personagem de sua própria história com o desafio de refletir, escrever, articular e analisar elementos da formação e da prática profissional (Prado et al, 2008Prado, G. V. T., Cunha, R. C. O. B. & Soligo, R. (2008). Memorial de formação: uma narrativa pedagógica de profissionais da educação. In: Passeggi, M. C. & Barbosa, T. M. N. (Orgs.). Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus.). O método (auto)biográfico diz, então, de uma investigação de narrativa do eu que constitui uma inteligibilidade biográfica, ou seja, como aprendemos sobre nossas próprias vidas e o que fazemos delas quando contamos e recontamos nossas histórias (Abrahão, 2016) em um processo que se fundamenta nos princípios da reflexão, da experiência e da intencionalidade. O processo de análise das narrativas que empreendemos se baseou na Análise do Discurso (AD) de vertente sociolinguística que, segundo Cameron (2001Cameron, D. (2001). Working with spoken discourse. London: Sage Publications.), apoia-se, principalmente, na antropologia cultural, na etnografia da comunicação e na filosofia do círculo de Bakhtin.

Para os autores do círculo de Bakhtin (Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.), a linguagem é um processo constitutivo do ser humano e é também fenômeno semiótico: ideológico e material, ao mesmo tempo. A atividade mental humana se realiza mediante sua materialização na linguagem que se apresenta nas diversas formas de organizações sociais, que vão das menos sistematizadas até os sistemas ideológicos mais solidamente constituídos, tais como as ciências e as artes. A linguagem é usada para a expressão de uma consciência em relação às outras, em relação ao meio social e cultural em que essa consciência está (Bakhtin, 2002Bakhtin, M. (2002). Questões de Literatura e de Estética. A Teoria do Romance. 5ª ed. São Paulo: Editora HucitecAnnablume.; Brait, 2006Brait, B. (2009). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contextos.; Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.; Volochinov, 2006).

Discurso, definido a partir dessa perspectiva, é a linguagem em uso e sua análise envolve o uso de um corpo de “conceitos, noções e categorias que especificam a postura dialógica diante do corpus discursivo, da metodologia e do pesquisador” (Brait, 2006Brait, B. (2009). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contextos., p. 29). Essa concepção de discurso implica entender a linguagem como um objeto de estudo vivo, um “acontecimento”, seus significados como construídos e não estáveis e, portanto, a tarefa da AD se baseia em realizar interpretações a partir dos contextos em que o acontecimento se constitui. Para o analista do discurso, é o uso da linguagem, com sua história, seus participantes e sua situação concreta, que constitui seu corpus de análise.

A dialogia é um princípio de funcionamento da linguagem que orienta a produção de enunciados (Bakhtin, 2002Bakhtin, M. (2002). Questões de Literatura e de Estética. A Teoria do Romance. 5ª ed. São Paulo: Editora HucitecAnnablume.; Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.; Volochinov, 2006) cuja análise deve ser feita, então, a partir da busca pelo estabelecimento de relações entre eles no que diz respeito ao objeto de que eles falam e ao lugar sócio-histórico dos sujeitos que falam. Em relação ao objeto, qualquer enunciado concreto o encontra já avaliado por outros enunciados, como que “envolto por uma atmosfera social de discursos, por uma espécie de aura heteroglóssica”, uma densa camada de sentidos depositados sobre objeto do enunciado (Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial., p. 49).

No que diz respeito ao lugar sócio-histórico dos sujeitos, a dialogia pode ser entendida como as relações de sentido que se estabelecem entre dois enunciados postos por diferentes vozes sociais que o constituem. Voz, nessa concepção, tem o sentido de um lugar social de onde um indivíduo fala, uma posição de enunciação que possibilita certas análises e não outras, certas produções de sentido e não outras (Bakhtin, 2002Bakhtin, M. (2002). Questões de Literatura e de Estética. A Teoria do Romance. 5ª ed. São Paulo: Editora HucitecAnnablume.; Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.). Buscamos tratar as narrativas feitas em três diferentes vozes, desenvolvendo o trabalho em duas frentes de análise: 1- a partir das relações entre nossos enunciados e os objetos de que falamos, centramos nossa atenção nos saberes experienciais; 2- a partir das relações entre nossos enunciados e os lugares sociais de onde falamos como profissionais e os lugares que ocupávamos dentro do PRD, focamos na (des)construção de identidades profissionais (Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.).

PERCURSO METODOLÓGICO

Somos licenciadas em Ciências Biológicas e, embora estivéssemos, de certa forma, investigando os processos educativos no âmbito do projeto, a professora pesquisadora, que estava em estágio pós-doutoral, tinha esse propósito definido de antemão por seu projeto de pesquisa, não tendo lecionado no PRD. Portanto, vamos nos denominar usando os termos: pesquisadora, para a professora que estava no processo de pós-doutorado; residente, para a professora que estava recém-formada e era residente em Ciências no PRD; e orientadora, para a professora que estava orientando a residente no PRD. A residente e a orientadora investigavam sua própria prática como professoras de Ciências Naturais no Ensino Fundamental II no Cap. Portanto, serão três diferentes vozes sociais (Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.) a narrar e analisar fenômenos educativos, com o objetivo de compreender como os saberes experienciais, objeto de estudo da pesquisadora, constituem o trabalho das professoras, como elas/nós usam/os esses saberes, com que finalidade e com quais consequências.

As narrativas foram feitas em 2021, a partir do momento em que alguns resultados parciais, construídos pela pesquisadora, foram compartilhados com as participantes da pesquisa. A partir da leitura deles, trocamos algumas reflexões, vendo, assim, a possibilidade da escrita em grupo de um texto analítico-reflexivo. Por e-mail, iniciamos o movimento de estudo, escrevendo e compartilhando narrativas sobre nossas experiências, buscando responder: o que aprendemos ao participar do PRD?

Dividimos, heuristicamente, o processo em quatro fases, quais sejam: 1- fase de elaboração individual das narrativas, em que cada uma de nós escreveu sua experiência a partir da questão orientadora; 2- fase de trabalho coletivo com as narrativas, em que construímos um texto único em arquivo compartilhado, no qual escrevemos comentários e, depois, nos reunimos por videoconferência para discuti-los; 3- fase de compreensão das narrativas, em que escrevemos o que pensamos dos comentários umas das outras em um texto analítico; 4- fase do balanço final, em que nos encontramos para discutir os resultados.

TRAJETÓRIAS QUE SE CRUZAM NA RESIDÊNCIA DOCENTE

No momento em que escrevemos este texto, a professora pesquisadora tinha 30 anos de experiência, na Educação Básica e Ensino Superior, a professora orientadora, 15 anos de experiência na Educação Básica e Ensino Superior e a professora residente, três anos na Educação Básica. Uma primeira leitura das narrativas nos permitiu identificar pontos em comum em nossas experiências no PRD e pontos em que as experiências são distintas.

Um dos pontos semelhantes se situa nas introduções das narrativas em que ressaltamos o início das carreiras como um tempo de trabalho intenso, vivido em condições desafiadoras, em escolas da rede pública estadual. Apesar das dificuldades, as narrativas afirmam que este foi um período de muito aprendizado e de transformações em nossas identidades profissionais (Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.) que direcionaram nossos trabalhos e investimentos em estudos.

