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Antônio Jayro Fagundes

Antônio Jayro Fagundes

Antônio Jayro da Fonseca Motta Fagundes, mais conhecido como Prof. Jayro, é doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo e docente da Universidade Guarulhos. Professor desde os 16 anos de idade, jornalista, fundador da editora Edicon, passou a ser conhecido do grande público por um conjunto de trabalhos em televisão, cinema e publicidade envolvendo o treinamento de animais para atuar em cena, com uma peculiaridade, que faz questão de destacar: a de nunca utilizar técnicas aversivas. Nesta entrevista, concedida em São Paulo a Oswaldo H. Yamamoto, o professor Jayro fala sobre a sua trajetória profissional, sobre questões ligadas à Psicologia como profissão e, principalmente, sobre as suas atividades em uma área na qual é pioneiro.

EP: Alguns dados acerca da sua trajetória profissional.

AJFMF: Estudei Filosofia e Teologia em Belo Horizonte, fiz complementação filosófica (bacharelado em Filosofia) na Universidade de Mogi das Cruzes, posteriormente fui para Campinas, na PUC, para fazer pós-graduação em Orientação Educacional. Em seguida, vim para a Universidade de São Paulo, onde fiz o Mestrado e, posteriormente, o Doutorado em Psicologia Experimental. As atividades profissionais que exerci sempre somaram às do magistério em Psicologia. Algumas por poucos anos: jornalismo, como redator, em Poços de Caldas (MG) e consultoria em RH, cuidando do treinamento de vendedores, em São Paulo. Outras, por mais de 15 anos: editor da EDICON e, finalmente, treinamento de animais para publicidade, cinema e televisão, que é a minha atividade principal. A secundária, no momento - não quero deixá-la - é o magistério, na Universidade Guarulhos (SP), onde apenas oriento pesquisas de graduação e pós. Professor há 40 anos, por vocação e com orgulho, difundo desde 68 meu entusiasmo pela linha experimental e, a partir de 76, da observação comportamental, sendo autor do primeiro livro em português sobre o assunto1 Nota e incentivador e editor do segundo (só existem dois, infelizmente!).

EP: O seu trabalho de pós-graduação foi desenvolvido na área do sorriso. Você tem ainda pesquisado nesse campo?

AJFMF: Tanto o mestrado quanto o doutorado foram estudos sobre o sorrir, o rir, o gargalhar. Embora tenha concluído o mestrado em 1976, desde 1974 até hoje tenho mexido com esse tema, orientando trabalhos de alunos. Na Universidade Guarulhos sempre tivemos, como meta da disciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa, fazer com que o aluno planejasse e executasse uma pesquisa nos moldes empíricos – privilegiando áreas nas quais éramos mais competentes, embora o aluno tivesse liberdade de escolha. O sorriso era uma dessas áreas.

EP: Passando para a questão da sua prática profissional, hoje há um debate acumulado acerca da questão das novas áreas de atuação do psicólogo. Você, de uma certa forma, foi um pioneiro nesse trabalho de inovação, com a sua inserção no campo da publicidade. Como se deu a sua entrada nesse tipo de atividade?

AJFMF: A minha entrada na área foi meramente casual: em 1982, quando eu fazia o doutorado na USP, apareceu lá uma solicitação aos veterinários para fazer com que um peru caminhasse sobre uma mesa e depois pulasse para dentro de uma tigela. Obviamente, os veterinários não tinham nada com isso e remeteram à Psicologia. Naquela ocasião, ninguém se interessou em mexer com isso. Uma colega nossa, a Wilma (Santoro Patitucci), que foi uma das pessoas consultadas, resumia bem a razão básica para não aceitar o trabalho: "se fosse para fazer o trabalho no meu laboratório, com um mês pela frente, com todas as circunstâncias de controle, eu faria". Mas fazê-lo nas condições em que deveria ser feito, isto é, com a filmagem marcada para dali a nove dias, era uma coisa de maluco. Naquela ocasião, inclusive, cheguei a pesquisar na literatura, trocar idéias com o (João Cláudio) Todorov, com esse pessoal todo e, na época, não havia relatos de trabalhos de condicionamentos de perus. Então, era um desafio condicionar um peru; era um desafio fazê-lo em nove dias. Havia, também, um aspecto menos nobre da questão: era sempre um "dinheirinho" que poderia aparecer... Então, aceitei o desafio. O interessante é que a equipe de produção demorou quatro dias para arranjar o peru e sobraram cinco para fazer o trabalho... Como não sabíamos exatamente como fazer, pegamos três perus. Eu testava com um, o que dava certo fazia com o outro. Os erros eu já não repetia no outro... Em síntese: a cinco dias da filmagem, com três perus – praticamente internado com eles, das oito da manhã às nove da noite (obviamente, não com todos ao mesmo tempo), conseguimos fazer com que dois deles executassem toda a tarefa e um terceiro fizesse parte dela. Esse foi o primeiro trabalho realizado.

EP: Com esse trabalho, o seu nome ficou sendo conhecido do meio?

AJFMF: A partir daí, a coisa correu entre os publicitários: "existe um Dr. Dolittle, um Prof. Pardal aí que mexe com os bichos..." E não parou mais, tanto que eu jamais fiz marketing da minha atividade, mas o nome acabou se firmando entre os publicitários. Evidentemente, hoje sou bastante conhecido.

