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O bem-estar pessoal dos adolescentes através do seu tempo livre

The well-being of adolescents trough their leisure time

El bienestar de los adolescentes a través de su tiempo libre

Resumos

Esse estudo investiga possíveis relações entre satisfação com atividades de tempo livre e percepção do uso desse tempo (organização, quantidade, aproveitamento) e o bem-estar pessoal de 1588 adolescentes do Rio Grade do Sul entre 12 e 16 anos (M = 14,13; DP = 1,26). Foi utilizado o Personal Wellbeing Index (PWI) e dois questionários que avaliam satisfação com atividades de tempo livre e percepção sobre o seu uso. Atividades que envolvem interação social e desenvolvimento de habilidades físicas e intelectuais são preditoras de bemestar. O mesmo não ocorre com atividades relacionadas à música, internet, celular e videogames. A percepção de boa organização e aproveitamento do tempo livre também se associa ao bem-estar. Análises secundárias mostram diferenças de gênero, faixa etária e instituição onde estuda em relação às variáveis investigadas. Discutem-se as características das atividades de tempo livre promotoras de bem-estar e a importância da autonomia e do controle dos adolescentes sobre as atividades que realizam.

tempo livre; bem-estar; adolescentes


This paper examines the relationship between satisfaction with leisure time and perception of its use (organization, quantity, utilization) with well-being in 1,588 adolescents from Rio Grande do Sul aged between 12 and 16 (M = 14.13, SD = 1.26). We employed the Personal Wellbeing Index (PWI) and two questionnaires that assess satisfaction with leisure activities and its perception of use. Activities involving social interaction and physical and intellectual development are predictors of well-being. The same does not occur with activities related to music, internet, cell phones and videogames. The perception of organization and utilization of leisure time is also associated with wellbeing. Further analysis shows differences in gender, age, and school with respect to the studied variables. We discuss the characteristics of the leisure time that promotes well-being and the importance of adolescents' autonomy and control during the activities they perform.

leisure time; well-being; adolescents


Este estudio investiga posibles relaciones entre la satisfacción con actividades de tiempo libre y la percepción del uso de este tiempo (organización, cantidad, aprovechamiento) y el bienestar personal de 1588 adolescentes de Rio Grande do Sul de 12 a 16 años (M =14,13; DP = 1,26). Se utilizó el Personal Wellbeing Index (PWI) y dos cuestionarios que evaluaron la satisfacción con las actividades del tiempo libre y la percepción sobre su uso. Las actividades que envuelven interacción social y desarrollo de habilidades físicas e intelectuales son predictores de bienestar. Lo mismo no ocurre con actividades relacionadas con la música, internet, móvil y videojuegos. La percepción de la buena organización y el aprovechamiento del tiempo libre se relacionan también con el bienestar. Los análisis secundarios muestran diferencias de género, grupo de edad e institución donde se estudia con las variables investigadas. Se discuten las características de las actividades de tiempo libre que promueven el bienestar y la importancia de la autonomía y del control de los adolescentes sobre las actividades que realizan.

tiempo libre; bienestar; adolescentes


ARTIGOS

O bem-estar pessoal dos adolescentes através do seu tempo livre

The well-being of adolescents trough their leisure time

El bienestar de los adolescentes a través de su tiempo libre

Jorge Castellá SarrieraI; Ângela Carina ParadisoII; Daniel AbsIII; Dulce Helena Penna SoaresIV; Caroline Lima SilvaV; Patrícia Jantsch FiuzaVI

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

IIIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos

IVUniversidade Federal de Santa Catarina

VPsicóloga

VIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

RESUMO

Esse estudo investiga possíveis relações entre satisfação com atividades de tempo livre e percepção do uso desse tempo (organização, quantidade, aproveitamento) e o bem-estar pessoal de 1588 adolescentes do Rio Grade do Sul entre 12 e 16 anos (M = 14,13; DP = 1,26). Foi utilizado o Personal Wellbeing Index (PWI) e dois questionários que avaliam satisfação com atividades de tempo livre e percepção sobre o seu uso. Atividades que envolvem interação social e desenvolvimento de habilidades físicas e intelectuais são preditoras de bemestar. O mesmo não ocorre com atividades relacionadas à música, internet, celular e videogames. A percepção de boa organização e aproveitamento do tempo livre também se associa ao bem-estar. Análises secundárias mostram diferenças de gênero, faixa etária e instituição onde estuda em relação às variáveis investigadas. Discutem-se as características das atividades de tempo livre promotoras de bem-estar e a importância da autonomia e do controle dos adolescentes sobre as atividades que realizam.

Palavras-chave: tempo livre; bem-estar; adolescentes.

ABSTRACT

This paper examines the relationship between satisfaction with leisure time and perception of its use (organization, quantity, utilization) with well-being in 1,588 adolescents from Rio Grande do Sul aged between 12 and 16 (M = 14.13, SD = 1.26). We employed the Personal Wellbeing Index (PWI) and two questionnaires that assess satisfaction with leisure activities and its perception of use. Activities involving social interaction and physical and intellectual development are predictors of well-being. The same does not occur with activities related to music, internet, cell phones and videogames. The perception of organization and utilization of leisure time is also associated with wellbeing. Further analysis shows differences in gender, age, and school with respect to the studied variables. We discuss the characteristics of the leisure time that promotes well-being and the importance of adolescents' autonomy and control during the activities they perform.