Em tom de inconformismo, nossas narrativas questionam as diferentes realidades sócio-históricas que vivenciamos nos anos iniciais do magistério como desanimadoras, entendendo que se deram em condições muito distintas das que Nóvoa (2019Nóvoa, A. (2019). Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, 19(1), 198-208.) considera ideais para o início de uma carreira docente. Esse autor foi citado, direta ou indiretamente, nas três narrativas. Suas pesquisas indicam a necessidade de apoio substancial ao professor em início de carreira, já que são os anos mais decisivos, pois marcam relações com alunos e com outros professores.

Entretanto, o que vivenciamos em nossos primeiros anos de trabalho foi a falta de apoio e estímulo para permanecer na profissão. Os sentidos que construímos sobre o trabalho docente na formação inicial foram se transformando, de sentidos idealizados sobre o fazer pedagógico da professora de Biologia nas escolas públicas para sentidos que remetem à desprofissionalização e ao desencanto. Nossas reflexões esboçam explicações sobre as razões para seguirmos na profissão e indicam que vivenciar a carreira docente demandou de nós persistência, investimentos materiais e esperança na transformação pessoal e social.

Narrar esse processo de resistência produziu reflexões sobre um mesmo objeto: a construção da identidade profissional (Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.) no início da carreira e seus percalços. A construção da identidade é um processo complexo em que as narrativas têm papel fundamental (Gee, 2001Gee, J. (2001). Identity as analytic lens for research in education. Review of Research in Education,(25), 99-125.), pois, por meio delas é que dizemos quem somos, sendo que as histórias que contamos e que contam sobre nós vão construindo as identidades com as quais somos reconhecidos. Ao afirmarmos, nas narrativas, compromissos políticos e sociais, construímos para nós uma identidade comprometida com a dignificação dos professores e valorização da profissão.

As reflexões apresentadas nas narrativas produzem para o PRD o sentido de ser um lugar de engajamento na profissionalização, um espaço que possibilitou desafiar o tradicional percurso de início da carreira, de desrespeito e precariedade, historicamente, no Brasil (Gatti, 2012Gatti, B. (2012). Reconhecimento social e as políticas de carreira docente na educação básica. Cadernos de Pesquisa, 42(145), 88-111.), a despeito das políticas públicas já engendradas para tentar reverter isso. Segundo Gatti (2012), o reconhecimento dos docentes da Educação Básica como profissionais essenciais ao país passa pela oferta de carreira digna e de remuneração condizente à formação deles exigida e ao trabalho que é deles esperado, de modo que a disparidade entre os discursos e as condições materiais reais que perpassam toda a carreira gera um senso de injustiça na categoria.

O senso de injustiça criado nas condições de formação e trabalho do coletivo de professores é fator que mobiliza, paralisa ou perturba sua atuação em razão da interferência de preocupações diversas, não só da própria sobrevivência material cotidiana (condições de habitação, alimentação, vestimenta, atendimento de saúde etc.), como também de sua sobrevivência intelectual (custear cursos, comprar livros, frequentar cinema, teatro etc.) (Gatti, 2012Gatti, B. (2012). Reconhecimento social e as políticas de carreira docente na educação básica. Cadernos de Pesquisa, 42(145), 88-111., p. 95).

Tal situação não se alterou na última década, mesmo que já tenha sido apontada por especialistas, ou seja, é um problema crônico destacado nas três narrativas e que o PRD busca equacionar. Citamos, aqui, trechos das narrativas que apresentam reflexões sobre vivências que expressam compromisso com uma identidade profissional e remetem ao senso de injustiça que Gatti (2012Gatti, B. (2012). Reconhecimento social e as políticas de carreira docente na educação básica. Cadernos de Pesquisa, 42(145), 88-111.) traz à tona em suas análises.

Conhecer esse início turbulento talvez nos ajude a entender o papel do PRD na minha formação, de fortalecimento da minha identidade docente comprometida com a luta pela transformação social e da ampliação de meus saberes. E, mais do que isso, por me possibilitar experienciara docência para além desse espaço de negação e frustração. (Residente)

Encerro reafirmando meu compromisso político, ético e profissional de investigar e tornar públicas as contribuições da Residência Docente, de modo que este programa possa ser ampliado e estendido a todo o país, possibilitando uma indução digna e valorosa a todas/os professoras/es deste país na “profissão mais importante de todas”. (Orientadora)

Essa experiência de pesquisa [no PRD] me fez ressignificar, mais uma vez, minha identidade de professora-pesquisadora-formadora, hoje valorizo muito mais os saberes práticos entendendo-os como pivô da organização do pensamento dos professores, um eixo em torno do qual novas experiências e novas teorias acadêmicas vão sendo incorporadas pelos docentes para realizar seu trabalho. (Pesquisadora)

Como afirma Pimenta (1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.), uma identidade profissional se constitui a partir da significação social da profissão, da reafirmação de práticas consagradas culturalmente, de suas contínuas transformações e do significado que cada profissional confere à atividade que realiza “a partir de seus valores, modos de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor” (Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora., p. 19). Os trechos de nossas narrativas selecionados e aqui reproduzidos expressam posições pessoais de comprometimento com uma formação docente apoiada na valorização da solidariedade e do saber originado na prática docente, orientada pelos anseios de construção de uma identidade profissional em condições de trabalho dignas.

Em relação a essa identidade mais digna, Nóvoa (2019Nóvoa, A. (2019). Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, 19(1), 198-208.), afirmando que é necessário repensar com ousadia e coragem a formação docente de modo a contribuir na luta contra essa desprofissionalização, denuncia três “silêncios” em relação ao tempo que ele denomina período de indução profissional, quais sejam: o silêncio das instituições formadoras, o das políticas educativas e o silêncio da própria profissão docente, isto é, dos docentes em exercício, mais experientes e que deveriam assumir um maior compromisso com a formação dos seus jovens colegas. O PRD é uma resposta a esses silêncios e nossas narrativas são enunciadas a partir de uma mesma voz social (Bakhtin, 2002Bakhtin, M. (2002). Questões de Literatura e de Estética. A Teoria do Romance. 5ª ed. São Paulo: Editora HucitecAnnablume.), qual seja, a de professoras comprometidas com a construção do sentido de valorização da docência.

Após ressaltar as semelhanças entre as três narrativas, passamos, agora, a abordar as diferentes experiências relatadas em relação a como cada uma de nós vivenciou o PRD. Estabelecemos dois eixos de reflexão: um identitário e outro epistemológico. Em relação a cada um, passamos a tecer relações entre a construção da identidade docente (Melo et al., 2021Melo, C. I. B., Silva, S. P. & Falcão, G. M. B. (2021). Identidade e desenvolvimento profissional docente: dinâmica e implicações. Revista Cocar, 15(32), 1-21.; Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.), o papel do PRD nessa construção e na produção dos saberes docentes, buscando sentidos sobre a importância dessa produção.