EP: Há mais alguém fazendo trabalhos semelhantes?

AJFMF: Há hoje outras pessoas mexendo com essa atividade; pessoas mais especializadas em determinados tipos de animais, como cachorros, por exemplo. Tem uma outra pessoa em São Paulo que é da área da Pedagogia que mexia com cães e está se aventurando a mexer com diferentes bichos; no Rio de Janeiro há outra pessoa que mexe basicamente com cães, de modo que acabou se instalando uma nova modalidade de atividade na área. Pena que praticamente a única pessoa da área da Psicologia trabalhando seja eu; de um modo geral, as pessoas que lidam com isso não têm esse embasamento.

EP: Então você então acredita que é a formação em Psicologia que gabaritaria uma pessoa a fazer esse trabalho? Complementando: o que um aluno que se interessasse por esse trabalho deveria privilegiar no seu curso de graduação e, eventualmente, de pós-graduação?

AJFMF: Eu começo com uma observação. Numa ocasião, alguém me falou: "Ah, você mexia com a Psicologia; agora você está mexendo com bichos...". Eu não mexia com a Psicologia; eu só faço Psicologia com os bichos! O fato de ter conhecimento da área da Psicologia é fundamental para a realização do meu trabalho. Coisas que são essenciais na formação do psicólogos, que são extremamente importantes e que faltam aos profissionais da área: em primeiro lugar, os conhecimentos básicos de aprendizagem, de condicionamento; em seguida, todos os conhecimentos e técnicas ligados à observação (aos cuidados etológicos). Esses são dois embasamentos absolutamente indispensáveis para um sucesso razoável dentro da área. O psicólogo que fez bem o seu curso e conhece todas essas técnicas de aprendizagem, de observação e dos cuidados etológicos está absolutamente gabaritado para fazer o trabalho.

EP: Além dos conhecimentos de Psicologia, você teve algum outro treinamento formal para trabalhar nesse campo?

AJFMF: Embora eu tivesse essa formação em Psicologia, eu jamais tive aquilo que acaba se aprendendo na prática, que são os cuidados, os macetes específicos da atividade de cinema. Um desses problemas nós já comentamos: não existe, em publicidade, um tempo ótimo para se trabalhar. Diferentemente de uma área acadêmica, em que é possível fazer um planejamento do que é necessário para fazer isto e aquilo, em publicidade as coisas são inversas. Quando se recebe a proposta de trabalho, a mídia já está marcada, de modo que nunca se tem mais do que uma ou duas semanas de atividade para fazer o que quer que seja com quantos bichos você pode imaginar. Isso limita em muito o resultado. Retornando: todas as coisas, como iluminação, posição da câmara e essas coisas típicas do cinema são importantes para quem queira mexer com o setor. Isso, na verdade, se aprende na prática; não é a Psicologia que vai lhe dar isso. Um estágio, dois ou três trabalhos você já começa a conhecer e entender.

EP: Pelo que você diz, trata-se de adquirir conhecimentos de pelo menos dois campos diversos. Você acredita que seja uma área eminentemente multiprofissional, uma especialidade do psicólogo ou do publicitário?

AJFMF: Que é multidisciplinar estou absolutamente seguro. Vou citar um caso: no longa-metragem, Policarpo Quaresma, tivemos a colaboração de um biólogo. Em uma das cenas, por exemplo, exigia-se a atuação de 5.000 formigas. Tive a participação de um biólogo para a localização dos campos mais promissores e coleta dos animais. É um trabalho no qual é possível e, mesmo, absolutamente desejável a colaboração de outros profissionais.

EP: Se um psicólogo recém-graduado pretendesse entrar nesse campo, haveria mercado para ele? Como ele deveria proceder: procurar um estágio?

AJFMF: É uma questão complicada. Do ponto de vista teórico, o aluno que tenha terminado seu curso de Psicologia está, como já dissemos, qualificado para atuar no setor. A questão é que não temos no Brasil uma indústria cinematográfica. Temos obras de autores que, de vez em quando, conseguem dinheiro aqui e ali e fazem os seus trabalhos. Não há uma distribuição que garanta a produção dos filmes. É um círculo vicioso. Há, também, a concorrência avassaladora da filmografia americana que é, praticamente, a dona do mercado mundial. Entre nós, ela é de 99,99%! A ausência de uma indústria cinematográfica suficientemente desenvolvida dificulta a existência de muitos profissionais. Nos Estados Unidos, onde isso não acontece, onde a indústria cinematográfica é bastante antiga, há uma quantidade grande de profissionais. Por exemplo, o conhecidíssimo casal de psicólogos Breland & Breland, há muitos anos, faz nos Estados Unidos esse tipo de trabalho que realizo há 17 anos. E lá, há dezenas, centenas de pessoas que fazem isso. Existem inúmeros estúdios e mesmo escolas que preparam profissionais para treinar os mais diferentes bichos. Inclusive com especialização: existem pessoas que treinam só papagaios, só cachorros, só gatos. Entre nós, o campo é muito incipiente. Não há uma grande procura que favoreça uma demanda muito grande. Então, acaba-se sendo um franco-atirador. Agora, que o profissional é reconhecidamente importante no meio, isso é inquestionável. Por exemplo: fazer com que um cachorro faça uma série de coisas em uma filmagem sem que ele tenha sido anteriormente preparado para isso é uma loucura. A presença de um profissional que mexa com o bicho economiza enormemente o tempo de uma equipe, diminuindo o custo do trabalho. Ou seja, o profissional é importante, existe o campo de trabalho, mas infelizmente, ainda é muito limitado. Como fazer para entrar na área? Como não existem escolas, não existem agências, a pessoa iniciante pode oferecer o seu trabalho informando quais são as suas competências. Não há, de fato, nem uma cultura nem uma demanda muito grande no setor.