Keywords: leisure time; well-being; adolescents.

RESUMEN

Este estudio investiga posibles relaciones entre la satisfacción con actividades de tiempo libre y la percepción del uso de este tiempo (organización, cantidad, aprovechamiento) y el bienestar personal de 1588 adolescentes de Rio Grande do Sul de 12 a 16 años (M =14,13; DP = 1,26). Se utilizó el Personal Wellbeing Index (PWI) y dos cuestionarios que evaluaron la satisfacción con las actividades del tiempo libre y la percepción sobre su uso. Las actividades que envuelven interacción social y desarrollo de habilidades físicas e intelectuales son predictores de bienestar. Lo mismo no ocurre con actividades relacionadas con la música, internet, móvil y videojuegos. La percepción de la buena organización y el aprovechamiento del tiempo libre se relacionan también con el bienestar. Los análisis secundarios muestran diferencias de género, grupo de edad e institución donde se estudia con las variables investigadas. Se discuten las características de las actividades de tiempo libre que promueven el bienestar y la importancia de la autonomía y del control de los adolescentes sobre las actividades que realizan.

Palabras llave: tiempo libre; bienestar; adolescentes.

A organização e a estrutura do tempo na vida das pessoas dependem de valores culturais e padrões sociais de como se deve dispor o tempo para as mais diversas atividades (Aquino & Martins, 2007). Sem desconsiderar os aspectos teóricos e históricos envolvidos na construção do conceito de tempo livre apontados por Aquino e Martins (2007), toma-se como referência nesse estudo a classificação que os próprios adolescentes fazem sobre suas atividades cotidianas (Sarriera, Tatim, Coelho, & Büker, 2007), considerando como de tempo livre aquelas em que não estão envolvidos com atividades obrigatórias, como as atividades escolares.

Ao abordar a temática do tempo livre, é importante mencionar as ideias de Frederic Munné, que em 1980 já apontava para a importância da liberdade como perspectiva de análise do tempo livre (Pestana, Codina, & Gil-Giménez, 2010). Desde esse ponto de vista, as atividades que cada um realiza correspondem a uma dinâmica complexa em que atividades heterocondicionadas - condicionadas por obrigação ou necessidade -, e autocondicionadas -condicionadas por liberdade - se entrelaçam em seu cotidiano (Pestana et al., 2010).

Muitos estudos apresentam informações sobre as atividades que os adolescentes realizam no seu tempo livre (Bonato, Sarriera, & Wagner, 2012; Formiga & Souza, 2012; Marques, Dell'Aglio, & Sarriera, 2009; Sales-Nobre, Jornada-Krebs, & Valentini, 2009; Sarriera, Tatim et al. 2007). Entretanto, poucos investigam o tempo livre a partir da perspectiva do próprio adolescente como, por exemplo, o grau de importância atribuído por ele às atividades com as quais se envolve (Pfeifer, Martins, & Santos, 2010).

Quando as atividades realizadas pelos adolescentes no tempo livre são analisadas de acordo com gênero, faixa etária e tipo de escola onde estuda, observam-se algumas diferenças. As moças relatam participar com maior frequência de atividades de diversão, sair com os amigos e envolvimento em relacionamento amoroso, realizar leituras e ir a eventos culturais, bem como tomar parte de grupos religiosos. Já os rapazes se envolvem mais em atividades lúdicas, sócio-recreativas e esportivas e no uso do computador e jogos eletrônicos (Bonato et al., 2012; Sarriera, Tatim et al., 2007).

Quanto à faixa etária, Sarriera, Tatim et al. (2007) verificaram que adolescentes gaúchos com idades entre 12 e 14 anos costumam sair com amigos e participar de encontros familiares com mais frequência do que aqueles com idades entre 15 e 18 anos. Esses últimos assistem mais à televisão, realizam mais atividades de lazer fora de casa e atividades formativas, artísticas e culturais do que os mais novos.

Em relação ao tipo de escola, Pfeifer et al. (2010) não encontraram diferenças na importância atribuída a atividades de tempo livre entre adolescentes de escola pública e particular. Entretanto, quando analisado o grupo de moças apenas, o propósito do uso da internet é diferente - as da escola pública usam para paquerar, namorar, enquanto as outras para fazer pesquisas pessoais -, bem como as moças da escola particular costumam passear mais (shopping, parque, praia) e ler mais livros e revistas do que as de escola pública. Bonato et al. (2012) também verificaram que estudantes de escola particular frequentam mais cinemas, shows, teatros e museus do que estudantes de escola pública. Já Camelo, Rodrigues, Giatti e >Barreto (2012), verificaram que a atividade de assistir televisão diariamente por mais de duas horas é ainda mais prevalente entre os adolescentes de menores níveis socioeconômicos, estudantes de escolas públicas.

O bem-estar dos adolescentes tem sido investigado na literatura internacional a partir de três perspectivas principais. A primeira é a qualidade de vida, ligada à tradição das ciências da saúde. A segunda refere-se ao bem-estar e compreende tanto indicadores positivos, como autoestima, quanto negativos, como depressão. Por fim, encontram-se estudos sobre a satisfação com a vida, fundamentados na tradição da psicologia positiva e interessados em promover o desenvolvimento humano e social de todos, não somente daqueles em situação de risco ou portadores de patologias (Casas, 2010).