EIXO IDENTITÁRIO

Em relação ao processo de construção da identidade profissional, observamos que as duas professoras que se formaram há mais tempo se identificavam, no início da carreira, como biólogas e não como professoras, enquanto a professora residente, recém-formada à época, não se identifica assim, afirmando-se como professora em todas as experiências narradas. Pensamos que isso se deva ao fato de a profissão docente, até os anos 2002, ser regida pelo sistema formativo 3 + 1, em que o licenciando fazia as disciplinas das Ciências Biológicas em três anos e, depois, cursava as “disciplinas pedagógicas”, no ano final do curso, junto com o estágio (Gatti, 2019Gatti, B. A., Barreto, E. S. S., André, M. E. D. A. & Almeida, P. C. A. (2019). Professores do Brasil: novos cenários de formação. Brasília: UNESCO.; Santos;Mororó, 2019Santos, C. W. & Mororó, L. P. (2019). O desenvolvimento das licenciaturas no Brasil: dilemas, perspectivas e política de formação docente. Rev. HISTEDBR On-line, Campinas, 19, 1-19. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/download/8652339/20841/53706
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), o que veio a mudar com a Resolução CNE/CP n° 01/2002 (Brasil, 2002Brasil (2002). Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res1_2.pdf
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/...
) que estabeleceu novas diretrizes para os cursos de licenciatura.

A política curricular anterior a 2002 favoreceu um processo formativo em que a prática pedagógica não era componente curricular das licenciaturas e os conteúdos disciplinares eram privilegiados em detrimento dos pedagógicos que ficavam alocados no final do curso, para os que decidissem não seguir o bacharelado (Gatti et al., 2009Gatti, B. A. & Barreto, E. S. S. (2009). Professores do Brasil: Impasses e Desafios. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Brasília: UNESCO.; Gatti, 2019; Santos & Mororó, 2019Santos, C. W. & Mororó, L. P. (2019). O desenvolvimento das licenciaturas no Brasil: dilemas, perspectivas e política de formação docente. Rev. HISTEDBR On-line, Campinas, 19, 1-19. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/download/8652339/20841/53706
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). Os sentidos construídos sobre a docência, à época, eram de segunda opção para os que não seguiriam no bacharelado e envolviam esse objeto com sua “aura heteroglóssica” de desprestígio (Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial., p. 49).

A residente, entretanto, teve sua formação inicial orientada a partir das políticas curriculares mais recentes, que preconizam que as práticas pedagógicas permeiem toda a formação docente, favorecendo a identificação com a profissão. Apesar de reconhecermos que há discursos que circulam desvalorizando a profissão, construídos a partir de diversas vozes socioculturais (Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial., p. 49), a identificação da residente com a profissão sinaliza que existem discursos que atuam tensionando esses sentidos de desprestígio construídos para a docência na direção da valorização sociocultural da profissão, expressando vozes sociais que reconhecem a docência como profissão digna.

As narrativas que produzimos apresentam e (re)constroem esses sentidos. Para analisá-las, optamos por nos basear no conceito bakhtiniano de evento narrativo (Lopes de Oliveira, 2012Lopes de Oliveira, M. C. S. (2012).Narrativas e desenvolvimento da identidade profissional de professores. Cad. Cedes, Campinas, 32(88), 369-378.) o que envolve identificar e pensar sobre nossas intencionalidades como narradoras, sobre o contexto narrativo e sobre nossa pretensa audiência. Em relação à intencionalidade, desejávamos refletir sobre as histórias de nossas carreiras profissionais, conhecer as carreiras uma da outra, divulgar essas histórias e nossas reflexões sobre elas para o meio acadêmico. O contexto envolveu a investigação de nossas práticas no PRD pensadas, inicialmente, para um ambiente de ensino presencial, que, por conta da pandemia causada pela Covid-19, foi alterado para ensino remoto. Nesse novo contexto, tivemos que fazer encontros via plataforma de encontros virtuais (Google Meet) e ir escrevendo e compartilhando as narrativas por e-mail e via arquivo compartilhado (Google Docs). A audiência é o meio acadêmico, são os “pares” com os quais partilhamos nossas investigações no campo da Formação de Professores.

A identidade social se altera ao longo do tempo em virtude da revisão constante das significações sociais da profissão (Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.). Ao analisarmos as narrativas, a sinalização do tensionamento dos sentidos sobre a docência nos faz pensar que uma das formas pelas quais a identidade da profissão docente se produz, historicamente, seria pela influência de políticas públicas. As políticas podem exercer sobre a construção dos discursos certa influência e diretrizes para as licenciaturas. Assim, como fora mencionado, a partir de 2002, com a Lei n° 13.005 (Brasil, 2002Brasil. Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014. (2014). Aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil.), favoreceu-se o contato do aprendiz com o meio sociocultural em que a profissão se dá, induzindo a incorporação da prática escolar ao currículo das licenciaturas. Isso permite que o licenciando tenha acesso aos significados que o grupo sociocultural dos professores da escola básica (re)constrói para a profissão, contribuindo para a construção de sua identidade profissional.

Em relação à nossa identidade como professoras de Ciências e Biologia, é interessante trazer para dialogar, com as análises das narrativas, ideias sobre a formação específica do profissional dessas disciplinas. Carmo (2013Carmo, E. M. (2013). Formação de professores de ciências e biologia: examinando a categoria saberes docentes em articulação com os estudos do conhecimento escolar. In: Chapan, D. T. & Silva, J. S.(Orgs.). Debates em educação científica (pp. 21 - 31). São Paulo: Escrituras.), sugerindo que uma identidade anfíbia entre biólogo e professor se desenvolve em muitos processos formativos docentes, afirma que essa identidade dúbia oculta a problemática constituída, ainda na etapa formativa inicial, condicionando o papel da escola e dos saberes nela produzidos como inferiores aos conhecimentos acadêmicos, o que impacta significativamente o processo de construção da identidade profissional docente.

Nessa mesma direção, o artigo de Silva et al. (2017Silva, P. P., Oliveira, A. M. P. & Souza, E. C. (2017). Parecia mesmo um grupo estrambótico: (re) negociações identitárias na participação em comunidades de prática. Ensaio: Pesquisa Educação em Ciências, 19, 1 - 17.) apresenta reflexões sobre a formação de uma professora de Biologia que exemplificam a construção de uma identidade situada na prática. Para os autores, a identidade docente é um processo constante de (des)construção, de transformações e de adaptações à maneira de ser, estar e agir em comunidades de prática (Wenger, 1998Wenger, E. (1998). Communities of practice: Learning, meaning, and identity. Cambridge: Cambridge University Press., apudSilva et al., 2017Silva, P. P., Oliveira, A. M. P. & Souza, E. C. (2017). Parecia mesmo um grupo estrambótico: (re) negociações identitárias na participação em comunidades de prática. Ensaio: Pesquisa Educação em Ciências, 19, 1 - 17.) que reorganizam continuamente os saberes, os sentidos e os modos de ser e estar no mundo, dependendo das vivências em diferentes lugares e tempos socioculturais que os docentes experienciam em seu processo formativo.