EP: Você tem idéia de quantos trabalhos você já realizou nesse campo?

AJFMF: Tenho. Desde 1982, eu já realizei algo em torno de 600 trabalhos, a maioria deles, comerciais. De uns tempos para cá tem aumentado muito os trabalhos com fotografia. No ano passado, reparando nas minhas anotações, vi que havia uma porcentagem bastante alta, algo em torno de 60% dos trabalhos com fotos. Embora sempre tenha trabalhado preparando animais para fotos, está havendo uma tendência maior nesse setor. E, evidentemente, está aumentando a realização de filmes. Só neste ano, eu já realizei uns oito longa-metragens. Já que estamos falando de dados estatísticos, nesse tempo eu já trabalhei pelo menos com umas 130 espécies diferentes e já passaram pelas minhas mãos uns 100.000 bichos! Não é para estranhar muito, pois em alguns trabalhos, pela natureza do bicho envolvido, há exigência de um número muito grande – por exemplo, Policarpo Quaresma, nós tínhamos 5.000 formigas. Eu creio que esta experiência com tal variedades de bichos é realmente invejável: dificilmente, você encontrará no país alguém que tenha lidado com tantas espécies de animais, em termos de condicionamento e coisas do tipo que a gente faz.

EP: Alguns desses trabalhos foram muito comentados. Quais são aqueles que você considera os mais marcantes?

AJFMF: Dois dos trabalhos que eu fiz e que as pessoas costumam lembrar muito são a campanha da Cofap (oito filmes em 1990 e 1991) e a novela Pedra sobre pedra, na qual, quando o Jorge Tadeu (interpretado pelo ator Fábio Jr.) morre, há uma revoada de borboletas. O trabalho deu tanto IBOPE na ocasião que a borboleta tornou-se um personagem da novela. O rapaz, que morreu, quando reencarna, é sempre precedido por uma borboleta. Se a borboleta aparece em determinada casa, ele vai reencarnar aí. Que eu saiba, é a primeira vez que um inseto é personagem de uma novela! Esses são dois trabalhos marcantes. Há também um trabalho, bem antigo, para o Banco 24 horas: uma coruja e um galo em cima do banco. Recentemente, fiz outros trabalhos menos conhecidos, como a da campanha da Paz no Trânsito: uma pombinha deveria pousar em uma placa, que vai aumentando a indicação de velocidade, até que ela explode. Tive quatro dias para preparar duas pombinhas para pousar e voar da placa. Houve também a campanha da Nintendo em que dois chimpanzés estão discutindo. Um outro trabalho bonito de Gatsy, feito há um ano, é de um gato que desce uma escada, passa pela porta, sobe em uma cadeira e depois em uma mesa, em seguida para uma mesa de passar roupa, daí pula em cima de um armário, para ficar olhando a comida. Tivemos vários filmes, o Policarpo Quaresma, com a atuação de 5.000 formigas, um papagaio, um sapo... Um filme que saiu recentemente, o Ed Mort, tive baratas e um rato... No Bella Donna, que aliás foi rodado pertinho do Rio Grande do Norte, fiz toda a bicharada básica. Tivemos, por exemplo, 508 morcegos em uma igrejinha. Em um momento, eles devem estar voando no interior e, em outro, sair de uma igreja... Por sinal, aconteceu um caso engraçadíssimo: nós usamos morcegos que foram coletados no dia, com licença do IBAMA, com acompanhamento de um veterinário, de um biólogo, ou seja, capturamos e soltamos na mesma região. Trata-se de um bicho muito sensível, que não poderia ser armazenado por dois ou três dias. Assim, os animais eram pegos e, na medida em que eram pegos, eram feitas as sessões. Em uma das cenas, no final do dia, precisávamos, em uma cena final, de uma revoada de pelo menos 200 morcegos. Eu tinha, comigo, pouco mais de 100. Estava aguardando outras pessoas que deveriam trazer os morcegos – e elas não chegavam. Então, o diretor decidiu antecipar a filmagem, pois a luz estava caindo. Sem a hora de preparo antes acertada, foi uma correria. Quando estava tudo pronto, o diretor diz: "Jayro!" – e eu entendi: "Solta!". Abri a caixa em que estavam os morcegos. Por sorte, saiu um único morcego na frente. Quando passou esse morcego, o câmara ligou os aparelhos. O diretor disse: "Corta!". Ele não cortou. E então, a bicharada saiu. Foi feito tudo errado mas a cena saiu maravilhosa! Apesar de não termos todos os morcegos planejados, aquela quantidade foi suficiente. Apesar de eu ter soltado na hora errada, de o câmara ter ligado na hora errada, pois não esperou a ordem do diretor e de não ter cortado mesmo após a ordem dele, a gente fez...