Casas (2010) adota a expressão bem-estar pessoal, a partir de Robert Cummins (Cummins & Lau, 2005) e explica que o bem-estar pessoal compreende a ideia das pessoas se sentirem bem ou não, ao longo do ciclo vital, em termos globais, e não em momentos pontuais da vida, como consequência da interinfluência entre aspectos internos (psicológicos) e suas interações com outras pessoas e com o contexto onde vivem (aspectos psicossociais). Ainda de acordo com Casas, os resultados de cumulativos estudos científicos sobre este construto levam a crer que o bem-estar estaria configurado por alguns poucos conceitos básicos: satisfação global com a vida, felicidade e satisfação com os âmbitos da vida.

A avaliação da satisfação com os âmbitos da vida, objetivo do instrumento aqui utilizado, o Personal Wellbeing Index (Cummins, Eckersley, Pallant, Van Vugt, & Misajon, 2003), segue a tradição do uso de indicadores cognitivos para avaliar o bem estar. A dimensão cognitiva do bem-estar é bastante conhecida a partir do conceito de bem-estar subjetivo, definido por Diener, Suh, Lucas e Smith (1999) como a avaliação que cada um faz sobre sua própria vida em termos cognitivos (satisfação com diferentes aspectos da vida e com a vida como um todo) e afetivos (afetos positivos e negativos).

No Brasil encontram-se estudos que investigam os construtos felicidade, bem-estar subjetivo e satisfação de vida dos adolescentes no contexto escolar (Bueno, Strelhow, & Câmara, 2010; Camargo, Abaid, & Giacomoni, 2011; Serafini & Bandeira, 2011). Essa opção diz respeito ao interesse em estudar a população adolescente em geral, distinta da população clínica ou afetada por grandes problemas ou necessidades sociais (Casas, 2010).

Do ponto de vista das relações entre bem-estar e tempo livre, estudos científicos internacionais realizados com adolescentes apontam associações entre melhores ou piores níveis de bem-estar de acordo com o tipo de atividade e o interesse para realizá-la (Holder, Coleman, & Sehn, 2009; Trainor, Delfabbro, Anderson, & Winefield, 2010). No contexto dessas investigações, o bem-estar é avaliado através de diferentes variáveis relacionadas à aprendizagem (desempenho escolar), ao desenvolvimento psicossocial, à saúde mental e à qualidade de vida dessa população.

No Brasil, predominam pesquisas sobre associações entre atividades de tempo livre e bem-estar dos adolescentes no âmbito da saúde. Pesquisadores das áreas médica, enfermagem e ciências do movimento, entre outras, contribuem com um maior volume de publicações sobre o tema, especialmente no que diz respeito ao potencial benefício das atividades físico-desportivas para um estilo de vida saudável (Camelo et al., 2012; Fernandes et al., 2011; Sales-Nobre et al., 2009).

Verifica-se que os estudos sobre o tempo livre de adolescentes brasileiros tendem a investigar a participação dos adolescentes em atividades no tempo livre, ou seja, o que eles costumam fazer nesse tempo. Entretanto, a avaliação que os próprios adolescentes fazem sobre as atividades das quais participam, como o seu nível de satisfação com elas, é pouco explorada. Além disso, o foco de muitas das pesquisas nacionais recai sobre a associação entre atividades físico-desportivas e saúde na adolescência. Assim, parece necessário avaliar outras dimensões do bem-estar e, ao mesmo tempo, incluir outras atividades realizadas no tempo livre.

Portanto, o objetivo principal deste estudo é verificar possíveis relações entre o bem-estar pessoal de adolescentes e a sua satisfação com atividades de tempo livre e com a percepção de uso deste tempo (em termos de organização, percepção de quantidade disponível e uso adequado do tempo livre). Além disso, pretende-se investigar se há diferenças nas atividades de tempo livre (ou o nível de satisfação com essas atividades) e aspectos da percepção do uso do tempo enquanto variáveis preditoras de bem-estar pessoal considerando sexo, faixa etária e instituição onde estuda (escola pública ou privada).

Método

Participantes

Participaram deste estudo 1588 adolescentes de cinco cidades do Rio Grande do Sul (a capital e quatro cidades do interior do estado). As idades variaram entre 12 e 16 anos, (M = 14.13; SD = 1.26), sendo que 920 (57,9%) possuem entre 12 e 14 anos e 668 (42,1%) têm 15 ou 16 anos. Do total de participantes, 547 são rapazes (34,44) e 1041 são moças (65,56%). Quanto ao tipo de escola, 868 (54,66%) adolescentes estudam em instituição pública e 719 (45,34%) em instituição privada. A seleção dos participantes foi feita através de amostragem estratificada.