Os processos reflexivos narrados no artigo citado evidenciam as transformações identitárias pelas quais passa uma professora que ensina sobre Ciências, que pertencia a várias comunidades de prática, porque fazia parte da comunidade de professores que ensinam sobre Ciências e participava na prática da comunidade científica, no papel de pesquisadora-aprendiz sobre Malacologia. Assim, uma (des)construção identitária, progressiva, de pesquisadora em Malacologia, pautada em uma imagem de cientista ideal, foi levada a termo, ao mesmo tempo em que se construía uma identidade de professora de Ciências. Conforme afirma a professora bióloga no texto,

segui afiliando-me, simultaneamente, a outras comunidades de prática, tanto relacionadas ao ensino sobre Ciências, como à pesquisa em Malacologia, e, mesmo que a conciliação identitária não seja um movimento livre de tensões, buscava conectar as diversas partes de mim mesma, como peças de um quebra-cabeça, ilustrando as diversas formas de participação nessas práticas. (Silva et al., 2017Silva, P. P., Oliveira, A. M. P. & Souza, E. C. (2017). Parecia mesmo um grupo estrambótico: (re) negociações identitárias na participação em comunidades de prática. Ensaio: Pesquisa Educação em Ciências, 19, 1 - 17., p.14)

Analisar as narrativas nos leva a refletir sobre as identidades que estamos continuamente (des/re)construindo nos percursos formativos. A professora orientadora e a pesquisadora se identificam como professoras após um longo processo de relações de trabalho, nas quais foram sendo denominadas professoras por seus alunos e colegas, a comunidade de prática pela qual transitavam. Para Lopes de Oliveira (2012Lopes de Oliveira, M. C. S. (2012).Narrativas e desenvolvimento da identidade profissional de professores. Cad. Cedes, Campinas, 32(88), 369-378.), as narrativas nos fazem ouvir e recontar nossas histórias e, “ao fazê-lo, tomamos consciência de nós mesmos e da própria historicidade em que as linhas sociais e pessoais de desenvolvimento se cruzam. [...] “O senso de si emerge e se transforma no contexto das situações comunicativas, em meio a sistemas semióticos.” (Lopes de Oliveira, 2012Lopes de Oliveira, M. C. S. (2012).Narrativas e desenvolvimento da identidade profissional de professores. Cad. Cedes, Campinas, 32(88), 369-378., p. 371-372).

Ao narrarmos as experiências de nossos primeiros anos da carreira, tomamos consciência das dificuldades encontradas e nos surpreendemos ao perceber que ainda hoje é assim. Percebemos que, socialmente, a identidade docente ainda é associada ao altruísmo, à abnegação, ao feminino. Analisando o processo narrativo, pensamos em nossas intencionalidades não apenas ao falar do contexto narrativo, mas também em relação à nossa pretensa audiência. Entendemos que, como nossos interlocutores são pesquisadores e professores da Educação Básica, o intuito é o de valorizar a identidade dos professores desse segmento. Nesse sentido, o contexto da construção da narrativa envolve o ato político de buscar valorização do PRD como processo formativo docente legítimo e necessário.

Destacamos a participação no PRD como uma parte importante desse processo tenso e complexo de constituição de nossas identidades de professoras pesquisadoras em Educação. O conceito de voz social bakhtiniano ( Bakhtin, 2002Bakhtin, M. (2002). Questões de Literatura e de Estética. A Teoria do Romance. 5ª ed. São Paulo: Editora HucitecAnnablume.; Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.) nos permite enxergar, em nossas narrativas, uma voz histórica e social comum, valorizando a profissão docente e a pesquisa sobre a prática como processo formativo. A produção acadêmica que temos desenvolvido nos faz pesquisadoras da área de Educação em Ciências e Biologia, ao mesmo tempo em que permite com que nos identifiquemos como grupo que, politicamente, luta por melhores condições para a formação docente no país.

EIXO EPISTEMOLÓGICO

Passamos a apresentar os resultados das análises das narrativas de modo a identificar os saberes aprendidos e as formas pelas quais eles foram sendo construídos pelas vivências no PRD. Como uma primeira análise das narrativas evidenciou diferentes aprendizagens, iremos descrever os saberes identificados por cada uma de nós, separadamente, para, depois, discorrer sobre as interfaces entre eles e nossa práxis.

As reflexões narradas pela residente apontam três dimensões distintas nas quais alguns saberes profissionais docentes (Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .) foram desenvolvidos por sua participação no PRD. Em primeiro lugar, ela reflete sobre a oportunidade de ter tido contato com teorias, conceitos e pesquisas em Educação que ela não conhecia, ao cursar disciplinas teórico-práticas oferecidas no âmbito da Especialização. Em segundo lugar, ela aponta a codocência como uma oportunidade única de desenvolver sua identidade profissional, a partir de laços afetivos com sua orientadora que foram construídos nos processos de planejamento e execução do ensino de Ciências nos quais ela ressalta ter aprendido a compartilhar diferentes pontos de vista. Em terceiro lugar, ela afirma que, nas saídas a campo com seus alunos, aprendeu sobre cultura em geral e sobre a cultura de seus alunos, em particular, tendo também construído oportunidades de estreitar laços afetivos e sociais com eles.

Segundo Janning & Cassiani (2015Janning, D. P. & Cassiani, S. (2015, 24 a 27 de novembro). A Co-docência na formação de professores em Timor Leste: reflexões sobre colonialidade e transnacionalização [Anais]. XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências - ENPEC, Águas de Lindóia. http://www.abrapecnet.org.br/enpec/xenpec/anais2015/resumos/R0331-1.PDF
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), a codocência pode ser definida como uma estratégia em que mais de um professor trabalha em colaboração na mesma sala de aula. Dessa forma, são compartilhados planejamentos, desenvolvimento das aulas, avaliações e, também, a autoridade. No contexto do PRD, eram realizadas reuniões regulares entre as professoras orientadora e residente para planejamento das ações. Assim, dividimos a liderança das aulas, criamos materiais e atividades em conjunto, discutimos as formas de avaliação e dividimos a correção de tarefas, além de refletir e avaliar, constantemente, essa docência compartilhada.

Em relação à segunda e terceira dimensões, a narrativa ressalta a importância do PRD para o desenvolvimento do afeto ao compartilhar a docência, o que nos provoca a interpretar essa forma de afeto como uma característica de sua nova identidade docente, que a torna diferente da identidade desenvolvida como professora da rede estadual.

[...] Um dos pontos-chave para o sucesso do trabalho colaborativo entre mim e a professora orientadora foram os laços afetivos construídos. Conseguimos estabelecer uma parceria da forma mais horizontalizada possível. Dessa parceria, nasceu uma amizade que propiciou a franca comunicação e a negociação de poder e visões epistemológicas. (Residente)

O vínculo afetivo é apontado como um “ponto-chave” importante na construção da identidade docente. A narrativa indica que há um saber ser em construção: ela declara que aprendeu a trabalhar colaborativamente, a valorizar a troca de saberes e a reconhecer o afeto como condição de formação. O aprendizado dos saberes na formação continuada se deu via estabelecimento de relações afetivas. Entendemos que, afetiva e solidariamente, a residente aprendeu uma forma de negociar o poder que o professor tem sobre “suas” turmas, a qual se opõe à negociação competitiva.

Em outro ponto da narrativa, a residente destaca a contribuição das saídas a campo e da escrita de artigos sobre sua própria experiência, possibilitada pelo PRD, como importantes para a construção do conhecimento sobre ser professora de Ciências.