EP: Você tem uma equipe fixa? E sobre os fornecedores de animais?

AJFMF: A quantidade de trabalhos que eu faço é qualquer coisa como um por semana. Faço 50 a 60 trabalhos anuais. Não é uma quantidade que requeira uma grande equipe. Trabalho com auxiliares nos momentos em que os trabalhos demandam. Num dos trabalhos da Cofap, eu tinha oito pessoas me ajudando – eram vários cães de procedências diferentes, machos e fêmeas misturadas. No Bella Donna eu tinha duas ou três pessoas que faziam a coleta, me auxiliavam. Com relação aos fornecedores, tenho cerca de 12.000, que têm os bichos mais malucos! Se eu precisar aqui mesmo de um escorpião preto de 30 cm eu tenho. Se você precisar de um elefante no Rio de Janeiro, eu posso lhe fornecer. Às vezes me ligam dizendo: "eu quero um cachorro aqui" (numa cidade qualquer), e eu tenho. Acabei levantando um fichário, com pessoas me oferecendo, ligando, escrevendo... Houve até um caso engraçado de uma pessoa de Minas que se ofereceu para ser meu "escravo"! Para não ganhar nada: só pão, água e moradia, para poder me auxiliar, acompanhar meus trabalhos e coisas assim!

EP: Sendo uma espécie de pioneiro na área, sem relatos para servir de inspiração, certamente você já se viu diante de situações difíceis. Entre os trabalhos que você já vez, quais foram os mais difíceis?

AJFMF: De fato, a dificuldade está na ausência de relatos de condicionamento com certos animais, pois ninguém está interessado em mexer com esse tipo de coisa. Não há, também, certos relatos dos próprios comportamentos do animal. Vamos apanhar um caso concreto. Eu tinha duas semanas para fazer dois pombos desempenharem a seguinte tarefa: no estúdio, nós teríamos um fogão, uma modelo ao lado do fogão; os pombos estariam mais ou menos três metros à frente do fogão, deveriam voar até o fogão e, em cima dele, deveriam ficar como se estivessem se beijando, bicando ao redor dos olhos e em toda a cabeça, como a fazer carícias. À primeira vista, é bastante simples. Em qualquer praça pública, há pombos se beijando – os pombos se beijam (e gostam tanto de copular que até são tidos como símbolos do amor) ! E aí, como fazer os pombos se beijarem? Diante da falta de modelos – não há ninguém investigando isso, nem os veterinários, nem etólogos estudando o comportamento de beijar dos pombos... Então, adotei a estratégia de fazer um condicionamento: apanhei vários casais (literalmente) e, com um deles, comecei um processo de modelagem - aproximações sucessivas para modelar a resposta de bicar o bico do outro, inclusive com estratagemas do tipo colocar um pouco de mel para grudar painço no bico. No decorrer do trabalho, eu percebi que gastaria muito mais do que as duas semanas para chegar a esse tipo de comportamento. Ocorreu-me uma outra linha de trabalho: se os pombos se beijam normalmente, por que não reproduzir as condições nas quais tais coisas ocorrem? Então, passei a observar os bichos e verificar em que circunstâncias acontecia o comportamento de bicar na região da cabeça. E foi possível descobrir o que desencadeia o processo, verificar as circunstâncias relevantes e reproduzir a situação na ocasião da filmagem – o que é um outro problema, pois numa filmagem, existem muitas coisas que dificultam o desempenho dos animais. Mas, para concluir o caso do pombo: descobrimos que os pombos se bicam por uma razão meramente de toilette. Tal qual os cachorros e os gatos se lambem para se limpar, os pombos – assim como vários outros pássaros – pegam pena por pena e vão se limpando. Obviamente, a cabeça é uma região de acesso impossível. Então, a coisa acaba funcionando de uma maneira grupal. Sabe-se quanto os pombos são animais gregários e, em estando juntos, a coisa funciona assim: "estou limpinho mas a sua cara, tal como a minha, está suja; dá licença que eu vou limpar você, mas não se esqueça de me limpar também...". E, uma vez que estou falando para psicólogos, há uma circunstância interessante aqui: esse comportamento só se desencadeia quando o pombo está de barriga cheia. Eles são adeptos daquele aforisma: "primeiro comer e depois filosofar"... Assim, fomos capazes de executar a tarefa, graças à observação direta dos pombos em situação natural.

EP: Esse é, de fato, um exemplo de trabalho que foge ao esquema clássico de condicionamento operante...

AJFMF: Já tivemos desafios interessantes, que não são meramente comportamentos motores a serem instalados, mas comportamentos às vezes complexos como é o caso dos pombos beijadores que a gente comentou e um outro, por exemplo, fazer um cachorro bocejar. E, numa outra, um cachorro espreguiçar. O espreguiçar é um comportamento absolutamente complexo; a topografia da resposta é muito ampla. Há um conjunto de comportamentos envolvidos: o cachorro abaixa a parte anterior, a posterior é erguida, as patas se espicham, abaixa a cabeça... em síntese, uma coisa extremamente complexa que uma modelagem de resposta talvez não chegasse lá. E se viesse a chegar, certamente não seria com uma ou duas semanas. Conseguimos cumprir esses três desafios simplesmente reproduzindo as circunstâncias em que os comportamentos ocorreriam na situação natural, criando, em estúdio, as condições propícias para a eliciação da resposta.