Instrumentos

Para avaliar o Bem-estar Pessoal dos participantes foi utilizado o Personal Wellbeing Index (PWI). O PWI (Cummins et al., 2003) é composto de sete itens e avalia a satisfação com diferentes âmbitos da vida através de uma escala tipo Likert de 11 pontos etiquetada apenas nos extremos (0 = totalmente insatisfeito e 10 = totalmente satisfeito). Os participantes responderam o quanto estão satisfeitos com a sua saúde, com o seu nível de vida, com as coisas que têm conquistado na vida, com a sensação de segurança, com os grupos de pessoas dos quais fazem parte, com a segurança a respeito do futuro e com as relações com outras pessoas. Para esta pesquisa o PWI foi traduzido e adaptado do inglês para o contexto brasileiro, observando-se os procedimentos de tradução reversa e de análise semântica por um grupo piloto de adolescentes para averiguar inconsistências na tradução e no sentido dos itens (Alfaro et al., no prelo). O trabalho de Alfaro et al. (no prelo) descreve esse processo e apresenta as propriedades psicométricas encontradas, assim como as evidências de validade na amostra de adolescentes brasileiros. Como indicadores de boas qualidades psicométricas na população adolescente brasileira está a solução unifatorial, com 43,01% de variância explicada e cargas fatoriais entre 0,544 e 0,718, conseguidas através de Análises de Componentes Principais com rotação Varimax. A consistência interna do instrumento no Brasil, indicada pelo Alpha de Cronbach, foi de 0,78, considerada adequada para os padrões da escala, que originalmente tem variado entre 0,7 e 0,8 (International Wellbeing Group, 2006; Lau, Cummins & McPherson, 2004). Alfaro et al. (no prelo) também realizaram Análises Fatoriais Confirmatórias do PWI, cujo modelo mostrou índices de ajuste muito satisfatórios aos dados da amostra adolescente brasileira indicando boas evidências de validade para essa versão (χ2: = 27,93; gl = 11; p = 0,003; NFI = 0,965; TLI = 0,959; CFI = 0,978; RMSEA = 0,054).

Como variáveis independentes deste estudo, foram utilizados os itens do Questionário sobre percepções do uso do tempo livre formado por três itens que avaliaram a opinião dos participantes sobre diferentes percepções do uso do tempo livre. Os adolescentes informaram sobre sua capacidade de (a) organizar o tempo livre (de 1 = organizo meu tempo livre muito mal até 5 = organizo meu tempo livre muito bem); (b) sobre a quantidade de tempo livre disponível (de 1 = falta-me tempo livre até 5 = sobra-me tempo livre); e (c) sobre o aproveitamento do tempo livre às suas necessidades (1 = não dá para fazer tudo aquilo que eu desejo no meu tempo livre até 5 = dá para fazer tudo aquilo que eu desejo no meu tempo livre). Os itens foram elaborados a partir de trabalhos de Casas (Casas, 2010).

O Questionário de Satisfação com as atividades de tempo livre também compôs as variáveis independentes deste estudo. Os participantes responderam o quanto lhes agrada realizar 17 diferentes atividades de cunho social, familiar, esportivo, intelectual e cultural, bem como relacionadas a tecnologias de informação e comunicação (TICs) através de uma escala Likert de 11 pontos etiquetada apenas nos extremos (0 = de foram alguma e 10 = muitíssimo). Os itens foram elaborados a partir do trabalho de Casas et al. (2007).

Procedimentos de coleta de dados

Partindo de uma lista obtida através da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul foram escolhidas aleatoriamente, através de sorteio, 16 escolas das cidades do interior e 16 da capital de ensino público e privado. Em cada escola foi sorteada uma turma de cada série escolar (sétima e oitava séries do ensino fundamental e primeiro e segundo anos do ensino médio).

Após o aceite da equipe diretiva de cada instituição em colaborar com a pesquisa, os objetivos e procedimentos de coleta foram esclarecidos aos alunos em sala de aula por pesquisadores treinados, quando foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para ser preenchido e assinado pelos pais ou responsáveis, assim como também assinado pelos adolescentes registrando sua concordância em participar do estudo. Em nova visita às escolas, somente participaram do preenchimento dos instrumentos aqueles que devolveram o TCLE devidamente assinado. A aplicação foi coletiva, em salas de aula disponibilizadas pelas escolas, e no mesmo turno de estudo dos participantes.

Procedimentos e cuidados éticos

A realização desse estudo ocorreu mediante autorização do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade do Rio Grande do Sul (CEP-PSICO), registro nº25000.089325/2006-58, de 31/08/2008. A participação dos adolescentes foi voluntária, sendo garantido o sigilo, a confidencialidade dos dados e demais procedimentos éticos previstos para a pesquisa com seres humanos, conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Procedimentos de análise de dados

Os dados foram analisados com o auxílio do SPSS -Statistical Package for the Social Sciences, versão 17. Foram realizadas estatísticas descritivas para compreensão das respostas da amostra e estatísticas inferenciais, através de Análises de Regressão Múltipla (ARM) utilizando-se como variável dependente o índice de bem-estar pessoal, resultado da soma dos escores obtidos nos itens do PWI, e como variáveis independentes os itens dos dois instrumentos que abordam a temática do tempo livre. O método de estimação utilizado na ARM foi o Stepwise, observando-se as indicações de Hair, Anderson, Tatham e Black (2005).