Considero uma etapa importante do processo de construção de conhecimento a socialização dos trabalhos desenvolvidos. Dessa forma, além do aprendizado acerca do desenvolvimento das pesquisas e da escrita, também foi cumprida a função social da universidade, como instituição pública e produtora de conhecimento, que é o de devolver à sociedade os investimentos por ela realizados. Todo o exposto acima referente ao aumento do capital cultural dos professores e o investimento na pesquisa vai ao encontro do que fala Nóvoa (2017Nóvoa, A. (2017). Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, 47(166), 1106-1133. , p. 1121): “Aprender a ser professor exige [...] o desenvolvimento de uma vida cultural e científica própria. Facilmente se compreende que os professores, como pessoas, devem ter um contacto regular com a ciência, com a literatura, com a arte. É necessário ter uma espessura, uma densidade cultural, para que o diálogo com os alunos tenha riqueza formativa”. (Residente)

A reflexão da residente se deu a partir do diálogo com as ideias de Nóvoa (2017Nóvoa, A. (2017). Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, 47(166), 1106-1133.) sobre a formação docente, ressaltando a importância que a escrita acadêmica e a possibilidade de visitar outros espaços fora da escola tiveram em sua formação, especificamente para “adensar” sua cultura, uma vez que, para a elaboração de sua pesquisa, além de ter a vivência que produz os saberes práticos, para a produção de questões significativas e construção de problemas pertinentes a uma investigação, ela necessitou recorrer aos saberes pedagógicos e curriculares (Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .).

Pimenta (1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora.) escreve que é preciso buscar a explicitação das teorias que se pratica, ao relacionar as memórias das práticas docentes, como, por exemplo, ao se escrever sobre as escolhas que se faz em um planejamento e suas consequências pedagógicas, buscando estabelecer nexos com as teorias. A autora afirma que, ao registrar a memória das experiências e refletir sobre elas, eleva-se tanto a qualidade da prática quanto a da teoria. Dessa forma, entendemos que é esse movimento que está sendo feito pela residente ao dialogar com Nóvoa(2017Nóvoa, A. (2017). Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, 47(166), 1106-1133.) a partir de suas memórias de participação no PRD.

A narrativa da residente ressalta que sua experiência no PRD contribuiu para o seu reconhecimento como professora, propiciando o estabelecimento de nexos da prática com as teorias. As análises nos fizeram levantar questões sobre as formas pelas quais concebemos o reconhecimento de nossa identidade como professoras. Identificamos trechos em que a residente cita esse reconhecimento: de colegas pedirem ajuda e valorizarem sua fala, de os alunos a chamarem de professora, do apoio financeiro da bolsa, das publicações acadêmicas. Entendemos que a produção de conhecimentos sobre a prática docente, apoiada em teorias do campo da Educação, é um importante saber desenvolvido no PRD por todas nós. A residente enuncia esse saber do lugar social de aprendiz, da profissional que está buscando reconhecimento por seu trabalho. Segundo Faraco (2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.), para o círculo de Bakhtin, a significação dos enunciados tem sempre uma dimensão avaliativa. Assim, ela narra como viveu a resposta de seus interlocutores no trabalho em forma de reconhecimento, pois é a partir do olhar do outro que constituímos nossas posições sociais avaliativas (Faraco, 2009Faraco, C. A. (2009). Linguagem & Diálogo - as ideias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.).

A narrativa da residente sintetiza os aprendizados ao enumerar as contribuições na vivência da práxis. Ela afirma, no trecho a seguir, que participar do PRD permitiu que ela tivesse tempo para reflexão sobre a prática docente teoricamente orientada.

A grande contribuição do PRD para mim foi viver a práxis, ou seja, ter tempo e espaço para unir teoria e prática em uma ação reflexiva. Praticar refletindo e refletir praticando sobre diversos temas e assuntos: trabalho colaborativo, professor como pesquisador, saberes docentes, tecnologias na educação, direitos humanos, educação inclusiva, entre muitos outros. (Residente)

Em pesquisa realizada anteriormente sobre essa mesma versão do PRD da UFJF, Bassoli e Vieira (2022Bassoli, F. & Vieira, F. A. C. (2022). Teacher residency program: contributions and limits to the science teachers professional development. In: G.S. Carvalho, A.S. Afonso & Z. Anastácio (Eds.).Fostering scientific citizenship in an uncertain world (Proceedings of ESERA 2021), Part [14/14] (co-ed. Claudio Fazio & Pedro Reis), (pp. 1067-1073). Braga: CIEC, Universityof Minho. ISBN 978-972-8952-82-2. https://esera2021.org/en/content/eproceedings/conference-proceedings/conf-proceedings.html.
https://esera2021.org/en/content/eprocee...
) destacam as contribuições e os limites da formação propiciada pelo programa na perspectiva de duas residentes da área de Ciências da Natureza, algumas delas também apontadas por nós na presente pesquisa, tais como a vivência do trabalho colaborativo; a realização de pesquisas na escola e as vivências de trabalhos de campo e aulas práticas. Vale destacar que tais experiências foram registradas e investigadas na ação pelas professoras residente e orientadora, culminando com a publicação de trabalhos que corroboram a potencialidade do PRD para o desenvolvimento de pesquisas colaborativas entre os docentes (Aragão et al., 2021Aragão, P.C., Resende, A.C.C., Bassoli, F. & Vieira, F.A. (2021). O projeto “Pé na estrada” do Colégio de Aplicação João XXIII como ferramenta de aprendizagem significativa e valorização dos saberes tradicionais? Instrumento: Revista de Estudo e Pesquisa em Educação, 23(3). Edição Especial- Dossiê Residências Docente e Pedagógica. https://periodicos.ufjf.br/index.php/revistainstrumento/article/view/34487.
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; Bassoli, Resende & Bastos, 2021Bassoli, F; Resende, A.C.C.; Bastos, F. (2020). Debatendo sobre adolescência e sexualidade na escola: desafios e resistência. In: Faleiro, W., Gonçalves, V.F. & Vigário, A. F. (Orgs.). Processos educativos em ciência da natureza na educação básica (pp.119-143). Goiânia: Kelps. https://www.kelps.com.br/wpcontent/uploads/2020/11/ebook_Processos-educativos-em-Ciencias-da-Natureza-na-Educacao-Basicacom-capa.pdf.
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; Resende & Bassoli, 2021aResende, A.C.C.; Bassoli, F. (2021a). Investigar para transformar: La actitud científica para cambiar el mundo que nos rodea. Revista de Educación em Biología, 3(Núm. Extraordinario),630-632. http://congresos.adbia.org.ar/index.php/congresos/article/view/668/625.
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,b).

A narrativa da orientadora, apresentada em sequência, reflete sobre sua prática como condutora do trabalho constante de reconstrução da identidade profissional e ressalta como isso influenciou as escolhas formativas recentes. Ela relata que sua identidade enquanto formadora de professores vem se consolidando nos últimos tempos.