EP: O aspecto interessante nesses relatos, especialmente aquele dos pombos, é que, ao contrário do que reza a cartilha – privar e posteriormente modelar as respostas, a observação o levou a trabalhar com animais saciados!

AJFMF: Eu sou absolutamente adepto daquela orientação da Etologia de que você aprende com o próprio bicho. O animal é quem nos ensina o caminha correto. Eu posso até filosofar no meu gabinete a respeito, mas quem está realmente se comportando é que vai dizer como, porque, quando, em que circunstâncias, de que jeito, de que maneira etc. etc. as coisas devem ocorrer. Não sou eu quem vai arbitrar o que deve ser feito. "Internar-se" com o bicho é, realmente, a melhor tática para se aprender, principalmente porque boa parte dos comportamentos com os quais sou obrigado a lidar são coisas que não chamam a atenção de ninguém e não existe uma tradição de estar pesquisando esse tipo de coisa. Principalmente em um país com pouca produção de conhecimento e poucos profissionais. Quem estará preocupado com detalhes da vida do pombo, do cachorro, por exemplo, se boceja ou deixa de bocejar? Há grande interesse com as coisas relacionadas à saúde pública; no caso dos veterinários, o que é necessário para engordar, mantê-lo sadio e abater mais rapidamente o bicho... Ninguém está preocupado em estudar os repertórios de todos os animais pelo simples conhecimento dos comportamentos, que é tipo de conhecimento que necessito para planejar um procedimento para instalar respostas, ou reproduzir as ações que o animal faria de maneira normal. A observação direta é crucial para se ter condições de fazer um trabalho em qualquer campo no qual o psicólogo esteja atuando.

EP: Como você encara a introdução da computação gráfica no campo da publicidade e do cinema? Você crê que isso posso vir a eliminar a necessidade de um profissional que treine animais?

AJFMF: A computação gráfica é, de fato, um belo concorrente. A partir da filmagem de animais andando ou fazendo uma série de comportamentos, é possível gerar coisas incríveis. Indiscutivelmente. Com o meu trabalho mais o auxílio de computador, já conseguimos coisas incríveis. Numa ocasião, fizemos três fotos para a Parmalat em que tivemos uma vaca em pé - literalmente, como se fosse um bípede – executando exercícios ginásticos. Numa delas ela está pulando corda, noutra está pedalando, noutra está com halteres... A coisa foi feita parcialmente comigo e parcialmente com o computador. Obviamente, a vaca não é um ser apetrechado pela natureza para ficar como bípede, muito embora ela possa ficar numa certa angulação máxima. Os bois precisam, naturalmente, galgar a fêmea para cruzar. Mas não são capazes de ficar em um ângulo de 180º. Nesse caso, a computação entrou naquilo que eu não fui capaz de fazer. Mas, é para se pensar se a computação vai conseguir fazer as vezes do psicólogo. Até certo ponto, não é o caso, pois quem procura requintes jamais se contentaria com um trabalho meramente de computação. Você está indo comigo, agora, para preparar um trabalho que a computação sozinha poderia executar: um cachorro estar, em uma mesa de veterinário, envolvendo-se carinhosamente com um gato. Seria possível, com computação, colocar um cachorro e um gato juntos. Mas as poses, a luz etc., jamais seriam os mesmos se se faz isso "ao vivo e em cores". Quando se procura requinte, o trabalho do psicólogo é insubstituível. Quando se procura magnificar o trabalho do psicólogo, a computação pode ser de incrível utilidade, mas somente ela não basta, por completo, quando se busca requinte na produção.

EP: Pelas suas palavras e pelos casos que você relata, há uma demonstração de inequívoca confiança nos princípios da aprendizagem. Existem algum limite intransponível ou qualquer trabalho é exeqüível? Em suma: qualquer animal é condicionável?

AJFMF: É uma pergunta estupenda. Partimos sempre da premissa que todos os bichos são condicionáveis até prova em contrário. E, de fato, a história tem demonstrado que nem com todos os bichos se tentou o condicionamento, até porque não foi necessário, ou ninguém se preocupou com isso. Mas será que todos os bichos são condicionáveis? Na prática, nos deparamos com coisas muito interessantes. Já tive o desafio de fazer um galo cantar. Seria o comportamento de cantar condicionável? Eu não sabia e tentei fazer. Fiz uma primeira vez e consegui. Com perfeição, isto é, o galo cantava todas as vezes em que eu apresentava a minha estimulação. Tive um segundo caso e também fiz a mesma coisa. Tive um terceiro caso: o galo, depois que aprendeu, não fez mais! Aprendeu, diante da minha estimulação, a exibir o comportamento. Depois que eu tinha bem estabelecido o comportamento ele "disse": "eu não faço mais!". Como havia necessidade de fazer a filmagem, tivemos de lançar mão de outros estratagemas. O galo cantou na hora da filmagem mas graças à apresentação de estímulos semelhantes aos que, em situação natural, eliciam o seu canto. Isso me levantou a questão: os meus casos anteriores não foram baseados em condicionamento? Foram! E por que esse simplesmente "se recusa" a fazer o comportamento depois de aprender? Posteriormente, tive outros casos com galos, que deveriam bater as asas e cantar, o que me deixou preocupado com a possibilidade de a coisa não funcionar sempre... Há limites? Há limites sim e, no exemplo do galo, a questão não está suficientemente respondida. E olha que, com um outro galo, consegui instalar a resposta de bocejar, coisa que não fora solicitada por ninguém. Durante a sessão de ensiná-lo a cantar, ele bocejou (de enfado com meus truques de Psicologia?) e, aí, resolvi experimentar o condicionamento de bocejar. Tive a bela surpresa de descobrir que este também é um comportamento que pode ser mantido sob controle de estímulos!