Resultados

A Tabela 1 apresenta a média de satisfação do total de participantes com as atividades de tempo livre (de 0 até 10) e com a percepção do uso desse tempo (de 1 até 5) bem como a média desses itens de acordo com sexo, faixa etária e instituição onde estuda. Considerando-se o conjunto da amostra, os resultados apontam que os maiores níveis de satisfação dos adolescentes são com as atividades de escutar música, estar com os amigos e estar conectado à Internet, enquanto os menores níveis de satisfação relacionam-se a ler, jogar videogames e ficar em casa sem fazer nada. Essas últimas atividades também apresentaram desvios-padrão mais elevados em relação às respectivas médias, o que indica maior dispersão dos níveis de satisfação com essas atividades entre os participantes. Quanto à percepção do uso desse tempo, eles consideram que organizam bem o tempo livre, melhor do que percebem que têm tempo livre de sobra e do que conseguem fazer tudo o que desejam no seu tempo livre.

Para avaliar as relações tanto entre o nível de satisfação com as atividades de tempo livre quanto à percepção do uso do tempo e bem-estar pessoal foram conduzidas análises de regressão linear múltipla, através do método Stepwise. Também foram realizadas análises separando os participantes por sexo, faixa etária (entre 12 e 14 anos e 15 e 16 anos de idade) e tipo de escola onde estuda (pública e particular). Com isso, buscouse identificar possíveis diferenças das variáveis preditoras (satisfação com as atividades de tempo livre e percepção do uso desse tempo) no bem-estar pessoal entre os grupos. O valor Durbin-Watson variou entre 1.687 e 1.992, o que indica um bom ajuste de todos os modelos analisados.

Satisfação com as atividades de tempo livre

A Tabela 2 mostra que a satisfação em estar com a mãe, com os amigos, com outros familiares, com o pai, participar de outros jogos, estudar e pensar, fazer esporte e ver televisão no tempo livre apresenta associações com o bem-estar pessoal dos adolescentes. Embora a satisfação em "ficar em casa sem fazer nada" esteja relacionada ao seu bem-estar, essa associação é negativa, ou seja, maiores níveis de satisfação com essa atividade relacionam-se com menores níveis de bem-estar pessoal. Em seu conjunto, a satisfação com essas atividades explicam 24% do bem-estar pessoal do total dos adolescentes investigados (R2adj = 0,24).

As análises por sexo apontam que para os rapazes (Tabela 3) a satisfação em estar com a mãe, com os amigos, com outros familiares e com o pai, bem como a satisfação em estudar e pensar no seu tempo livre explica 23% do seu bem-estar pessoal (R2adj = 0,23). Quanto às moças, a Tabela 3 mostra que o coeficiente de determinação ajustado (R2adj) é de 0,25. Nesse grupo, a satisfação em estar com a mãe, com os amigos, com outros familiares, bem como a satisfação em estudar e pensar, ver televisão, fazer esportes e dedicar-se aos seus hobbies explicam 25% do seu bem-estar pessoal. A satisfação em "ficar em casa sem fazer nada" aparece associada negativamente ao bem-estar das moças.

A Tabela 4 indica que para os participantes com idades entre 12 e 14 anos a satisfação em estar com a mãe, com os amigos e com outros familiares, bem como a satisfação em fazer esporte e estudar e pensar no tempo livre explica 26% do seu bem-estar pessoal (R2adj = 0,26). Já para os participantes com 15 e 16 anos de idade, a Tabela 4 aponta o coeficiente de determinação ajustado (R2adj) de 0.23, o que mostra que a satisfação em estar com a mãe, com o pai, com os amigos e com outros familiares, bem como a satisfação em participar de outros jogos, dedicarse aos seus hobbies e fazer outras coisas com o computador explicam 23% do seu bem-estar pessoal. Verifica-se que para esse grupo maiores níveis de satisfação em "estar conectado à Internet" estão associados a menores níveis de bem-estar.

Quanto ao tipo de escola, verificou-se que para os adolescentes que frequentam instituição pública (Tabela 5) a satisfação em estar com outros familiares, com a mãe, com o pai e com os amigos, estudar e pensar, participar de outros jogos, dedicar-se aos seus hobbies, e ver televisão no tempo livre explica 24% do seu bem-estar pessoal (R2adj = 0,24). Para esse grupo, maiores níveis de satisfação em "estar conectado à Internet" estão associados a menores níveis de bem-estar. No grupo que estuda em instituição particular, a Tabela 5 mostra que o coeficiente de determinação ajustado (R2adj) é de 0,27. Nesse caso, a satisfação em estar com a mãe, com os amigos, com outros familiares, bem como a satisfação em fazer esportes, participar de outros jogos, ler e fazer outras coisas com o computador, explicam 27% do seu bem-estar pessoal. A satisfação em "ficar em casa sem fazer nada" aparece associada negativamente ao bem-estar dos adolescentes da escola particular.

A satisfação com a atividade de escutar música ou com aquelas relacionadas às TICs (falar ou fazer outras coisas com o celular, jogar videogames), bem como a satisfação de estar em contato com ambientes naturais e passear (estar ao livre, passear, fazer excursões) não foram incluídas em nenhum dos modelos analisados. Este resultado indica que o bem-estar dos adolescentes investigados não tem qualquer relação com o nível de satisfação com essas atividades.