Como professora orientadora no PRD, pude experienciar a potencialidade do trabalho colaborativo, ao ter outra professora para dividir a sala de aula, as reflexões, as angústias, multiplicando os olhares sobre os alunos, suas especificidades, demandas e processo de aprendizagem; para produzir conjuntamente sequências didáticas, avaliações e, sobretudo, para refletir criticamente sobre as nossas práticas docentes e suas implicações, transitando de uma forma de trabalho individual e solitária para uma prática coletiva e solidária, que nos possibilitou romper com a cultura de isolamento e individualismo que marca a profissão e a identidade docente ( Diniz-Pereira, 2015Diniz-Pereira, J. E. (2015). A construção social do individualismo na profissão docente: como transcender as fronteiras tradicionais da identidade dos professores?Rev. educ. PUC-Camp., Campinas, 20(2), 127-142. ; Nóvoa, 2017Nóvoa, A. (2017). Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, 47(166), 1106-1133. ).(Orientadora)

A orientadora, ao narrar o que aprendeu e como aprendeu PRD, destaca, como também o faz a residente, a parceria entre elas como uma das formas de construir saberes, aspecto do processo que merece ser pensado e refletido de forma especial. Ambas nomeiam essa parceria com o termo codocência (Janning & Cassiani, 2015Janning, D. P. & Cassiani, S. (2015, 24 a 27 de novembro). A Co-docência na formação de professores em Timor Leste: reflexões sobre colonialidade e transnacionalização [Anais]. XEncontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências - ENPEC, Águas de Lindóia. http://www.abrapecnet.org.br/enpec/xenpec/anais2015/resumos/R0331-1.PDF
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), reiterando estar a relação calcada em afeto, amizade e reconhecimento profissional. Desse modo, a codocência propiciou um processo de abertura e de parceria colaborativa em que a residente e a orientadora se deixaram afetar mutuamente, o que contribuiu para o desenvolvimento profissional de ambas.

A parceria colaborativa construída com a professora residente nos possibilitou desenvolver pesquisas no ensino, revelando-nos a potência do trabalho e da pesquisa-colaborativa. Nesse sentido, um aspecto central que o PRD propiciou foi a vivência da codocência com a professora residente. Na codocência, temos a possibilidade de refletir sobre os saberes profissionais, visto que cada decisão coletiva precisa ser justificada: Por que eu faço dessa forma? Nesse processo de construção coletiva das aulas, avaliações, planejamento, os saberes tácitos que cada uma de nós construiu são remexidos, trazidos à tona e submetidos a uma (re)análise. A partir da reflexão, tais saberes são remoldados como a argila nas mãos do artesão, tomando consistência e materialidade.(Orientadora)

A orientadora entende que a codocência possibilitou o exercício de pensar junto e sobre as práticas docentes, uma vez que, no processo, era preciso explicitar suas escolhas pedagógicas nos planejamentos de aulas e refletir junto com sua colega residente sobre um conjunto de situações que ocorriam em suas aulas. Essa prática deu objetividade aos saberes tácitos sobre a docência, que eram pessoais e “invisíveis”, assim como possibilitou o debate das teorias, a partir desses saberes, permitindo-lhe vivenciar a práxis, assim como destacado pela residente, e a possibilidade de “trabalhar a pesquisa como um princípio formativo na docência” (Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora., p. 28). Uma importante contribuição desse processo é a publicação de artigos e participação das duas professoras em encontros científicos divulgando os resultados do PRD.

Ao analisar as narrativas, residente e orientadora identificaram a emergência dos seguintes saberes da experiência: saber da pesquisa na/sobre a prática; saber da reflexão sobre a (própria) prática; saber da colaboração e saber do fazer interdisciplinar. Essa identificação as remeteu à pesquisa anterior, sobre o mesmo PRD, que, tendo focado na análise de produções de onze residentes no âmbito de uma disciplina ministrada no âmbito do PRD (Bassoli, Rodrigues & Lima, 2021Bassoli, F., Rodrigues, A. R. & Lima, C. R. G. M. (2021). Tecendo saberes docentes da experiência a partir da colabor(ação): reflexões sobre uma disciplina do Programa de Residência Docente. In: Anderson Ferrari, Angélica Cosenza, Isabela Ferreira Lima, Marco Antônio Escher, Mylene Cristina Santiago (Orgs.). Formação Docente Inicial e Continuada na UFJF: Experiências e Diálogos com a Escola Básica. Livraria da Física. https://issuu.com/lfeditorial/docs/formacao_docente_inicial_e_continuada_na_ufjf_digi.
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), identificou os mesmos saberes. Segundo as autoras do artigo citado, a interação e o dinamismo desses saberes possibilitam o desenvolvimento de vários outros, tais como: o saber da (co)problematização, o saber registrar a própria prática, o saber da escrita colaborativa e o letramento acadêmico, corroborando a importância e as contribuições do PRD para a constituição da profissionalidade docente e dos saberes experienciais por meio da imersão e colaboração propiciadas pelo programa.

A narrativa da pesquisadora afirma que a contribuição de sua experiência no PRD foi a de poder observar como e para que os saberes práticos, ou experienciais, foram usados pelas colegas ao ensinar Ciências.

A observação participante da construção coletiva do currículo evidenciou que as professoras utilizavam seus saberes práticos como filtros para interpretar os conhecimentos acadêmicos sobre teorias do currículo e sobre teorias de aprendizagem, produzindo um desenho curricular característico que se valia dos saberes práticos para apoiar decisões sobre o que ensinar ao longo dos anos do ensino fundamental. Em relação à codocência, observei que as professoras partilhavam seus conhecimentos de forma horizontal, tanto a residente aprendeu com a orientadora quanto a orientadora aprendeu com a residente. Algumas vezes, observei que os saberes práticos foram construídos no trabalho de planejar atividades para as aulas de Ciências em colaboração, pela dupla. A produção de recursos didáticos (textos e atividades para os alunos) se mostrou um processo importante de uso de saberes práticos que entendo que precisa ser melhor investigado. (Pesquisadora)

O objeto da investigação produzida pela pesquisadora é o saber experiencial (Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .), o que é enfocado em sua narrativa, quando se ressalta que tal saber foi usado pela residente e pela orientadora de diferentes formas e para diferentes finalidades. A narrativa da pesquisadora também estabelece relações entre teoria e prática na docência, afirmando que essa última apoiava as decisões na composição do desenho curricular da disciplina Ciências e servia às docentes, residente e orientadora, para interpretar a primeira.

A pesquisadora relata que a codocência entre residente e orientadora foi importante para que ela pudesse observar a produção dos saberes experienciais no planejamento das aulas registrado em sua observação. Como já afirmado anteriormente, trata-se de uma relação complexa que ainda se apresenta pouco explorada pelas pesquisas (Pimenta, 1999Pimenta, S. G. (1999). Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: Pimenta, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente(pp. 15 - 34). São Paulo: Cortez Editora., 2015; Freitas, 2021Freitas, C. A. (2021). Saberes profissionais docentes em construção em um projeto de ciências na Residência Docente da UFJF. Instrumento, 23(3). ed. Especial, 504-521.). Conforme argumenta a professora orientadora, a produção desse tipo de saber tácito se dá de forma “invisível”, podendo, porém, pela codocência, ser explicitada pelas professoras, tornando-o visível para a pesquisadora. Nesse processo, ao planejar conjuntamente com a residente, a orientadora precisou indicar suas escolhas e justificá-las, oralmente e por escrito, enunciando, assim, seus saberes docentes.

Dessa forma, assim como a residente e a orientadora, a pesquisadora reafirma a codocência, materializada através do PRD, como estratégia formativa fundamental para a (re)construção e sistematização dos saberes experienciais a partir do trabalho em colaboração, da criação de condições para reflexão sobre as práticas e do fomento dos processos dialógicos entre teoria e prática, na escrita acadêmica como práxis docente. Ao pesquisar sobre as práticas desenvolvidas no PRD, a pesquisadora também se (trans)forma, conforme expresso no trecho a seguir, extraído de sua narrativa, que demonstra a construção de novos sentidos para a teoria e prática pedagógicas.