EP: Já houve casos em que você tenha aceitado uma tarefa sem ter idéia do que fazer?

AJFMF: Necessito fazer algumas observações preliminares. Para trabalhar nesse setor é preciso, em primeiro lugar, saber trabalhar contra o relógio. Sempre as coisas são para ontem... É preciso ser capaz de fazer o seu animal desempenhar não em condições ótimas, mas em um local com 50 pessoas circulando, tossindo, tomando café, jogando copinhos no chão, abrindo portas, entrando, saindo, acendendo a luz... Em síntese, aquelas condições ótimas de laboratório não existem nesse trabalho! Se já era difícil conseguir que o bicho fizesse as coisas, muito mais difícil nas circunstâncias em que normalmente ocorrem as filmagens, fotos e coisas do tipo. Voltando então à pergunta: quando me fazem as consultas, a gente tenta imaginar. Não vou dizendo: "faço!" e depois resolver. Sempre vamos imaginando quais são as condições técnicas de fazer o que foi pedido, do ponto de vista da Psicologia, de instalar comportamentos, de propiciar a eliciação da resposta, mas também, usando um termo da área, lançando mão de efeitos especiais. Por exemplo: se eu preciso fazer uma cabra andar em ziguezague e só tiver meia hora pela frente, provavelmente não será possível condicioná-la. Mas é possível produzir esse resultado: é só colocar, com um animal privado, uma comida na ponta de um anzol (e a câmara não capta a ponta do anzol) e ir fazendo um ziguezague com a comida, que o animal é capaz de andar, seguindo a comida. Mesmo com um bicho não privado é possível contar com o recurso de oferecer petiscos muito especiais. Depois de almoçar, somos capazes de comer uma sobremesa se for irresistível. Resumindo, eu sempre me pergunto quando me é proposto um trabalho: É possível condicionar? É possível recriar as condições naturais para a eliciação da resposta? É possível usar efeitos especiais? De um modo geral, eu aceito os trabalhos que acredito ser capaz de resolver. Mas já aceitei alguns trabalhos com desafios incríveis, como por exemplo, esse caso de fazer o cachorro espreguiçar e bocejar. Eu fui absolutamente honesto. Disse: "jamais fiz isso, não sei como fazer, mas me disponho a pesquisar. Se eu for capaz de descobrir, nós fazemos; caso contrário, não teremos como". Especificamente, bocejar era uma das tarefas das propagandas da Cofap. Aliás, um filme que pouca gente viu, passou uma semana só... Minha tarefa era: o cachorro deveria bocejar e por uma licença cinematográfica, deveria bater a patinha na boca como, às vezes, os humanos fazem ao bocejar. Coisa que, evidentemente, não faz parte do repertório do animal! Enfim, eu não aceito trabalhos que não possa executar em uma daquelas três linhas de atuação, mas, dependendo do serviço, sou honesto em dizer: "posso estudar!". E para que não fiquem muito curiosos, digo que consegui fazer o cão bocejar. Quanto à patinha, impossível. Por isso, usamos uma réplica que eu encostava na boca dele e retirava, repetidamente...

EP: Você seguramente já enfrentou situações inesperadas no seu trabalho...

AJFMF: Já tive problemas sérios com coisas simples, do tipo, fazer um cachorro ficar parado na frente da câmara. Um cachorro que sabia fazer isso não ficava! Então é preciso ter sensibilidade para descobrir o que acontece com um bicho que sabe fazer uma coisa e não quer fazer. Eu tive um caso muito instrutivo: numa ocasião, numa propaganda de uma gelatina vegetal (Pronto), um bulldog deveria iniciar mordiscando a barra da calça de uma senhora na cozinha, em seguida ir atrás de uma bola atirada pela senhora; uma porta se abre e várias crianças entram esmagando o cão (por efeito de desenho animado, é claro), e assim por diante. O cachorro já sabia fazer tudo direitinho: ficava, mordiscava, segurava a barra da calça... Fui ao cenário dois dias antes para adaptá-lo à situação de filmagem. Ao entrar no cenário, o cachorro estirou as patas da frente e de trás, pranchou-se no chão e "disse": "daqui não saio, daqui ninguém me tira!". Algo acontecia com o cachorro! A coisa ficou tão séria que permaneceu dias sem urinar e, três dias depois, o cachorro ainda não evacuava! O veterinário examinou o cachorro e ele não tinha nada! Finalmente, acabamos descobrindo o problema: a cozinha era um lugar branquinho, uma mesa branquinha, azulejos branquinhos... Na cabeça do cachorro, ele estava, certamente, entrando numa clínica veterinária! Passou a exibir o comportamento que, depois o dono me relatou, ele exibia quando ia ao veterinário, numa espécie de defesa. Foram necessários cinco dias de dessensibilização sistemática para o cachorro voltar a ficar de pé e andar no cenário, voltar a restabelecer o processo de condicionamento do que ele sabia fazer e executava fora dali. O problema era o cenário. Como não dava para mudar o cenário, tivemos de mudar o comportamento do cachorro. Existem coisas que são realmente complexas e é necessário estar atento. Inclusive, quando se executa esse tipo de trabalho, tentamos criar, durante as filmagens, o melhor clima possível. De um modo geral, eu isolo o bicho da convivência das pessoas, resguardando-o, tanto quanto possível, para não ficar muito excitado, com tanta gente mexendo com ele. Damos muitos intervalos, observando se ele está cansado, precisa urinar etc. Às vezes, a pessoa vem e diz: "é só mais uma ceninha...". Mas não faço, pois o bicho parece que não está confortável. Você tem de ficar atento e observar que coisas ou circunstâncias intervém e podem estar alterando o comportamento do animal.