Percepção do uso do tempo livre

A Tabela 6 aponta que a percepção de organização e aproveitamento do tempo livre explica 7% do bem estar pessoal dos adolescentes investigados (R2adj = 0,07). Em relação às análises por sexo, a Tabela 6 mostra que a organização do tempo livre explica 6% do bem-estar pessoal (R2adj = 0,06)dos adolescentes do sexo masculino. No caso das moças, a organização e o aproveitamento do tempo livre explicam 7% do seu bem-estar (R2adj = 0, 07). Quanto às análises por faixa etária, para os adolescentes entre 12 e 14 anos o coeficiente de determinação ajustado (R2adj) é de 0,06, o que indica que a organização e o aproveitamento do tempo livre explicam 6% do seu bem-estar pessoal. Já para aqueles com 15 e 16 anos, a organização do tempo livre explica 8% do seu bem-estar (R2adj = 0,08). Quanto às análises por tipo de escola, os adolescentes que estudam em escola pública apresentam o coeficiente de determinação ajustado (R2adj) é de 0,07, o que indica que a organização e a disponibilidade de tempo livre explicam 7% do seu bem-estar pessoal. Já aqueles que estudam em escola particular, a organização e o aproveitamento do tempo livre explicam 6% do seu bem-estar (R2adj = 0,06). Considerandose as análises por grupos, observa-se que a percepção de disponibilidade de tempo livre está associada apenas ao bemestar dos adolescentes que frequentam escola pública.

Discussão

Os resultados dessa pesquisa permitiram identificar associações entre o bem-estar pessoal de adolescentes e sua satisfação com atividades de tempo livre relacionadas à interação social (família e amigos), desenvolvimento de habilidades físicas (esportes e outros jogos) e intelectuais (estudar e pensar, ler), bem como a percepção de uso desse tempo. A começar pelo nível de satisfação em estar com a família, verificou-se que a satisfação em estar com a mãe e outros familiares se relaciona com o bem-estar pessoal dos adolescentes. Compreende-se que a percepção de bem-estar pessoal seja influenciada pela família porque esta, como se sabe, representa um núcleo de suporte fundamental para o desenvolvimento psicossocial dos adolescentes (Camargo et al., 2011; Pfeifer et al., 2010). A conversa com parentes é considerada como uma atividade muito importante (Pfeifer et al., 2010), assim como diferentes aspectos da relação com os pais (Serafini & Bandeira, 2011). Desta forma, é possível que a proximidade e a convivência com a família no tempo livre possam, por si só, influenciar no bem-estar pessoal dos adolescentes.

Mesmo que a família seja mais referida e valorizada pelas moças do que pelos rapazes (Camargo et al., 2011; Pfeifer et al., 2010), nesse estudo não foram encontradas diferenças de gênero,faixa etária e tipo de escola onde estuda entre a satisfação em estar com a mãe e com outros familiares e o bem-estar pessoal, sugerindo que variáveis de desenvolvimento, sociais e culturais não interferem nessa relação. Entretanto, o mesmo não ocorre com a satisfação em estar com o pai no tempo livre, a qual se mostra associada ao bem-estar pessoal apenas dos rapazes, dos adolescentes mais velhos e daqueles que frequentam escola pública. No caso dos rapazes, pode-se compreender a relação entre bem-estar pessoal e satisfação em estar com o pai a partir da influência que a relação com o pai exerce sobre eles, conforme apontam Serafini e Bandeira (2011). As autoras identificaram que os rapazes se mostram significativamente mais satisfeitos com a relação com o pai e demonstram sentir mais necessidade de auxílio instrumental por parte dele do que as moças.

Como se poderia esperar a partir de resultados de outras investigações (Camargo et al., 2011; Pfeifer et al., 2010; Serafini & Bandeira, 2011), a satisfação em estar com amigos também prediz o bem-estar pessoal dos adolescentes, sem diferenças para gênero, idade ou tipo de escola onde estuda. Esse resultado corrobora a importância da amizade e do estabelecimento de alianças confiáveis entre os pares para o desenvolvimento psicossocial saudável dos adolescentes (Serafini & Bandeira, 2011; Sousa & Cerqueira-Santos, 2011). Deve-se destacar que tanto a satisfação em estar com a família quanto com os amigos contribuem de forma bastante equilibrada para a percepção dos adolescentes sobre o seu bem-estar. Resultados como esse foram identificados por Serafini e Bandeira (2011), que verificaram que tanto a relação com os pais quanto com um amigo é significativa para a satisfação de vida dos adolescentes.

A satisfação em fazer esportes e participar de outros jogos também está associada ao bem-estar pessoal do total dos participantes. Embora o engajamento dos adolescentes em atividades físico-desportivas no tempo livre seja baixo (Fernandes et al., 2011), a prática de atividades físicas e esportivas é considerada por eles como muito importante (Pfeifer et al., 2010). Dos adolescentes vinculados a grupos formais investigados por Bueno et al. (2010), ao menos metade deles pertence a grupos de prática de esporte. A relação entre a satisfação com esportes e outros jogos e o bem-estar pessoal pode ser compreendida pelo fato deste tipo de atividade proporcionar o convívio e a interação social dos adolescentes com seus pares, oferecer a oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento de habilidades e estimular maiores cuidados com o corpo e com a saúde promovendo, portanto, o desenvolvimento saudável dos adolescentes em termos físicos, psicológicos e sociais (Fernandes et al., 2011; Marques et al., 2009).