Essa experiência de pesquisa me fez ressignificar, mais uma vez, minha identidade de professora-pesquisadora-formadora [...]. Essa ressignificação está produzindo mudanças em minha prática como professora, estou alterando meus planejamentos de ensino das disciplinas de Metodologia do Ensino de Ciências para contemplar o que aprendi com a experiência de participar do PRD. Antes dela, eu partia de fundamentos teórico-metodológicos sobre o ensino que conheci nas pós-graduações que cursei para ensinar didática aos novos professores de Ciências e Biologia, agora, estou planejando a partir da prática docente, orientando os meus alunos a observá-la e trazer questões sobre essas observações para, então, buscarmos as teorias acadêmicas. (Pesquisadora)

Em relação aos saberes específicos da prática de ensino em Ciências, as narrativas nos permitem refletir sobre a importância do processo de coconstrução dos saberes experienciais, a partir da perspectiva dos estudos sobre os saberes escolares. Segundo Lopes (2007Lopes, A. C. (2007). Currículo e Epistemologia. Ijui: Ed. Unijui.), o conhecimento escolar é constituído de diferentes saberes - conhecimento científico e conhecimento cotidiano - que passam por um processo de disciplinarização e mediação (transposição) didática. Esse processo de transformação do conhecimento científico em conhecimento escolar não se dá de modo linear ou contíguo, mas, sim, através de idas e vindas, recorrências que produzem um novo tipo de saber na escola e para as finalidades específicas dessa instituição. A autora afirma que a sociedade reconhece a legitimidade dos conhecimentos escolares a partir do ponto em que eles têm respaldo nos conhecimentos científicos, que detêm mais status perante a sociedade. Para Lopes (2007), as pedagogias classificadas como tradicionais tendem a acentuar essa distinção de status, uma vez que suas abordagens quase sempre entendem a constituição do conhecimento escolar como linear e sua função social como a de inculcar, nas novas gerações, saberes inquestionáveis, tradicionalmente constituídos pelas ciências da natureza.

A problematização dessa suposta linearidade entre ciências de referência e o conhecimento escolar é desenvolvida por estudiosos de diferentes campos. Na área da Educação em Ciências e Biologia, Marandino (2004Marandino, M. (2004). Transposição ou recontextualização? Sobre a produção de saberes na educação em museus de ciências. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, (26), 95-108.), Selles e Ferreira (2005Selles, S. E. & Ferreira, M. S. (2005). Disciplina escolar Biologia: entre a retórica unificadora e as questões sociais. In: Marandino, S; Selles, S.E; Ferreira, M.S. & Amorim, A. C. (Orgs.). Ensino de Biologia: conhecimentos e valores em disputa. Niterói, EDUFF.) e Carmo (2013Carmo, E. M. (2013). Formação de professores de ciências e biologia: examinando a categoria saberes docentes em articulação com os estudos do conhecimento escolar. In: Chapan, D. T. & Silva, J. S.(Orgs.). Debates em educação científica (pp. 21 - 31). São Paulo: Escrituras.) afirmam que os mecanismos de exclusão social são influenciados pela subordinação do conhecimento escolar aos mesmos critérios de seleção e organização do conhecimento científico, sendo a dinâmica de produção dos conhecimentos escolares social e historicamente distinta daquela de produção dos conhecimentos científicos.

Em artigo elaborado por uma de nós a partir de um estudo que analisou uma aula de genética (Freitas, 2013Freitas, C. A. (2013). O papel do professor na escolarização dos saberes: produção e reprodução de discursos sobre a genética mendeliana. Revista Ensaio, 15(03), 97-112.), percebeu-se que a interação com os estudantes regulou o discurso do professor de Biologia investigado, em detrimento da lógica acadêmica, na qual o saber científico se apoia. Na aula analisada, o professor, em interação com os alunos, desenvolveu e utilizou novos elementos em seu discurso, transformando o discurso do livro didático, fundado na escolarização da ciência de referência, a genética mendeliana, significativamente, constringindo-o a uma forma discursiva específica que só poderia ser encontrada naquela aula, orientado por sua origem social e sua cultura, em uma situação muito peculiar de sua prática docente. Essa dinâmica própria da produção dos saberes escolares promovida na escola pelos professores de Ciências é abordada no ensaio teórico de Carmo (2013Carmo, E. M. (2013). Formação de professores de ciências e biologia: examinando a categoria saberes docentes em articulação com os estudos do conhecimento escolar. In: Chapan, D. T. & Silva, J. S.(Orgs.). Debates em educação científica (pp. 21 - 31). São Paulo: Escrituras.), no qual ele aponta que, conquanto os mecanismos de seleção curricular envolvam diversos atores em diferentes esferas sociais, é no trabalho cotidiano do professor que tais processos ganham concretude.

Na confluência entre múltiplas seleções curriculares, as quais informam quais são os saberes legitimados socialmente, que os saberes docentes são mobilizados. Afinal, as escolhas “do que” e “do como” ensinar determinado conteúdo em uma sala de aula específica, em uma disciplina escolar própria, salvo situações muito especiais, repousam nas decisões dos professores. (Carmo, 2013Carmo, E. M. (2013). Formação de professores de ciências e biologia: examinando a categoria saberes docentes em articulação com os estudos do conhecimento escolar. In: Chapan, D. T. & Silva, J. S.(Orgs.). Debates em educação científica (pp. 21 - 31). São Paulo: Escrituras., p.28).

As reflexões trazidas pela leitura das narrativas nos possibilitam pensar as relações entre os saberes docentes e os conhecimentos escolares na formação de professores. A narrativa da professora residente de que a principal contribuição do PRD para ela foi “ter tempo e espaço para unir teoria e prática em uma ação reflexiva” destacou os saberes docentes como elemento essencial dessa reflexão. Juntemos a ela o trecho da narrativa da professora orientadora em que ela ressalta o “processo de construção coletiva das aulas, avaliações, planejamento, os saberes tácitos que cada uma de nós construímos são remexidos, trazidos à tona e submetidos a uma (re)análise”. Os saberes tácitos de que falam as professoras são da ordem dos saberes experienciais (Tardif, 2014Tardif, M. (2014). Saberes Profissionais e formação docente. Petrópolis: Vozes .), daqueles que constituem o próprio corpo do professor e suas formas de ser e estar no mundo, mas também pensamos em saberes escolares, um produto do labor docente no processo que as professoras desenvolveram de transpor didaticamente os conhecimentos acadêmicos para ensinar Ciências e Biologia (Freitas, 2013Freitas, C. A. (2013). O papel do professor na escolarização dos saberes: produção e reprodução de discursos sobre a genética mendeliana. Revista Ensaio, 15(03), 97-112.; Marandino, 2004Marandino, M. (2004). Transposição ou recontextualização? Sobre a produção de saberes na educação em museus de ciências. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, (26), 95-108.).