EP: Ainda falando sobre as possibilidades de atuação no campo em que você trabalha, existem outros tipos de solicitação?

AJFMF: Além dos comerciais, fotos, cinema e teatro, há também certos eventos. Por exemplo, fui convidado a participar de um casamento para fazê-lo de maneira mais "refinada". Na hora em que, ao som das Quatro Estações os noivos deveriam dar um beijinho, a gente soltou uma nuvem de CO2 e 200 borboletas... Já em outras ocasiões, fiz dois trabalhos complicados: uma pomba deveria vir pousar no ombro esquerdo de um ator, num dado momento de um texto que estaria lendo. Num instante preciso. Imagine esse ator, num estádio, com 2.000 pessoas, canhão de laser, banda de música, CO2, fumaça, gritaria, algazarra de crianças e coisas do tipo. É diferente de um comercial que você repete a cena. Aqui, não; ou você faz, ou você "dança". Um outro trabalho super-interessante que a gente já fez foi o de uma loja que queria uma decoração de Natal externa: uma árvore de Natal com pombos brancos portando gravatinhas borboletas, que morassem naquela árvore cenográfica que foi implantada do lado de fora da loja. Treinamos os animais, de início, no meu estúdio, ambientamos os animais às condições pedidas e, por fim, no local, os animais foram soltos e ficaram lá. Além disso, fizemos um outro trabalho no teatro: um ator deveria andar com um cajado na mão com dois pombos que não deveriam sair de cima do cajado. Foi tranqüilo!

EP: Uma questão para finalizar: você faz parte de uma "geração" de psicólogos oriundos da USP que, por coincidência ou não, desenvolve trabalhos relativamente fora do convencional da Psicologia. Veja, por exemplo, a Hannelore Fuchs que não somente fez todo o trabalho de condicionamento dos animais do Simba Safari mas também tem feito um trabalho de consultório com animais.

AJFMF: É, ela terminou Psicologia, tem consultório e é a única pessoa que eu conheço no país que faz "terapia animal", incluindo desvios de comportamento, reeducação de hábitos. E não somos os únicos a inovar. Da mesma "turminha" da USP, tivemos (falecido) o Dario, com o pioneirismo de tratar de inter-sexo ("mudança" de sexo de pessoas nascidas com ambas as genitálias), do Evandro, com construção ergonômica de equipamentos hospitalares, e de outra colega, tratando de Psicologia e Arquitetura (a adequação, por exemplo, das divisões internas de uma moradia à circulação mais racional).

EP: Você considera que esse tipo de trabalho, seu, o de Hannelore e dos outros, abre perspectivas novas para a Psicologia, diante da virtual saturação de campos tradicionais de atuação?