Entretanto, deve-se notar que a associação entre fazer esporte está associada a maiores níveis de bem-estar pessoal apenas das moças, dos adolescentes mais novos e daqueles que frequentam escola particular. Apesar desse tipo de atividade ser mais frequente entre os rapazes do que entre as moças, conforme apontado anteriormente, talvez ela não seja tão valorizada por eles a ponto de influenciar na percepção de maiores níveis de bem-estar. No caso da faixa etária, a inexistência de relação entre a prática de esporte e o bem-estar dos mais velhos pode ser compreendida pelo fato de que nessa faixa etária eles já experimentam maior autonomia, o que lhes permite escolher outras atividades que lhes agrade mais (Sarriera, Tatim et al., 2007). Os dados disponíveis não permitem interpretar por que a prática de esportes influencia o bem-estar daqueles que estudam em particular. O que se sabe é que esse grupo tem maior acesso a atividades de esporte dada a melhor condição financeira de suas famílias (Camelo et al. 2012).

Quanto às atividades de natureza intelectual, a satisfação com estudar e pensar apresentou associação com o bem-estar pessoal. Atividades intelectuais representam, na perspectiva dos adolescentes, um investimento no seu desenvolvimento pessoal (Sarriera, Paradiso et al., 2007), possivelmente vinculada à sua vida e futuro em geral.

Os resultados apontam também que a satisfação em assistir à televisão influencia o bem-estar pessoal dos participantes, embora nesse estudo ela ocupe apenas o nono lugar na média geral de satisfação. A realização dessa atividade é bastante habitual entre os adolescentes, especialmente entre aqueles de níveis socioeconômicos mais baixos, provavelmente pelo baixo custo financeiro (Camelo et al., 2012). É comum os pesquisadores caracterizarem esta atividade como passiva e não estruturada (Holder et al., 2009; Sarriera, Tatim et al., 2007), associada, por exemplo, a comportamentos alimentares não saudáveis (Camelo et al., 2012). Entretanto, não se pode desconsiderar que adolescentes envolvidos em atividades físicas também se dedicam bastante a atividades sedentárias (dentre elas, assistir televisão) (Sales-Nobre et al., 2009). Do ponto de vista dos adolescentes, estes afirmam não perceber maiores problemas em passar grande parte do seu tempo na frente da televisão, e ainda avaliam aspectos positivos na programação em termos educativos e informativos (Sarriera, Paradiso, Tatim, & Howes, 2006). Diante disso, parece não haver elementos de consenso na literatura que permitam explicar a relação entre satisfação em assistir à televisão e bem-estar.

Os resultados mostraram ainda que a satisfação em "ficar em casa sem fazer nada" está associado ao bem-estar pessoal do total de participantes, sendo que menores níveis de satisfação com essa atividade predizem maiores níveis de bem-estar com os diferentes âmbitos da vida e vice-versa. Uma provável explicação para essa relação é que estar em casa sem fazer nada pode implicar em ausência de companhia, seja de amigos, pais ou outros familiares. Tal ausência provavelmente interfira ainda mais no bem-estar das moças que, como referido anteriormente, valorizam a interação social mais do que os rapazes, e nos adolescentes de escola particular, menos habituados a buscar convívio social em espaços públicos, como a rua ou ao redor de casa (Pfeifer et al., 2010).

O presente estudo não encontrou relações entre a satisfação em ouvir música e o bem-estar pessoal dos adolescentes, embora essa atividade tenha o nível médio mais alto de satisfação na amostra geral dos adolescentes. Pode-se supor que a satisfação proporcionada por essa atividade tenha um fim em si mesma, centrada no prazer individual, de caráter hedonista (Formiga & Souza, 2012). Considerando que o PWI avalia a satisfação global dos adolescentes com os diferentes âmbitos da vida em um nível de maior generalização e abstração (Cummins et al., 2003), é possível que a satisfação com atividades dessa natureza não tenha, sob a ótica dos adolescentes, qualquer influência na satisfação com âmbitos mais gerais da vida. Seguindo essa lógica, pode-se explicar a ausência de relações entre a satisfação em ler para todos os grupos e o bem-estar pessoal pelas mesmas razões, com exceção do grupo de adolescentes que estudam em escola particular. Nesse caso em específico, é possível que o nível socioeconômico mais elevado das famílias da escola particular permita comprar livros e estimular a leitura dos filhos desde cedo, tornando-a fonte de conhecimento e prazer que proporcionam bem-estar para esse grupo.

Este estudo não encontrou relações entre satisfação em jogar videogame e bem-estar pessoal. Em outro trabalho (Sarriera, Abs, Casas, & Bedin, 2012) pode-se explorar melhor essa relação que tem se apresentado indireta quanto ao Bem-estar, passando por outras dimensões como as relações familiares e sociais que apresentam relações diretas com o Bem-estar. Atualmente, as configurações dos jogos de videogames não apresentam o caráter solitário que lhes deu fama na década de 1980, potencializando relações interpessoais e aprendizagens (Salen, 2008; Santaella & Feitoza, 2009). O advento de novos consoles que interagem diretamente com o corpo em exercícios e movimentos também tem modificado a noção dos videogames como aparelhos que contribuem para a alienação, isolamento e sedentarização de adolescentes, merecendo estudos detalhados em um futuro próximo.