Advogamos aqui sobre a necessidade de se investigar a produção desse conhecimento escolar, a partir de uma perspectiva que supere algumas dicotomias evidenciadas desde a formação inicial docente (Carmo, 2013Carmo, E. M. (2013). Formação de professores de ciências e biologia: examinando a categoria saberes docentes em articulação com os estudos do conhecimento escolar. In: Chapan, D. T. & Silva, J. S.(Orgs.). Debates em educação científica (pp. 21 - 31). São Paulo: Escrituras.): a distinção da importância dada aos conhecimentos das áreas específicas em detrimento da atenção dada aos conhecimentos didático-pedagógicos, essenciais à formação docente; a ausência de integração entre teoria e prática, que culmina na distinção entre espaços acadêmicos de formação inicial e a escola invisibilizando os saberes tácitos, saberes enumerados na narrativa da professora orientadora.

Assim, alinhamo-nos aos estudos realizados a partir da perspectiva citada, situando nossas reflexões sobre as narrativas, apoiadas pelas teorias que dão destaque ao professor de Ciências e Biologia como protagonista na produção do conhecimento escolar (Freitas, 2013Freitas, C. A. (2013). O papel do professor na escolarização dos saberes: produção e reprodução de discursos sobre a genética mendeliana. Revista Ensaio, 15(03), 97-112.; Marandino, 2004Marandino, M. (2004). Transposição ou recontextualização? Sobre a produção de saberes na educação em museus de ciências. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, (26), 95-108.; Selles, 2009Selles, S. E. (2009). Saberes docentes e disciplinas escolares na formação de Professores em Ciências e Biologia. In: Selles, S. E. et al. Ensino de Biologia: história, saberes e práticas formativas. Uberlândia, Editora UFU.; Selles et al, 2011). Defendemos que o espaço da sala de aula é fundamental na formação docente, tanto inicial quanto continuada. No PRD, esse espaço foi ampliado a partir da codocência, atravessado por saberes docentes, vindos de duas professoras em processos formativos diferentes, saberes de diversas fontes, que as docentes coproduziram e transformaram em razão de suas demandas peculiares de ensinar Ciências para os estudantes dos oitavos anos. Esse processo dinâmico alicerçou seu labor na construção do conhecimento escolar, o qual se expressou nas conversas que as professoras tinham cotidianamente nas reuniões de trabalho possibilitadas pelo PRD.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A análise das narrativas evidenciou como ponto comum o inconformismo com precariedades do início da carreira, o que nos leva a questionar as diferentes realidades sócio-históricas que vivenciamos nos anos iniciais do magistério e a fazer coro com Nóvoa (2019Nóvoa, A. (2019). Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, 19(1), 198-208.) para defender a necessidade de um apoio substancial ao docente em início de carreira. Entendemos o PRD, então, como mecanismo de engajamento na profissionalização, que permitiu desafiar o tradicional percurso de início da carreira e nos possibilitou vivenciar a colaboração, por meio da codocência; a práxis, por meio da reflexão coletiva, teoricamente orientada; a produção de saberes, por meio da pesquisa-colaborativa e o desenvolvimento do afeto.

Nossas reflexões dialogam com Nóvoa (2019Nóvoa, A. (2019). Entre a formação e a profissão: ensaio sobre o modo como nos tornamos professores. Currículo sem Fronteiras, 19(1), 198-208.), ao ressaltar a importância das produções acadêmicas geradas no PRD e vislumbrar a possibilidade que a experiência formativa teve de “adensar” experiências culturais. Uma das contribuições da participação no PRD foi a de refletir sobre a construção de nossa identidade profissional. Tivemos condições para reflexão sobre a prática docente, teoricamente orientada, estabelecendo nexos entre a experiência e as teorias, ao mesmo tempo em que nos identificávamos como professoras-pesquisadoras-autoras. A produção de conhecimentos sobre a prática docente, apoiada em teorias do campo da Educação, foi um importante saber desenvolvido por todas nós no âmbito do PRD e para além dele, ecoando na escrita deste artigo. Nesta produção, destacamos o PRD como espaço formativo que proporcionou o desenvolvimento de diferentes identidades profissionais e deu visibilidade à produção dos saberes experienciais, algo difícil de ser evidenciado.

Em relação aos limites do PRD, percebemos em nossas narrativas um silêncio. Elas não apresentaram críticas ou apontaram problemas a serem resolvidos no programa. Essa ausência diz muito sobre nosso posicionamento político de defesa do PRD como um entre-lugar (Nóvoa, 2017Nóvoa, A. (2017). Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente. Cadernos de Pesquisa, 47(166), 1106-1133.) para formação docente e sobre a vivência da pesquisa-ação colaborativa (Ibiapina, 2008Ibiapina, I. M. L. M. (2008). Pesquisa Colaborativa: Investigação, formação e produção de conhecimentos. Brasília: Liber livro Editora.) e da (auto)biografia (Abrahão, 2016Abrahão, M. H. M. B. (2016). Intencionalidade, reflexividade, experiência e identidade em pesquisa (auto)biográfica: dimensões epistemo-empíricas em narrativas de formação. In: Bragança, I. F. S., Abrahão, M. H. M. B., Ferreira, M.S (Orgs.). Perspectivas epistêmico- metodológicas da pesquisa (auto)biográfica (pp. 29-50). Curitiba: CRV,.). Nesse processo, aprendemos sobre nossas próprias identidades e o que fazemos delas. Dessa forma, fundamentando-nos nos princípios da reflexão, da experiência e da intencionalidade, buscamos entender a construção do rico material epistemológico que o PRD nos proporcionou.

Os saberes experienciais docentes e os conhecimentos escolares vêm sendo investigados por diferentes perspectivas teórico-metodológicas balizadas em epistemologias semelhantes: a epistemologia da prática e a história das disciplinas escolares. Nossas reflexões nos levam a pensar que seria muito profícuo buscar estreitar os laços entre essas duas tradições na busca por uma compreensão, a partir de narrativas e/ou de investigações naturalísticas das práticas escolares em sala de aula, de como os saberes docentes produzem os conhecimentos escolares.

Retratamos modificações nas políticas públicas de formação inicial docente que levaram a tensões na construção das identidades de biólogas e de professoras pelas quais passamos. Entendemos que o acesso do licenciando aos significados e sentidos dados à profissão pelo grupo sociocultural dos professores da escola básica influencia na construção da sua identidade profissional, o que reforça a importância e a influência que as políticas curriculares públicas podem ter sobre uma profissão. Como apontamos a escola como espaço formativo de excelência, reiteramos a necessidade de valorizar políticas públicas que já existem e que aparelham essa instituição como lugar de formação docente, como o PIBID e o PRD.

Por fim, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelos docentes em início da carreira, defendemos a Residência Docente, sediada na escola básica, enquanto modelo para uma política voltada para a indução profissional, valorização profissional e elo entre a formação inicial e continuada de professores. Entendemos que o público mais vulnerável e que deva ser priorizado por essa política são os docentes com até um ano de formação. Dessa forma, com este artigo, advogamos em favor da ampliação desse programa, trazendo argumentos que evidenciam sua importância para a formação de professores, como dispositivo que possibilita o apoio financeiro e pedagógico para que os recém-formados desenvolvam uma docência crítica e qualificada.

REFERÊNCIAS

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    Declaração sob redisponibilização dos dados da pesquisa. Dados não disponíveis: O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente.
  • O CECIMIG agradece ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico) e à FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) pela verba para a editoração deste artigo.

Editado por

Editor responsável: Luciana Sá

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2022
  • Aceito
    10 Abr 2023
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