AJFMF: Mexer com bichos é uma atividade no qual o psicólogo tem muito a contribuir. E não necessariamente em termos do meu trabalho específico que é condicionamento para publicidade, cinema, televisão, eventos e coisas do gênero. Esse é um setor que é limitado, mas existem outros em que o psicólogo teria uma contribuição muito grande a dar. Uma delas é lidar com comportamentos "normais" de animais; eu não conheço um único psicólogo que lide com condicionamento de cães. As pessoas que estão na área têm pouca base teórica. De um modo geral, não acreditam que a gente possa fazer o que faz, no tempo curto que se dispõe. Eles gastam um mês para treinar algo que a gente é capaz de fazer em duas ou três sessões. Mas, uma vez que os conhecimentos não são cartoriais; as pessoas, com bom senso, acabam descobrindo, umas passando às outras. Existe um conhecimento sim, mas retirado a fórceps da sua observação, da sua prática. Isso seria enormemente facilitado se as pessoas dispusessem de um mínimo de conhecimentos que a Psicologia está cansada de saber. Falta uma atuação do psicólogo junto às pessoas que lidam com treinamento de cães para obediência, guarda etc. Não seria necessário que o psicólogo saísse de casa em casa treinando os cachorros, mas ele poderia ter uma equipe que pudesse orientar ou prestar assessoria. Você teria condições de fazer mais coisas, mais rapidamente, muito bem feitas e com pouca seqüelas, ao contrário do que se vê, de um modo geral, com as pessoas que trabalham no setor. Esse é um campo. Existem outros que também lidam com o condicionamento e dos quais o psicólogo está muito ausente. Aqui em São Paulo havia até recentemente, uma psicóloga (falecida) que mexia com doma de cavalos, que ela denominada "doma racional". Utilizando princípios de Psicologia e coisas do tipo. Na área em que se cuida de cavalos, corre muito dinheiro e haveria facilidade para contratação de um psicólogo. Para ilustrar o que estou falando, para quem não está no campo, devo dizer que esse pessoal é capaz de trazer uma maquiadora dos Estados Unidos para trabalhar em um cavalo que vai a uma exposição... São áreas em que existe já um trabalho de condicionamento, mas o psicólogo está ausente. É o caso da doma de cavalos, de doma para montaria... Outro campo no qual o psicólogo está absolutamente ausente é o lidar, no conhecer, no descrever comportamentos animais, fazendo etogramas, levantamento de repertórios comportamentais, coisas do tipo... É uma coisa mais acadêmica, pois não há uma aplicação prática normal, mas é muito importante. Tanto para o pleno conhecimento do animal; e ajudar a melhorar sua condição de vida em zoológicos, reservas naturais, como melhorar a qualidade de vida dos bichos de estimação etc. Exemplo de quão pouco sabemos sobre o repertório comportamental dos animais e, por isso mesmo, do sofrimento que lhes impingimos, pode ser deduzido da nossa incapacidade de manter certos animais em zoológicos e conseguir que se reproduzam em cativeiro. Se isto está acontecendo, é porque ainda não descobrimos todas as suas reais necessidades e não estamos aptos, pois, a recriá-los no cativeiro. Isso tudo só para dizer que existem outros campos, com animais, nos quais os psicólogos que adoram bichos bem que poderiam oferecer seus serviços: zoológicos, clínicas, veterinários, reservas naturais, construturas de barragens que necessitam fazer retirada e transferência de animais... Sozinhos, os veterinários e biólogos não podem dar conta do recado na lida com os animais. Afinal de contas, o psicólogo é o especialista em comportamento, o que inclui o dos animais.

EP: No próprio campo da publicidade, existem outras possibilidade de atuação do psicólogo

AJFMF: Sim, dentro da publicidade, temos a criação de anúncios, de pesquisa de mercado. Aí, o psicólogo teria uma boa contribuição, pela sua formação em pesquisa, do conhecimento de pessoal, da capacidade de colher dados. São poucas as pessoas que lidam com isso; eu mesmo só conheço uma em São Paulo, o Fernando (Leite). Existem muitos psicólogos que trabalham com publicidade, mas que, dentro das agências, largam a Psicologia para fazer outras coisas. O que eu acho importante é as pessoas estarem atentas, ao longo do seu curso, com as possibilidades diferentes que elas possam ter ou fazer. Eu mesmo não escolhi lidar com bichos, muito pelo contrário. Isso, como dizia a Wilma, foi uma "praga" que rogaram em mim, pois o tempo todo da minha pós-graduação, eu brincava e debochava dos colegas que mexiam com bichos, com pitus, aranhas, caranguejos, formigas... Dizia: "eu não, eu quero mexer com gente!". E orientei todos os meus cursos para tratar com gente; foram raros os cursos com bichos. Isso ocorreu na minha vida – e coisas desse tipo ocorrem. Por que não tentar uma coisa diferente, uma caminho diferente? É preciso ficar atento às leituras, às conversas, aos seminários, aos congressos, para ver possíveis campos de atuação diferentes do psicólogo. Recentemente, por exemplo, fazia consultoria de RH e, na empresa World Tennis, tínhamos um serviço incrível, o que se chama hoje de "espionagem". Você quer saber, por exemplo, como os vendedores estão tratando os clientes. Uma empresa é contratada para mandar pessoas comprarem na loja com o fito de fazer um cheklist, após a visita, de centenas de itens (por exemplo, se o vendedor estava sujo ou limpo, se deu bom dia, se ofereceu todas as coisas, se foi cordial etc.). Em síntese: um trabalho de observação, que qualquer psicólogo teria satisfação em fazer. É um tipo de serviço que já se presta, mas não vejo psicólogo oferecendo isso. No nosso caso, os dados seriam usados não para despedir o funcionário, mas treiná-lo. São coisas que o psicólogo pode fazer e não estão, necessariamente, nos livros. Com o mundo em constante transformação, é preciso estar atento aos pequenos sinais que porventura possam ser promissores para uma nova atuação – que não é necessariamente aquela de o psicólogo montar um consultório e achar que só pode fazer alguma coisa na vida se colocar alguém no divã e atendê-la de forma psicanalítica, principalmente...

EP: Você gostaria de dizer mais alguma coisa que eventualmente teria faltado na entrevista?

AJFMF: Não poderia terminar sem enfatizar que não penso que muitos psicólogos devam tratar das questões relativas ao comportamento animal. Mas alguns precisam fazer isso, e logo. A maioria restante necessitaria lembrar que é especialista em comportamento e onde haja alguém se comportando, aí cabe um psicólogo.

1 Fagundes, A. J. F. M. (1980). Descrição, definição e registro de comportamento. São Paulo: Edicon.

  • Nota
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2001
    • Data do Fascículo
      Dez 1998
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