Quanto à percepção do uso do tempo livre, a capacidade de organizar bem o tempo e a percepção de aproveitamento do tempo influenciam o bem-estar dos adolescentes. Esses achados reforçam a importância da motivação pessoal (Bueno et al., 2010), da autonomia e da liberdade para gerenciar o tempo e escolher as atividades que ofereçam maior satisfação, sem controle do meio externo, de acordo com as características e necessidades de cada um (Codina, 2004; Pestana et al., 2010). Ressalta-se, assim, o valor do autocondicionamento - fazer algo porque assim o quer- para a capacidade de auto-organização (Codina, 2004) dos adolescentes. Exceto no grupo de adolescentes que estudam em instituição pública, a percepção de disponibilidade de tempo (faltar ou sobrar tempo livre) não interfere na avaliação do bem-estar pessoal, ou seja, em geral é a qualidade do tempo (o quanto os participantes desse estudo percebem que capazes de se organizar para aproveitá-lo), e não a quantidade de tempo disponível que demonstra ser significativa para o seu bem-estar. Esse achado sinaliza a necessidade de considerar a dimensão da experiência, da vivência e do significado do que ocorre nesse tempo (Codina, 2004; Pestana et al., 2010).

Em termos gerais, esse estudo reforça a importância do tempo livre como um contexto em que é preciso estimular o convívio social e familiar, o desenvolvimento de habilidades físicas e o conhecimento a fim de influenciar no bem-estar dos adolescentes. Ao mesmo tempo, aponta o papel do contexto cultural e socioeconômico no estímulo/restrição ao acesso e/ ou a realização de atividades de tempo livre pelos adolescentes (Bonato et al., 2012; Formiga & Souza, 2012; Pfeifer et al., 2010), sendo que muitas delas, como mostrou este estudo, interferem no bem-estar dos adolescentes.

Quanto às limitações deste trabalho, reconhece-se que esta investigação não abrange a variabilidade de atividades de tempo livre realizadas pelos adolescentes. Embora tenham sido investigadas atividades de tempo livre de natureza social, familiar, esportivas, intelectuais, culturais e aquelas relacionadas às TICs, este estudo não incluiu atividades de tempo livre típicas da adolescência, sejam elas voltadas ao descanso, como dormir, ao consumo, como fazer compras, ou à diversão, como ir a festas, namorar, nem aquelas de cunho formativo (educativo), artístico, lúdico, político, associativo ou religioso (Formiga & Souza, 2012; Pfeifer et al., 2010; Sarriera, Tatim et al., 2007).

As atividades com as quais os adolescentes mostraram-se mais satisfeitos necessariamente não estão associadas ao seu bem-estar pessoal. Para buscar compreender esses achados, sugere-se que estudos futuros avaliem ao mesmo tempo o nível de satisfação e o significado das atividades para os adolescentes. Além disso, parece necessário investigar com maior profundidade especificidades das associações entre bem estar pessoal e tempo livre dos adolescentes quando analisadas diferenças entre gênero, faixa etária e tipo de instituição que frequenta. Dessa forma, profissionais e familiares que lidam no dia-a-dia com esses diferentes grupos poderão criar estratégias de intervenção específicas que proporcionem não só satisfação, mas também o bem-estar pessoal. Finalmente, deve-se ter em conta que não existe um único padrão de atividades de tempo livre capaz de determinar o bem-estar pessoal, sendo esse um fenômeno psicossocial, dinâmico e complexo. Assim, é importante que a família, a escola e demais profissionais estimulem a diversificação de atividades de tempo livre a fim de ampliar as oportunidades de desenvolvimento saudável dos adolescentes em termos físicos, psicológicos e sociais.

Nota:

Esta pesquisa faz parte de um projeto de pesquisa mais amplo intitulado "Qualidade de vida e bem-estar na adolescência". Os autores agradecem o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/ Ministério da Ciência e Tecnologia, Brasil, sob o número 472771/2008-6, e do convênio entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)/Ministério da Educação, Brasil e o Ministério de Ciencia, Tecnología e Innovación Productiva (MINCyT), Argentina, sob o número 159-09.

Recebido em 23.Out.11

Revisado em 08.Abr.13

Aceito em 05.Jun.13

Jorge Castellá Sarriera, Doutor em Psicologia pela Universidade Autônoma de Madri, pós-doutor em Psicologia pela Universidade de Barcelona e pela University of San Francisco, é professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Endereço para correspondência: Rua Alvares Machado, 120 apto. 502. CEP 90630-010 - Porto Alegre -RS. Telefone: 55 8183 9023. E-mail: jorgesarriera@gmail.com

Ângela Carina Paradiso, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: angelaparadiso@hotmail.com

Daniel Abs, Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail: absdacruz@gmail.com

Dulce Helena Penna Soares, Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade Louis Pasteur, França, pósdoutorada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é professora aposentada pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: dulcepenna@terra.com.br

Caroline Lima Silva, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é psicóloga do Centro Terapêutico Shalom em Lajeado(RS). E-mail: carolswasthya@yahoo.com.br

Patrícia Jantsch Fiuza, Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é pós doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: pjfiuza@yahoo.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2011
  • Aceito
    05 Jun 2013
  • Revisado
    08 Abr 2013
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